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PÓLIS

I NSTITUTO DE ESTUDOS,
moradia não é só casa
FORMAÇÃO E ASSESSORIA resultado do 2º ano do curso
EM POLÍTICAS SOCIAIS
“participar da gestão da cidade”

Florisbela Pereira Martins


Geraldina Souza Viana Santos
Jorge Nascimento
Manoel Otaviano da Silva
Realização
Escola da Cidadania / Instituto Pólis
Educadores:
Paula Pollini
Pedro Pontual
Tatiana de Amorim Maranhão
Revisão de Texto: José César de Magalhães Jr.
Diagramação: Renato Fabriga
Sumário

Apresentação 5

1. Unas – Favela de Heliópolis 7


Contexto urbano e o lugar da ocupação 7
Histórico da ocupação 7
Características da área 11
Visita de Campo 12

2. Mutirão Celeste 18
Contexto Urbano e o lugar da ocupação 18
Histórico da ocupação 18
Visita de campo 21

3. Visita ao conjunto da CDHU Jardim Leônidas Moreira 25


Contexto urbano e o lugar da ocupação 25
Histórico da ocupação 25
Visita de campo 27

Considerações Finais 33
Os autores:

Florisbela
Florisbela Pereira Martins nasceu em Minas Gerais, na cidade de Santo
Antônio do Grama. Veio para São Paulo no ano de 1963, quando começou
a freqüentar as missas do falecido Padre Mauro Batista da Paróquia Nossa
Senhora de Fátima no bairro Vila das Belezas. Em 1975, mudou-se para o
bairro do Campo Limpo, trabalhou como secretária da Sociedade Amigos
do Bairro Jardim Vale das Virtudes. Hoje, trabalha na Paróquia Senhor dos
Passos na entrega do “Viva Leite” e na Pastoral dos Vicentinos, ajudando
na distribuição de alimentos e outros atendimentos à população local. É
Conselheira Tutelar do Campo Limpo desde 2002.

Geraldina
Geraldina Souza Viana Santos nasceu em Minas Gerais, na cidade de
Januário. Chegou a São Paulo aos seis anos de idade, em 1966. De início,
morou em São Bernardo e, logo após, foi viver “na Paulicéia”. Em 1975,
mudou-se para Vila Cristina. Lá começou seu trabalho como voluntária no
Centro Jovem da Igreja Santa Cristina e fez parte do movimento “Panela
Vazia”. Nesta época, final dos anos 70, a luta por melhores condições de
moradia começou a se intensificar na região. Participou ali de diversas ações
do movimento de moradia. Fez parte do mutirão Celeste I e II, mas, devido
a problemas de saúde, sua atuação não foi constante e ela não conseguiu
sua casa. Hoje, está no projeto de mutirão de prédios “residencial”, locali-
zado próximo ao Celeste I, com previsão de ser iniciado em breve.

Jorge
Jorge Nascimento nasceu em Guararapes, Estado de São Paulo, e veio para
a cidade de São Paulo em 1971, residindo na Vila Bela, sub-distrito da Vila
Prudente. Sempre participou das lutas sociais, atuando no Sindicato dos
Rodoviários do Grande ABC e no Movimento pela “Diretas Já”. Engajou-se
na luta pela moradia, em 1999, no movimento Santo Conti da Vila Pru-
dente e também no movimento de saúde da Zona Sudeste. Em 2001, co-
meçou a integrar a coordenação do Fórum dos Mutirões de São Paulo. Hoje,
é também conselheiro gestor da Unidade Básica de Saúde “Dr. Herminio
Moreira” da Vila Alpina.

Manoel
Manoel Otaviano da Silva nasceu na cidade de Alegrete, no Piauí e veio
para São Paulo em 1986, indo morar na favela de Heliópolis, onde come-
çou sua militância no movimento de moradia, no movimento partidário e
no movimento de saúde. Hoje, é um dos diretores da Unas (União de Nú-
cleos, Associações e Sociedade de Heliópolis e São João Clímaco), tem par-
ticipação na CMP (Central de Movimentos Populares) e na UMM (União
dos Movimentos de Moradia). É muito atuante na militância pela melhoria
da qualidade de vida em Heliópolis.

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Apresentação

Este texto é produto do trabalho coletivo dos educandos do 2º


ano da Escola da Cidadania do Instituto Pólis no ano de 2003. O texto
segue o ritmo livre e o tom coloquial de um relato de experiências.
Tendo participado em 2002 do curso “Participar da Gestão da
Cidade”, este grupo aceitou o desafio de prosseguir, neste ano, em
um conjunto de atividades de formação promovidas pela escola e
que compõem o currículo do segundo ano do curso.
Dentre as atividades de que tiveram oportunidade de partici-
par (seminários, oficinas, debates) destaca-se a atividade progra-
mada voltada para a sistematização de práticas de organização
política nas quais estão envolvidos.
Considerando a importância da sistematização como ferramenta
que sintetiza um conjunto de habilidades que proporcionam maior
autonomia aos educandos na problematização das questões da prá-
tica social, esta atividade, cujo produto agora está sendo apresen-
tado, constituiu-se na espinha dorsal das atividades destes edu-
candos neste ano na Escola da Cidadania.
A partir de um roteiro básico sobre metodologias de sistematização,
os(as) educadores(as) discutiram com o grupo de educandos todos os
passos do processo, incluindo o tema, o objeto e as perguntas iniciais.
O tema da moradia foi escolhido pelos educandos(as) como o
foco da experiência a ser sistematizada. O trabalho seria realizado
a partir do estudo de três conjuntos habitacionais, com ênfase nos
seguintes aspectos:
1 – A relação entre área de moradia e áreas de lazer, pensando
o impacto desta relação na qualidade de vida e violência.
2 – A relação entre local de moradia e escola, pensando o im-
pacto desta nas condições de aprendizagem das crianças.
3 – A relação entre moradia e creche, pensando o impacto desta na
condição de vida das mulheres e nas possibilidades de trabalho.

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A partir de então, desenvolveu-se todo um trabalho conjunto de
pesquisa de campo para buscar fontes de informação e depoimen-
tos de pessoas das três áreas de moradia escolhidas e que pudessem
nos ajudar a responder as perguntas formuladas. O intercâmbio de
conhecimentos, visões, interpretações da realidade, proporcionado
pelas visitas compartilhadas de educadores e educandos, foi uma
experiência muito importante para a formação de todos(as) e for-
neceu os insumos mais importantes para a produção final do grupo.
Seguiu-se um intenso e fecundo esforço de interpretação daqui-
lo que foi colhido nas visitas e a busca coletiva de traduzir este tra-
balho no texto que agora apresentamos e que queremos comparti-
lhar com aqueles que, como nós, acreditam que “moradia não é só
casa” e que, na verdade, a luta por moradia só adquire potencial
emancipador quando ela integra um conjunto de alternativas que
possibilitem uma vida mais digna e um habitat melhor para a comu-
nidade em todos os aspectos.
Esta visão está bem sintetizada na fala dos próprios educandos:

A casa não é só quatro paredes. As paredes servem como


endereço e ponto de referência, estrutura familiar, aconchego,
mas a luta por moradia envolve outras necessidades como o
emprego para manter a casa, educação para os nossos filhos,
saúde, lazer, transporte. Sem isso, só a casa não tem sentido.

