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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MAS
Nº 70067511329 (Nº CNJ: 0436510-15.2015.8.21.7000)
2015/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE


CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PUBLICAÇÃO
DE NOTÍCIA INCORRETA. MATÉRIA
NOTICIANDO O INDICIAMENTO EM
INQUÉRITO POLICIAL DE EX-PREFEITO
MUNICIPAL FALECIDO ANTES DOS FATOS,
FAMILIAR DOS AUTORES.
APARENTE CONFLITO ENTRE A LIBERDADE
DE IMPRENSA E OS DIREITOS À HONRA E À
IMAGEM. DEVER DE VERACIDADE QUE NÃO
É ABSOLUTO. UTILIZAÇÃO DE
INFORMAÇÕES REPASSADAS PELA
AUTORIDADE POLICIAL. ATUAÇÃO
NEGLIGENTE DA RÉ.
Em regra, a atividade jornalística não pode ser
censurada por divulgar informações oriundas de
investigação policial, ainda que não coincidam
com a realidade fática. Mostra-se desarrazoada
a responsabilização dos meios de comunicação
social nessas hipóteses, por constituir censura
por via oblíqua, esvaziando relevante função
informativa da imprensa, que deve divulgar os
fatos relevantes de forma célere e eficaz,
enquanto presente a atualidade da notícia.
Ao afirmar, em seu sítio eletrônico, mesmo sem
acesso ao procedimento investigativo, que “de
acordo com o inquérito” o de cujus havia sido
indiciado, embora falecido o ex-Prefeito
nominado antes dos fatos divulgados, a ré agiu,
no mínimo, de forma negligente. Além disso, foi
omissa ao não retificar a informação, embora
tenha recebido e-mail logo após a divulgação da
notícia.
DANO INJUSTO. FALECIDO EX-PREFEITO DE
CIDADE DO INTERIOR DO ESTADO COM
MENOS DE TRÊS MIL HABITANTES. PESSOA
DE RENOME NA LOCALIDADE. IMPUTAÇÃO
INDEVIDA DE CRIMES DE PECULATO E
FORMAÇÃO DE QUADRILHA. NOTÍCIA DE
SUPOSTO ENVOLVIMENTO EM DESVIOS DE
TELHAS E VERBAS REPASSADAS PARA
AUXÍLIO DE DESABRIGADOS. ESTIGMA
SOCIAL. OFENSA AO MORTO QUE ATINGE
REFLEXAMENTE A REPUTAÇÃO DOS
FAMILIARES VIVOS.
Em que pese a presunção de inocência prevista
no inciso LVII do artigo 5º da Constituição
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Federal, a notícia incorreta de suposto


indiciamento em inquérito policial causa
impacto e forte estigma social. Assim, ao
divulgar incorretamente que o familiar dos
autores havia sido indiciado por supostos
desvios de telhas doadas pela Defesa Civil
Estadual e de verba repassada à cidade pela
empresa Eletrosul para o auxílio de
desabrigados por um temporal de granizo
ocorrido em abril de 2008, a notícia imprecisa
causou mácula à memória, à honra e à imagem
do falecido, atingindo reflexamente o
patrimônio imaterial dos familiares vivos.
DANOS MORAIS IN RE IPSA.
Demonstrado que a notícia divulgada no
endereço eletrônico da ré era inverídica ou
incorreta, impõe-se o dever de indenizar os
danos causados à esfera patrimonial do titular
do direito personalíssimo violado.
Dano “in re ipsa”, dispensando a prova do
efetivo prejuízo.
REPARAÇÃO IN NATURA. TUTELA
MANDAMENTAL PARA DETERMINAR À
EMPRESA DE MÍDIA VEICULE PEDIDO DE
RETRATAÇÃO NO SEU SÍTIO NA INTERNET.
PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL.
POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM A
COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA.
O ordenamento jurídico vigente colima a
reparação integral do dano, buscando restaurar
de forma mais fidedigna o status quo anterior à
violação.
A reparação natural e a compensação
pecuniária não se excluem, afigurando-se
possível a cumulação da obrigação de fazer
consistente em publicação de pedido de
retratação no sítio da empresa ré com a
condenação à compensação pecuniária.
QUANTUM INDENIZATÓRIO DE R$
10.000,00 MANTIDO. FUNÇÕES PUNITIVA E
COMPENSATÓRIA ATINGIDAS.
A quantificação do dano moral deve levar em
conta os critérios da razoabilidade,
proporcionalidade e equidade, sem olvidar o
grau de culpa dos envolvidos, a extensão do
dano e a necessidade de efetiva punição do
ofensor, visando evitar a reiteração da conduta
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lesiva. No caso em apreço, o valor de R$


10.000,00, fixado na sentença, atende a esse
escopo.
CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
SÚMULAS 54 E 362 DO STJ. APELO
DESPROVIDO.
A correção monetária do valor da indenização
do dano moral incide a contar da data do
arbitramento, enquanto os juros devem fluir a
partir do evento danoso. Inteligência das
Súmulas 54 e 362 do Superior Tribunal de
Justiça.
APELAÇÃO DA PARTE RÉ DESPROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70067511329 (Nº CNJ: 0436510- COMARCA DE SÃO LUIZ GONZAGA


15.2015.8.21.7000)

RADIO GUAIBA LTDA APELANTE

NIVERCINA SCHUQUEL FENER APELADO

DAION ELDIS SCHUQUEL FENER APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara


Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar
provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os


eminentes Senhores DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO (PRESIDENTE) E
DES. CARLOS EDUARDO RICHINITTI.

