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A sua revista eletrônica _________________________________________________________

FAMÍLIA, PSICANÁLISE E SOCIEDADE

Cássio Eduardo Soares Miranda1

INTRODUÇÃO

A década de 60 viu surgir um movimento antifamiliar, marcado pela busca de relações sem
repressão, uma tentativa de ruptura com a família nuclear burguesa preconizada como a família
ideal. Este movimento pode ser visto como um período de inquietação crônica no grupo familiar.

Se por um lado os anos 60 presenciaram a contestação da família, por outro o tempo presente
levanta-se como salvaguarda da tradição familiar, criando teorias, métodos e programas de
estruturação e reestruturação deste grupo.

Da família medieval à família moderna, percebem-se diferenças alarmantes. Na idade média a


criança desde muito cedo escapa à sua própria família. Nesta época, portanto, a família não
podia alimentar um sentimento de afetividade positiva entre os pais e filhos. Não que não
houvesse amor entre pais e filhos, mas antes, como destaca Ariès (1981; 231) “a família era
uma sociedade moral e social, mais do que sentimental”. O século XV, por sua vez,
experimenta uma transformação na realidade e nos sentimentos da família, embora ele tenha
acontecido de forma lenta e profunda. As crianças deixam de ser educadas com famílias
“educadoras” de oficio e passam a freqüentar a escola. Os educadores defendem a
necessidade de isolar a infância do mundo dos adultos para mantê-los na inocência primitiva.
Paralelamente percebe-se uma preocupação dos pais em vigiar os filhos mais de perto e não
abandoná-los mais aos cuidados de outra família.

A partir do século XIX a reorganização da casa em cômodos garantiu um espaço maior para a
intimidade, o surgimento da família nuclear e os progressos de um sentimento de família. A
criança é agora o centro das atenções e “toda a energia do grupo é consumida na promoção

1
Psicanalista, doutorando em Estudos Lingüísticos pela UFMG. Contatos: cassioedu@oi.com.br

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das crianças, cada uma em particular, e sem nenhuma ambição coletiva: as crianças mais do
que a família” (ARIÉS, 1981; 271).

O discurso religioso

Em uma perspectiva católica a família é o reflexo e a encarnação da comunidade trinitária,


sendo assim criada como uma comunidade. Por ser o homem a mais perfeita expressão da
constituição divina, tendo sido criado à imagem e semelhança de Deus2 ele também é ser
pessoal e comunitário. Dessa forma, o homem é um ser social, comunitário por excelência que
necessita do grupo familiar para crescer e desenvolver. A família é, para esse pensamento, algo
que “nasce da união interpretativa do amor divino; é a proposta como pequena comunidade de
vida e amor. Do amor e da vida que vêm de Deus e leva a Deus” (SALOMÃO, 1978; 16).

A abordagem protestante, por outro lado, vê a família como idéia de Deus e crê as crises
familiares como universais. Estão diretamente ligadas ao pecado original de Adão e Eva, uma
vez que “a maldição que o pecado acarretou a Adão e Eva (Gênesis 3:16 – 20) fala de
relacionamentos familiares: criação de filhos, marido dominando as suas esposas e a labuta do
homem para sustentar a família” (PETERSEN, 1990; 11).

O discurso religioso sobre a família passa primeiramente pela noção de casal constituído a
partir do casamento sendo este a união de duas pessoas que se complementam em que cada
uma se dedica a amar e a servir a outra. No casamento3, o casal se torna uma nova entidade,
uma corporação total, tornando-se uma só carne.

A família está projetada a ser um núcleo onde há o crescimento integral de seus membros. Tal
crescimento implica na satisfação das necessidades sexuais, afetivas, intelectuais, materiais,
relacionais e espirituais. Dessa maneira, “uma família cumprindo as funções básicas de
reprodução, nutrição, educação e socialização, algumas das quais têm sido descritas pela
sociologia e pela psicologia. Com uma visão humanista, a perspectiva religiosa acredita que a
provisão afetiva parte da atitude de aceitação incondicional de cada um de seus membros. Isso
2
“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gênesis 1:26).
3
O discurso religioso cristão prega que o casamento e a família se originam de Deus, não sendo resultado de um
contrato social entre duas pessoas ou fruto de uma necessidade biológica de perpetuação da espécie.

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significa estar presente e disponível para atender as necessidades afetivas de cada pessoa. Se
a pessoa se sente aceita e reconhecida tal como é, ela alcança autonomia, tem reconhecida a
sua singularidade e aumenta sua autoconfiança.