Este texto pretende, ainda, consolidar idéias, traças metas, bus-


car novos olhares sobre a cidade.

Esperamos que esta produção contribua com outros grupos en-


volvidos na mesma luta e aos quais sugerimos também um esforço
de sistematizar e socializar suas práticas como possibilidade de for-
talecimento de nossa capacidade de intervenção e proposição.

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1. Unas – Favela de Heliópolis

Contexto urbano e o lugar da ocupação


A favela de Heliópolis localiza-se na região sudeste da Cidade
de São Paulo, na subprefeitura do Ipiranga. O entorno da favela
é composto pelos bairros Sacomã, São João Clímaco, Vila Carioca
e pelo município de São Caetano do Sul. O acesso à Heliópolis se
dá pela Avenida Almi-
rante Delamare, pela
Estrada das Lágrimas,
pela Avenida Presiden-
te Wilson e pela Aveni-
da das Juntas Provisó-
rias. É a maior favela da
cidade de São Paulo,
com cerca de 1 milhão
de metros quadrados.

Histórico da ocupação
Toda a região de Heliópolis fazia parte do “Sítio Moinho Velho”,
pertencente ao Conde Álvares Penteado. Em 1942, a área foi com-
prada pelo IAPAS (Instituto de Aposentados e Pensões dos
Industriários), que construiu, em 1969, o Hospital Heliópolis e o
Posto de Assistência Médica (PAM), até hoje referência de atendi-
mento emergencial para a região.
Em 1971, a área começou a ser ocupada, com a acomodação
de 200 famílias da Vila Prudente e da Vila Vergueiro levadas
pelo poder público. Na época, Paulo Maluf era prefeito. No ano
seguinte, famílias da Vila Arapuá também foram remanejadas
para o mesmo local, mas, desta vez, contavam com o apoio de

7
setores progressistas da Igreja Católica. Frei Betto, foi uma das
figuras importantes que atuaram junto aos moradores de
Heliópolis.
A partir de 1977, cresceu a ação de “grileiros” no território. Eles
dividiram a área em lotes, venderam esses lotes para as pessoas
que migravam para Heliópolis e passaram a fazer ameaças às pes-
soas que estavam ocupando espontaneamente o local, criando um
clima de violência.
Nos anos de 1975 e 1976, não existiam creches na região. Pos-
teriormente, algumas mulheres se organizaram para cuidar dos fi-
lhos de mães que precisavam trabalhar. Deu-se a esta experiência
o nome de “mães crecheiras”. Apenas na gestão do governador
Orestes Quércia (1987-1990) surgiram as primeiras creches públi-
cas em Heliópolis. Estas creches existem até hoje.
A ocupação de Heliópolis se expande cada vez mais, atingindo
o bairro São João Clímaco. Em maio de 1979, foi realizado o Con-
gresso de Favelados de Grande São Paulo e, em agosto do mesmo
ano, foi criado o Movimento Unificado de Favelas de São Paulo,
com o objetivo de criar uma rede de comunicação entre os movi-
mentos, para socializar as dificuldades enfrentadas por cada um e
pensar uma ação política conjunta para cobrar do poder público
as deliberações tomadas nos encontros.
A partir destes anos, a população começou a se organizar para
lutar pelo lugar de moradia e por infra-estrutura: luz, água e es-
goto. Favela era uma questão de polícia e, de olho na alta valori-
zação da região, a Prefeitura pretendia destinar a área para cons-
trução de moradia para a classe média. Os moradores da favela
resistiram com passeatas e assembléias.
Na década de 80, os moradores estavam mais organizados,
lutando pela legalização e urbanização da favela. Em 1981, foi
criada a Central dos Moradores de Heliópolis e iniciada a cons-
trução de uma sede. Em 1982, foi organizada a associação Unas
( União de Núcleos, Associações e Sociedade de Heliópolis e São

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João Clímaco ), embora ela só tenha sido oficializada em 1992.
A partir daí, a luta se tornou permanente, com assembléias, pas-
seatas, manifesta-
ções e ocupações, e
se iniciam novas rei-
vindicações por direi-
tos que não apenas
por moradia.
Durante a gestão
municipal de Jânio
Quadros (1985-1988),
os moradores de
Heliópolis criaram as
comissões de moradia
para negociar com o poder público a regularização dos locais de
habitação. A partir de um determinado momento, no entanto,
o prefeito deixou de atender as comissões e os moradores fun-
daram a Associação Central, para se contrapor ao fim das ne-
gociações.
Durante a gestão municipal de Luiza Erundina (1989-1992),
os contatos entre as organizações de Heliópolis e o poder pú-
blico foram retomados. Surgiram os primeiros convênios fir-
mados entre a prefeitura e associações que compõem a Unas:
Associação Central e Associação de Amigos do Heliópolis. Fo-
ram assinados três convênios para Centros Jovens (atuais Es-
paço Gente Jovem). Nesta mesma época, foram assinados ou-
tros convênios para abrir e pavimentar as primeiras ruas da
favela. As obras foram feitas em regime de mutirão e auto-
gestão pelos próprios moradores. As ruas foram pavimenta-
das, no entanto, com paralelepípedos; material não muito ade-
quado. Neste momento, os moradores não tinham clareza so-
bre a qualidade ou facilidade do material, o importante era a
retirada da lama.

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EGJ - ESPAÇO GENTE JOVEM

Os EGJs substituíram os antigos Centros Jovem, CJs, mudando


apenas de nome. São espaços que atendem crianças de 7 a 14 anos
matriculadas na escola, com o acompanhamento da freqüência des-
ses alunos. Lá, as crianças realizam atividades de auto-desenvolvi-
mento como: dança, teatro, pintura, música, e esportes como ca-
poeira. O objetivo do projeto é a ocupação das crianças para que
elas não fiquem na rua, vulneráveis à violência. Deixando as famí-
lias mais seguras.
Cada EGJ desenvolve um projeto próprio. Cada sede tem suas dife-
renças, sendo algumas de associações e outras da prefeitura.
No caso dos EGJs de Heliópolis, todas as sedes são das associa-
ções: duas da UNAS e uma da Associação Central. Nestes locais,
são oferecidos cursos profissionalizantes como: computação, pa-
daria e confeitaria, artesanatos, além de aulas para alfabetização
de adultos no período da noite. Os espaços funcionam das 7:30 às
16:30 hs e neles são oferecidos uma refeição e um lanche para cada
turma.
Os primeiros CJs foram criados durante a gestão da Prefeita Luiza
Erundina com convênios que eram renovados a cada ano, dependen-
do de avaliação. No caso de Heliópolis, os quatro convênios se man-
têm até hoje.
Estas mesmas associações têm outros convênios com o poder pú-
blico: quatro creches com a prefeitura e uma creche e um programa
para o cumprimento de medida sócio-educativa de liberdade assistida
com o governo do Estado. Os convênios com a prefeitura podem ser
renovados em períodos de dois a cinco anos. Além destes, as associa-
ções também têm convênios com a iniciativa privada para o desen-
volvimento do projeto “Parceiros da Criança” – parceria entre a Unas,
a Faculdade São Marcos, o Instituto GM e uma ONG, para projetos
voltados para o desenvolvimento infantil.

