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Autor
Luiz Percival Leme Britto
1.a edição
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.
144 p.
ISBN: 85-7638-281-4
CDD 372.4
3.ª reimpressão
Letramento e alfabetismo......................................................................................................51
Compreensões históricas do alfabetismo.................................................................................................51
Relação entre letramento e alfabetismo...................................................................................................53
Alfabetismo no Brasil..............................................................................................................................54
Evolução histórica do alfabetismo...........................................................................................................55
Níveis de alfabetismo..............................................................................................................................57
Caminhos e possibilidades.......................................................................................................................59
Informação e conhecimento..................................................................................................111
A norma moderna....................................................................................................................................111
Constituindo a informação . ....................................................................................................................112
A informação como produto....................................................................................................................115
O que faz da notícia uma notícia?............................................................................................................116
Informação X conhecimento ..................................................................................................................118
Referências............................................................................................................................139
Anotações..............................................................................................................................143
Apresentação
Prezado(a) educador(a),
E
ste livro trata de um tema que nos é bastante familiar: a reflexão sobre as práticas de leitura e
escrita na sociedade de cultura escrita e sobre as formas de ensiná-las. Nele, você encontrará
reflexões e análises sobre a relação entre língua e sociedade, sobre usos e conhecimentos, sobre
os modos como estas coisas participam na vida da gente e os sentidos que têm. Encontrará estudos
sobre comunicação, preconceito, informação. Encontrará, a todo o momento, um convite a pensar
sobre a língua, principalmente a língua escrita e os sentidos que ela tem em nossas vidas.
A perspectiva adotada nestas aulas não é a de oferecer modelos. Aqui, você não encontrará a
exposição de regras ou padrões de como ensinar a escrever e a ler, de como fazer o letramento. E isto
por duas outras razões.
A primeira razão decorre da idéia de que conhecer como se apresenta em nossas vidas a língua
escrita, seus usos e funcionamento, sua razão de ser na sociedade e na vida humana, é mais importan-
te e anterior ao aprendizado de regras de uso. De nada vale saber uma regra se não sabemos sua ori-
gem, seu sentido e seus valores. Muitas vezes o ensino de regras, como se fossem verdades absolutas,
esconde uma visão autoritária e preconceituosa de sociedade e de aprendizagem. A atividade reflexiva
sobre a língua, sobre seus usos e valores deve colaborar para que o estudante possa se ver como al-
guém que participa do mundo, que atua nele, intervindo na sociedade para torná-la mais justa e equi-
librada. Deve também contribuir para indagações mais pessoais sobre as formas de ser humano.
A segunda razão diz respeito à compreensão que tenho de como as pessoas desenvolvem suas
capacidades no uso da língua, em particular da escrita. Aprender a escrever e a ler (e outra coisa não
é o letramento senão isso) é aprender a organizar o pensamento de um certo modo, reinvestir cons-
tantemente em sua formação e na realização de suas expectativas. Para isto vale a pena ler, escrever
e ensinar a ler e escrever.
Em alguns momentos, talvez, você considere a análise muito amarga, desanimadora. Mas, so-
mente conhecendo a realidade como ela é, poderemos agir sobre a mesma, modificando-a e tornan-
do-a mais próxima de nossos sonhos.
Espero, com estas aulas, não só contribuir para sua formação, mas também incentivá-lo a so-
nhar com uma sociedade em que todos possam ler, escrever, trabalhar e, acima de tudo, viver com
qualidade.
Luiz Percival Leme Britto
A sociedade
de cultura escrita
Luiz Percival Leme Britto*
A
presenta-se, nesta aula, uma análise de como a sociedade de cultura escrita
se constitui e se organiza, a importância da linguagem, o papel da escrita
na vida diária, assim como as formas de as pessoas serem, aprenderem e
atuarem nesta sociedade.
O mundo escrito
Quando pensamos sobre escrita, a primeira imagem que vem à cabeça é a
de uma linha de letras dispostas numa folha de papel. A esta imagem associamos
imediatamente à idéia de leitura, de livros, cadernos, jornais, revistas.