Considerações provenientes do campo Psi

O pensamento sistêmico tem como princípio central a família como um sistema, baseado na
teoria geral dos sistemas desenvolvida por Von Bertallanfy nos anos 40 e na cibernética, uma
ramificação desta. Sendo assim, ela é vista como um sistema aberto por estar, através de seus
membros, dentro e fora de uma interação com os outros e com sistemas extrafamiliares. Por ser
um sistema, as ações e comportamentos de um dos membros influenciam simultaneamente o
comportamento de todos os outros, e vice-versa. Desse modo, um distúrbio mental é visto como
a expressão de padrões inadequados de interação no seio familiar. A família, segundo a
psicologia sistêmica, “pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado que o
comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras
pessoas” (CALIL, 1987; 18).

Os conceitos de identificação-projetiva, continência e contratransferência descritos por pós-


freudianos – M. Klein, Bion, winnicott e Fairbairn – passam a ser aplicados em Londres como
uma aposta na possibilidade de se criar uma terapia familiar de abordagem psicanalítica.
Segundo este grupo, a dinâmica familiar envolve duas unidades sociais primárias: a família de
origem e a família nuclear. A família de origem é aquela através da qual “cada um dos cônjuges
construiu seus padrões de relacionamento e a família nuclear, através da qual os padrões de
relacionamento aprendidos e vivenciados, nível consciente e inconsciente, pelos cônjuges
durante e infância e adolescência são repetidos e continuamente desenvolvidos” (CALIL, 1987;
76).

Esta concepção, de inspiração psicanalítica, propõe um “divã” para a família argumentando que
Freud leva em conta o fato de que não se pode conceber o indivíduo fora de seu ambiente.
Partindo da teoria dos grupos e da aproximação que Freud tenta estabelecer entre psicologia
individual e de grupo, onde ele afirma que toda psicologia social é ao mesmo tempo uma
psicologia social, visto que o sujeito que busca o analista traz consigo toda uma gama de

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identificações construídas na rede social. Assim, a terapia familiar também é uma terapia pela
linguagem, do grupo familiar como um todo, que estuda a dinâmica grupal-familiar regida por
forças inconscientes. Seu objetivo é propiciar a autonomia dos psiquismos individuais de cada
um dos membros familiares interpretando, por isso, as emoções, o amor conjugal, filial, fraterno
e o funcionamento dos papéis sexuais presentes no seio familiar. Ao que tudo indica, a terapia
familiar busca ajustar os indivíduos no grupo familiar de tal forma que as relações tornem-se
menos tensas e mais compreensivas. Enfim, ele visa “ao desenvolvimento do amor pela
compreensão e pelo conhecimento nos membros da família” (EIGUER, 1985; 18).

Lacan

Em Os complexos familiares na formação do indivíduo, Lacan argumenta que a família deve ser
entendida enquanto um complexo, sendo este algo que “reproduz uma certa realidade do
ambiente” (LACAN, 1987; 20). Tais complexos desempenham um papel de organizadores no
desenvolvimento psíquico tendo o sujeito consciência do que ele representa. Todavia, um
complexo deve ser definido essencialmente como um fator inconsciente tendo uma
representação conhecida por Imago4.

Para Lacan, toda formação do sujeito desejante exige a presença do Pai como agente da
castração, como aquele que o seu nome é “o vetor de uma encarnação da Lei no desejo”
((LACAN, 1998; 5-6). A encarnação da Lei no desejo nasce desse pai que constitui um
orientador de um desejo situado em algum lugar.

Em um dado momento da evolução edipiana, a criança é conduzida a associar a ausência da


mãe com a presença do pai. O pai é então visto como um objeto fálico rival e, posteriormente,
como aquele que detém o falo. Neste instante ele é convidado a intervir na relação dual da
criança com sua mãe e o Nome-do-Pai passa a ser associado à Lei simbólica que ele encarna.
Assim, o “Nome-do-Pai é uma designação endereçada ao reconhecimento de uma função
simbólica, circunscrita no lugar de onde se exerce a lei” (DÖR, 1989; 92), sendo esta
designação o produto de uma metáfora, ou seja, um novo significante o qual a criança substitui
4
Laplanche define imago como “um protótipo inconsciente de personagens que orienta seletivamente a forma como
o sujeito apreende o Outro;é elaborado a partir das primeiras relações intersubjetivas reais e fantasísticas com o meio
familiar”.