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Com o fim da gestão Erundina, os convênios com a prefeitura
foram encerrados. A gestão de Paulo Maluf (1993-1996) não tinha
como prioridade construir moradias populares em regime de muti-
rão; as construções de sua administração foram sempre realizadas
por grandes empreiteiras. Maluf desapropriou famílias no Sacomã
para a construção de um anel viário. Estas famílias foram deslocadas
para uma das ruas que cercam a favela de Heliópolis (Avenida Presi-
dente Wilson), ali, foram construídos prédios do Projeto Cingapura
com capacidade para alojar 600 famílias – em uma região que é tida
como uma área de risco. A favela foi ainda mais adensada e nenhu-
ma creche ou outro equipamento público foi construído.
Um dos inúmeros conflitos que tiveram lugar neste período foi
o da mobilização de cerca de 3 mil pessoas para impedir o despejo
de famílias da quadra H. Houve conflito direto e muitas lideranças
foram presas. Ao fim, os mandados de despejo foram suspensos
pela ação de uma juíza. Diante das tantas mobilizações de resis-
tência, os moradores e a prefeitura chegaram a um acordo judicial
que determinava que nenhuma ordem de despejo seria executada
até o término da gestão do então prefeito Paulo Maluf. Este acor-
do foi mantido durante esta gestão e toda a gestão seguinte do
Prefeito Celso Pitta. A gestão Maluf foi o período de maior ocupa-
ção na favela, graças a retirada do policiamento mantido desde a
gestão Erundina. Foi um momento denominado de ocupação es-
pontânea.

Características da área
Segundo dados do Censo 2000 do IBGE, há cerca 100 mil famí-
lias na favela de Heliópolis. Esta população é, em sua maioria, uma
população jovem. Cerca de 50% dos habitantes se encontram na
faixa etária entre 0 e 21 anos. Dados também revelam que, como
em todo o país, os jovens que hoje residem na favela têm avança-
do mais nos estudos do que aqueles que chegaram no passado.

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Visita de Campo

De uns três anos para cá, os moradores se conscientizaram de


que a luta por moradia envolve outras reivindicações para a me-
lhoria de vida que não só a construção das quatro paredes. Hoje,
na maior favela de São Paulo, os equipamentos e áreas de lazer
atendem apenas 2% de sua população. Os equipamentos existen-
tes são escassos e bastante recentes, datando de dois a três anos;
além de estarem localizados à grande distância uns dos outros.
A visita de campo do grupo da Escola da Cidadania foi realiza-
da no dia 14 de agosto de 2003. Ela começou com o encontro do
grupo na sede da Sociedade Amigos e Moradores de Heliópolis. A
sede tem dois convênios para atendimentos de crianças; um deles
com a SAS, que habilita o local para atividades de EGJ com atendi-
mento para 130 crianças e o outro com o Instituto Esporte Educa-
ção, que desenvolve o Projeto Vôlei. Uma parceria entre as empre-
sas Unilever, Rexona e a Unas com o apoio da ex-jogadora de vôlei
Ana Moser. A capacidade de atendimento deste projeto é de 420
crianças com aulas de esporte de uma hora, duas vezes por sema-
na. As crianças que participam precisam estar matriculadas e fre-
qüentando a escola e desenvolvem um trabalho de equipe. O tra-
balho consiste na formação de um time de futebol que participa
de competições em outros Estados. Neste mesmo local, professo-
res da comunidade desenvolvem aulas de capoeira e dança.
A sede da Sociedade Amigos e Moradores de Heliópolis é um
dos importantes espaços de lazer para os moradores da favela. Ela
consiste em um complexo que conta com uma quadra de vôlei, um
salão, uma pequena biblioteca e um centro de informática com
cinco computadores. Um dos salões deste espaço é utilizado para
reuniões entre os moradores, no qual também são feitas algumas
atividades de educação, como debates sobre sexualidade e outros
temas de interesse. Há também um plantão semanal de assistência
social, no qual são passadas informações sobre os projetos de ha-

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bitação da região. Existe um projeto de iniciativa das entidades
parceiras para a ampliação deste centro no ano de 2004. A inten-
ção é aumentar a capacidade de atendimento para 1.200 crianças
(de 6 a 14 anos).
Além deste espaço, há outro centro de lazer localizado na sede
central da Unas. Este conta com uma quadra de futebol de salão,
além de um telecentro com 21 computadores. O telecentro atende
a uma demanda de mais de 500 pessoas para o curso básico de
computação. Nesta sede, também visitamos a rádio comunitária,
com direito a uma entrevista ao vivo. Ainda no mesmo local, há
outro Espaço de Gente Jovem (EGJ).
Para observar o atendimento às crianças e aos adolescentes,
visitamos um outro Espaço Gente Jovem, o “Cidade do Sol”,
conveniado entre a Unas e a Secretaria da Assistência Social (SAS).
O espaço é pequeno e as condições de atendimento são precárias.
O EGJ localiza-se em um salão cedido pela Igreja, que serve, ao
mesmo tempo, como refeitório e como espaço para as atividades.
O projeto atende cerca de 70 crianças. Semanalmente, elas vão ao
Balneário Princesa Isabel, equipamento da Secretaria Municipal de
Esporte e Lazer. Lá, as crianças têm atividades de lazer, incluindo
natação e jogos de quadra, e recebem um lanche.
Não há um semáforo para a travessia das crianças e não há
garantia de transporte público gratuito do local para outras áreas
do bairro. Através de entrevista com uma das educadoras, consta-
tamos falta de recursos para o desenvolvimento de outras ativida-
des necessárias para o atendimento.
Este espaço existe há três anos. Em um primeiro momento, fun-
cionava através de um convênio com a Fundação Abrinq, que du-
rou um ano. Há um ano e meio, a SAS assinou um novo convênio.
No período da noite, o mesmo espaço é utilizado para um trabalho
voluntário de educação de adultos.
A realidade das creches é similar, conforme constatamos em nossa
visita: faltam recursos para o atendimento das crianças. A verba

