Vous êtes sur la page 1sur 15

DA JUSTIÇA POLÍTICA : A IMPORTÂNCIA

DO PENSAMENTO ANARQUISTA DE
WILLIAM GODWIN 200 ANOS DEPOIS.

EDSON PASSETTI
DEPARTAMENTO DE POLÍTICA
abril de 1994.

texto inicialmente publicado na revista da puc/ sp:


a revista margem nº. 3: DOSSIÊ: CONDIÇÃO PLANETÁRIA, 1994.
O anarquista é como um agente secreto que participa do jogo da
razão para solapar a autoridade da razão, afirmou Feyrabend, em Contra o
Método. Foi desta maneira que Willian Godwin procedeu nos dois anos que levou
para escrever aquele que é considerado o primeiro escrito sistematizado a respeito
da filosofia anarquista.

Em 1793, publica An Enquiry concerning Political Justice and its


Influence on General Virtue and Happiness, ligeiramente modificado na segunda
edição, em 1795, para An Enquiry concerning Political Justice an its Influence on
Moral and Happiness, um livro pouco conhecido no Brasil onde as edições de
pensadores anarquistas ainda estão reduzidas a uma alguns escritos da vasta obra
de Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Malatesta e, a algumas coletâneas. Fala-se
muito — quando se fala — da continuidade de Proudhon em Bakunin, resumindo-
se o pensamento anarquista a essa matriz do século passado, geralmente
associando-a ao debate com Marx e Engels.

O pensamento de Godwin, no entanto, expresso principalmente neste


Justiça Política, deve ser entendido como a referência original para o anarquismo,
como afirma Max Nettlau em La Anarquia atraves de los Tiempos. A filosofia
anarquista, salienta, fundamenta-se na conduta individual com melhorias
desejáveis (moral) e na conduta cívica e social em direção a um devir mais perfeito.
Desde Zenon, fundador da escola estóica (342-270 A.C.), o indivíduo é pensado
como único e suficiente regulador das suas próprias ações na comunidade. O
Renascimento, redescobrindo o paganismo grego e romano, fêz emergir três
grandes obras: De Tribus Impostoribus
[http://www.livrariamartinseditora.com.br/descricao.asp?cod_livro=AL9543], de
autor desconhecido, falando a respeito de Moisés, Cristo e Maomé, Faça o que
Quiseres do sacerdote frances François Rabelais, e o Discurso da Servidão
Voluntária de Ettiènne de la Boétie. Estas três obras buscavam compreender o mal
imanente à autoridade e recuperar a confiança na liberdade. A desobediência é
vista como componente intrínseca da vida política e social e, a guerra como forma
de consumir e mudar o homem tornando-o autoritário, qualquer que tenha sido
sua disposição anterior. Com Godwin o pensamento dirige-se à crítica ao grau de
governamentalismo que prejudica o desenvolvimento moral do homem,
investindo no estabelecimento de condições para a justiça política com o fim do
regime da propriedade; é com Godwin que inaugura-se, modernamente, a crítica à
sociedade a partir da política.

George Woodcock, em Os Grandes Escritos Anarquistas afirma que


o livro de Godwin é também a primeira exposição da crítica aos problemas do
governos advindos da revolução francesa e da reação conservadora inglesa. Para
Domenico Tarizzo, em L 'Anarchie (Histoire des Mouvements Libertaires dans le
Monde), assim como Collin Ward , em Anarchy in Action, é com Godwin que
aparece a pedagogia libertária entendendo a educação livre do Estado como meio
para superar as superstições e o autoritarismo. A educação estatal é entendida
como sendo sempre conservadora pois, visa dirigir o aluno, não para por à prova
os ensinamentos mas, para defender os dogmas estabelecidos, o que assemelha a
escola ao cárcere.

