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OS MEININGERS

Veio dar representações em Moscou a célebre companhia do duque de Meiningen, cujo diretor
era Chronegk. Traziam-nos eles uma nova fórmula de mise-en-scène, que abrangia a exatidão
histórica, movimentos de multidões, ótima apresentação do espetáculo, disciplina impecável.
Era, em suma, um admirável conjunto artístico, organizado com a máxima perfeição. Não
faltei a nenhuma das representações. Ia ao teatro não só para ver como para estudar.

Diziam que a companhia não continha um único ator verdadeiramente talentoso. Não é exato:
basta citar Barney, Teller, além de outros. Talvez fosse discutível a veemência dramática dos
artistas alemães, assim como a maneira pela qual representavam tragédias. Talvez se possa
acusar os Meiningers de certo “cabotinismo”. Seria, porém, injustiça afirmar que neles tudo
era exterior, que baseavam tudo na decoração e nos acessórios. Ouvindo essas críticas,
Chronegk exclamara: “Será possível que nas nossas representações de Shakespeare e Schiller,
eles só prestem atenção aos móveis! Que gosto esquisito tem este público!” E Chronegk tinha
razão: a sua companhia soubera ressuscitar o espírito de Schiller e de Shakespeare.

Embora não possuindo unicamente atores talentosos, pelo poder da encenação o duque de
Meiningen conseguira evocar o estilo dos grandes poetas. Ninguém jamais esquecerá a cena
da Donzela de Orleans, de Schiller, em que o pobre rei, raquítico, amedrontado, esticando de
cima do seu enorme trono as perninhas secas, em vão tenta alcançar as almofadas. Os fidalgos
que o rodeiam esforçam-se por manter o prestígio da realeza. Mas desorientados como
estavam, não podiam exigir que fossem rigorosamente observadas as leis da etiqueta.
Introduzem na sala os plenipotenciários ingleses: empertigados, autoritários, terrivelmente
insolentes. Todos se sentem revoltados com a frieza, a arrogância, o desdém dos vencedores,
E quando o desgraçado rei dá a ordem que tanto rebaixa a sua dignidade, o cortesão que a
recebe esboça, de acordo com a etiqueta, uma reverência. Curva-se hesitante, mas torna a
endireitar-se, baixando os olhos cheios de lágrimas, esquece o protocolo e foge, abafando os
soluços, fazendo chorar os espectadores. Também eu chorei de comoção. Com que habilidade
soubera o diretor criar a atmosfera, evocando o verdadeiro espírito da cena!

Tiveram o mesmo excelente desempenho as cenas seguintes, quando o corte, desolada com a
humilhação do rei de França, vê de repente surgir a libertadora inspirada. Naquela atmosfera
de derrota tão bem condensada pelo diretor, o espectador, ansioso pela vinda de Joana sente,
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quando ela aparece, um tal alívio que nem sequer repara na mediocridade dos atores –
disfarçada, aliás, pelo talento do diretor.

Mas, se o diretor pode fazer muito, não poderá fazer tudo. O essencial compete aos atores,
embora precisem eles de ser ajudados e orientados. Nese ponto é que os diretores dos
Meiningers falhavam, arcando com a criação toda. Por mais amplos e eficientes que fossem
os planos do diretor, sem o concurso dos atores tornava-se a mise-en-scène forçosamente o
centro do espetáculo. A necessidade de trabalhar, de assumir, sozinho, a responsabilidade da
criação transformava em déspota o diretor.

E não estaríamos nós, diretores amadores, na mesma situação que Chronegk e o duque de
Meiningen? Na ânsia de montar grandes espetáculos, de pôr em evidência grandes
sentimentos, éramos também, por falta de atores, obrigados a recorrer à invenção, ao engenho
do diretor, do decorador, do assessorista. Era por isso que o despotismo dos Meiningers me
parecia justificado.

E simpatizando com isso, procurava assenhorear-me dos métodos de Chronegk. Eis o que
ouvi de pessoas que travaram relações com Chronegk e puderam assistir aos ensaios.
Chronegk aterrorizava os atores durante os ensaios, mas nas horas vagas, tratava-os a todos,
inclusive os mais secundários, com a máxima cordialidade. Gostava de alardear benevolência
para com os humildes. Durante os ensaios, porém, mudava completamente: passava a ser
unicamente o diretor. Sentado no seu lugar, sem dizer palavra, esperava que o ponteiro
marcasse a hora de começar. Então, agitando um sino de que se desprendia um som grave e
lúgubre, anunciava num tom glacial: “Anfangen”. Todos calavam-se imediatamente, e os
atores também se transformavam. Principiava o ensaio, para continuar sem interrupção, até o
momento em que de novo se ouvia o som do sino. O diretor fazia algumas observações numa
voz pausada. Depois, ouvia-se de novo o fatal “Anfangen” – e recomeçava o ensaio.

De repente, tudo pára. Estabelece-se a confusão. Os atores cochicham, agitam-se os auxiliares


do diretor. Que teria acontecido? Faltava um ator! Será necessário suprimir um dos
monólogos. O diretor-adjunto avisa Chronegk, e fica à espera de instruções, encostado à
concha do ponto. Silêncio angustioso. Chronegk prolonga a pausa enervante, que parece não
ter fim, e acaba dizendo:

– X. está atrasado. Fica pois o ator Y. encarregado de substituí-lo durante o resto da tournée.
Quando a X., irá dirigir o último grupo de figurantes, num dos teatros populares.
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E o ensaio recomeça com Y...

Certa vez, depois de uma representação dos Salteadores, de Schiller, Chronegk precisou
ralhar com um dos seus lugares-tenentes, rapaz estouvado, que atrasara a retirada de um grupo
de figurantes. Depois do espetáculo, Chronegk repreende-o num tom afável. O outro
desculpa-se, gracejando.

– Herr Schulz, diz Chronegk a um maquinista, que por ali passava na ocasião, faça-me o favor
de recitar o texto de tal cena, em tal ato, quando o grupo de salteadores vai se retirando pela
esquerda.

O maquinista passa a declamar com ênfase todo o monólogo, procurando mostrar que tem
talento. no fim, Chronegk dá-lhe, no ombro, um tapinha amável, e virando-se para o seu
adjunto, diz-lhe severamente:

– Compare-se a este simples maquinista, você que é o vice-diretor, e crie vergonha!

O que eu mais apreciava, nos Meiningers, era a encenação, que tão bem revelava o sentido
profundo das obras. Jamais me esquecerei dos favores que lhes devo. Os Meininger marcaram
época não só na vida da nossa Sociedade de Arte e de Literatura, como na minha vida
particular. Fizeram-me dar um grande passo à frente. Essa influência teve, porém, o seu lado
mau. Fascinado pela segurança, pelo sangue-frio de Chronegk, passei a imitá-lo, e tornei-me
um diretor tão tirânico como ele. Outros diretores russos, por sua vez, imitaram-me. Formou-
se, dessa maneira, uma geração de diretores-déspotas. Mas ai! Não possuindo eles o talento de
Chronegk e do duque de Meiningen, nunca foram senão simples decoradores que, tratando os
atores de resto, limitavam-se a fazer manobrar, entre os cenários, um bando de bonecos
lindamente paramentados...

Constantin Stanislavski. Minha Vida na Arte.

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