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DO RIO DE JANEIRO/RJ
Gislene Danielski
Mística e ética:
O testemunho da compaixão em Aníbal Maria Di Francia
Rio de Janeiro
Junho de 2013.
1 Introdução
1
L. P. PÁDUA. Mística, mística cristã e experiência de Deus. In.: Atualidade Teológica, 15
(2003), p. 345.
2
L. P. PÁDUA. Mística, mística cristã e experiência de Deus. p. 345.
3
L. P. PÁDUA. Mística, mística cristã e experiência de Deus. p. 346.
perfeição do amor4. Essa postura eclesial favorece a reflexão acerca das
diversas formas de manifestação da experiência mística, uma vez que o amor
tem inúmeras expressões na vida cristã.
No entanto, segundo Schillebeeckx, mesmo diante de tais possibilidades,
é indispensável que as experiências sejam submetidas à críticas, uma vez que
essas sempre são sujeitas a um quadro interpretativo, ou seja, a um conjunto de
fatores que influenciam diretamente a experiência de cada sujeito.5 Por mais que
a experiência seja imediata do lado de Deus, para o místico será sempre uma
experiência mediada.6
A experiência mística, regulada pelo Mistério, incorpora o místico na vida,
morte e ressurreição de Jesus Cristo, impulsionando-o a comunicação do
experimentado, o que resulta no testemunho cristão, em todas as suas
dimensões, em meio a humanidade.
4
Cf. L. P. PÁDUA. Mística, mística cristã e experiência de Deus. p. 351.
5
Cf. E. SCHiLLEBEECKX. História humana, revelação de Deus. pp. 34-35.
6
Cf. E. SCHiLLEBEECKX. Los hombres, relato de Dios. Salamanca: Sígueme, 1994. p. 120. In.
L. P. PÁDUA. Mística, mística cristã e experiência de Deus. p. 364.
7
Cf. R. M. VELASCO. El fenômeno místico. Madrid: Trolla, 1999. p. 459.
transcendente, pois quem diz “amar a Deus que não vê e não ama o seu irmão é
mentiroso”8
Mesmo que o místico deseje o encontro definitivo com Deus, conforme
relata Paulo ao afirmar que para si morrer é lucro, o compromisso com a
diaconia o faz viver o ardente desejo de Deus em meio a humanidade, servindo-
a conforme o fez o Mestre. Segundo Moltmann, “o caminho da experiência
mística é na realidade o seguimento de Cristo na resistência contra os poderes
que se opõem a Deus, os poderes desumanos da morte”9. Assim, o místico
experimenta em seu destino o destino de Cristo, que não pode abster-se da
caridade para com a humanidade manifesta também em suas atitudes
cotidianas. “A sapientia experimentalis mística é sempre ética e mística ao
mesmo tempo, uma doutrina das virtudes e uma busca por experiências [...]. A
própria vida é para os místicos, desde Agostinho, o drama do amor a Deus.”10
8
Cf. 1Jo 4, 20.
9
J. MOLTMANN. O Espírito da vida: uma pneumatologia integra. Petrópolis: Vozes, 2010. p.
198.
10
J. MOLTMANN. O Espírito da vida: uma pneumatologia integra. p. 189.
11
Cf. R. M. VELASCO. El fenômeno místico. p. 461.
12
Cf. Mt 9, 35ss.
13
Cf.J. SOBRINO. Jesus o libertador: a história de Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1994. pp.
123ss.
movido pela compaixão que desinstala e impulsiona para a práxis dos
verdadeiros valores cristãos, da verdadeira caridade fraterna.
Aníbal Maria Di Francia, em seu contexto histórico, foi tomado por grande
compaixão pela humanidade. Sentiu-se profundamente tocado pelas
necessidades de seu povo, e no encontro com Jesus Cristo contemplou a porção
de sua doação à “messe abandonada”.