Porto Alegre, 19 de outubro de 2016.

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DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA,


Relator.

R E L AT Ó R I O

DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA (RELATOR)

RÁDIO GUAÍBA LTDA. interpõe apelação em face da sentença


que julgou procedente ação de reparação de danos morais contra si
proposta por NIVERCINA SCHUQUEL FENER e DAION ELDIS SCHUQUEL
FENER, cujo dispositivo está vazado nestes termos (fls. 105/108 e 112):

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os


pedidos contidos na AÇÃO INDENIZATÓRIA COM
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA proposta
por NIVERCINA SHUQUEL FENER e DAION ELDIS
SCHUQUEL FENER contra a RÁDIO GUAÍBA
LTDA, para o fim de:
a) determinar que a ré veicule em sítio
eletrônico um pedido de retratação aos autores,
por escrito, na mesma dimensão da notícia
veiculada.
b) condenar a ré a pagar em favor da parte
autora dano moral no valor total de R$
10.000,00, montante que deverá ser corrigido
pelo IGP-M a contar desta data e acrescido de
juros moratórios de 1% ao mês, conforme artigo
406 do Código Civil c/c o artigo 161, § 1º, do
Código Tributário Nacional, a contar do evento
danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de
Justiça).
Em razão da sucumbência, arcará o réu com o
pagamento das despesas processuais e
honorários advocatícios em favor do procurador
da parte adversa, fixados em 10% sobre o valor
da condenação, na forma do artigo 20, § 3º, do
Código de Processo Civil, haja vista o tempo de
tramitação da demanda, a matéria debatida e o
julgamento antecipado da lide.

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Em suas razões (fls. 116/124), sustenta a parte ré que não


praticou ato ilícito, visto que não agiu com culpa ou dolo e retirou de
circulação a matéria jornalística logo após a citação. Indica que o
equívoco em relação ao nome do ex-prefeito que estava sendo
investigado decorreu de informações advindas da Delegacia de Polícia e
que as informações foram passadas de forma objetiva, sem nenhum juízo
de valor em relação ao de cujus ou comentário a respeito dos autores.
Aduz que não há prova do dano alegado pelos autores. Alega que a
veiculação da mesma notícia por outros meios de comunicação a isenta
de responsabilidade. Afirma que o e-mail utilizado como prova na
sentença foi impugnado na contestação por ser unilateral, não
comprovando o recebimento pela demandada. Alude à inexistência de
previsão legal para a retratação, colacionando julgados nesse sentido.
Requer a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos ou
reduzir-se o valor da condenação, com o cômputo de juros moratórios a
partir da citação e correção monetária a partir da sentença, nos termos
da Súmula 362 do STJ.

O recurso foi recebido no duplo efeito (fl. 126) e respondido


(fls. 128/134).

Os autos subiram a esta Corte e me vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. MIGUEL ÂNGELO DA SILVA (RELATOR)

Conheço do recurso, porquanto preenchidos seus requisitos


de admissibilidade.

A sentença deve ser mantida.

Como se depreende dos autos, os autores buscam a


responsabilização civil da empresa ré RÁDIO GUAÍBA LTDA. por publicar
em seu sítio eletrônico notícia com informação equivocada. A

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inveracidade da notícia inclusa à fl. 20 dos autos, no que concerne ao


indiciamento do falecido marido e pai dos autores, Telmo Fener, é fato
incontroverso.

A sentença combatida contém fundamentação consistente,


cujos termos adoto e reproduzo visando a evitar desnecessária tautologia
(fls. 105-108):
“[...]

Analisando o conjunto probatório, observa-se, que a demandada


baseou sua informação em notícia publicada no site da Polícia Civil do Rio
Grande do Sul (fl. 19), que indicou:

Prefeito de Dezesseis de Novembro e outras cinco pessoas são


indiciadas por peculato e formação de quadrilha

A Policial Civil de Dezesseis de Novembro indiciou nesta segunda-


feira (21/10), seis pessoas pelo crime de peculato e formação de quadrilha, entre
elas o ex e o atual prefeito da cidade. O inquérito policial apurou o desvio de
telhas doadas pela defesa civil ao município, além de verba repassada à cidade
pela empresa Eletrosul.

O titular da DP, delegado Rodrigo Monteiro, relata qye houve


irregularidades e a suposta prática de peculato e formação de quadrilha por
agentes públicos responsáveis pela distribuição de telhas e pela ampliação da
verba de 50 mil reais doadas por uma empresa. Estes recursos teriam que ser
repassados à cidade de Dezesseis de Novembro em decorrência de um temporal
de granizo ocorrido em abril de 2008, que deixou dezenas de pessoas
desabrigadas.