Esta imagem tem lógica. Afinal, ela remete ao fundamento da escrita, algo
que participa intensamente de nossa vida nas atividades mais variadas, incluindo
os afazeres cotidianos, o trabalho, as relações sociais, as atividades
culturais. Não seria exagerado dizer que a maioria de nossas ações do
dia-a-dia é diretamente mediata pela escrita. O que quer dizer o
“espaço escrito”?
Se pararmos para refletir sobre a sociedade em que vivemos e
observarmos como ela se organiza, como se distribuem as coisas no
espaço, veremos que a presença da escrita é ainda maior do que supúnhamos.
Tomemos como exemplo a imagem de um rio. Um rio qualquer, como por
exemplo, aquele que aparece no início do romance “O Guarani”, de José de Alen-
car. É o Paquequer. O narrador disserta longamente sobre este rio, descrevendo
como suas águas, serpenteando pela serra, vão cavando o espaço. O rio progride
no ritmo de uma serpente, em função das formas que formam o fluxo de sua tor-
rente. O rio é antigeométrico.
Pensemos agora no desenho de em um rio urbano, como por exemplo, o rio
Tietê que corta a cidade de São Paulo. Ele já não serpenteia, não se estreita ou
se alarga conforme avança. Não tem várzeas, nem mata ciliar; seus limites são
estabelecidos por margens de concreto, as quais recebem um gigantesco fluxo de
veículos. O rio é uma linha, um desenho geométrico ladeado por grandes aveni-
das. Ele é assim não porque tenha sido sempre desta forma, mas porque ganhou a Professor Doutor do Pro-
marca da urbanidade desenhada, projetada, esquadrinhada. grama de Pós-graduação da
Universidade de Sorocaba;
Na sociedade contemporânea, os lugares têm suas dimensões estabelecidas Presidente da Associação de
Leitura do Brasil; Autor dos
muito mais por sua projeção no papel que pelo próprio espaço físico. O mesmo livros A sombra do caos —
ensino de língua x tradição
ocorre com as chuvas e os ventos: as imagens de clima que se oferecem, em ani- gramatical; Contra o con-
senso — cultura escrita, edu-
mações, nos noticiários, são formas de representação e compreensão da realidade cação e participação.
Letramento no Brasil
Língua e mundo
Com a língua, a gente dá nome às coisas, reconhece os objetos do mundo,
cria modos de ser e de ver. O educador Paulo Freire, ao defender sua concepção
de educação, insistia no fato de que as palavras são mais do que um instrumento
de comunicação. Para ele, a grande questão da alfabetização está relacionada à
tomada de consciência coletiva e a possibilidade de, pela aprendizagem da palavra
escrita, fazer novas e mais significativas leituras de mundo.
Para exemplificar a importância da consciência e auto-reconhecimento,
Paulo Freire conta um episódio de uma atividade de educação de adultos analfa-
betos, realizada com camponeses no Chile.
“Descubro agora”, disse outro camponês chileno, ao se lhe problematizar as relações ho-
mem-mundo, “que não há homem sem mundo”. E, ao perguntar-lhe o educador, em nova
problematização: “admitindo que todos os seres humanos morressem, mas ficassem as
árvores, os pássaros, os animais, os mares, os rios, a Cordilheira dos Andes, seria isto
mundo?” “Não”, respondeu decidido: “faltaria quem dissesse: isto é o mundo”. (FREIRE,
1976, p. 23).
A primeira impressão, essa idéia pode parecer sem sentido. Afinal, a ma-
téria física que faz o universo é independente da vida e da vontade humana, já
existia há muito tempo, antes de aparecer a humanidade, e continuará a existir
mesmo depois que não existirem mais homens e mulheres.
Mas o mundo, a vida humana – dirá o camponês chileno – existem porque
os homens e as mulheres não apenas existem, como sabem que existem, e repre-
sentam e afirmam sua existência, assim como afirmam a existência de todas as
outras coisas que os rodeiam, com suas palavras.
Poder dizer, poder falar uma língua, me permite pensar e me relacionar
com o outro, me faz ser gente, me faz humano, homem ou mulher, me faz ter
consciência de mim mesmo, do outro, do mundo e da vida. E esta possibilidade de
relacionar-se com o outro que faz de uma pessoa um ser social.