O Justiça Política começou a ser escrito em 1791, e durante os dois


anos de sua elaboração Godwin frequentou a casa do editor Johnson onde se
reunia com um grupo formado por Thomas Paine, William Blake, Thomas Holcroft
e sua mulher Mary Wollstonecraft, autora de Vindication of the Rights of Women,
em 1792, precursora dos movimentos femininos. Os escritos de Godwin, Paine e
Wollstonecraft podem ser considerados como réplicas a Edmund Burke a quem,
principalmente Godwin, admirava como pensador mas que considerava —
conforme nota à terceira edição — como sendo seu principal defeito

"a falsa valoração dos objetos dignos de nossa estima, o que é próprio
da aristocracia na qual viveu, e que, por certo, subestimou seu talento,
chegando a afetar, em certo grau, seu próprio espírito." (pag. 412)

Dentre as influências mais marcantes que Godwin recebeu ao


escrever esse livro, Diego A. Santillán, no Prólogo à edição em língua espanhola,
aponta o Système de la Nature de Holsbach, e os escritos de Rousseau, Helvetius e
Jonathan Swift. Godwin publicou ainda, The Life of Chathan, em 1783, The Herald
of Literature, em 1784, a novela Things as They Are ou The Adventures of Caleb
Williams, em 1794, transportando para a ficção o Justiça Política; ensaios como
The Enquirer, em 1797, que trata da uma educação livre e, Thoughts on Man His
Nature Productions and Discovertes, escrito muito antes, mas somente publicado
em 1831, devido às perseguições aos contestadores; a History of the Commonwelth
of England, from its Comnencement, to Restauration of Charles the Second, em 4
volumes, em 1824; novelas como Life of Geoffrey Chaucer; em 1803, St. Leon, em
1799, Fletwood ou The New Man of Feeling, em 1805, Mandeville: a Tale of
Seventeenth Century in England, em 1817 e, Claudesley, em 1830; as tragédias
Antonio, em 1800 e Faulkner, em 1807; The History of Rome, em 1809, The History
of Greece, em 1811 e uma polêmica com Malthus em Of Population: An Enquiry
Concerning the Power of Increase on the Numbers of Minkind; Being an Answer to
Mr. Malthus'Essay, em 1812. Desde 1800, quando passou a ser alvo da propaganda
conservadora, escreveu contos infantis sob o pseudônimo de Edward Baldwin, .

Apesar de ter sido publicado em 2 volumes, o Justiça Política chegou


a vender até 4000 exemplares na época, o que pelo alto preço do exemplar, foi
considerado um sucesso editorial. Com a morte da mulher em 1797, após o
nascimento de sua filha Mary, Godwin separa-se do grupo de amigos e casa-se
novamente levando uma vida solitária. Mary , a filha do seu casamento com
Wollstonecraft, mais tarde irá casar-se com o poeta Percy Bysshe Schelley que será
marcado pela obra de Godwin como atestam os primeiros três atos do seu
Prometheus Unbound, considerado como a tradução artística do Justiça Política. A
obra de Godwin influenciou ainda os poetas ingleses William Woldsworth, Samuel
Taylor Coleridge e Robert Southey; os políticos Benjamin Constant, que chegou a
pensar em traduzí-lo para o frances em 1817 e, Alexander von Humbolt. Uma
última referência, no século passado, pode ser encontrada em Oscar Wilde no seu
L'Ame de L'Homme sous le Socialisme, de 1890.

Para Max Beer, em History of British Socialism, o livro de Godwin


representa para os intelectuais o que o Reflections on the French Revolution de
Burke representa para as classes superiores e o Rights of Man de Paine para as
massas. William Godwin morreu, obscuramente, em 7 de março de 1836. Nascido
em 3 de março de 1756 em Wisbeach, Cambridshire, esse sétimo filho de um pastor
dissidente educado na tradição calvinista foi pastor por cinco anos após concluir
seus estudos em Londres. Este primeiro filósofo do anarquismo, jamais foi um
homem de ação.