Note-se, que a notícia vinculada no site da Polícia Civil não indicou


nomes e foi clara em afirmar que o indiciamento era referente a fatos ocorridos
no ano de 2008.

Por sua vez, a empresa demandada vinculou a informação


indicando que o ex-prefeito tratava-se de Telmo Fener, falecido em 25/12/2005
(fl. 18), esposo e pai dos autores:

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Indiciados por peculato e formação de quadrilha prefeito e


antecessor, nas Missões

Mandatários podem ter desviado telhas e não repassado

A Polícia Civil indiciou seis pessoas pelo crime de peculato e


formação de quadrilha, entre elas o ex e o atual prefeito de Dezesseis de
Novembro, nas Missões. De acordo com inquérito, Telmo Fenner (PMDB) e
Tarciso Luiz Konzen Schneider (PMDB), respectivamente, podem ter participado
de um suposto desvio de telhas doadas pela Defesa Civil Estadual e ter desviado
verba repassada à cidade pela Empresa Eletrosul. O titular da DP, delegado
Rodrigo Montenegro, relatou no inquérito que houve irregularidades e a suposta
prática de peculato e formação de quadrilha na distribuição de telhas e na
aplicação da verba de R$ 50 mil doadas pela Eletrosul para o auxílio de
desabrigados por um temporal de granizo ocorrido em abril de 2008.

Segundo a polícia, a investigação durou mais de um ano e mais de


80 pessoas foram ouvidas. A população de Dezesseis de Novembro é cerca de
2,8 mil habitantes.

Por óbvio, que a investigação realizada pela Polícia Civil não incluía
Telmo Fener, pois falecido antes da ocorrência dos fatos. Na realidade, ao
mencionar o “ex-prefeito”, referiu-se ao candidato que assumiu o cargo após o
falecimento de Telmo Fener.

Diante de toda a documentação que veio aos autos, fica claro que
a empresa ré não tomou todas as cautelas necessárias antes de veicular a
reportagem, tendo agido com descaso e exposto a esposa e o filho de Telmo
Fener de forma excessiva e despropositada.

Consigne-se, que o fato da notícia ter sido veiculada em outros


meios de comunicação, não isenta a demandada de sua responsabilidade.

Aliás, diante do e-mail de fl. 21, poderia a demandada ter


averiguado a informação e retificado a notícia. Contudo, manteve-se inerte.

[...]”

Os argumentos tecidos no apelo não infirmam a conclusão


da sentença objurgada, como passo a expor.

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Liberdade de Imprensa e Abuso do Direito à


Informação

Sustenta a parte ré que não praticou ilícito, porquanto as


informações que deram suporte à matéria veiculada teriam sido
fornecidas pela Delegacia do Município, e que “em nenhum
momento a matéria jornalística [...] teria sido baseada no site da Polícia
Civil” (fl. 119). Ainda, que não remanesce qualquer resquício de culpa
pela exclusão da matéria jornalística logo após a citação.

Com efeito, a Carta Magna assegura a livre manifestação do


pensamento e o direito à liberdade de informação, conferindo aos
veículos da mídia o direito de levarem ao público, de forma atraente e
criativa, informações, notícias, acontecimentos e diversão.

A liberdade de expressão do pensamento e o direito ao livre


exercício da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença, encontram proteção no artigo
5º, inciso IX, da Constituição Federal.

É igualmente assegurada a livre manifestação do


pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo, sem qualquer restrição, de acordo com o artigo 220,
§§ 1º e 2º e 221, I, do texto da CF.

Quando a controvérsia sob o crivo judicial envolve colisão de


direitos fundamentais – tal como “in casu” – cumpre ter presente que a
liberdade de informação encontra limites e condicionantes, não podendo
ser exercida de modo a infringir ou violar direitos de personalidade cuja
proteção igualmente dimana da Carta Federal.

A ampla liberdade de imprensa é um dos corolários do


Estado Democrático de Direito.

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Uma imprensa livre e responsável, consciente da relevante


função social que desempenha, constitui pilar indispensável à
concretização dos ideais democráticos e à livre divulgação do
pensamento, oportunizando o acesso de todos às fontes de informação.

JOSÉ AFONSO DA SILVA salienta em obra doutrinária de peso


que: “A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da
empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de
que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma
informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, a de
ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o
jornalista têm um 'direito fundamental' de exercer sua atividade, sua missão,
mas especialmente têm um dever. Reconhece-lhes o direito de informar ao
público os acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou
esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas
deformação”. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13ª
ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 240).

Deparando com a colisão de direitos fundamentais, ao


julgador incumbe fazer a indispensável ponderação dos valores
merecedores de tutela jurisdicional, e para tanto convém atentar à lição
doutrinária de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO (Direito constitucional.
Coimbra: Almedina, p. 1.209):“(...) Reduzido ao seu núcleo essencial, o
princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens
jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos
outros.

O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido


até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou
entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos).
Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e
não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns
em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e
condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou
concordância prática entre estes bens.”