Mas é preciso perceber que a condição humana é social, e isso não apenas
no sentido de que a gente vive em grupos de uma forma organizada. Também as
abelhas e as formigas fazem isso. O ser humano é social num sentido mais pro-
fundo: sua sociabilidade está relacionada com sua capacidade de simbolizar e de
conhecer sua própria condição.
Por tudo isso, pode-se dizer que a língua é parte da condição humana, e é
base de todas as culturas. E enquanto coisa humana e fundamental para a vida,
8
A sociedade de cultura escrita
para cada indivíduo e para a sociedade, ela é objeto de reflexão de muitas manei-
ras: científica, normativa, artística.
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Letramento no Brasil
Esta forma de ser da língua é resultado do fato dela ser um produto essen-
cialmente social e histórico. Ela não é a criação de uma mente brilhante nem so-
brevive porque se definem regras e modelos. A língua é o fruto da própria história
dos grupos humanos, que, se constituindo, constituíram as formas de simbolizar
e de compreender a realidade. Por isso é que se pode afirmar que o ser humano é
um ser histórico.
A língua é parte da vida humana em sua história concreta e participa de
todas as esferas de constituição dos sujeitos, tanto em sua singularidade como
em seu pertencimento a um grupo social. Ela está na base da cultura. O lingüista
russo Mikhail Bakhtin identifica esse fato e analisa suas implicações:
A palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de cola-
boração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de
caráter político etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e
servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. (...) A palavra constitui
o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não
tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo
de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases
transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (BAKHTIN, 1981, p. 41).
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A sociedade de cultura escrita
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Letramento no Brasil
Agora vivo em paz, juntamente com a minha velha tia Scolastica, que
quis oferecer-me abrigo na sua casa. Minha estapafúrdia ventura fez-me, re-
pentinamente, subir no seu conceito. Durmo na mesma cama em que faleceu
minha mãe e passo grande parte do dia aqui, na biblioteca, em companhia de
padre Elígio, que ainda está longe de ter conseguido uma arrumação criteriosa
para os velhos livros poeirentos.
Levei perto de seis meses para escrever esta minha estranha história, au-
xiliado por ele. De tudo o que aqui relatei, ele guardará segredo, como se o
tivesse sabido sob o sigilo sacramental.
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A sociedade de cultura escrita
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Letramento no Brasil
regiões mais pobres do país. Na região Norte, 48,2% dos bebês não tinham
certidão de nascimento. No Nordeste, o percentual era de 35,6%.
O Sudeste é a região com o maior percentual de crianças registradas perto
do nascimento: só 6,3% ficam sem a certidão no ano do parto. A seguir, apa-
recem as crianças do Sul (11,3%) e o Centro-Oeste (19,7%).
Mesmo ainda em patamares elevados, os números melhoraram na década
de 90. Em 1991, 29,2% das crianças brasileiras não eram registradas. No Nor-
te, o percentual chegava a 65,1%. No Nordeste, a 53,6%.
Para chegar aos sem-registro, o IBGE compara o número de registrados
com as estimativas para o total de nascimentos.
O IBGE pesquisou também a retirada tardia da certidão. Em 1990, 25,6%
das crianças recebiam o registro até dez anos após o nascimento. Em 2001, o
percentual foi de 27,5%. Para o gerente do Departamento de Indicadores So-
ciais do IBGE, Antônio Tadeu de Oliveira, isso mostra que mais gente está se
regularizando. O fenômeno, segundo ele, é mais intenso nos anos eleitorais,
quando as pessoas são estimuladas a tirar título de eleitor.
Como solução, Oliveira sugere que o governo incentive hospitais e ma-
ternidades a ter convênios com cartórios para que o registro ocorra no local
de nascimento. É que cerca de 95% dos partos, segundo o IBGE, são feitos na
rede hospitalar. Em 2000, 2,5 milhões de crianças foram registradas, contra
3,2 milhões nascidos na rede de hospitais. Para 2000, a projeção do total de
nascimentos do IBGE era de 3,5 milhões.
Mortes
Para o IBGE, mais dramática é a falta de registro de mortes, pois não há
outra oportunidade para ele ser feito a não ser logo após o óbito. Em 2001,
22,8% dos mortos não entraram nas estatísticas. Em 1991, o percentual era de
28,3%. No Nordeste, chegou a 42,7% em 2001. Segundo o IBGE, a situação
estimula os cemitérios clandestinos.