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disponibilizada pelo convênio com a prefeitura não é suficiente para
arcar com a manutenção dos equipamentos usados (brinquedos, es-
tantes). As creches fazem bingos, festas, rifas durante os fins de
semana para arrecadar recursos a fim de cobrir as necessidades do
atendimento. A visita centrou-se em duas creches conveniadas com
a Unas: uma com a prefeitura e a outra com o governo do Estado.
Ao lado da sede central da Unas, visitamos a creche da Rua da
Mina, um convênio da Unas com o governo do Estado. Conversa-
mos com a assistente da diretora. Segundo ela, a verba destinada
pelo convênio é razoável embora, da mesma forma como observa-
mos em outras creches, a comunidade tenha que realizar eventos
para ajudar na manutenção do equipamento. A demanda desta
creche é de mais de 600 crianças. Devido à alta demanda, surgiu
na região um movimento denominado “movimento dos sem cre-
ches da [quadra] H”.
Constatamos ainda a forte presença de ONGs que desenvolvem
atividades nos espaços de lazer da comunidade.
Grande parte dos moradores da favela ainda vive em barracos
de alvenaria ou madeira. No início da favela, há alguns prédios
construídos através de programas do poder público. O primeiro
conjunto visitado foi um Cingapura, prédios de cinco andares cons-
truídos pela prefeitura durante a gestão Maluf. Na parte térrea
destes prédios, observamos a existência de comércio, o que não
acontece nos outros conjuntos. O funcionamento de comércios foi
uma demanda da população local.
Seguimos então para os prédios da Cohab (Prefeitura de São
Paulo). Cada um deles tem 10 andares. Os apartamentos são con-
fortáveis e com boa ventilação. Nestes prédios, há dois salões no
térreo para reuniões dos moradores e festas. Nas imediações, exis-
te um projeto para a construção de uma quadra de futebol de sa-
lão e um playground .
Fomos conhecer ainda outro projeto, o Prover (com a Prefeitu-
ra de São Paulo, da gestão Marta Suplicy). Os prédios do conjunto,

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de cinco andares, são semelhantes aos prédios do Cingapura, com
o único diferencial de ter um estacionamento.
Continuando nosso percurso, nos deparamos com “a mais ou-
sada obra do Maluf para a área”, um alojamento provisório cons-
truído com Madeirite e telhas Brasilite . É um aglomerado de pes-
soas vivendo em condições subumanas;
as caixas de água ficam ao ar livre, o
esgoto está a céu aberto, não há venti-
lação nem iluminação e o espaço físico
é bastante reduzido. Segundo consta-
tamos através de conversas com os
moradores, não há expectativa ou pre-
visão de melhora.
Os moradores deste alojamento fo-
ram levados para lá durante a gestão
Maluf. Vítimas de um incêndio, a pro-
messa era a de que seriam removidos
para uma área adequada em seis me-
ses. Porém, até hoje, eles continuam lá.
Dando continuidade a visita, para-
mos no espaço destinado às equipes do
Programa de Saúde da Família (PSF) e constatamos a situação pre-
cária com que trabalham. São três equipes que realizam o atendi-
mento de uma área muito grande e muito adensada: uma parte de
Heliópolis e uma parte da Vila Carioca. Não há nenhum equipa-
mento médico e os enfermeiros realizam o atendimento no Posto
de Saúde da Vila Carioca, a Unidade Básica de Saúde (UBS) “Dr.
Joaquim Rossini”.
Retornamos à sede da Unas, na quadra H, e aguardamos a che-
gada de mais uma integrante do grupo. Fomos visitar e almoçar na
creche Padre Pedro Balin. Esta creche, originalmente, se localizava
dentro da favela, mas mudou-se em função de problemas na estru-
tura da casa. O novo endereço fica nas imediações da favela, mas

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continua atendendo a mesma demanda. O convênio, firmado entre
a Unas e a Secretaria Municipal de Educação (SME), é para 90 crian-
ças, embora sejam atendidas 97. O valor do convênio é de 1.500
reais; pouco para o trabalho diário, segundo a diretora da creche.
Esta situação faz com que os responsáveis pela creche sejam obri-
gados a recorrer à sua criatividade e realizem bingos, festas, feijoa-
das para arrecadar fundos para a manutenção do equipamento. A
situação também é contornada através do trabalho voluntário de
algumas mães em substituição ao trabalho de profissionais.
Foi observado que o
espaço é muito grande,
excelente, mas é sub-
utilizado. No espaço,
cabem 120 crianças e a
prefeitura não quer
ampliar o número de
atendidos. Há 700 cri-
anças na fila de espera
e, por exigência da pre-
feitura, as inscrições
acontecem mensalmente mesmo não havendo condições de
atender toda a demanda.
Conforme relato da diretora, existe uma grande preocupação
com a saúde das crianças, que quase sempre vêm doentes de casa.
Há acompanhamento odontológico, psicológico e pediátrico, num
total de quatro profissionais cedidos pela UBS, conhecida como
“Posto da Estrada das Lágrimas”. Os mantimentos da creche são
comprados diretamente pela coordenação da creche. Além desta
aquisição, algumas hortaliças são doadas por moradores da região.
Em seguida, visitamos uma das escolas que atendem os jovens
de Heliópolis, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Campos
Salles. Conversamos com o diretor, Brás, que está na escola desde
1995. Segundo ele, a escola não é suficiente para atender a de-

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manda de alunos da favela e de seu entorno. Há mais uma escola
dentro da favela, a EMEF Luiz Gonzaga, conhecida como
Gonzaguinha.
A violência é um problema grave enfrentado pela escola e pela
comunidade. Em 1999, após a morte de uma estudante, o diretor,
juntamente com a população, tomou a iniciativa de realizar a “Ca-
minhada pela Paz”. Já foram feitas quatro caminhadas e, cada vez
mais, tem tido adesão das escolas municipais e estaduais e da
sociedade em geral. Todos os equipamentos sociais fecham nos dias
das caminhadas para que as pessoas possam acompanhar a mar-
cha que circula dentro de toda Heliópolis. Há dois pontos princi-
pais: o ponto de partida, no Colégio Campos Salles, por onde se
entra na favela, e o término, na Igreja Santa Edwiges.
A escola é um bem público e pertence à comunidade, portanto,
a história dessa comunidade tem que fazer parte do currículo da
escola, assim como dos valores e da formação dos professores. Se-
gundo os diretores, muitos dos professores têm valores e passam
uma visão de classe média, descolada da realidade dos alunos do
entorno: “(...) não basta a escola estar aberta, a cabeça também
tem que estar, pois os professores desconhecem a realidade dos
alunos (...)”. 1
Além do problema da violência, outra dificuldade enfrentada é
a da falta de professores. O diretor reclama desta situação, pois,
desta maneira, os professores são substituídos pelo assistente de
direção ou pela coordenadora pedagógica e perde-se o fio das dis-
cussões de aula. Ele lamenta não poder atender todas as pessoas
do entorno, que muitas vezes vão estudar em outras escolas mais
distantes.