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Em regra, a atividade jornalística não pode ser censurada


pela utilização de dados oficiais, provenientes de autoridades públicas,
ainda que tais informações não coincidam com a realidade fática. Mostra-
se assaz desarrazoada a responsabilização dos meios de comunicação
social nessas hipóteses em razão de constituir censura por via oblíqua,
esvaziando relevante função informativa da imprensa, que deve ser
célere e eficaz.

Deste modo, a responsabilidade prescinde não apenas da


inveracidade do que foi noticiado, como também da prova de abuso do
direito de informação, quando o agente conhecia ou poderia
conhecer a falsidade dos fatos.

Em sentido semelhante já decidiu o Superior Tribunal de


Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO


POR DANOS MORAIS. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA
JORNALÍSTICA. CONTEÚDO OFENSIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL.
LIBERDADE DE IMPRENSA EXERCIDA DE MODO
REGULAR, SEM ABUSOS OU EXCESSOS.
1. Discussão acerca da potencialidade ofensiva
de matéria publicada em jornal de grande
circulação, que aponta possível envolvimento
ilícito de magistrado com ex-deputado ligado ao
desabamento do edifício Palace II, no Rio de
Janeiro.
2. É extemporâneo o recurso especial
interposto antes do julgamento dos embargos
de declaração, salvo se houver reiteração
posterior, porquanto o prazo para recorrer só
começa a fluir após a publicação do acórdão
integrativo.
3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o
Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara
e precisa sobre a questão posta nos autos.
4. A liberdade de informação deve estar atenta
ao dever de veracidade, pois a falsidade dos
dados divulgados manipula em vez de formar a
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opinião pública, bem como ao interesse público,


pois nem toda informação verdadeira é
relevante para o convívio em sociedade.
5. A honra e imagem dos cidadãos não são
violados quando se divulgam informações
verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que,
além disso, são do interesse público.
6. O veículo de comunicação exime-se de culpa
quando busca fontes fidedignas, quando exerce
atividade investigativa, ouve as diversas partes
interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias
quanto à veracidade do que divulgará.
7. Ainda que posteriormente o magistrado
tenha sido absolvido das acusações, o fato é
que, conforme apontado na sentença de
primeiro grau, quando a reportagem foi
veiculada, as investigações mencionadas
estavam em andamento.
8. A diligência que se deve exigir da imprensa,
de verificar a informação antes de divulgá-la,
não pode chegar ao ponto de que notícias não
possam ser veiculadas até que haja certeza
plena e absoluta da sua veracidade. O processo
de divulgação de informações satisfaz
verdadeiro interesse público, devendo ser
célere e eficaz, razão pela qual não se
coaduna com rigorismos próprios de um
procedimento judicial, no qual se exige
cognição plena e exauriente acerca dos fatos
analisados.
9. Não houve, por conseguinte, ilicitude na
conduta da recorrente, tendo o acórdão
recorrido violado os arts. 186 e 927 do CC/02
quando a condenou ao pagamento de
compensação por danos morais ao magistrado.
10. Recurso especial de YARA DIAS DA CRUZ
MACEDO E OUTRAS não conhecido.
11. Recurso especial da INFOGLOBO
COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A provido.
12. Recurso especial de ALEXANDER DOS
SANTOS MACEDO julgado prejudicado.
(REsp 1297567/RJ, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
23/04/2013, DJe 02/05/2013)
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No caso em apreço, todavia, tenho não houve atuação


suficientemente diligente por parte da ré na verificação das
informações publicadas.

A afirmação de que as informações teriam sido fornecidas


pela Delegacia do Município não encontra amparo em nenhuma prova
dos autos. Pelo contrário, contrasta com a notícia constante do sítio da
Polícia Civil do Rio Grande do Sul juntada pelo autor à fl. 19, pela qual
teriam sido indiciados “o ex e o atual prefeito da cidade”, sem mencionar
quaisquer nomes.

Ressalta-se que a data de publicação no endereço eletrônico


da ré (fl. 20) é posterior àquela do órgão policial, conquanto ambas
registrassem dados e termos bastante semelhantes, à exceção dos
nomes dos envolvidos. Nesse aspecto, reforça-se a tese da parte autora
quanto à possível interpretação equivocada pela empresa ré do nome do
“ex-prefeito” indiciado.

Ademais, ao afirmar, mesmo sem acesso ao procedimento


investigativo, que “de acordo com o inquérito” o de cujus havia sido
indiciado, no mínimo a empresa ré agiu de forma negligente.

A despeito de ter sido contestada a utilização como prova do


e-mail à fl. 21, enviado pelo Sr.Gilberto Melo para informar o equívoco e
sugerir a retificação da informação, não houve impugnação específica à
autenticidade do documento, limitando-se a ré a afirmar, de forma
genérica, sua unilateralidade. Além disso, referido escrito apenas reforça
a culpa já existente em atitude pretérita da ré.

De resto, a eventual veiculação da notícia por outros meios


de comunicação não isenta a empresa ré de culpa, cabendo a
responsabilização de cada um ser aferida pelos atos por eles praticados.

Do dano moral
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Firmada a culpa da parte ré, não deve pairar dúvidas quanto


à lesividade do fato danoso.

