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PONTO CRÍTICO

Acidentes na
terceira via

Muitas empresas privadas estão se apropriando do


discurso das organizações sem fins lucrativos e as-
sumindo o papel do Estado – apontado como cro-
nicamente ineficiente – na solução dos problemas
sociais do país. A análise da imagem do Terceiro
Setor construída pela mídia revela objetivos e in-
teresses ocultos nas entrelinhas do discurso da nova
filantropia empresarial.
por Mário Aquino Alves FGV-EAESP

D esde o início dos anos 1990,


assiste-se a um verdadeiro boom
de iniciativas ligadas ao que se
processo levou à promulgação, em
1999, da Lei 9.790, que criou a figura
jurídica das Organizações da Socieda-
curso e como se criam os significados
que vão condicionar a ação das pesso-
as e entidades envolvidas.
convencionou chamar de “Terceiro Se- de Civil de Interesse Público (Oscips).
tor”, transformado em panacéia para os Porém, mais do que uma categoria O Terceiro Setor na mídia. Para
problemas sociais crônicos do país. técnica, o Terceiro Setor é uma retórica, compreender a evolução da imagem do
O governo liderou o processo de um discurso, que ficaria restrito ao cir- Terceiro Setor na mídia, foi realizado
consolidação de um marco legal para cuito acadêmico se não fosse a força da um levantamento do número de inser-
as organizações do setor por meio do mídia. Para entender essa questão, pro- ções do termo no jornal Folha de S. Pau-
programa Comunidade Solidária, que curemos focar nossa atenção na ima- lo. Foram identificados a freqüência
trouxe uma “nova maneira” de formu- gem do Terceiro Setor nos órgãos de com que o termo era mencionado, os
lar e executar políticas públicas: a par- comunicação – uma forma interessan- assuntos predominantes e as pessoas e
ceria entre Estado e sociedade civil. Esse te de entender quem domina seu dis- organizações citadas.

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Por meio da busca eletrônica do ar- de intervenção estatal é em larga medi- do em reportagem de 22 de maio de
quivo do jornal, foram encontradas 270 da responsável pelo fortalecimento da 2001, que anuncia o investimento das
inserções entre 1994 – ano do lança- crença de que o Estado deve atender a organizações-membro do Grupo de
mento do livro Privado, porém público, todas as demandas sociais, e que as ini- Institutos, Fundações e Empresas (Gife)
de Rubem César Fernandes, responsá- ciativas esporádicas do Terceiro Setor em 2000. O texto afirma que o Gife
vel pela popularização da expressão no procuram romper hábitos paternalistas. investiu em projetos sociais de educa-
país – e 2001. O crescimento do nú- Estabelece-se, assim, uma contraposição ção naquele ano pelo menos R$ 593
mero de citações é notável: foram ape- entre a intervenção e o paternalismo do milhões e que a maioria desses recur-
nas 10 em 1994, contra 90 em 2001. Estado e a “cidadania” promovida pelo sos ficara concentrada na região Sudes-
No mesmo período, diversificaram-se Terceiro Setor. te. Mereceu destaque, porém, a seguinte
também os assuntos, que antes eram A recorrência do argumento pode afirmação: “esse valor é cerca de 48%
voltados apenas às questões mais con- ser também observada por uma passa- superior aos orçamentos individuais do
ceituais e hoje cobrem uma grande va- gem da entrevista concedida por Milú governo do Estado de São Paulo e da
riedade de temas. Villela (presidente do Comitê Brasilei- Prefeitura de São Paulo para a área so-
O levantamento revelou um outro ro para o Ano Internacional do Volun- cial, que ficam em torno de R$ 400
dado interessante: as pessoas e organi- tário e personalidade mais citada no le- milhões cada um”. Mais uma vez, a
zações envolvidas com o Terceiro Setor vantamento) para a Folha de S. Paulo em comparação busca comprovar que Es-
geralmente estão ligadas a empresas ou 28 de outubro de 2001. A repórter ques- tado e município são menos eficazes no
a instituições de ensino de Administra- tionou a entrevistada sobre os dados re- investimento social que as empresas.
ção. Como se explica isso? Uma hipóte- ferentes ao balanço das campanhas do
se plausível é a de que estaria ocorrendo Ano Internacional do Voluntariado: Mercado de trabalho. Outra afir-
uma apropriação do discurso do Tercei- “Folha: Quantas empresas e funcioná- mação recorrente nas matérias analisa-
ro Setor por parte de empresários e diri- rios eram voluntários antes de 2001 e das é a de que o Terceiro Setor consti-
gentes de empresas. Tal apropriação se- quantas o são hoje? tui mercado promissor de trabalho.
ria uma forma para legitimar uma posi- Milú Villela: Não tenho esse dado. Sei Em 1996, quando questionava a
ção de destaque na área social. que, conforme diz Jorge Gerdau pouca atenção ao social despendida pela
(Johannpeter, presidente do Grupo gestão de Fernando Henrique Cardoso,
O Estado ineficiente. Para ilus- Gerdau), a cada R$ 1 aplicado em ações Ruth Cardoso afirmou, durante o Tercei-
trar esse movimento, é interessante ana- sociais, o retorno é de R$ 12, enquanto ro Encontro Ibero-Americano do Ter-
lisar alguns elementos ideológicos pre- de cada R$ 1 aplicado em taxas sociais ceiro Setor, que havia “um aumento do
sentes no discurso do Terceiro Setor. revertem somente R$ 0,20 ao fim social. emprego no chamado ‘terceiro setor’”.
Um deles é a idéia de “Estado inefi- Folha: Mas não há nenhuma estimativa Em 1997, o articulista Clóvis Rossi
ciente e Terceiro Setor eficiente”. Alguns a respeito dos resultados? defendeu a questão da geração de em-
especialistas relacionam a emergência do Milú Villela: Temos algumas pesquisas, pregos no Terceiro Setor como algo além
Terceiro Setor à crise do Estado de Bem- mas estamos esperando o cruzamento das ideologias. Questionou ele: “Seria
Estar Social. No Brasil, essa crise tradu- dos dados.” demais perguntar qual a posição da es-
ziu-se no discurso da ineficiência do go- Outro exemplo pode ser encontra- querda política brasileira sobre o novo
verno na área social. Uma das raízes des-
sa ineficiência seria o “intervencionismo
As organizações da sociedade civil vêm assumindo papel
do Estado brasileiro”. Exemplo: no edi-
torial “Combater a exclusão”, de 17 de relevante na proposição, formulação, implementação e
dezembro de 1996, a Folha de S.Paulo acompanhamento de políticas públicas.
afirmava que a longa tradição brasileira