A experiência mística vivenciada por Aníbal teve influência decisória em
sua ética. Ainda muito jovem deparou-se com a precária situação do povo
messinense, assim como da Igreja na Itália. Tinha a convicção de que era
necessário fazer algo para melhorar o que presenciava. No entanto, vendo-se
limitado, pedia a Deus que abençoasse a Terra com homens e mulheres
desejosos e empenhados em fazer com que o mundo fosse melhor. Para sua
surpresa, durante sua oração na Igreja de São João da Malta em Messina, ainda
antes do sacerdócio, depara-se com a passagem evangélica, onde o próprio
Cristo ao ver a multidão teve compaixão e disse: “Rogai ao Senhor da Messe
14
V. LILA. Il Can.co Anníbale M. Di Francia e La sua Pia Opera de Beneficenza. Messina: Tip.
S. Giuseppe, 1902. pp. 11; 14.
que envie operários para a sua messe”.15 Assim Aníbal manifesta-se em
relação a oração pelos bons operários:
[...] para realizar o maior bem para a Igreja, para salvar muitas almas, para
estender o Reino de Deus sobre a terra, nenhum meio seria tão seguro quanto o
aumento dos ministros eleitos de Deus [...] e que ótima e profícua oração seria
aquela de pedir insistentemente ao Coração Santíssimo de Jesus que envie
sobre a terra homens santos e sacerdotes eleitos. 16
[...] le Figlie del Divino Zelo hanno poi un fine tutto speciale, cioè, penetrare nel
Costato Santissimo di Gesù, vivere dentro quel divino cuore, sentirne l’amore,
sposarne tutti gli interessi [...]. Tutto cio faranno com gli esercizi di Marta e di
Maria, cioè della vita interiore e della vita attiva. 18
15
Mt 9, 38.
16
A. M. D. FRANCIA. Scritti. Roma: Rogate. vol. 2, p. 143.
17
Expressão oriunda do Latim, que para Aníbal Maria Di Francia, vem significar o pedido de
Jesus de que seus discípulos peçam a Deus os bons operários para o mundo, como se pode ver nos
evangelhos de Mateus 9, 35ss e Lucas 10, 1-10.
18
A. M. D. FRANCIA. Scritti. p. 151.
valores cristãos,19 ele manifestará ao mundo sua experiência com Deus também
em suas palavras e obras. Desta forma pode-se afirmar que a experiência
mística de Aníbal Maria Di Francia despertou em si profunda vivência dos
valores evangélicos em meio aos pobres com os quais convivia e foi dada como
herança a seus colaboradores.
Mesmo que não tenha deixado relatos sobre fenômenos extraordinários
em sua vida, vê-se em sua historia traços profundos da experiência mística
manifestada em seu cotidiano, pois
[...] cuando uno se entrega sin condiciones y esta capitulación se vive como una
Victoria [...]. Allí es Dios y su gracia libertadora, allí conocemos a quiem
nosostros, cristianos, llamamos Espíritu Santo de Dios, allí hace una experiencia
que no se puede ignorar em la vida [...]. Esta es la mística de cada día, el buscar
a Dios em todas las cosas. Aquí está la sobria embriaguez del Espíritu [...]20
19
Cf. R. M. VELASCO. El fenômeno místico. p. 460.
20
K. RAHNER. Experiencia del Espíritu. Madrid: Narcea, 1977. pp. 52-53.
dizia: “Não dareis nada ao vosso pai que é pobre?” Os meninos e as meninas
ofereciam os pratos que haviam começado a comer e ele pegava uma colher de
um, uma de outro, até deixar pronto o seu prato e comer em meio aos seus
filhinhos, que admiravam e alegravam-se em ter o pai entre eles. 21
Não nos impressiona o ter sido indeferido o pedido de mil liras – pois
conhecemos o ódio satânico da maioria dos conselheiros contra uma instituição
de caráter religioso – quanto nos revoltam os baixos e vulgares ataques
lançados por aqueles senhores contra o maior benfeitor dos órfãos e contra a
sua Instituição. Falaram de tudo... Disseram que o cônego não faz outra coisa
que amontoar carne humana. Puras e vis mentiras, pois os órfãos têm um
moinho, uma padaria, uma alfaiataria, uma tipografia, uma sapataria, e lá se
trabalha todos os dias. E quanto à moral? As jovens as mandaremos para o
Instituto Normal Feminino e os jovens para qualquer outro![...] Se os conselheiros
votaram contra a ordem do dia de mil liras para o cônego Di Francia, fizeram
muitíssimo mal e não fizeram a vontade do povo que não só mil liras, mas dez
mil liras teria dado ao Anjo da Caridade.23
21
P. VITALE In.: T. TUSINO. L’Anima del Padre. Roma, 1973. p. 612.
22
Cf. T. TUSINO. L’Anima del Padre. Roma, 1973. p. 604.