Em situações tais os danos morais se presumem, verificam-


se “in re ipsa”, decorrem da força dos próprios fatos, pouco importando
inexista prova do efetivo prejuízo sofrido pela vítima em face do evento
danoso.

Sobre esse tema vale atentar à precisa lição do insigne


doutrinador CARLOS ALBERTO BITTAR, que assim discorre: “Na concepção
moderna da teoria da reparação de danos morais, prevalece, de início, a
orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples
fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a
necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa
ponderação, emergem duas conseqüências práticas de extraordinária
repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa da análise da subjetividade
do agente; outra, a desnecessidade de prova do prejuízo em concreto.

“(...)

“O dano existe no próprio fato violador, impondo a necessidade de


resposta, que na reparação se efetiva. Surge ex facto, ao atingir a esfera do
lesado, provocando-lhe as reações negativas já apontadas. Nesse sentido é que
se fala em damnum in re ipsa.

“Ora, trata-se de presunção absoluta, ou iuris et de iure, como a


qualifica a doutrina. Dispensa, portanto, prova em concreto. Com efeito,
corolário da orientação traçada é o entendimento de que não há que se cogitar
de prova de dano moral. Não cabe ao lesado, pois, fazer demonstração de que
sofreu, realmente, o dano moral alegado.” (“in” Reparação Civil por Danos
Morais, 1ª. ed. São Paulo: RT, p. 202-204)

Neste Colegiado prevalece idêntica linha de entendimento.


Ilustrativamente, cito julgado a respeito:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.


AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS.
EMPRESAS DE RADIODIFUSÃO. NOTÍCIA
DIVULGADA EM PROGRAMA RADIOFÔNICO DE
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ABRANGÊNCIA REGIONAL. FATO INVERÍDICO. A


FORMA COMO SE DEU A DIVULGAÇÃO DA
NOTÍCIA, COM A DESCRIÇÃO DOS SUPOSTOS
PARTÍCIPES DO CRIME DE PEDOFILIA, PERMITIU
ILAÇÃO QUANTO AO POSSÍVEL ENVOLVIMENTO
DO AUTOR NO EPISÓDIO. DEVERES
ESPECÍFICOS DA ATIVIDADE DA IMPRENSA.
DEVER DE VERACIDADE. CORRELAÇÃO AOS
DEVERES ANEXOS DE OBJETIVIDADE E
EXATIDÃO. DIMINUIÇÃO DA CONSIDERAÇÃO
SOCIAL EM RELAÇÃO AO PROTAGONISTA DA
SITUAÇÃO DIVULGADA. LIÇÃO DOUTRINÁRIA.
DIREITO À HONRA E À IMAGEM-ATRIBUTO.
DIREITOS DA PERSONALIDADE. LIBERDADE DE
INFORMAÇÃO. COLISÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA
PROPORCIONALIDADE. A liberdade de imprensa tem
seu âmbito de atuação estendido enquanto não dá
ensejo a ofensa a outros direitos de igual hierarquia
constitucional, como os direitos à imagem, à honra e
à vida privada. Arts. 5º, incisos IX, X, XXVIII e 220, §§
1º e 2º, da Constituição Federal. Havendo colisão de
direitos fundamentais impõe-se observar o postulado
da proporcionalidade, para verificar se, no caso
concreto, o grau de realização do interesse lesivo
(liberdade de informação) justifica o sacrifício do
interesse lesado (direito à imagem e à honra). A
notícia veiculada em programa radiofônico revelou-
se inverídica. Relatou suposta operação policial que
teria culminado na prisão de dois indivíduos
suspeitos do crime de pedofilia. A descrição das
características dos indivíduos suspeitos permitiu
inferir o envolvimento ou participação do autor no
episódio, em vista da peculiar atividade profissional
que exerce, ocupando emprego público em pequeno
Município do interior do Estado. Violação da honra e
imagem-atributo do autor. O problema está na forma
como a matéria foi veiculada, porquanto permitiu
indevidas inferências desabonatórias à pessoa do
demandante. Evidente abuso de direito de informar.
Violação de direitos da personalidade caracterizada.
DANOS MORAIS IN RE IPSA. Demonstrado que a
notícia divulgada no programa de rádio radiofônico
era inverídica. Daí resulta o dever das empresas de
radiodifusão de indenizar os danos causados à
esfera extrapatrimonial do titular do direito
personalíssimo violado. Dano "in re ipsa",
dispensando a prova do efetivo prejuízo.
ARBITRAMENTO DO "QUANTUM" INDENIZATÓRIO.
Montante da indenização arbitrado em atenção aos
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critérios de proporcionalidade e razoabilidade, bem


assim às peculiaridades do caso concreto. Toma-se
em consideração os parâmetros usualmente
adotados pelo Colegiado em situações similares.
APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70058480898,
Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em
27/08/2014)

Ressalto que o de cujus era pessoa de renome onde


habitava, visto que era prefeito do Município de Dezesseis de Novembro,
cidade com menos de três mil habitantes 1. Além disso, a reportagem
ficou exposta no sítio eletrônico da empresa de comunicação ré por longo
período, sendo excluída apenas após a citação desta neste feito, como
admitido no apelo.