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PONTO CRÍTICO: ACIDENTES NA TERCEIRA VIA

tipo de trabalho social (...)? O que a es- um caldo de cultura que faz dele um Setor, o Ethos é mais ligado à estratégia
querda tem a dizer sobre o chamado empresário medíocre, sem grandeza, empresarial, alinhada à busca de bene-
Terceiro Setor, um tipo de trabalho de sem perspectiva, sem sentido histórico. fício social. Mesmo com visões diferen-
utilidade pública, mas executado por Apesar do fato de ser elite, ele é incapaz tes, a criação dessas duas organizações
entidades privadas?” de realizar na política seus próprios in- pode ser vista como parte de um mes-
teresses. Sua miopia faz com que ele não mo processo: a inserção dos empresá-
Ação e reação. Segundo pesquisas, consiga aproveitar uma situação privile- rios no campo do social.
a maior parte dos centros voltados para giada para definir os rumos do país.
a pesquisa do Terceiro Setor no Brasil Mesmo que fosse para o mal. Ainda há Influenciando agendas. Porém,
vincula-se a escolas de Administração de muito a se desenvolver para que o Brasil cabe aqui a questão: qual o sentido de
Empresas. Daí pode-se deduzir que a tenha uma classe empresarial com esse dominar também esse campo? Muitos
lógica dominante no discurso do Terceiro sentido da democracia, do social, capaz críticos argumentam que as questões de
Setor no Brasil é a lógica dos negócios. de domesticar inclusive as próprias leis responsabilidade social dizem respeito a
Assim, o discurso do Terceiro Setor de mercado e as leis do capitalismo”. um conjunto de estratégias de marketing
é dominado por um grupo que partilha O texto apresenta um estereótipo do para melhorar a imagem das empresas.
visões muito claras sobre a atuação do empresário no início dos anos 1990, quan- Embora haja de fato um componen-
Estado, a predominância dos negócios e do se começou a discutir o Terceiro Setor te mercadológico importante nessa ação,
o papel do Terceiro Setor na sociedade. no Brasil. A necessidade de mudar essa há uma questão maior e de efeitos mais
E quem faz parte desse grupo? Quem imagem provocou, nas empresas, um mo- fortes sobre a sociedade. Trata-se de um
são esses empresários e executivos? vimento de valorização da ação social. movimento que procura garantir às em-
Um ponto de partida, decerto A filantropia empresarial passou a presas maior influência sobre a formu-
provocativo, é o texto O empresário e o es- ter maior destaque com a criação do Gife, lação de políticas públicas ou a defini-
pelho da sociedade, do sociólogo Herbert em 1995, que surgiu de um grupo de ção da agenda política da sociedade.
de Souza – o Betinho. Afirma o sociólogo: organizações ligadas a grandes empre- Jerome Himmelstein, analisando a
“O empresário brasileiro é criado em sas brasileiras de capital nacional e pri- filantropia empresarial norte-america-
vado. O objetivo do Gife é atu- na em Looking good and doing good:
ar no fortalecimento do Tercei- corporate philanthropy and corporate
ro Setor, no desenvolvimento de power (1997), demonstrou que empre-
políticas públicas e nas ações de sas que financiam determinadas cau-
seus associados. sas buscam, mais que um retorno de
Em 1998 foi criado o co- imagem, influenciar os debates sobre
nhecido Instituto Ethos, cuja determinados temas. O autor argumen-
finalidade é ajudar as empresas ta que, no caso da filantropia empresa-
a compreender e incorporar o rial, o poder não está na submissão aber-
conceito de responsabilidade so- ta de um grupo a outro. Trata-se de um
cial – ou seja, a permanente pre- tipo de poder mais sutil: uma presença
ocupação com a qualidade éti- nos múltiplos níveis da sociedade e um
ca das relações da empresa com lugar nas diversas conversações e ne-
seus diversos públicos. gociações que definem seus rumos.
Enquanto o Gife defende O mesmo ocorre no Brasil. As or-
a atuação mais direta das em- ganizações que atuam em iniciativas de
presas em projetos sociais, por filantropia empresarial procuram ga-
meio de entidades do Terceiro nhar corações e mentes, em especial dos