1
Entrevista concedida por Brás, diretor da EMEF Campos Salles, ao grupo de trabalho.

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2. Mutirão Celeste

Contexto Urbano e o lugar da ocupação


O conjunto habitacional Celeste localiza-se no bairro do Jardim
São Savério, na região sudeste da Cidade de São Paulo. Nas imedia-
ções do mutirão, estão a favela Santa Cristina e o bairro Parque
Bristol. Um pouco mais adiante, localiza-se o bairro Jardim Celeste.
Além da favela Santa Cristina, os conjuntos habitacionais são
cercados por um empreendimento habitacional de classe média.
As ruas do conjunto ainda são de terra. Há um córrego não cana-
lizado entre o conjunto e a favela onde há um grande contingente
populacional vivendo em área de risco.

Histórico da ocupação
Na década de 70, Padre João Júlio, juntamente com Irmã
Fernanda, realizavam trabalhos de parceria e orientação da comu-
nidade na Igreja de Santa Cristina e dentro da própria favela. Nesta
época, os movimentos organizados estavam começando a se formar
e se mobilizar e o padre os auxiliava na organização de reuniões
junto ao poder público e com trabalhos de formação de lideranças.
Foi neste momento que nasceu o movimento “Panela Vazia”.
O movimento cresceu e a favela foi adensada com a chegada
de famílias de outras regiões da cidade e do país. Dava-se início ao
movimento de luta por moradia e a população organizada come-
çou a pressionar o poder público para dar início a um projeto de
construção de moradias.
O plano inicial era de urbanização da favela Santa Cristina.
Como o número de famílias era muito grande e a região até en-
tão ocupada era precária, o padre João Julionegociou junto a
Prefeitura Municipal de São Paulo (gestão Jânio Quadros) a com-

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pra da fazenda no terreno próximo à favela. A idéia era construir
casas populares.
A construção das unidades do conjunto habitacional Celeste se
deu em regime de mutirão na gestão Luiza Erundina. A construção
das unidades se deu em três etapas. No primeiro momento, foi ini-
ciado o conjunto Celeste I. Durante a gestão Maluf, houve a inter-
rupção do repasse de verbas para as obras. A população se organi-
zou para construir com recursos próprios. Na gestão de Celso Pitta,
mesmo com poucos recursos, se iniciou a construção de um se-
gundo conjunto de casas, o conjunto Celeste II, que, hoje, está sen-
do entregue para a fase de acabamento individual de cada mora-
dor. Hoje, o terceiro bloco de moradias está em fase de finalização,
o conjunto São Savério.
Quando as obras foram paralisadas, no final da gestão Maluf, a
Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste, res-
ponsável pelo projeto junto à Secretaria Municipal de Habitação,
filiou-se ao Fórum dos Mutirões para lutar pela continuidade das
obras. Apenas na gestão do Prefeito Celso Pitta (1997-2000), depois
de muitas manifestações, dentre elas invasões da Cohab, os mora-
dores conseguiram a liberação de escassas verbas para os muti-
rões. Nesta época, foi iniciada a construção do conjunto Celeste II.
Com o início da gestão da Prefeita Marta Suplicy (2001-2004), os
programas de mutirão foram retomados.
O início da organização do Movimento de Moradia da Região
Sudeste se deu no final dos anos 70, com a criação da Pastoral de
Favelas na Região do Ipiranga, sob a orientação do bispo do
Ipiranga, Dom Celso. A partir dos trabalhos da comunidade eclesial
na luta pela melhoria das favelas, os moradores se organizam em
Comissões de Moradores em cada favela. Posteriormente, se uni-
ram na eleição do Conselho Regional de Favelas do Ipiranga.
Esta primeira fase da organização dos moradores das favelas
foi marcada pela intensificação das relações com as paróquias da
região. O resultado foi o surgimento dos agentes pastorais.

19
Em 1980, ocorreu a primeira ocupação de terra na região, da qual
surgiu a favela Campo de Luta – onde os moradores continuam até hoje.
Este é o período também do surgimento de dois importantes movimen-
tos de moradores de favela na cidade de São Paulo: o Movimento de
Defesa dos Favelados (MDF) e o Movimento Unificado de Favelas (MUF),
dos quais faziam parte os moradores das favelas da Região Sudeste.
Alguns anos mais tarde, a Pastoral de Favelas torna-se Pastoral
da Moradia, impulsionando a articulação dos moradores de corti-
ços, de favelas e de aluguel na eleição da Coordenação dos Movi-
mentos de Moradia da Região Sudeste. No mesmo sentido, os mo-
radores da favela de Heliópolis iniciavam a discussão que culmi-
naria na fundação da Unas - União de Núcleos, Associações e So-
ciedades de Heliópolis e São João Clímaco.
Em 1989, a Coordenação tem sua primeira importante vitória.
A luta dos moradores consegue articular um projeto habitacional
para a região, atendendo 1.200 famílias com 500 unidades habita-
cionais construídas em regime de mutirão – o Conjunto Celeste.

HISTÓRICO DO FÓRUM DE MUTIRÕES

O Fórum de Mutirões foi criado no final de 1992 pelas 84 Associações


de Construção Comunitária por Mutirão de Autogestão que assinaram con-
vênios de financiamento para construção de moradias populares durante a
gestão da Prefeita Luiza Erundina (1989-1992). A iniciativa de criação do
Fórum foi uma precaução dos representantes das associações, apoios e as-
sessorias técnicas com o novo governo que viria. As obras foram de fato
interrompidas pelo Prefeito Paulo Maluf (1993-1996) sob a alegação de
que havia irregularidades no repasse de verbas e na utilização de materiais
pelas associações. Nos últimos anos, o Fórum se fortaleceu com o envolvi-
mento de outras associações de mutirão e passou a ser reconhecido como
um movimento popular. Hoje, ele tem papel de interlocução entre o poder
público e os mutirantes, com reuniões mensais periódicas.

20
Visita de campo

Fomos recebidos pela


simpática amiga, já co-
nhecida do Instituto
Pólis, Bete, que com um
sorriso hilariante se
comprometeu em nos
levar e detalhar a visita
que faríamos.
Já no início da visita percebe-se que o trabalho da pastoral é
visível pois, ali, se avista a Igreja Santa Cristina. Junto a ela, há um
espaço da Associação dos Moradores para a realização de projetos
para a comunidade como a distribuição de leite (inclusive para a
favela Santa Cristina). Há também um espaço dedicado para ativi-
dades. Este espaço é excelente, com boa ventilação e iluminação.
As mulheres desenvolvem atividades físicas, dança, ginástica e há
também um trabalho com a terceira idade.
Visitamos a creche, ali também localizada, que mantém con-
vênio com a prefeitura. O espaço é pequeno, atende 66 crian-
ças, de 2 a 4 anos e 11 meses. A demanda na fila de espera é por
200 vagas. As crianças são bem atendidas, mas há deficiência
dos equipamentos ali instalados; faltam estantes, armários, apa-
relho de som, vídeo e li-
vros. Segundo entrevis-
ta com uma das funci-
onárias, a prefeitura
havia se comprometido
a levar uma mesa e um
aparelho novo de tele-
visão, mas, até agora,
não cumpriu com o
prometido.