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o significante do desejo da mãe. Desse modo, a metáfora paterna exerce uma função
estruturante, uma vez que é fundadora do sujeito psíquico enquanto tal.

“a loucura começa na família”


Usuário do serviço de saúde mental

É na trama familiar que há a irrupção da loucura. A clivagem psíquica da qual o sujeito é


acometido surge em decorrência da metáfora paterna, pelo processo de forclusão do Nome-do-
Pai, o que impede a possibilidade de acesso do sujeito ao simbólico. A forclusão do Nome-do-
Pai “neutraliza o advento do recalque imaginário, provoca (...) o fracasso da metáfora paterna, e
compromete gravemente para a criança o acesso ao simbólico, barrando-lhe mesmo esta
possibilidade” (DÖR, 1989; 98). Não havendo um corte na relação dual imaginária da criança
com sua mãe, não há possibilidade de circulação da Palavra do Pai e ao lugar que esta,
enquanto autoridade, ocupa na promoção da Lei.

Eis o louco! Aquele que não foi castrado. Aquele que negou radicalmente a castração do Outro.
“Forcluiu”, por sua vez, o Nome-do-Pai não restando qualquer traço ou vestígio dessa negação.
Entretanto, nesta estrutura – psicose – aquilo que foi negado no simbólico retorna do Real sob a
forma de automatismo mental, tendo como expressão principal a alucinação.

O Nome-do-Pai, juntamente com o Desejo da Mãe e os objetos é que constituem, para a


psicanálise, a família. Esta não tem origem no casamento e não é formada pelas relações de
consangüinidade, mas antes pelo romance familiar instaurado a partir da tríade edipiana.

Em Freud todo ser humano deve sua origem a um pai e a uma mãe, não tendo como escapar
dessa triangulação que constitui o cerne do conflito humano. Tal triangulação incide por toda a
existência do sujeito, sendo uma história – de amor por excelência – que definirá a estrutura
psíquica do sujeito e o seu acesso ou não ao simbólico. Esta trama edípica se finda motivada
pela ameaça de castração, onde o menino renuncia os desejos genitais-incestuosos pela mãe.
Ao mesmo tempo, há um abandono de sentimentos hostis contra o Pai-rival e a criança
identifica-se com o mesmo e entra no período de latência. Ao ver-se sob a ameaça de perder o

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seu pênis o menino abre mãe da satisfação incestuosa com a finalidade de preservar o seu
bem-amado órgão:

“Se a satisfação de amor no campo do complexo de Édipo deve custar à


criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico
nesta parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais. Nesse
conflito, triunfa normalmente a primeira dessas formas: o ego da criança volta
as costas ao complexo de Édipo” (FREUD, 1990).

Desse modo, a psicose surge da não-aceitação da castração, como já dito, da forclusion do


Nome-do-Pai. Algo no drama familiar falha impedindo que a castração se instaure, havendo,
dessa forma, a recusa desta castração. Todavia, essa castração do sujeito pode acontecer de
forma fragilizada, promovendo a formação de um Superego enfraquecido e de uma amarração
bamba em torno do Nome-do-Pai.

A sociedade

Vive-se uma época de declínio da função paterna, de um crepúsculo do macho. Em um tempo


em que os ideais estão em franca decadência e não se articulam em um discurso formador de
laço social, o pai presente na família é demasiadamente desprovido de recursos, estando
facilmente privado de suas insígnias simbólicas de o representante da Lei. As transformações
presentes na família pós-moderna propiciam o declínio do viril. A presença do personagem
paterno não é suficiente para que o Pai Real exista, o que gera conseqüências graves e o
aumento da infração entre crianças e adolescentes. Por esse viés, a infração pode ser tomada
como um sintoma, como uma forma de responder ao mal-estar que lhe assolapa. Este sintoma-
infração é uma “reivindicação de uma lei que regule o sofrimento que daí possa advir”
(GOYATÁ, 1999; 89).

O aumento da violência e a delinqüência infanto-juvenil denunciam uma maneira inusitada de


organizar-se na teia social, como uma tentativa do sujeito em ocupar um lugar que lhe foi, de
certa forma, negado: o lugar da ordem simbólica instaurada pelo Nome-do-Pai. Estando privado
das incidências simbólicas da Lei, esse sujeito vai se fazer valer pelas leis da realidade
representadas pelos agentes educacionais, judiciários ou policiais. como sustenta Garcia (1997;

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41), a violência, por vezes, apresenta-se como a única forma de expressão do sujeito, quando o
ato real,sem nenhum tratamento pelo simbólico, substitui a palavra.