1.A JUSTIÇA POLÍTICA


A Justiça Política é uma obra composta por 8 livros divididos em
capítulos abordando: a importância das instituições políticas, os princípios da
sociedade, os princípios do governo, princípios diversos (incluindo resistência,
revolucão, tiranicídio, cultivo da verdade, livre-arbítrio, necessidade e virtude), os
poderes executivo e legislativo, a direção política das opiniões, os crimes e castigos
e, finalmente, a propriedade.

Para Godwin as ciências humanas devem objetivar o prazer


intelectual e moral dos homens, ou seja, a felicidade a ser atingida como algo
preferível ao precário e transitório do tempo presente. A perfectibilidade é uma
característica humana, de homens como indivíduos, que foi sendo subordinada
pelos governos e suas guerras. Se visamos encontrar melhoramentos (progresso)
na busca pelo aperfeiçoamento da vida humana, devemos considerar que as
características humanas são resultantes de suas percepções e, questionarmos o
governo, até hoje considerado o meio mais eficiente para construir o espírito
humano. No entanto, lembra-nos Godwin, se os bons e maus efeitos das
instituições não são menos visíveis no detalhe que no princípio, porque não
examinar os princípios do governo que obstaculizam a sociedade não permitindo-
lhe ver o futuro, reiterando o olhar para o passado como forma para se atingir a
perfeição e reverenciando as decisões dos antepassados, como se

"estivesse na natureza do espírito, degenerar sempre e nunca


progredir." (pag. 36)

O homem obtendo o necessário para viver, realiza a concordância


entre interesse privado e interesse público, mas a paz social daí decorrente acabou
sendo interrompida. Nas condições históricas da época, salienta Godwin, os
Estados mais cultos da Europa acabaram levando a um grau alarmante a
desigualdade da propriedade fazendo com que o pobre se visse propenso a
perceber a sociedade como um estado de guerra, confinado que estava à miséria. A
sociedade envolta no fausto e no luxo derivado da riqueza confunde o homem
pobre que passa a entender opulência como sinônimo de felicidade. A pobreza, no
entanto, decorre do descontentamento originado pela usurpação do rico que ao
tornar-se legislador, reduz a opressão a uma categoria de sistema. A solução
encontra-se na redução das condições de pobreza concomitantemente às de lesões
morais.

Para Godwin, a legislação favorece o rico a tal ponto que na


Inglaterra o tributo sobre a terra, naquele tempo, já era meio milhão a menos do
que no século XVII, enquanto que os tributos sobre os consumidores tinha sido
acrescido de 13 milhões ao ano no mesmo período. De um lado, concedia-se total
liberdade de ação para monopólios e patentes e, de outro, limitava-se os pobres
impedindo-os de fixar o valor do trabalho. A instituição política quer através dos
legisladores ou da administração das leis, revela que tem por funcão manter a
desigualdade de condições fundada na excelência da riqueza.

Se pudéssemos remontar à origem, afirma Godwin, veríamos que


todos os homens eram iguais em ignorância e que o homem, como indivíduo, é
dirigido por causas externas que produzem sobre ele efeitos, independentemente
do exercício da razão, fazendo com que pense e assuma motivos para criar ou
abster-se de criar. O caráter da nação espelhando sempre o caráter individual
mostra que nunca se escolhe o mal pelo mal: onde uma noção clara de um assunto
emerge, segue a ação correspondente ou uma sucessão de ações.