21
Até o ano de 2002, a creche atendia 25 crianças e os funcioná-
rios trabalhavam voluntariamente. Em seguida, foram feitas re-
formas e um convênio entre a Associação e a SAS foi assinado. Os
recursos do convênio são insuficientes para a creche. De acordo
com a funcionária da creche, a merenda também não é suficiente
para o número de crianças atendidas.
Ao lado desta creche, existe uma quadra que os jovens utilizam
para esporte, com revezamento de times entre eles. Essa quadra
também é utilizada para
o trabalho com as crian-
ças da creche.
Saímos para conhe-
cer as obras feitas em
regime de mutirão. As
unidades são sobrados
com 72 metros quadra-
dos. São bem distribuí-
dos, com arquitetura
bem elaborada e foram
entregues recentemente, na gestão atual. As casas foram entre-
gues aos moradores mesmo sem toda a infra-estrutura de água e
luz instalada e sem os acabamentos internos.
No entorno deste
conjunto, moram mais
de 500 famílias na fave-
la Santa Cristina. Esta
população utiliza a cre-
che e freqüenta a cape-
la. Ela está cadastrada
no Leve Leite, programa
do governo do Estado.
Continuando nosso
percurso, fomos para o

22
primeiro projeto, o Celeste I. Este já foi concluído por iniciativa
própria dos moradores, em um total de 112 famílias. A construção
e a compra do material foi feita pelos próprios moradores. Neste
conjunto, observamos algumas construções irregulares como o “fa-
moso” puxadinho, utilizado para várias finalidades, e algumas ga-
ragens. As ruas são isoladas umas das outras por meio de grades,
configurando-se como condomínios fechados, devido a seguran-
ça. Conversamos, neste local, com um dos três jovens que moram
ali e estudam medicina em Cuba através de um projeto destinado
a jovens da periferia da cidade de São Paulo.
Depois, fomos conhecer os conjuntos de prédios localizados ao
lado do Celeste I. São dois tipos diferentes de prédios. Em um dos
blocos, há jardim nos prédios. Estes contam com escadas. No mes-
mo bloco, há diferentes formas de organização do jardim. Nota-
mos que estes são bem cuidados e entrevistamos o síndico de um
dos prédios que é também seu jardineiro.
Próximo aos prédios, visitamos um outro conjunto de casas
construídas com recursos próprios dos moradores. É uma vila fe-
chada e, ali, as casas não foram construídas através de programas
de governo. O espaço é bom; as casas têm aproximadamente 63
metros quadrados. Percebe-se no conjunto a criatividade da ini-
ciativa privada.
Na frente das casas, existe um alojamento onde vivem, em con-
dições muito precárias, famílias vindas de uma remoção. Neste
“aglomerado humano” as pessoas vivem sem ventilação, sem ilu-
minação e sem área de serviço. Os moradores estão esperando al-
guma solução, já que tiveram promessas por parte do poder públi-
co. No entanto, nada se cumpriu até agora. Eles se sentem aban-
donados.
Os demais equipamentos sociais visitados não se localizam den-
tro do conjunto, mas também são usados pelos moradores. Visita-
mos um EGJ e uma outra creche, ambos localizados no bairro do
Jardim São Savério.

23
A creche municipal atende 160 crianças, todas as salas têm ba-
nheiros e pequenos jardins individuais. Visitamos um EGJ vizinho
à creche, com convênio com a CAICÓ (Centro de Iniciativas Comu-
nitárias). Ele atende jovens do entorno com atividades de artesa-
nato, pintura, grafite, dança, teatro, curso de instrumentos musi-
cais, educação sexual, prevenção da natalidade, prevenção de do-
enças sexualmente transmissíveis (DST) e curso de cidadania. As
atividades ocorrem em período integral, dividindo-se em três tur-
mas: manhã, tarde e noite. As avaliações são feitas pelos próprios
jovens que alegam que, no EGJ, resgatam a própria auto-estima e
se preparam para a luta diária.

24
3. Visita ao conjunto da CDHU
Jardim Leônidas Moreira

Contexto urbano e o lugar da ocupação


O conjunto da CDHU visitado localiza-se no bairro do Campo
Limpo, zona sul da cidade, na subprefeitura do Capão Redondo.
Ele é composto por 29 blocos que comportam 580 famílias, em um
total de cerca de 4 mil pessoas.
Os prédios foram construídos em uma espécie de pequeno vale.
O conjunto é cercado por morros que foram ocupados por fave-
las. No entorno, há uma outra construção de moradias que, nes-
te caso, é composta por prédios privados, erguidos pela constru-
tora Tenda. Há também um conjunto construído pela Caixa Eco-
nômica Federal que um grupo de pessoas organizadas ocupou.
Há uma negociação em curso com o banco a fim de regularizar a
situação.
O acesso ao trans-
porte público é razoá-
vel. A poucas quadras
de distância da entra-
da do conjunto, há
uma avenida na qual
passam ônibus que li-
gam o bairro ao centro
de São Paulo.

Histórico da ocupação
O conjunto Jardim Leônidas Moreira foi ocupado no início de
1997 por famílias de várias localidades da cidade logo que a
empreiteira paralisou as obras. A obra de construção do conjunto

25
se deu entre os anos 1996-1998, durante as gestões dos Prefeitos
Paulo Maluf e Celso Pitta.
A entrada das pessoas foi individual; foi uma ocupação espontâ-
nea. Nas duas primeiras tentativas, houve muita violência e a ocupa-
ção não se sustentou. De acordo com informações obtidas durante a
visita, soubemos que o tráfico de drogas era muito forte na região.
A terceira ocupação foi mais organizada, segundo constatamos
através de uma entrevista realizada no conjunto. A partir daí, al-
guns moradores começaram a se organizar. A Companhia de Desen-
volvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo foi pro-
curada por algumas lideranças com a intenção de negociar a per-
manência das pessoas nos prédios ocupados, no entanto, a empresa
colocou empecilhos, alegando que o conjunto era destinado a uma
outra demanda. Houve várias tentativas de reintegração de posse
por parte do governo, mas o impasse permanece até hoje.
No ano de 2000, seguindo conselhos de políticos que visitaram
o conjunto Leônidas Moreira, seus moradores fundaram uma as-
sociação. A intenção era facilitar as negociações com o poder pú-
blico. Tendo em vista o grande número de eleitores em potencial,
alguns políticos passaram a atuar na área a fim de se beneficiar
destes votos. A manutenção da população em uma situação de vul-
nerabilidade contribui para a reprodução de práticas clientelistas
na área.
Os moradores se uniram para fundar a Associação de Morado-
res Jardim Leônidas Moreira que, atualmente, está se filiando à
Federação dos Anjos do Brasil.
A situação atual do conjunto é bastante precária. A água e a luz são
clandestinas e apenas as ligações telefônicas foram regularizadas.
Ainda no ano de 2000, houve um assassinato no conjunto. Até
aquele momento, segundo entrevista, o Distrito Policial da região
se omitia diante dos fatos. A partir deste crime, houve a interfe-
rência do Denarc (Departamento de Narcóticos da Polícia Civil) e,
depois de muitas prisões, o problema do tráfico foi amenizado. Em

26
função destes acontecimentos, muitas famílias abandonaram o
local. Mesmo assim, outras chegavam.