Em que pese a presunção de inocência resguardada pelo


inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, a investigação policial e o
indiciamento geram forte estigma social.

Além disso, os fatos inadvertidamente imputados ao


parente dos autores pela empresa midiática sugerem intensa
reprovabilidade, pois diziam respeito a desvios de telhas doadas pela
Defesa Civil Estadual e de verba repassada à cidade pela
empresa Eletrosul para o auxílio de desabrigados por um
temporal de granizo ocorrido em abril de 2008.

Não há dúvidas quanto à proteção do direito à imagem e à


honra mesmo de pessoas falecidas, porquanto afetados por via reflexa os
parentes ainda vivos.

Sobre o tema em foco, pertinente a lição doutrinária de


Sergio Cavalieri Filho, para quem 2:
“[...] A imagem de um ancestral é muitas vezes para seus
descendentes patrimônio moral mais valioso que os bens materiais por ele
1
Conforme dados do IBGE, disponíveis em: http://cod.ibge.gov.br/9ZB. Acesso em 16 de
setembro de 2016.
2
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. Ed. São Paulo: Atlas,
2012. p. 119.
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deixados. Dessa forma, os parentes próximos de pessoas famosas falecidas


passam a ter um direito próprio, distinto da imagem do 'de cujus', que os
legitima a pleitear indenização em juízo. Seria cruel e até desumano exigir que
os parentes próximos do falecido - descendentes, ascendentes e cônjuge -
quedassem inertes diante das ofensas contra ele assacadas.

Assim, mesmo depois da morte, a memória, a imagem, a


honra das pessoas continuam a merecer a tutela da lei. Essa proteção é
feita em benefício dos parentes do morto, para se evitar os danos que podem
sofrer em decorrência da injusta agressão moral a um membro da família já
falecido. Assim como a morte do chefe da família acarreta dano material reflexo
aos seus dependentes, por ficarem sem o sustento, a ofensa aos mortos
atinge também reflexamente a honra, a imagem e a reputação dos seus
familiares sobreviventes.

[...]” (grifei)

Na mesma senda, vale colacionar aresto do eg. Superior


Tribunal de Justiça:

CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À


IMAGEM E À HONRA DE PAI FALECIDO.
Os direitos da personalidade, de que o direito à
imagem é um deles, guardam como principal
característica a sua intransmissibilidade.
Nem por isso, contudo, deixa de merecer
proteção a imagem e a honra de quem falece,
como se fossem coisas de ninguém, porque elas
permanecem perenemente lembradas nas
memórias, como bens imortais que se
prolongam para muito além da vida, estando
até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí
porque não se pode subtrair dos filhos o direito
de defender a imagem e a honra de seu
falecido pai, pois eles, em linha de normalidade,
são os que mais se desvanecem com a
exaltação feita à sua memória, como são os que
mais se abatem e se deprimem por qualquer
agressão que lhe possa trazer mácula.
Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta
efeitos econômicos para além de sua morte,
pelo que os seus sucessores passam a ter, por
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direito próprio, legitimidade para postularem


indenização em juízo, seja por dano moral, seja
por dano material.
Primeiro recurso especial das autoras
parcialmente conhecido e, nessa parte,
parcialmente provido.
Segundo recurso especial das autoras não
conhecido.
Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas
improvido.
(REsp 521.697/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR
ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em
16/02/2006, DJ 20/03/2006, p. 276)

Assim, frente ao dano e à indubitável relação de causalidade


entre a conduta da ré e a mácula na imagem e na honra do de cujus, pai
e cônjuge dos autores, a indenização se impõe.

Da Retratação

Insurge-se a ré contra a condenação a veicular em seu sítio


um pedido de retratação, na mesma dimensão da notícia anteriormente
publicada, ao argumento de que não haveria amparo legal para tanto.

Mais uma vez, sem razão a recorrente.

O ordenamento jurídico vigente se pauta pela reparação


integral do dano, buscando restaurar da forma mais fidedigna o status
quo anterior à violação.

Portanto, a retratação assume importante papel na


reparação do dano, conquanto não exclua a necessidade de
compensação pela indenização pecuniária.

Nesse diapasão o magistério do Ilustre Ministro Paulo de


Tarso Sanseverino, registrado na seguinte ementa de julgado do Superior
Tribunal de Justiça:

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RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.


DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. CONDENAÇÃO
APENAS À RETRATAÇÃO PÚBLICA. INSUFICIÊNCIA.
INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. REPARAÇÃO INTEGRAL
DO DANO MORAL.
1. Limitação da reparação por danos morais pelo
tribunal de origem à retratação junto à imprensa.
2. A reparação natural do dano moral, mesmo se
tratando de pessoa jurídica, não se mostra suficiente
para a compensação dos prejuízos sofridos pelo
lesado.
3. Concreção do princípio da reparação integral,
determinando a imposição de indenização pecuniária
como compensação pelos danos morais sofridos pela
empresa lesada.
4. Sentença restabelecida, mantendo-se o valor da
indenização por ela arbitrado com razoabilidade.
5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(REsp 959.565/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em
24/05/2011, DJe 27/06/2011) (grifei)

Porquanto aqui aplicáveis, mutatis mutandis, os


fundamentos declinados no voto do Ministro Relator deste Acórdão,
transcrevo-os adiante, in litteris:
“[...]
Em sede doutrinária, já tive oportunidade de analisar a distinção
entre as duas modalidades de reparação (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira.
Princípio da reparação integral - indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2010).
Relembre-se que a reparação natural, ou in natura, consiste na
tentativa de se recolocar o lesado no mesmo estado em que se encontrava antes
da ocorrência do evento danoso, restituindo-lhe um bem semelhante ao
subtraído, destruído ou danificado para recomposição do seu patrimônio.
Os prejuízos extrapatrimoniais, em geral, por sua própria natureza,
por não terem conteúdo econômico ou patrimonial, não se coadunam, em regra,
com a reparação in natura, embora, em algumas situações, a doutrina entenda
que ela se mostre viável (CAHALI, 1998, p. 704).
Harm Peter Westermann, na perspectiva do Direito alemão, anota
que “também danos em bens sem valor patrimonial (imateriais) são ressarcíveis,
mediante o restabelecimento (restituição ao natural), que o § 249 (do BGB)
ordena” (WESTERMANN, Harm Peter. Direito das Obrigações. Porto Alegre: Sérgio
Fabris Editor, 1983, p. 136).
Karl Larenz acrescenta que “o dano imaterial pode ser ressarcido
enquanto isso seja possível por meio da restituição in natura: isso tem lugar

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sobre tudo em casos de retratação pública de declarações publicamente


manifestadas, idôneas para ofender a honra de outrem ou para prejudicar o seu
crédito (§ 824 do BGB)”. (LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid:
Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, t. 1, § 14, p. 229).
Pontes de Miranda, após anotar que “a reparação natural é, quase
sempre, impossível”, afirma que o dano moral ou se repara pelo ato que o
apague (retratação do caluniador ou do injuriante) ou pela prestação do que foi
considerado reparador. Reconhece como reparação específica as medidas para
retificação ou reconhecimento da honorabilidade do ofendido e a condenação à
retificação ou à retratação, exemplificando com “a ação para que se retire o
cartaz injurioso é ação de reparação natural” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de
direito privado . Rio de Janeiro: Borsói, 1955-1972. v. 54, § 5536, p. 61.).
Araken de Assis, após lembrar a hipótese de casamento do
homem com mulher deflorada, prevista no art. 1548 do CC/16 e não repetida
pelo CC/2002, anota que a reparação in natura normalmente se mostra
insuficiente, apenas influenciando na fixação da indenização, como a retratação
espontânea ou a publicação da resposta ou retificação, previstas pela Lei de
Imprensa (art. 29 da Lei 5250/67). (ASSIS, Araken de. Liquidação do dano.
Revista dos Tribunais. São Paulo, Ano 88, n. 759, p. 11-23, jan., p. 16).
Sérgio Severo aponta a retratação pública ou a publicação da
sentença de procedência da demanda por dano moral como modalidades de
reparação natural do prejuízo extrapatrimonial (SEVERO, Sérgio. Os danos
extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 193).
Na legislação brasileira, historicamente têm sido previstas
formas de reparação natural, como, na revogada Lei de Imprensa (Lei 5250/67),
a previsão de retratação do ofensor, o desmentido, a retificação da notícia
injuriosa, a divulgação da resposta e, até mesmo, a publicação da sentença
condenatória (arts. 29, 30 e 68). Pode-se exemplificar, também, com a retirada
do mercado do livro supostamente ofensivo à honra de uma pessoa pública.
Na realidade, essas medidas previstas na nossa legislação ou
indicadas pela doutrina não constituem propriamente casos de reparação
natural, pois não se consegue apagar completamente os prejuízos
extrapatrimoniais, sendo apenas tentativas de minimização dos seus efeitos por
não ser possível a recomposição dos bens jurídicos sem conteúdo econômico
atingidos, como ocorre com os direitos da personalidade. Assim, insuficiente a
reparação in natura, a solução é a indenização pecuniária, cuja quantificação se
realiza por arbitramento judicial.
A reparação pecuniária, por sua vez, é uma compensação em
dinheiro, mediante o pagamento de uma indenização fixada pelo juiz, pelos
danos sofridos pelo lesado. Trata-se do sistema mais adotado, atualmente, na
prática, de reparação dos danos, consistindo no pagamento de uma indenização
pecuniária equivalente aos prejuízos sofridos pelo lesado.
Adriano De Cupis explica que, nessa hipótese, “o ressarcimento
consiste na prestação, ao prejudicado, de um equivalente pecuniário”, sendo
apenas “necessário estabelecer em quanto monta, pecuniariamente, o interesse
atingido pelo dano” (DE CUPIS, Adriano. Il danno. Milano: Giuffrè, 1966, p. 297).
Essa opção pela reparação pecuniária não é nova no sistema de
responsabilidade civil, chegando Pontes de Miranda a afirmar categoricamente