A leitura desta notícia permite ver a enorme correlação que existe entre a
escrita e os modos de inserção social. É exatamente nas regiões mais pobres do
país, menos urbanizadas e industrializadas, onde se verificam os maiores índi-
ces de crianças sem registro de nascimento. Nas regiões mais desenvolvidas, o
grupo dos sem-registro é o das pessoas mais pobres. Estas pessoas vivem uma
situação em que são submetidas à cultura escrita, produzem para ela e pouco se
beneficiam dela.
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A sociedade de cultura escrita
A ordem da escrita
É difícil imaginar eventos em que a escrita, em palavras e outros símbolos,
não se apresente de algum modo. Ela está no bilhete e na declaração de guerra, nos
contratos de compra e venda e nas certidões de nascimento e outros documentos
de identificação das pessoas, nos álbuns de família e nos testamentos. Ela é visível
e significativa nos espaços urbanos, nas escolas, nas placas de rua, nas fachadas
das lojas, nas igrejas, agremiações e clubes, nos locais de trabalho e de lazer.
A força da escrita fica evidenciada de muitas maneiras. O domí-
nio e o uso da escrita são usados como indicador de desenvolvimento
e progresso de sociedades. A porcentagem da população alfabetizada
Como e por que a
é um importante índice de desenvolvimento social e a meta de esten- escrita surgiu?
der a alfabetização a todos como condição de cidadania é priorizada
por inúmeros países.
A importância do surgimento da escrita para a história das civilizações é
tão grande que é considerada como um marco fundamental do desenvolvimento.
Costuma-se chamar de pré-história o período anterior à escrita.
Mesmo assim, cabe fazer uma pergunta aparentemente óbvia: Para que ser-
ve a escrita?
A pergunta tem pelo menos três respostas que se complementam.
A primeira resposta é que a escrita é um instrumento de comunicação à
distância, permitindo que se relacionem verbalmente pessoas afastadas uma da
outra no espaço e no tempo. Através de um texto escrito, uma pessoa localizada
em Recife pode comunicar-se com outra em Porto Alegre. E pode escrever hoje
para ser lida daqui a uma semana, um mês, um ano.
Durante muito tempo, este foi o único processo de comunicação à distância.
Talvez por isso ainda se afirme que aí reside a razão da invenção da escrita. Existe
uma história de que a invenção da escrita aconteceu porque as pessoas, em tempos
antigos, tinham necessidade de se comunicar à distância. Como a voz não chegava
onde estava aquele com quem se queria falar e nem sempre os mensageiros eram
de confiança ou não conseguiam transmitir a mensagem como haviam recebido, a
solução foi criar um sistema estável, que representasse o que se queria dizer.
Essa é uma história interessante e até poderia ser verdadeira. Afinal, as
cartas são um pedaço importante nas relações entre as pessoas e entre diversas
instituições. Elas fazem parte da vida particular de muita gente (as correspondên-
cias pessoais e, em tempos mais recentes, as eletrônicas) e também da atividade
pública, em que se multiplicam as cartas comerciais, os ofícios, comunicados etc.
Mas a história foi outra. A escrita, mesmo servindo para a comunicação à distân-
cia e tendo sido usada pra isso desde muito cedo, tem sua origem ligada a outras
necessidades das sociedades organizadas.
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Letramento no Brasil
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A sociedade de cultura escrita
Escrita e poder
Não há relação direta entre desenvolvimento tecnológico e transformações
nos processos de produção da informação com a efetiva democratização ou com
o fim das desigualdades. E isto porque, como adverte o educador francês Jean
Foucambert
A importância da escrita deve ser encarada não apenas em função de seu papel como
meio de comunicação e expressão, mas também, e sobretudo, como instrumento de pen-
samento. De um pensamento adaptado às novas exigências do progresso tecnológico. Se
existe uma relação entre o mercado de trabalho e a leitura e, conseqüentemente, a escola,
é preciso, nessa nova necessidade global, procurar dar para o maior número possível de
pessoas uma formação intelectual que desenvolva a utilização de operações abstratas e,
portanto, um domínio melhor da língua escrita, cujo exercício torna viável esse modo de
pensamento. (FOUCAMBERT, 1997, p. 12)
Mas é preciso cautela para não derivar desta análise um raciocínio ingênuo
de que quanto mais a pessoa aprender a escrita, mesmo neste sentido forte de um
sistema amplo e complexo, melhor se colocará na escala social.
