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INTRODUÇÃO
A década de 60 viu surgir um movimento antifamiliar, marcado pela busca de relações sem
repressão, uma tentativa de ruptura com a família nuclear burguesa preconizada como a família
ideal. Este movimento pode ser visto como um período de inquietação crônica no grupo familiar.
Se por um lado os anos 60 presenciaram a contestação da família, por outro o tempo presente
levanta-se como salvaguarda da tradição familiar, criando teorias, métodos e programas de
estruturação e reestruturação deste grupo.
A partir do século XIX a reorganização da casa em cômodos garantiu um espaço maior para a
intimidade, o surgimento da família nuclear e os progressos de um sentimento de família. A
criança é agora o centro das atenções e “toda a energia do grupo é consumida na promoção
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Psicanalista, doutorando em Estudos Lingüísticos pela UFMG. Contatos: cassioedu@oi.com.br
O discurso religioso
A abordagem protestante, por outro lado, vê a família como idéia de Deus e crê as crises
familiares como universais. Estão diretamente ligadas ao pecado original de Adão e Eva, uma
vez que “a maldição que o pecado acarretou a Adão e Eva (Gênesis 3:16 – 20) fala de
relacionamentos familiares: criação de filhos, marido dominando as suas esposas e a labuta do
homem para sustentar a família” (PETERSEN, 1990; 11).
O discurso religioso sobre a família passa primeiramente pela noção de casal constituído a
partir do casamento sendo este a união de duas pessoas que se complementam em que cada
uma se dedica a amar e a servir a outra. No casamento3, o casal se torna uma nova entidade,
uma corporação total, tornando-se uma só carne.
A família está projetada a ser um núcleo onde há o crescimento integral de seus membros. Tal
crescimento implica na satisfação das necessidades sexuais, afetivas, intelectuais, materiais,
relacionais e espirituais. Dessa maneira, “uma família cumprindo as funções básicas de
reprodução, nutrição, educação e socialização, algumas das quais têm sido descritas pela
sociologia e pela psicologia. Com uma visão humanista, a perspectiva religiosa acredita que a
provisão afetiva parte da atitude de aceitação incondicional de cada um de seus membros. Isso
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“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gênesis 1:26).
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O discurso religioso cristão prega que o casamento e a família se originam de Deus, não sendo resultado de um
contrato social entre duas pessoas ou fruto de uma necessidade biológica de perpetuação da espécie.
O pensamento sistêmico tem como princípio central a família como um sistema, baseado na
teoria geral dos sistemas desenvolvida por Von Bertallanfy nos anos 40 e na cibernética, uma
ramificação desta. Sendo assim, ela é vista como um sistema aberto por estar, através de seus
membros, dentro e fora de uma interação com os outros e com sistemas extrafamiliares. Por ser
um sistema, as ações e comportamentos de um dos membros influenciam simultaneamente o
comportamento de todos os outros, e vice-versa. Desse modo, um distúrbio mental é visto como
a expressão de padrões inadequados de interação no seio familiar. A família, segundo a
psicologia sistêmica, “pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado que o
comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras
pessoas” (CALIL, 1987; 18).
Esta concepção, de inspiração psicanalítica, propõe um “divã” para a família argumentando que
Freud leva em conta o fato de que não se pode conceber o indivíduo fora de seu ambiente.
Partindo da teoria dos grupos e da aproximação que Freud tenta estabelecer entre psicologia
individual e de grupo, onde ele afirma que toda psicologia social é ao mesmo tempo uma
psicologia social, visto que o sujeito que busca o analista traz consigo toda uma gama de
Lacan
Em Os complexos familiares na formação do indivíduo, Lacan argumenta que a família deve ser
entendida enquanto um complexo, sendo este algo que “reproduz uma certa realidade do
ambiente” (LACAN, 1987; 20). Tais complexos desempenham um papel de organizadores no
desenvolvimento psíquico tendo o sujeito consciência do que ele representa. Todavia, um
complexo deve ser definido essencialmente como um fator inconsciente tendo uma
representação conhecida por Imago4.
