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RESUMO
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* Professora do Departamento de Ciência da Informação da UFF. E-mail: clarissaschmidt@id.uff.br
N
o final dos anos de 1980, a
Nesse sentido, mesmo o século
Associação dos Arquivistas
XX representando para a arquivologia a
do Quebec/Canadá encontra-
fase de afirmação e consolidação em
va-se em uma crise sem precedentes.
termos de Saber, seus últimos anos fo-
Sofria consequências por não conseguir
ram marcados pelo desenvolvimento
lidar com as novas regras para o
tecnológico a ponto de os arquivistas
gerenciamento de documentos de órgãos
repensarem o Fazer e o Saber para a
públicos e as políticas para suas fases de
área, seu papel social e a própria profis-
vida, estabelecidas por meio da Lei de
são. Segundo o arquivista americano
Acesso aos Documentos Públicos e Pro-
Ridener (2009, p. 9), para quem a década
teção de Informações Pessoais em 1982
de 1980 representa o início de uma fase
e da Lei dos Arquivos em 1983.
de colapso para a arquivologia devido ao
Somavam-se também os problemas
novo mundo digital, as mudanças de
enfrentados após a inserção do
paradigmas vivenciadas pela área nesse
computador nas rotinas administrativas e
período acontecem a partir da crise na
as preocupações com a organização do
profissão, ou seja, crises que exigem
XII Congresso Internacional de
tentativas, por parte dos profissionais
Arquivos, que aconteceria na cidade de
que a exercem, em alterar os paradigmas
Montreal em 1992 (GARON, 2007). Na
dominantes para responder às perguntas
verdade, o que essa associação estava
concebidas frente à realidade que se
vivenciando era reflexo, também, de
apresenta. As dificuldades em se
novas demandas apresentadas à profis-
trabalhar com situações novas usando
são com a introdução da informática e de
velhas teorias promovem concepções
outros elementos sociais e tecnológicos
diferentes de um problema e suas
no cotidiano da sociedade, além da valo-
possíveis soluções.
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como a evidência de uma transação, de uma zido para língua inglesa somente em
atividade, o cumprimento de deveres. “Qualidade
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pela qual os documentos de arquivo permitem 1940 – discorre mais sobre questões de
conhecer a origem, a estrutura, a competência arranjo e descrição e que vai sugerir no-
e/ou funcionamento da instituição que os produ-
ziu” (BELLOTTO; CAMARGO, 1996, p. 78). vos pontos de vista ao campo dos arqui-
vos, sendo o principal a ideia de custódia lidades essenciais, apresenta quatro ca-
contínua. Atribui ainda a essa ideia de racterísticas que lhe são inerentes: im-
preservação na custódia oficial como sua parcialidade, autenticidade, naturalidade
principal contribuição para o que chama e interdependência.
de ciência dos arquivos. A imparcialidade está relacionada
Durante a introdução (1922, p. à razão de criação do documento e sua
2), Jenkinson aponta a história, tal como capacidade em refletir de maneira fiel as
disciplina concebida até então, como atividades de produção, ao passo que a
uma ciência bastante dependente dos autenticidade condiciona-se aos proce-
arquivos. Assim, parte para definir o que dimentos de custódia contínua para ga-
compreende como arquivos, sendo que a rantia do valor de prova de tal atividade
primeira dificuldade esbarra na questão de produção. A naturalidade também
da utilização de dois termos diferentes; está atrelada à criação do documento,
records e archives. Refere-se a ambos porém na perspectiva de resultado natu-
como sinônimos e justifica como sendo ral da atividade, e por fim a interdepen-
mais apropriado o uso de archives por dência, relacionada à participação e ao
ser o comumente usado por outras lín- papel do documento no conjunto de do-
guas. Isto posto, passa a considerar ar- cumentos de arquivos.
quivo como os documentos que forma- Outra abordagem deste autor bri-
ram parte de uma transação oficial e fo- tânico, bastante criticada principalmente
ram preservados para referência oficial, por arquivistas contemporâneos, é quan-
servindo de prova/evidência da transa- to às responsabilidades do arquivista.