Há um vínculo estrito entre a escrita e as formas de exercício do poder, em
pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, está o fato de que uma técnica tão
poderosa será, na sociedade de classes, desigualmente distribuída e desigualmen-
te possuída. Quem mais domina as formas e objetos da escrita e mais faz uso dela
são os grupos que detêm o poder econômico e social. Em toda sua história, e até
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Letramento no Brasil
hoje, a escrita foi produzida e apropriada pelos grupos dominantes, ainda que sempre tenha havido
muitas formas de ruptura e de disputa.
Em função dessa posse desigual, os processos de escritas e os objetos culturais a ela vinculados
(seja porque nasceram dela, seja por que se transformaram ao se incorporarem a este modelo) ga-
nham, principalmente nas formas hegemônicas de cultura, a feição e os valores daqueles grupos que
a controlam, mesmo que haja expansão de certas formas de uso. A produção da arte, dos discursos
jurídicos e morais, das normatizações de comportamento e de formas de compreender a vida, a pró-
pria expressão oral (que é uma fala original, mas uma fala espelhada nas práticas escritas), tudo isso
comporta um viés de classe, de expressão de poder.
A apropriação dos discursos referenciados neste sistema decorre das possibilidades objetivas de
participação e inserção da pessoa nos espaços sociais, o que, por sua vez, se relaciona com as formas
pelas quais as diferentes classes sociais e frações de classe se organizam e articulam a distribuição e
a posse deste “bem social”.
Uma educação democrática supõe o compromisso político com transformações nas estruturas
de poder e não apenas de formação de indivíduos competentes para disputar, em condições desiguais,
um lugar ao sol.
1. Reunidos em pequenos grupos, façam uma breve análise de como o espaço em que vivem ma-
nifesta a lógica da sociedade de cultura escrita. Não se limitem à presença objetiva do escrito,
considerando também a geografia.
2. Cada participante deve listar as situações de uso da escrita em sua vida, incluindo tanto as ati-
vidades de cotidiano, como as de estudo, trabalho e lazer. Em seguida, o grupo deve fazer um
quadro das várias listas e verificar o que é comum e o que é particular de cada pessoa.
4. A partir do que estudamos e de suas considerações pessoais sobre a vida em sociedade, redija
um texto em que analise as relações entre escrita, leitura e poder e os caminhos que podemos
trilhar para buscar uma sociedade mais justa e equilibrada.
A presença do escrito nas sociedades contemporâneas é tal que ela supera toda capacidade de conservação, mes-
mo para a maior biblioteca do mundo, que é a do Congresso dos Estados Unidos, que seleciona e a outras biblio-
tecas os materiais que não pode aceitar. Aliás, é preciso pensar não apenas nos livros, mas também em todos os
materiais impressos. Qualquer um pode fazer a experiência, observando quantos materiais impressos chegam na
sua caixa de correio. (CHARTIER, 1999, p. 27)
Considerando essa observação do historiador francês Roger Chartier, faça uma verificação dos
impressos que participam de suas vidas e analise a importância (ou a irrelevância) de cada um deles.
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A sociedade de cultura escrita
CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro do Leitor ao Navegador. São Paulo: Unesp, 2000.
Neste livro, ricamente ilustrado e de linguagem acessível e estilo agradável, o historiador fran-
cês conta a história do livro e as transformações por que passa a sociedade contemporânea, em parti-
cular as relações com o escrito, em função das novas tecnologias da informação.
OLSON, David. O Mundo no Papel – as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita.
São Paulo: Ática, 1997.
O livro analisa os elementos constitutivos do aprendizado da leitura e da escrita e as implicações
para o pensamento e para a produção do conhecimento dos modos de ser da cultura escrita, tratando
de esclarecer sobre as instituições e atividades comerciais, legais, religiosas, políticas literárias e cien-
tíficas quando os documentos escritos passam a ter um papel fundamental na sociedade ocidental.