Os homens associam-se, em princípio, em função da assistência


mútua; a necessidade de restrição (o governo) nasceu dos erros e maldades de uns
poucos. Se a sociedade é o produto de nossas necessidades, o governo, por
oposição é o produto das nossas maldades, e é nesse sentido que Godwin
entenderá a afirmação de Thomas Paine de que o governo é um mal necessário. Ele
não é o bem para corrigir o mal e garantir a liberdade como equacionaram os
liberais, mas o atestado de que a maldade humana prepondera sobre o bem; não é
o garantidor do indivíduo de posse do bem entendido interesse, mas do indivíduo
egoista com um interesse que não se realiza sem a presença do governo. Está
demarcado um princípio distintivo entre o utilitarismo de Jeremy Benthan
traduzido por egoismo e que exige Estado (governo) como necessidade e o
princípio anarquista que considera a relação prazer e dor equacionada a partir do
prazeiroso dispensando o mal necessário, porque como tal, é sempre supressão do
prazer possível aos indivíduos. O governo no Estado pode ser entendido em
Godwin como o tempo de Thanatos.
Se a justiça é a demonstração de todo dever moral, o benefício do
indivíduo deve ser todo aquele que não interferir nas vantagens dos demais
indivíduos. O benefício não envolve gratidão, pois esta leva o homem a preferir
um ao outro por uma consideração que não diz respeito à utilidade ou valor.
Afinal, diz Godwin, a mesma justiça que me liga a alguns me liga ao conjunto da
sociedade. Estou, enquanto indivíduo, obrigado a empreender meu talento,
entendimento, força e tempo na produção da maior quantidade para o bem geral.
Essa é a manifestação da justiça, de uma justiça que se funda na reciprocidade e
não na gratidão.

A sociedade entendida como um agregado de indivíduos com


direitos e deveres instituí que o dever de um homem não pode sobrepor-se à sua
capacidade. A desigualdade natural entre os homens foi na origem menos
pronunciada do que é hoje, como demonstra a história da centralidade do poder.
Isso deveu-se à institucionalização crescente dos governos fundados na construção
da opinião dos indivíduos para aceitá-lo como benéficio e garantia aos seus
interesses. Assim sendo uma comunidade ou um império podem estar submetidos
ao governo, pela força ou pelo consentimento justificados pela sua faculdade em
aplicar a mesma e inalterável regra de justiça, isto é, a da emergência. Mas como a
justiça refere-se a seres inteligentes e capazes de sentir prazer e dor é razoável que
os homens venham a dirijir a justiça para outro sentido, aquele onde se busca
alcançar prazer e benefícios morais. Os homens participando de uma natureza
comum, devem buscar benefícios mútuos, pois

"oferecendo iguais oportunidades e idênticos estímulos estaremos


fazendo justiça à escolha e aos interesses comuns." (pag. 67)

Na sociedade os direitos de um indivíduo não podem chocarem-se


com os de outros. No entanto, alguns chamam para si o direito de converter o
outro em escravo, castigar e reter parte da riqueza. Se isso é verdade, deduz-se que
não há direitos. Neste sentido, Godwin inicia uma argumentação política que
encontraremos ressonância tempos depois no Karl Marx de A Questão Judaica.
Para Godwin, direitos do homem é uma expressão equivocada pois os termos
direito e homem são incompatíveis. Um exclui o outro porque sendo o homem
capaz de discernimento através dos direitos e deveres que lhe são atribuidos ele se
converte num ser moral. Sabedor de que busca a perfeição e de que nenhum
governo é infalível, não pode admitir que o governo venha a resistir às mudanças
institucionais e fixar padrões rígidos restringindo a expansão do espírito inovador,
o que seria contraditório. Como não há juízes infalíveis nas controvérsias humanas,
o governo se resguarda na arbitrariedade fundada na generalidade da lei em torno
da igualdade formal para todos, o que nos termos de Godwin, não passa de uma
ilusão.

Para o ser racional a regra de conduta é a justiça pelo exercício do


juízo pessoal. É a justiça na utilidade:

"toda ação humana é geralmente determinada por duas espécies de


fatores, uma delas resultante de leis universais e a outra da
intervenção positiva de um ser inteligente. A natureza da felicidade e
da infelicidade, do prazer e da dor, são independentes de toda
instituição positiva."(pag. 76)

A moral exige que tenhamos em conta a tendência de cada ação como


dependente de leis da natureza, universais e necessárias. A instituição positiva
deveria ilustrar nosso entendimento a respeito de atos justos e quais são os
injustos, porém ela tem reduzido o homem a um modelo uniforme padronizando o
seu pensamento, seja através da alegada proteção ao espírito capturando a verdade
ou impedindo a investigação da verdade e do homem em contestar a obrigação de
aceitar uma norma que não esteja de acordo com os princípios da justiça.