Visita de campo
Quando chegamos ao conjunto, nossa primeira impressão foi
de que se tratava de um projeto do Cingapura, dada a semelhança
com a estrutura dos prédios. Mais tarde, soubemos que era um
projeto da CDHU. Fomos apresentados a um morador que nos le-
vou para conhecer a área. Ele nos relatou as dificuldades das pes-
soas em arrumar empregos e abrir crediários no comércio em função
da falta de regularização da moradia. Na
situação em que estão, as pessoas não
têm como comprovar o endereço e a
conta telefônica acaba sendo o único
comprovante de residência; daí o ema-
ranhado de fios de telefone que vimos
acumulado no poste da entrada.
Durante a nossa visita, observamos
que não há creches nem escolas próxi-
mas ao conjunto. As crianças têm que
andarpercorrer um longo caminho até
estes equipamentos.
Quando o conjunto foi ocupado pe-
las famílias, a obra ainda não tinha sido
concluída. Observamos que os prédios
permanecem inacabados, visto que a
ocupação ainda não foi regularizada. Em alguns deles, os próprios
moradores se uniram para terminar algumas instalações, como pi-
sos, janelas, vasos sanitários e pias.
Houve a iniciativa de montar um quadro de luz para atender
todos os moradores do conjunto. Eles entraram com um processo
junto à Eletropaulo para requisitar a ligação. No entanto, a em-

27
presa se recusou a fazê-lo, alegando a irregularidade da habita-
ção. Observamos, portanto, que os moradores têm se utilizado de
ligações clandestinas, inclusive as de água, para permitir o acesso
a tais serviços.
É visível a melhoria em alguns blocos, dentre elas, a colocação
de interfones e tela protetora para evitar a passagem entre os blo-
cos, como medida de segurança. Visitamos um apartamento de um
dos blocos. Ele mede 46 metros quadrados, é bem confortável e
com boa ventilação.
Segundo entrevista realizada com um morador, a compreensão
dos habitantes do conjunto em relação à manutenção e melhoria
dos prédios ainda é limitada. Até o momento, não há regulariza-
ção da situação em que se encontram e, a qualquer momento, uma
liminar de despejo pode ser concedida. Desta forma, muitos dos
moradores não se articulam em torno de eventuais melhorias.
No entorno do conjunto, há uma ocupação irregular, com 480
famílias em área de risco sujeita a desmoronamento. O esgoto per-
manece a céu aberto e há risco de incêndio permanente – após a
visita, houve um incêndio que destruiu
quatro barracos, deixando as famílias sem
moradia. Mais adiante, há um espaço no
qual, de acordo com o projeto do conjun-
to, seria construída uma escola. Este lo-
cal também foi ocupado.
Em época de eleição, o conjunto é visi-
tado por vários políticos que fazem pro-
messas de melhoria. No entanto, nada é
feito. Não há nenhum trabalho assistenci-
al desenvolvido no local. Segundo a entre-
vista, os benefícios sociais do governo não
chegam a estes moradores por causa da
falta de regularização. No entanto, após
nossa visita, pudemos constatar que, de

28
fato, o que falta é a organização dos próprios moradores para rei-
vindicar seus direitos junto ao poder público. Em outras regiões vi-
sitadas, como no caso da favela de Heliópolis, o local também é irre-
gular e há inúmeros projetos sociais sendo desenvolvidos em parce-
ria com a prefeitura e com o governo do Estado.
Na região do Campo Limpo, há o Programa Saúde da Família,
embora o atendimento de saúde no local seja precário. O Hospital
destinado ao atendimento destas pessoas está distante do con-
junto Leônidas Moreira. A necessidade de especialistas é dirigida
ao Hospital das Clínicas ou à Santa Casa da Misericórdia, que aten-
dem à demanda de todo o país e, inclusive, de outros países da
América Latina.

DIREITO À EDUCAÇÃO (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE)

De acordo com o do Estatuto da Criança e do Adolescente, é di-


reito da população infanto-juvenil o acesso à educação, à cultura,
ao esporte e ao lazer e dever do Estado assegurar ensino fundamen-
tal, ensino gratuito e atendimento educacional especializado. De
acordo com o artigo 53 do ECA, a criança e o adolescente têm direi-
to a educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o traba-
lho, assegurando-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola,
II - direito de ser respeitado por seus educadores,
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às
instâncias escolares superiores,
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis, e
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do
processo pedagógico, bem como participar da definição das propos-
tas educacionais

29
E, de acordo com o artigo 54, é direito das crianças e dos adolescentes:
III - o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino,
IV – o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade,
VI – e a oferta de ensino noturno regular adequado as condições
do adolescente trabalhador.

Dando continuidade à nossa visita, fomos à Escola Municipal


de Ensino Fundamental (EMEF) Levy de Azevedo Sodré. Fomos re-
cebidos por uma funcionária que nos passou algumas informações.
A escola tem 1.800 alunos, divididos em 15 salas, sendo que 3 são
“salas de latinha”.

ESCOLAS DE LATINHA

As escolas de latinha surgiram durante a gestão do Prefeito Paulo


Maluf. A demanda pela construção de escolas era grande e, para dar
resposta, a Prefeitura usou contêineres como espaço provisório para
as aulas. Este método foi usado em diversos lugares. Até hoje, estas
escolas são usadas tanto para aulas como para outras atividades, per-
manecendo o desafio de substituí-las.

Nesta escola, a merenda é terceirizada. Apesar da precariedade


da instalação, há um amplo espaço físico, com um bom refeitório,
teatro e duas quadras para o lazer dos alunos. A demanda por va-
gas é muito grande e a escola não consegue atender a todos. A
funcionária entrevistada acredita que a situação irá melhorar com
a inauguração do CEU Capão Redondo. Há a doação voluntária de
uma quantia em dinheiro para a Associação de Pais e Mestres (APM)
que é destinada a ações em benefício da comunidade.

30
As relações da escola com a comunidade são boas. Houve um
incêndio nos arquivos da escola que, acredita-se, ter sido crimi-
noso. Depois deste episódio e da abertura da escola para a co-
munidade, graças ao Programa Municipal Escola Aberta, a popu-
lação passou a ter uma maior preocupação com a conservação
do equipamento. Atualmente, alguns rapazes da comunidade fi-
cam com as chaves da escola a fim de se utilizar do espaço para
práticas de lazer durante os fins de semana. Uma outra atividade
de que os moradores participaram na área da escola foi o “Re-
creio nas Férias”.