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Letramento no Brasil
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Letramento:
novas realidades,
novos conceitos
A
presenta-se, nesta aula, uma reflexão sobre o conceito de letramento, exa-
minando os motivos de sua emergência, seus antecedentes e o significado
que tem saber ler e escrever na sociedade moderna, chamada de sociedade
de cultura escrita.
Por que se
pode dizer que
a noção de Novidades e continuidades
letramento já De fato, podemos dizer que sua proposição tende a condensar uma
estava presente série de reflexões, proposições e ações principalmente na área da Edu-
cação que já vinham ocorrendo. Vejamos as referências mais significa-
na Educação
tivas.
brasileira antes
da emergência
do conceito nos O mundo da escrita
anos 90? Sabemos que a escrita se organizou historicamente associada a
uma determinada variante lingüística, exatamente aquela das classes
socialmente mais favorecidas. Mas isto não explica o que é a escrita, qual sua
natureza. Seria simplismo crer que a escrita apenas transfere para o papel uma
forma de falar. Mais do que isto, e por razões próprias de sua constituição, a es-
crita organiza de forma particular a fala, acrescentando-lhe características novas
e abandonando outras. Neste sentido, pode-se dizer que “a invenção da escrita
foi um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um
processo de codificação”. (FERREIRO, 1984, p. 12).
Isto é, ao tomar a fala (na sua estrutura significante) como elemento a ser
representado, a escrita não reproduz todos os seus elementos, mas apenas alguns;
além disso, ela constrói novas relações entre esses elementos. Fosse a escrita ape-
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Letramento: novas realidades, novos conceitos
nas um código da oralidade, então tanto os elementos como suas relações já esta-
riam estabelecidos e a escrita apenas os reproduziria. Em outras palavras, a escri-
ta seria igual à fala, e a cada símbolo usado na escrita corresponderia exatamente
outro (e com as mesmas características) da fala, numa relação um a um.
Haquira Osakabe, num artigo em que discute a linguagem do ponto de
vista discursivo, diz que “a escrita atua como complemento da oralidade, cum-
prindo certas atribuições que se situam além das propriedades inerentes a esta”.
(OSAKABE, 1983, p. 148). Superando os limites de tempo e espaço, que são
característicos da fala, a escrita tornou-se um “instrumento de interlocução à dis-
tância”, virtualmente capaz de suprimir as limitações comunicativas da oralidade.
Se a fala esvanece no mesmo momento em que é produzida, a escrita permanece
registrada no papel.
Desta possibilidade de permanência resultam duas características funda-
mentais do texto escrito que não existem na modalidade falada: a fixidez e a
tendência monológica. A primeira é conseqüência da própria natureza do veículo
(o papel ou outro portador), que permite a preservação do texto no espaço e no
tempo. A segunda, por sua vez, decorre do fato de que, na ação de escrever, ape-
nas um dos interlocutores tem o direito da palavra, estando o outro (o ouvinte, o
leitor) ausente, apenas pressuposto na relação interlocutiva (isto é, ele é previsto
por quem escreve, já que escreve para ser lido e pode idealizar este leitor).
Esta assimilação faz com que a escrita acabe por ver-se impregnada de valo-
res e sistemas de referências próprias desta classe, transformando-se assim numa
maneira particular de organizar o mundo, de modo que aprender a ler e a escrever,
mais do que dominar um código de tradução do oral ao escrito, significaria ter a
capacidade de interagir com discursos característicos da cultura escrita, organi-
zados com sintaxe e vocabulário próprios.
Um exemplo contundente é que não é suficiente ser alfabetizado para conse-
guir um bom emprego ou para compreender qualquer texto escrito. Ao contrário,
o que normalmente se observa é que a maioria das pessoas alfabetizadas, mas
com pouca escolaridade, além de estar mal empregada (ou desempregada), só con-
segue usar a escrita num nível mais superficial relacionado às tarefas do cotidiano
(leitura da escritas de rua, de cartazes, anúncios, ofertas de emprego, revistas de
assuntos triviais ou de práticas manuais, enfim, todo um material produzido numa
linguagem aparentemente simples). Conforme anota Mário Perini,
a maior parte da população brasileira adulta é funcionalmente analfabeta. Quero dizer
que, se bem que sejam capazes de assinar o nome e de decifrar o letreiro do ônibus que
tomam diariamente, não conseguiriam ler com compreensão adequada uma página com-
pleta, ainda que se tratasse de assunto dentro de sua competência. (PERINI, 1988, p. 78).