A interferência sobre o juízo pessoal é telerada em dois casos: o


primeiro, quando a ação do indivíduo trouxer consequências prejudiciais aos
outros, como o assassinato, onde o castigo aparece como necessidade; o segundo,
diz respeito à interferência do governo frente à invasão de um inimigo estrangeiro.
Para Godwin, hoje em dia, a redução da interferência só é possível através do
aperfeiçoamento das relações em direção à liberdade fazendo com que o interesse
no conjunto social signifique propostas de meios para extirpar o egoismo das
sociedades humanas, elidindo o governo como manifestação concreta do egoismo.

Os intelectuais sempre pensam o governo a partir de três hipóteses


que procuram dar conta da origem dos sistemas políticos. A primeira baseia-se na
idéia de força de uma maioria submetida ao poder coercitivo justificada pelo
alegado fato natural que há desigualdade física e mental entre os homens, o que
não passa de negação da justiça. A segunda, afirma que o poder governamental
deriva do poder divino, o que é um equívoco. A terceira, a que Godwin se dispõe a
examinar é a que afirma-se como comumente aceita pelos adeptos da igualdade e
da justiça, ou seja, que o contrato funda a autoridade dos governantes sob o
consentimento dos governados.

Define três objeções à teoria do contrato. Sua renovação depende de


períodos que deveriam ser fixados (o que foi aceito por meu pai, não
necessariamente deverá ser aceito por mim); a natureza do consentimento obriga-
me a ser súdito, posto que todo governo amparado na lei, pretende-se imutável o
que iclui a própria tirania; e, por fim, aceitar as leis vigentes como tendo o futuro,o
que me impede de manifestar o que penso sobre leis futuras. Para Godwin,
Rousseau acertou em afirmar que a essência da soberania é a vontade geral e que a
vontade não pode ser representada (os deputados não devem ser seus
representantes mas delegados). Então o plebiscito seria a solução? Não, responde
Godwin, porque o plebiscito é sempre

"um modo precário e equivocado de conhecer o sentimento da nação.


Realizam-se geralmente de modo sumário e tumultuado depois de
terem sido preparados em meio a uma viva agitação dos
partidos."(pag. 93)

Portanto, se o indivíduo não pode delegar sua autoridade a um representante,


tampouco pode este mesmo indivíduo isolado delegar sua autoridade à maioria de
uma assembléia da qual faça parte. Como a justiça é a soma do dever moral e do
dever político, não há lugar para negociações e para aquilo que se tornou a
reprodução da própria política partidária e dos tiranos, sob qualquer forma de
governo, ou seja, a promessa.

Se o governo é a gestão que se cumpre em benefício da comunidade é


justo que todo membro dela participe de sua administração?

Para Godwin, não existe critério racional que afirme que um


indivíduo ou grupo deva exercer o domínio sobre os outros. Sendo racional nada
tornaria um indivíduo mais interessado do que outro no benefício de todos. O
governo fora do Estado cria segurança para todos fazendo com que cada indivíduo
contribua com sua parte para a própria segurança e que todo homem, participando
nos negócios públicos, nada mais faça do que exercer o livre juízo pessoal levando
ao desaparecimento o sentimento de submissão. Desta maneira, Godwin exclui a
idéia de maioria como governo constituído e ao mempo tempo, como exercício na
assembléia. Revela o caráter conservador da democracia, forma de governo que
procura ajustar os interesses representados de maioria como se fôssem de todos,
reiterando que, o governo centralizado nada mais é que instituição de uma
vontade superior sobre a vontade de indivíduos.