ção. Argumenta que os arquivos não são Para ele há duas, as primárias e as se-
elaborados para interesse ou para a in- cundárias, sendo que em primeiro lugar
formação da posteridade, pois a qualida- está a de tomar todas as precauções pos-
de essencial do documento de arquivo é síveis para a manutenção e custódia dos
sua produção visando o caráter probató- seus arquivos, exercendo o papel de
rio de uma ação, diferente da atribuição exímio guardião da custódia contínua,
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sendo que por isso seria necessário pas- fundamental para manter a autenticidade
sar a avaliá-los. Nesse sentido, acredita- e assim o caráter probatório dos docu-
va que os arquivos “do passado” não mentos de arquivo, o pensamento de
Jenkinson escreveu seu manual de prova dos documentos, bem como sua
na área a ideia do valor de prova do do- década de 1920, suas ideias permitiram
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em sua criação e a ideia da custódia ofi- teóricos na área que ainda hoje são obje-
od para afirmar que “é preciso entender vem ser dispensadas como quimeras
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lizar o que a sociedade assume como teorias, conceitos e métodos, por exem-
natural, racional, e visando relacionar plo, sejam revisitados, postos à prova,
essa concepção ao campo dos arquivos, reformulados, modificados, reafirmados
vale-se da abordagem de historiador de e adaptados. Porém, nesse sentido, al-
Jacques Le Goff para o qual “o docu- gumas reflexões encontradas no pensa-
mento não é matéria-prima objetiva, mento de Cook exigem análises mais
inocente, mas expressa o poder da socie- detidas. A noção de verdade universal,
dade do passado (ou da atual) sobre a de uma ciência absoluta e racional, são
memória e o futuro: documento é o que consequências contextuais de importan-
fica”. O que vale para cada documento tes momentos históricos pelos quais as
vale também, coletivamente, para os sociedades passaram e que lhes trouxe-
arquivos (COOK, 1998, p. 140). ram inúmeros avanços. Assim como o
Em nossa concepção, Cook en- mundo sofre transformações e é dinâmi-
tende o pós-modernismo como um ele- co, para utilizar elementos de caracteri-
mento natural do mundo contemporâneo zação do mundo contemporâneo utiliza-
em cujos preceitos a arquivologia deve dos por Cook, o pensamento científico
estar inserida, pois caso contrário estará também o é. O processo é ininterrupto e
fora do que é aceito como vanguarda o que foi construído não pode ser dis-
intelectual. Não temos dúvidas de que o pensado como quimeras. Afinal, parte-se
mundo está constantemente em trans- destas construções para pensar outras. A
formação, se reinventando, inovando, e arquivologia não começa no mundo con-
que o contexto e as formas de produção temporâneo e nem é melhor neste mun-
documental, bem como os próprios do- do: ela está inserida no processo de de-
cumentos, fazem parte destas transfor- senvolvimento que passou e passa. Além
mações. Entretanto, em um primeiro disso, ao apropriar-se das palavras de Le
momento, o que parece ser uma apologia Goff, Cook não contextualiza que a críti-
do canadense ao pós-modernismo nos ca do historiador foi construída para ser
instiga a pensar que há uma tendência contra a concepção positivista do docu-
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arquivística, faz-se necessário esclarecer buinte para a área do que a ideia de cus-
que não estamos defendendo que essa tódia tal como o britânico havia propos-
verdade para os arquivos, a qual já apon- to. Porém, remetendo-nos ao que esse
tamos inclusive como importante fun- britânico define como verdade arquivís-
damentação teórica da arquivologia, de- tica – relacionada ao contexto de criação,
va se manter cristalizada na definição ou seja, à permanência da imparcialidade
jenkinsoniana promulgada no início da e da autenticidade – para nós essa verda-
década de 1920, pois, além de entender- de não é absoluta tampouco absoluta-
mos a construção do conhecimento cien- mente fiel ao que se propõe. Entretanto,
tífico como inserida na dinâmica social e à época de Jenkinson, a produção do
que está em constante processo de mu- conhecimento científico, bem como do
danças, é certo que muitas das premissas arquivístico, estava possivelmente inse-
elaboradas pelo arquivista britânico não rido em premissas positivistas e isso não
se sustentam após o progresso da tecno- invalida suas ideias. Localizar o discurso
logia documental3. ao tempo em que foi elaborado é funda-
Nessa linha de pensamento, ao mental para compreendê-lo e contextua-
conferirmos valor à ideia de verdade lizá-lo.
arquivística como fundamento, valemo- Sob essa mesma ótica, o fato é
nos inicialmente das discussões elabora- que as ideias de Cook corroboram hoje
das por Jenkinson de tal forma que che- para nossas argumentações que revisitam
gamos a considerá-la muito mais contri- essa concepção jenkinsoniana de verda-
de. Em novembro de 1997, Terry Cook
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Na trajetória da arquivologia, muitos fatores esteve no Brasil, mais especificamente
vão se delineando e demandando novas refle-
xões. Um deles é pertinente ao desenvolvimento na cidade de São Paulo, para um seminá-
tecnológico e seu reflexo nos suportes nos quais
as informações estão sendo registradas e nas rio internacional sobre arquivos pessoais
maneiras em que os documentos estão sendo
elaborados, o que Favier define como tecnologia que foi organizado pela Fundação Getú-
documental. Outro fator que transforma os dados
da arquivística é, naturalmente, o progresso da lio Vargas (FGV) e pelo Instituto de Es-
tecnologia documental. Em um século, evoluiu- tudos Brasileiros (IEB). Decorrida sua
se da pena à esferográfica, do copista à máquina
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de escrever elétrica e daí às máquinas multicopi- fala na sessão sobre o Fazer do arquivis-
adoras, à fotocópia e à xerografia. O documento
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único, antes regra, tornou-se exceção (FAVIER, ta, Heloísa Bellotto (1998) posteriormen-
1979, p. 6).
te produz um artigo comentando as idei-
as de Cook. Problematizando a viabili-
pós-moderna, o fato é que essa visão vez mais de ferramentas teóricas e meto-
novo olhar sobre a verdade para a nossa a custódia contínua sugeridas para a ver-
área, e que está além da relação linear e dade arquivística por Jenkinson. Agora,
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Não há dúvidas de que este perí-
Há diferentes compreensões sobre a condição
social pós-moderna, bem como de ciência pós- odo que denominamos de arquivologia
moderna, e não caberá a nós tratá-las neste texto.
clássica foi bastante significativo para o
Contudo, devemos esclarecer que nossa a crítica
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ABSTRACT
sonal reflection and critique. Archives and SCHMIDT, Clarissa Moreira dos San-
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Trabalho recebido em: 31 mar. 2014 Trabalho aceito em: 13 fev. 2015
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