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que “o direito romano e o Direito francês só conheciam a reparação em dinheiro”


(MIRANDA, 1955-1972, t. 22, § 2.722, nº 1, p. 209).
A tradição no Direito brasileiro, para a reparação dos
danos extrapatrimoniais, é a indenização pecuniária.
As duas formas de reparação (natural e pecuniária) não
são excludentes entre si, pois deve-se respeito ao princípio da
reparação integral, que estava implícito na norma do art. 159 do CC/16
e, atualmente, está expresso no art. 944 do CC/2002.
O princípio da reparação integral ou plena, ou da equivalência
entre os prejuízos e a indenização, busca colocar o lesado, na medida do
possível, em uma situação equivalente a que se encontrava antes de ocorrer o
fato danoso (STIGLITZ, Gabriel A.; ECHEVESTI, Carlos A. El daño resarcible en
casos particulares. In:CARLUCCI, Aida Kemelmajer de (Coord.). Responsabilidad
civil. Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p. 298).
Naturalmente, essa tentativa de recolocação da vítima no estado
em que se encontrava antes do ato danoso é uma ficção, pois, em muitas
situações, como nos casos de danos extrapatrimoniais, isso é operado “de forma
apenas aproximativa ou conjectural” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao
novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense,
2003, p. 322).
De todo modo, como a responsabilidade civil tem como função
prioritária a reparação mais completa do dano, dentro do possível, essa norma
constitui a diretiva fundamental para avaliação dos prejuízos e quantificação da
indenização (VINEY, Geneviève, Les obligations: la responsabilité, effets. Paris:
L.G.D.J, 1988. (Traitè de Droit Civil, v.5, p. 81).
O princípio pode ser invocado tanto na reparação natural como na
indenização pecuniária. Na reparação natural, não há maiores dificuldades na
sua concretização, bastando que seja restaurada a situação que existiria caso o
ato ilícito não houvesse ocorrido pela recomposição do mesmo bem no
patrimônio do lesado ou por sua substituição por uma coisa similar.
[...]” (grifei)

Por isso, ao contrário do que sustenta o apelante, a


publicação da retratação encontra amparo no princípio da reparação
integral, que possibilita inclusive a cumulação dessa tutela mandamental
com a condenatória deferida à guisa de compensação do dano.

Do Quantum Indenizatório

Concernente à quantificação do dano moral, há que se levar


em conta os critérios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade,
sem olvidar o grau de culpa dos envolvidos, a extensão do dano, bem

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como a necessidade de efetiva punição do ofensor, a fim de evitar que


reincida na sua conduta lesiva.

Dispõe o art. 944 do Código Civil de 2002: “A indenização


mede-se pela extensão do dano”. Trata-se de manifestação do princípio
da reparação integral, ao qual se aludiu anteriormente.

Calha trazer à colação a lição do acatado doutrinador Des.


Rui Stoco (“in” Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. Revista dos
Tribunais, SP, 2004, 6ª ed., p. 1709), ao discorrer sobre a matéria, nestes
precisos termos, verbis: “Segundo nosso entendimento a indenização da dor
moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir,
há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função
punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente
causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a
puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a
vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de
uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação
impostas.”

Incumbe ao julgador, na quantificação dos danos morais ou


extrapatrimoniais, levar em conta as peculiaridades do caso concreto,
estimando valor que não se preste a ensejar o enriquecimento sem causa
do ofendido, porém seja suficiente para significar adequada reprimenda
ao ofensor, evitando que reincida no comportamento lesivo.

No caso concreto, a conduta da ré merece reprimenda com


vigor, posto que além de veicular informação equivocada de forma
culposa, quedou-se inerte quando alertada por e-mail (fl. 21). Igualmente,
ao vincular o nome do de cujus a crimes nos quais jamais se envolveu,
provocou aos autores profundo sofrimento que deve ser compensado.

Nesse contexto, a quantia de R$ 10.000,00 fixada pelo juízo


a quo a título de compensação pelo dano moral, mostra-se razoável,
adequada e proporcional, atendendo às funções punitiva e

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compensatória, e incapaz de propiciar enriquecimento sem causa dos


autores.

Dos consectários legais da condenação

Afirma a recorrente, por fim, que a incidência dos juros


moratórios deveria se dar a partir da citação e a correção monetária a
partir da sentença, nos termos da Súmula 362 do STJ.

Quanto à correção monetária, a sentença estabeleceu que o


montante da condenação fosse “corrigido pelo IGP-M a contar desta
data”.

No que tange aos juros moratórios incide a Súmula 54 da


mesma Corte Superior, a rezar:

S. 54/STJ: Os juros moratórios fluem a partir


do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual. (grifei)

Portanto, também no ponto irretocável a sentença.

Dispositivo:

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

DES. CARLOS EDUARDO RICHINITTI - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO (PRESIDENTE) - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. EUGÊNIO FACCHINI NETO - Presidente - Apelação Cível nº


70067511329, Comarca de São Luiz Gonzaga: "À UNANIMIDADE,
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO."

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Julgador(a) de 1º Grau: ALAN PEIXOTO DE OLIVEIRA

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