Vimos que o governo deveria possuir duas únicas funções: supressão


da injustiça e defesa contra inimigos externos. Com relação à Assembléia Nacional,
Godwin considera que ela introduz uma unanimidade fictícia, posto que o voto de
maioria acaba transformando a humanidade numa massa tímida, hipócrita e
corrupta. Além disso introduz, também, uma unanimidade real através da lei,
como padrão de conduta, que é enganosa e perniciosa. Na Assembléia Nacional o
debate é distorcido pelo voto e é acompanhado de um discurso fundado em idéias
pré-concebidas.

O juízo privado e a deliberação pública são, para Godwin, os meios


para se descobrir o bem e o mal através de comparação entre proposições concretas
com os postulados da justiça. Sendo o poder político de ordem executiva e que
todo indivíduo deve ser seu próprio legislador, o que Godwin entenderá por
obediência?

Se todo exercício de governo objetiva o exercício da força e toda


escolha não compulsória de um ser inteligente não deixa de ser um consentimento
menos livre do espírito, a regra da justiça, por sua vez, trata todo homem segundo
seus méritos e utilidade social gerando maior quantidade possível de bem geral.
Ela supõe, portanto, influência recíproca entre os homens, opondo-se à obediência
e abolindo-se a figura do súdito, aquele a quem o governo se diz obrigado a
proteger ou reprimir quando perturbada a paz da comunidade e que em nome de
sua preservação fêz-se instituir o governo. No entanto, como o homem vive em
constante mudança, isto representa riscos aos governos fazendo com que a
instituição política, por sua natureza, produza a rigidez ou formas de sua
conservação. Godwin recomenda, fundado nos princípios anarquistas, que os
homens devam aplicar sempre a menor quantidade de governo possível pois, todo
governo é um

"sistema mediante o qual um homem ou grupo de homens impõem


pela violência, suas opiniões aos demais; violência necessária somente
em casos de particular emergência." (pag. 117)

Fundando um argumento que assumirá importância no século XIX


com Proudhon, Godwin afirma ser o Estado liberal a forma acabada de Estado ao
mesmo tempo que revela ser a forma limite para a passagem ao governo dos
indivíduos libertos da autoridade centralizada. Neste sentido é inconcebível a
proposta do socialismo autoritário defendida por Marx contra Bakunin. O melhor
governo é aquele que interfere apenas em caso de absoluta necessidade, deixando
livre o exercício do juízo pessoal.

Sob a forma centralizada, o indivíduo pode resistir por palavras e


ações contra as injustiças governamentais e delas fazer emergir uma revolução.
Devemos, segundo ele, evitar tanto a revolução pela revolução como abdicar de
sua direção aos que se dizem mais esclarecidos porque, em ambos os casos, ela
acabará sempre em degeneração. Se o que determina a opinião dos homens são os
argumentos e a persuasão, devemos distinguir entre instruir o povo e excitar o
povo, difundindo a verdade e levando a teoria à ação. Numa sociedade dividida
em duas classes, a dos que dispõe do ócio e a dos que são obrigados ao trabalho
material, o futuro jamais será compreendido a não ser no decorrer do tempo
através da divulgação desse futuro, com leituras e conversas freqüentes para que a
multidão se familiarize com essa possibilidade. Deve-se evitar o populacho
desenfreado porque ele é sanguinolento devido à ignorância a que foi confinado;
deve-se opor à força das armas contra as armas a força da convicção. Mas não
devemos confiar demais nos livros pois sua influência é limitada; é confiando nas
discussões políticas livres que se supera, pela educação livre, o desmesurado uso
da violência.

Prevendo o socialismo autoritário do século seguinte, fundado no


partido revolucionário afirma:
"sendo a sociedade um conjunto subdividido em diversas secções e
departamentos, a importância social de cada indivíduo há de
expressar-se de acordo com as regras da imparcialidade, sem
privilégios e sem a arbitrária anuência de uma associação
acidental."(pag 122-123).