23
Il Faro, 14-08-1902 In.: T. TUSINO. L’Anima del Padre. Roma, 1973. p. 604.
Io amo il mio bambini Eu amo as minhas crianças
All' Esimio Signor Dr. Angelo Toscano Ao Exímio Senhor Ângelo Toscano
che per gentilezza di animo con affettuosi versi Que por gentileza de alma com afetuosos versos
volle incoraggiare le mie povere fatiche per la Deseja encorajar as minhas pobres fadigas pela
salvezza degli orfani derelitti. salvação dos órfãos abandonados
Mi chiaman Padre: sulle loro chiome Me chamam Padre: sobre as suas cabeleiras
Del Ministro di Dio la man si posa; Do Ministro de Deus a mão se pousa;
Chiamano Madre; e a così dolce nome Chamam de Madre: e assim tão doce nome,
Risponde del Signore la casta sposa. Responde do Senhor a casta esposa.
Perchè non manchi a queste mense il pane Para que não falte a estas mesas o pão
Ho gelato, ho sudato ... oh, ecco intanto Tenho passado frio, tenho suado...
Quest' oggi il vitto, o figli miei: dimane oh, eis que no entanto
Ci penserà quel Dio che vi ama tanto. Para hoje a comida, - oh filhos meus: amanhã
Vos pensará aquele Deus que vos ama tanto!
Spesso ho battuto a ferree porte invano:
Atroce è stata la sentenza mia: Frequentemente tenho batido em vão a férreas portas:
- Via di quà l' importuno, egli è un insano, Atroz foi a minha sentença:
Sconti la pena della sua follia! - - Sai daqui o importuno, ele é um louco,
Desconte a pena de sua loucura!
O miei bambini, un dì verrà che voi
Saprete il mio martirio e l' amor mio, Oh minhas crianças, um dia virá em que vocês
Che più non ama il padre i nati suoi, Saberão do meu martírio e do meu amor,
Che per voi scongiurai gli uomini e Dio! Que mais não ama um pai aos nascidos seus,
Que por vocês implorei aos homens e a Deus!
O ignoto Amico! il verso tuo potesse
Sciogliere i geli e convertirli in foco, O ignorado amigo! O verso teu pudesse
Onde Pietà li doni suoi spandesse, Dissolver os frios e converte-los em fogo,
Pietà che al Cielo ed alla Terra invoco!24 Onde Piedade os seus dons expandisse,
Piedade que ao Céu e à Terra invoco!
24
A. M. D. FRANCIA. In.: T. TUSINO. L’Anima
del Padre. Roma, 1973. p. 605.
A poesia revela a essência do amor que Aníbal Maria Di Francia viveu em
favor dos mais necessitados. Longe de almejar uma análise da poesia, pode-se
afirmar que seu escrito revela a profundidade de sua experiência mística no
cotidiano da missão. Segundo Velasco
25
R. M. VELASCO. El fenômeno místico. p. 461.
4 Conclusão
O trabalho em questão atingiu seu objetivo ao encontrar em Aníbal Maria
Di Francia a expressão prática da experiência mística vivenciada pelo mesmo. A
trajetória, bem como muitos outros escritos de Aníbal, são fontes reveladoras de
sua experiência de encontro com Deus derramada na vida dos que com ele
estavam.
Nos tempos atuais, onde o cristão é conclamado a testemunhar sua fé, o
exemplo tomado fica como testemunho verídico que pode colaborar para que
outros se abram a experiência com o Criador e manifestem no cotidiano da
história.
As dificuldades possivelmente não serão poucas, mas o cristão é ainda
hoje chamado a seguir Cristo na opção pelos pobres e na vivência da caridade
fraterna, fazendo com que a compaixão o faça deslocar-se, sair de si e cumprir a
missão que o Senhor entregou a seus discípulos de pregar a boa nova do Reino
a todas as nações.
Bibliografia