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formadores de opinião. Não é por ou-
No Brasil, as organizações que representam a filantropia
tro motivo que uma das principais ati-
vidades do Gife é fomentar e dissemi- empresarial procuram atuar de forma a conquistar corações
nar as idéias e os conceitos relaciona- e mentes, principalmente dos formadores de opinião.
dos ao Terceiro Setor. No bojo desse
trabalho, são repassados os valores e
princípios dos executivos e empresários ceiro Setor se tornassem estruturas de civil vêm assumindo na proposição,
que compõem seu núcleo. profissionalizadas. Por sua vez, elas co- formulação, implementação e acompa-
Dessa forma, os agentes da “nova meçaram a procurar “ajuda especializa- nhamento de políticas públicas no país
filantropia empresarial” brasileira colo- da” para resolver seus problemas de e no mundo. Por exemplo: o trabalho
cam-se na posição de aliados do gover- gestão. Com isso, surgiram consulto- de acompanhamento de experiências de
no e participantes do processo que res, agentes de captação de recursos e parcerias entre organizações não-estatais
culminou com a edição das Oscips, an- especialistas em projetos sociais. e Estado para a redução da pobreza –
teriormente mencionadas. Chama aten- É interessante notar que os agen- realizado pelo Programa Gestão Pública
ção o fato de que as figuras que lidera- tes de captação de recursos constituem e Cidadania da Fundação Getulio Vargas
ram as campanhas do Ano Internacio- uma categoria específica do Terceiro de São Paulo – mostra resultados ani-
nal do Voluntário no Brasil são justamen- Setor. Pode-se até afirmar que é o pri- madores desse tipo de interação.
te aquelas ligadas à filantropia empresa- meiro campo profissional formado pela Entretanto, apesar de incorporar di-
rial. É também do campo da filantropia emergência do discurso da profissiona- versas vozes, o discurso do Terceiro Setor
empresarial que surgem os movimentos lização das organizações sem fins lucra- é antes de tudo um discurso monológico,
de fomento aos “debates” sobre o Ter- tivos no Brasil. Significativamente, foi voltado para os interesses de uma classe
ceiro Setor nas universidades brasileiras. criada uma Associação Brasileira dos empenhada em criar ambientes “business
Captadores de Recursos, cujo objetivo friendly”. Para isso, procura assimilar uma
Profissionalização. O discurso é estabelecer um código de conduta linguagem que é muito cara a pessoas e
do Terceiro Setor caracteriza o univer- para regular a atividade. grupos que efetivamente almejam trans-
so das organizações sem fins lucrativos formar a sociedade, destituindo-a de seus
a partir de dois elementos básicos: a Discurso monológico. A maior significados originais.
prestação de serviços públicos e a subs- parte desses agentes e dos profissionais Apesar de o Terceiro Setor crescer
tituição do Estado nessa atividade. As- que atua no Terceiro Setor migrou de com vigor e trazer benefícios sociais ine-
sim, sua “natureza” é reduzida a uma outros setores, ou seja, possui experiên- gáveis, seus paradoxos e ambigüidades
finalidade econômica. cia e formação para atuar em organiza- podem torná-lo um apêndice do setor
Simultaneamente à disseminação ções privadas ou em órgãos governa- empresarial, perigosamente alinhado a
do discurso do Terceiro Setor no Brasil, mentais. Independentemente das mo- seus interesses. Embora tal apêndice
está se formando também uma comu- tivações individuais, eles são agentes de possa contribuir para que empresários
nidade de profissionais especializados disseminação de práticas e discursos de e executivos se tornem mais sensíveis
em organizações não-lucrativas. O sur- organizações privadas e governamen- aos problemas sociais, e ajude as orga-
gimento dessa comunidade está asso- tais no Terceiro Setor. nizações sem fins lucrativos a evoluir, é
ciado ao discurso da necessidade de Obviamente, não há porque desme- ainda mais provável que configure uma
profissionalização do setor. Desde que recer a atuação dos “militantes” do Ter- verdadeira “camisa-de-força simbólica”,
se delineou o “novo” papel das orga- ceiro Setor. Existe trabalho sério e com- limitando suas proposições e limites de
nizações sem fins lucrativos como pro- prometido com a mudança social e o atuação. Com isso, terão a perder a so-
vedoras de serviços públicos, passou- bem-estar. Também não se pode negar ciedade e os profissionais que têm se
se a exigir que as organizações do Ter- o papel que as organizações da socieda- envolvido com o tema.

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