A sociedade brasileira é testemunha dessa amarração “capenga” em torno do Nome-do-Pai: é


mendigo sendo queimado nas ruas, escolas sendo “bombardeadas”, aluno matando professor,
crianças e adolescentes envolvidas no tráfico de drogas e toda uma gama de sintomas que
denunciam a dificuldade de se formar laços sociais. Esse sujeito infrator não se implica no seu
delito, não se responsabilizando pelo seu ato infracionário. Isto acontece devido a uma “falta
estrutural de resposta no Outro, que solicita do sujeito responsabilidade por suas próprias
respostas, fica escamoteada pela falta imaginária desses personagens que o representam [os
pais]” (BARROS, 1999; 89).

CONCLUSÃO

O que a Psicanálise tem a dizer à sociedade quando esta a convoca a dar sua contribuição nos
problemas familiares, sobretudo quando estes deixam o privado e tornam-se públicos? O que
se espera do psicanalista diante da problemática da família?

Santiago (1998; 25) defende que a Psicanálise pode contribuir para tanto no que diz à
interferência “sobre esta última, da função residual de transmissão da lei paterna”. O analista é
assim convocado a representar tal função pela reinserção do Nome-do-Pai diante de uma
carência de identificação, por exemplo, da criança ao pai na família moderna. O psicanalista
atua assim como o Pai Real, como aquele que vai sustentar um limite frente ao gozo. De
alguma forma, o analista fará o sujeito pagar – ainda que em palavras – possibilitando-o o
trabalho de elaboração de um pró-jeto de vida, da reconstrução dos laços sociais e de sua
implicação/ responsabilização pelos seus atos.

Por outro lado, Garcia (1997; 54) propõe a Clínica do Social, sustentada por uma ética que
avalie o que pode um sujeito e o que desse poder ele é capaz de querer. A clínica, nesse
sentido, é um método inserido em uma efetiva estratégia de ação, “associada agora às
necessidades de ordem coletiva, política, em programas a serem executadas no espaço urbano
da grande cidade”.

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“Tudo acontece como se a sociedade
não soubesse, mais por uma impossibilidade
de estrutura do que por impotência,
reprimir aos menores, as crianças. E quem
não sabe reprimir, também não consegue
reconhecer um lugar e uma dignidade
simbólica”
(Contardo Calligares)

REFERÊNCIAS

ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

ATIENCIA, Jorge. Pessoa, casal e família. In: MALDONADO, Jorge (org.). Fundamentos
bíblico-teológicos do casamento e da família. Viçosa, Ultimato: 1996.

BARROS, Maria do Rosário Collier do Rêgo. O mal-estar na família contemporânea: do privado


ao público. In: Documentos de trabalho nº 1 para a jornada do dia 25 de abril de 1999. Belo
Horizonte: Instituto do Campo Freudiano/ CIEN, 1999.

CALLIL, Vera L. Lamanno. Terapia familiar e de casal. São Paulo: Summus, 1987.

DÖR, Joel. Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989.

EIGUER, Alberto. Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

FREUD, S. a dissolução do complexo de Édipo. In: Edição Standard brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. V. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1999.

GARCIA, Célio. Clínica do social. Belo Horizonte: Mestrado em Psicologia Social/ UFMG, 1997.

GOYATÁ, Martha Célia Vilaça. O sintoma e a lei. In: Documentos de trabalho nº 1 para a
jornada do dia 25 de abril de 1999. Belo Horizonte: Instituto do Campo Freudiano/ CIEN, 1999.

LACAN, J. Os complexos familiares na formação do individuo. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

_________. Duas notas sobre a criança. In: opção Lacaniana:revista brasileira internacional de
psicanálise. Nº 21, abr. 1998. São Paulo: Eólia.

PETTERSEN, J. Allan. Como eliminar o stress na família. Rio de Janeiro: JUERP, 1990.

SALOMÃO, Janice. Família, realidade que se constrói. São Paulo: Paulinas, 1978.

SANTIAGO, Jésus. O pai não nos surpreende mais... . In: Opção Lacaniana. Nº21, abr. 1998,
São Paulo, Eólia.

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