Para Lacan, toda formação do sujeito desejante exige a presença do Pai como agente da
castração, como aquele que o seu nome é “o vetor de uma encarnação da Lei no desejo”
((LACAN, 1998; 5-6). A encarnação da Lei no desejo nasce desse pai que constitui um
orientador de um desejo situado em algum lugar.
Eis o louco! Aquele que não foi castrado. Aquele que negou radicalmente a castração do Outro.
“Forcluiu”, por sua vez, o Nome-do-Pai não restando qualquer traço ou vestígio dessa negação.
Entretanto, nesta estrutura – psicose – aquilo que foi negado no simbólico retorna do Real sob a
forma de automatismo mental, tendo como expressão principal a alucinação.
Em Freud todo ser humano deve sua origem a um pai e a uma mãe, não tendo como escapar
dessa triangulação que constitui o cerne do conflito humano. Tal triangulação incide por toda a
existência do sujeito, sendo uma história – de amor por excelência – que definirá a estrutura
psíquica do sujeito e o seu acesso ou não ao simbólico. Esta trama edípica se finda motivada
pela ameaça de castração, onde o menino renuncia os desejos genitais-incestuosos pela mãe.
Ao mesmo tempo, há um abandono de sentimentos hostis contra o Pai-rival e a criança
identifica-se com o mesmo e entra no período de latência. Ao ver-se sob a ameaça de perder o
A sociedade
CONCLUSÃO
O que a Psicanálise tem a dizer à sociedade quando esta a convoca a dar sua contribuição nos
problemas familiares, sobretudo quando estes deixam o privado e tornam-se públicos? O que
se espera do psicanalista diante da problemática da família?
Santiago (1998; 25) defende que a Psicanálise pode contribuir para tanto no que diz à
interferência “sobre esta última, da função residual de transmissão da lei paterna”. O analista é
assim convocado a representar tal função pela reinserção do Nome-do-Pai diante de uma
carência de identificação, por exemplo, da criança ao pai na família moderna. O psicanalista
atua assim como o Pai Real, como aquele que vai sustentar um limite frente ao gozo. De
alguma forma, o analista fará o sujeito pagar – ainda que em palavras – possibilitando-o o
trabalho de elaboração de um pró-jeto de vida, da reconstrução dos laços sociais e de sua
implicação/ responsabilização pelos seus atos.
Por outro lado, Garcia (1997; 54) propõe a Clínica do Social, sustentada por uma ética que
avalie o que pode um sujeito e o que desse poder ele é capaz de querer. A clínica, nesse
sentido, é um método inserido em uma efetiva estratégia de ação, “associada agora às
necessidades de ordem coletiva, política, em programas a serem executadas no espaço urbano
da grande cidade”.
REFERÊNCIAS
ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
ATIENCIA, Jorge. Pessoa, casal e família. In: MALDONADO, Jorge (org.). Fundamentos
bíblico-teológicos do casamento e da família. Viçosa, Ultimato: 1996.
CALLIL, Vera L. Lamanno. Terapia familiar e de casal. São Paulo: Summus, 1987.
DÖR, Joel. Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989.
EIGUER, Alberto. Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
FREUD, S. a dissolução do complexo de Édipo. In: Edição Standard brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. V. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
GARCIA, Célio. Clínica do social. Belo Horizonte: Mestrado em Psicologia Social/ UFMG, 1997.
GOYATÁ, Martha Célia Vilaça. O sintoma e a lei. In: Documentos de trabalho nº 1 para a
jornada do dia 25 de abril de 1999. Belo Horizonte: Instituto do Campo Freudiano/ CIEN, 1999.
_________. Duas notas sobre a criança. In: opção Lacaniana:revista brasileira internacional de
psicanálise. Nº 21, abr. 1998. São Paulo: Eólia.
PETTERSEN, J. Allan. Como eliminar o stress na família. Rio de Janeiro: JUERP, 1990.
SALOMÃO, Janice. Família, realidade que se constrói. São Paulo: Paulinas, 1978.
SANTIAGO, Jésus. O pai não nos surpreende mais... . In: Opção Lacaniana. Nº21, abr. 1998,
São Paulo, Eólia.