A obediência como submissão de nosso juízo à voz da autoridade é


uma regra que não é desejável para a conduta humana, mas frente à rigidez de
uma sociedade, às vezes é importante investir em reformas para que as coisas não
se perpetuem e se reverta a inação. Os tempos de reformas são bem vistos, para
Godwin, desde que tragam possibilidades para a limitação da ação governamental
sobre o indivíduo revelando por um lado, o caráter anti-estatizante de seu
pensamento e, por outro, a importância hoje em dia do princípio liberal como
crítica ao intervencionismo estatal parece ser um mal necessário.

Todo governo corresponde, em suma, ao que os gregos chamavam


por tirania, quer sob a forma de ditadura, onde a usurpação é uniforme, quer sob a
forma de república, onde a usurpação se adapta à flutuação de opiniões. Por isso o
único sentido para a Assembléia Nacional repousa no seu exercício extraordinário
ou em reuniões periódicas com o objetivo de ouvir as queixas evitando, desta
maneira, a possibilidade do aparecimento do demagogo. A autoridade da
Assembléia Nacional estaria no convencimento dos membros da comunidade para
participarem e na emissão de ordens aos membros da confederação. Caberia, no
plano interno da localidade, a um júri resolver as controvérsias entre os homens,
evitando-se a coerção e o castigo, sem a necessidade de prerrogativas que
ordenassem a maneira da resolução. A tendência seria, no futuro, o
desaparecimento do júri, pela própria educação dos cidadãos.

A crítica à sociedade, levada a cabo por Godwin, somente se conclui


com a análise a respeito da propriedade e a constituição de uma sociedade sem
governo.

A justiça, como vimos, é para ele o princípio sobre o qual deve se


erguer a nova sociedade exige que todos contribuam para a produção e que todos
se beneficiem do consumo dentro do princípio da reciprocidade.
A riqueza, para Godwin, é a reponsável por inibir o verdadeiro
conhecimento dos indivíduos, configurando um regime da propriedade onde se é
herdeiro de fortunas acumuladas pelo acidente do nascimento.

Godwin destaca a necessidade de criticarmos a doutrina da injustiça


no monopólio da propriedade porque ela se funda em preceitos religiosos. A
crítica ao monopólio da propriedade, que às vezes chama por acumulação de
propriedade, tem por base a crítica à religião como legitimadora do exercício da
virtude individual capaz de reparar as injustiça provocadas pela propriedade. Ela
permite que o rico demonstre sua generosidade e que sedimente a gratidão pela
promessa futura, acentuando o caráter de dependência entre os indivíduos. Nesse
sentido,Godwin vai na direção contrária aos liberais que ao defenderem a isenção
do Estado nas questões sociais, valorizam a consciência individual para a
benemerência, reforçando a situação de miséria. Para ele quanto maior acumulação
de propriedade, maior será a miséria e mais difundida aparecerá a benemerência.
O que Godwin não visualizou foi a passagem da providência divina agindo como
benemerência privada para o Estado como razão social no Estado Providência.

O egoismo, base da estrutura da sociedade fundada na riqueza é a


fonte do crime ( contra o excesso ) e da força ( a partir do monopólio ), constituindo
um império. A distribuição injusta da propriedade substituiu a satisfação das
necessidades imediatas através da acumulação de bens por alguns pela
apropriação dos bens dos vizinhos, aumentando seu patrimônio, culminando na
apropriação de outros homens. Foi pelo monopólio de bens que se revelou e
afirmou a preponderância incontestável que um homem passou a ter sobre o outro
e a constituição do governo que permitiu movimentar os outros homens como uma
massa uniforme e dirigí-los como a uma máquina.