RECREIO NAS FÉRIAS

O projeto Recreio nas Férias é uma iniciativa da Prefeitura de


São Paulo em parceria com o Sesc/São Paulo. O objetivo deste proje-
to é oferecer às crianças e jovens uma oportunidade de acesso a
equipamentos de lazer e cultura como forma de ampliação dos co-
nhecimentos por meio de atividades recreativas, esportivas e cultu-
rais. O projeto acontece nos períodos de férias, independentemente
das crianças e jovens estarem matriculados na rede de ensino. Ele é
realizado através das Secretarias de Educação, de Esporte e Lazer,
de Cultura e de Abastecimento.

31
Visitamos, também, a Escola Municipal de Educação Infantil
(EMEIS) Luis da Câmara Cascudo. São 420 crianças com mais 400
na fila de espera. Observamos a existência de uma boa área de
lazer para as crianças. As salas têm boa ventilação e a área de
lazer é excelente para recreação e educação. Na nossa opinião, de
todas as EMEIS visitadas nesta pesquisa, esta é a melhor
estruturada.
Visitamos, também, o Centro de Educação Infantil (CEI) Paulo e
Admar. Lá, observamos que o trabalho é realizado com duas faixas
de atendimento – de 0 à 4 anos e 11 meses e de 5 à 6 anos e 11
meses. O Centro atende 274 crianças em 15 classes; 6 em período
de 6 horas e o restante em período integral. Hoje, a lista de espera
está em torno de 1.800 crianças. Na gestão atual, a relação dos
Centros de Educação Infantil com a prefeitura passou a ser feita
com a Secretaria Muni-
cipal de Educação. Ante-
riormente, esta relação
se dava pela Secretaria
Municipal de Assistência
Social.
É visível a diferença
entre as creches conve-
niadas e a creche da pre-
feitura. Nesta o atendi-
mento é feito por funci-
onários concursados.
Observa-se também que
não se fala em convocar a população para arrecadar recursos para
garantir o funcionamento adequado das creches. Questionamos por
que isto acontece em outros lugares, já que é uma obrigação do
Estado garantir o direito de todas as crianças a educação.

32
Considerações Finais

A observação do que vimos é chocante. Ter que opinar sobre a


miséria humana das pessoas nos entristece. Mas queremos ser
marrudos sem nos omitir dos fatos.
Lançar um olhar crítico sobre o descaso é necessário e preciso.
Pessoas abandonadas à mercê da caridade não é justo, como tam-
bém não é justo que políticos busquem socorro nestes locais para
sua ascensão em cargos públicos.
A crítica à violência é um refrão entoado em coro pelos gover-
nantes, já que todos sabem que a infância desassistida gera vio-
lência. Por que, então, não pensar em rever as planilhas de recursos
para as creches que sobrevivem a duras penas? Que tal pensar num
assentamento mais humano, onde jovens possam dirigir sua aten-
ção para a pratica de esportes, para o lazer, exercitando sua cria-
tividade e assumindo um novo rumo para este país promissor?
Cada vez mais, a sociedade civil está assumindo deveres do Es-
tado que se torna mais ausente. Questão perceptível através do
grande número de ONGs que desenvolvem trabalhos na periferia
de São Paulo. O papel das associações e da sociedade civil é cobrar
as políticas sociais do Estado e não substituí-lo. Com as
privatizações de equipamentos e empresas de infra-estrutura e
atendimento social, o povo paga a conta e não tem a quem recor-
rer. Por exemplo, em relação à distribuição de energia, não há mais
taxa mínima para favelas; a solução é consumir menos, ou, no caso
dos planos de saúde, em que empresas privadas substituem os de-
veres do Estado em investir no setor.
Em todas as visitas, percebe-se a mesma situação: os convêni-
os da prefeitura e do governo do Estado criam nuances que difi-
cultam o bom funcionamento das creches.
A política habitacional tem que ser pensada levando em conta
questões mais humanas, como a questão da renda. É importante,

33
por exemplo, pensar na faixa da população que ganha entre 1 e 3
salários mínimos. Moradia é um direito de todos.
As dificuldades decorrentes da escassez de áreas de lazer em
áreas muito adensadas são esquecidas e os governos se preocu-
pam apenas com construção de casas.
Nestas três visitas, observamos áreas muito adensadas. Em
Heliópolis, em função da ocupação inicial ter sido feita de forma
desordenada, não houve a preocupação com a destinação de es-
paços para o lazer. Os novos projetos de legalização e urbanização
da região prevêem estes espaços. Para isso, no entanto, será ne-
cessária a remoção de cerca de 3.000 famílias.
No caso do conjunto Celeste, por ter um projeto de implanta-
ção inicial, foram reservadas áreas de lazer. Observamos que estas
se mantiveram. Mas em função da grande demanda no entorno,
ocupado por favelas, os locais de lazer e os equipamentos conti-
dos neles não são suficientes.
A realidade do conjunto Leônidas Moreira é bem diferente. Não
observamos nenhum espaço destinado ao lazer. As poucas áreas
livres observadas não têm nenhum tipo de manutenção ou cuida-
do que as torne utilizáveis. Em geral, nestes conjuntos, as áreas
livres são áreas impróprias para construção e, mesmo assim, estão
sendo ocupadas por favelas.
A população tem se unido em busca de soluções para muitos pro-
blemas, encontrando entraves que dificultam o trabalho comunitá-
rio. Enquanto o povo resolve as pendências, o poder público se omite.

34
Fotos do Trabalho de Grupo:

35
Endereços das Associações

UNAS – União de Núcleos, Associações e Sociedade de Heliópolis


e São João Clímaco - Rua da Mina, 38 – Ipiranga
Tel: 272-0140 ou 272-9968

Associação de Heliópolis
Rua Coronel Silva Castro, 58 – Ipiranga
Tel: 6161 8213

Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste


Rua Memorial de Aires, 480 – Jardim São Savério
Tel: 6331-6588
Associação dos Moradores do Jardim Leônidas Moreira
Rua Atucupê, casa s/n. – Campo Limpo
Tel: 5843 7954

Material consultado

1. Jornal Fórum de Mutirões , abril de 2002.


2. Material fornecido pela Associação dos Movimentos de
Moradia da Região Sudeste
3. Material fornecido pela Unas

36
PÓLIS
I NSTITUTO DE ESTUDOS,
moradia não é só casa
FORMAÇÃO E ASSESSORIA resultado do 2º ano do curso
EM POLÍTICAS SOCIAIS
“participar da gestão da cidade”

Florisbela Pereira Martins


Geraldina Souza Viana Santos
Jorge Nascimento
Manoel Otaviano da Silva

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