A igualdade que Godwin propõe corresponde a uma etapa avançada


do conhecimento que não separa a produção material da espiritual — o que será
afirmado como uma grande descoberta por Marx, a partir do O Manifesto
Comunista —, posto que nesta nova sociedade o homem se encontrará com sua
verdadeira condição de homem, simplificando o trabalho com iguais direitos de
desfrute. Mas diferentemente dos meios que Marx postulará através da estatização
da sociedade como uma lei, Godwin, como seu crítico antecipado, salienta que a
igualdade não será alcançada através de chefes ou de ilustrados pensadores que
dirigirão a massa, mas advirá de uma convicção dos própros indivíduos
agrupados. O regime da igualdade somente se instalará quando a consciência
pública estiver convencida, pela persuasão, que

"as genuinas necessidades do homem constituem a única justificativa


para a posse de determinados bens." (pag.389)

A idéia de igualdade está diretamente vinculada à idéia de felicidade


pessoal. Satisfeitas as necessidades básicas, a felicidade humana consiste na
expansão das faculdades do espírito: conhecimento da verdade e a prática da
virtude. Não há porque confundir paixão com razão, pois a paixão entendida como
um estado de consciência produzido pela nitidez de uma proposição e importância
dos resultados práticos daí advindos ajusta-se plenamente à razão tornando
inofensiva qualquer doutrina sobre as paixões. Nesta comunidade todos estarão
informados do que possuem e cada um acudirá o outro do que necessitar quando
solicitado e possuir um excesso. É o tempo da independência material ou liberdade
de qualquer forma de coerção e do fim da independência moral. Não há porque
supor que haverá necessidade de trabalho comum, comida comum ou armazéns
comuns; esses métodos são nocivos ao espírito, trazem em si a noção de
cooperação, onde alguém sempre é sempre beneficiado e fundamenta o egoismo.
Nesse sentido, em dupla tacada, Godwin despacha o princípio associativo entre os
homens para os liberais fundado neste tipo de cooperação e a transcendental
solução totalitária. Será o progresso do conhecimento humano que levará, mais
cedo ou mais tarde, à supressão do trabalho manual ampliando cada vez mais o
tempo para o prazer.

Em torno da crítica à vida em comum, Godwin propõe a vida


compartilhada. Identifica o casamento como a pior forma de propriedade,
defendendo a liberdade amorosa fundada na amizade, mediante mútuo
consentimento. A educação assume importância no seu pensamento partindo da
preservação da relação da mulher como mãe com o filho antes de mais nada, para
posteriormente, dirigir-se à educação como a instrução, não mais baseada nos
modelos rígidos, mas na vocação do indivíduo em busca de sua investigação a
respeito da verdade.
O que garante a não acumulação enfim, para Godwin, é apenas a
compreensão do absurdo que é a própria acumulação. A divisão do trabalho não se
fundando na avareza, gerará maior integração nas tarefas, advindo daí a sociedade
igualitária e simplificada. Prefere que ela não emerja pela revolução sangrenta,
mesmo sob o tempo da mutilação e regateio da verdade; o importante — realçando
que inexiste vida humana sem violência mas enfatizando que o importante é
pensar sobre a paz — é encontrarmos meios para mudar as instituições através da
persuasão.

Mas os ricos cederão facilmente? Para Godwin, os ricos não são


insensíveis às idéias de felicidade geral quando estas são apresentadas de maneira
convincente, demonstrando que na história há uma constante, qual seja, a de que
parte dos aristocratas sempre se sensibilizou com as novas idéias. Mas se
resistirem, talvez não haverá como evitar a luta sangrenta. Por isso mesmo insiste
para que convençamos os ricos a não irritar ou desafiar o povo. Afinal, se o
comércio demonstrou que se podia criar riquezas sem tê-las como herança, a
ciência por sua vez revelou que os homens comuns podem superar o
conhecimento daqueles que julgam estar acima. A liberdade de comércio será
ainda maior e a acumulação de riqueza menos considerável e freqüente, posto que
o trabalhador receberá por seu trabalho a quantidade integral que o consumidor
pagará por seu produto abolindo-se o intermediário.

"O espírito não pode alcançar seus grandes objetivos, por vigoroso e
nobre que seja seu impulso interior, sem contar com a concorrência de
todos os fatos que anunciam a aproximação do ideal."(pag. 417)

Vous aimerez peut-être aussi