Enfim, a escrita impõe-se, não é opção. E isto tanto do ponto de vista do in-
divíduo (que, alfabetizado, está mais inserido na sociedade e possui mais chances
de sobreviver nela), quanto do ponto de vista do sistema, que quer sujeitos mais
capacitados para o trabalho e mais inseridos no mercado consumidor. “À alfabe-
tização se vincula uma necessidade pragmática”. (OSAKABE, 1983, p. 150). Isto
é, alfabetiza-se o indivíduo para que ele seja mais produtivo ao sistema. E não é
necessário mais que isso.
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Letramento no Brasil
Alfabetização contextualizada
Nos anos 1970, a pesquisadora e educadora Emília Ferreiro e várias colabo-
radoras trouxeram para o debate pedagógico a hipótese de que as crianças, em sua
aprendizagem da escrita, não incorporam mecanicamente o funcionamento deste
sistema, mas sim o reconstroem, a partir de um intenso processo de construção
de conhecimento.
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Letramento: novas realidades, novos conceitos
Entre seus postulados, dois são particularmente importantes para nossa ex-
posição. O primeiro é aquele relativo à compreensão do que se seja a escrita. Para
a autora,
a escrita é um sistema de representação cujo vínculo com a linguagem oral é muito mais
complexa do que alguns admitem. (...) Eu entenderia representação como esse conjunto
de atividades que as sociedades desenvolveram em graus diversos, que consiste em dar
conta de certo tipo de realidade, com certos propósitos, em uma forma bidimensional. (...)
A representação permite uma re-análise do objeto representado. (FERREIRO, 2001, p.
77-78).
Há que cuidar, contudo, para não pensar que a linguagem, porque só existe
em função da relação interlocutiva, seja um fenômeno exclusivamente subjetivo;
ao contrário, nesta concepção de linguagem sua realidade é objetiva e constitui o
espaço social em que os sujeitos interagem:
na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre interlo-
cutores, isto é, ela se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A signifi-
cação não está na palavra nem na alma do falante, assim como não está também na alma
do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do
material de um determinado complexo sonoro. (BAKHTIN, 1980, p. 132).
des, assim como seus problemas teóricos e as formas como vem sendo incorpora-
do na educação escolar.
De início, é preciso lembrar que a expressão original em inglês – literacy –
foi praticamente durante todo o século passado traduzida para o português como
alfabetização. A introdução letramento, como um neologismo que só viria a ser
dicionarizado quando do lançamento do Dicionário Houaiss da Língua Portugue-
sa em 2001, teria se dado, por Mary Kato, no livro No mundo da escrita – uma
perspectiva psicolingüística. Este livro, produzido para cursos de letras e pro-
fessores de português, apresenta de forma didática os estudos que vinham sendo
feitos na época sobre a escrita, desde sua história, passando pela relação com a
fala e incluindo suas formas de uso.
A autora usa a palavra logo na introdução de seu trabalho, em que defende
que:
a função da escola é introduzir a criança no mundo da escrita, tornando-a um cidadão
funcionalmente letrado. Isto é, um sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para
sua necessidade individual de crescer cognitivamente e para atender às várias demandas
de uma sociedade que prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de
comunicação. (...) A chamada norma-padrão, ou língua falada culta, é conseqüência do
letramento, motivo porque, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o do-
mínio da linguagem falada instituc,ionalmente aceita. (KATO, 1986, p. 7; grifos meus).
Esta parece ser também a posição de Leda Tfouni, ainda que a autora, em
sua exposição compreenda letramento como um campo de estudo, mais do que
um processo:
A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades
para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso é levado a efeito, em geral,
por meio do processo de escolarização e, portanto, de instrução formal. A alfabetização
pertence, assim, ao âmbito do individual.
O letramento, por sua vez focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escri-
ta. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando
adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada. (...) O letramento
tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é
alfabetizado, e, nesse sentido desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social.
(TFOUNI, 1995, p.9-10).
Para ser “letrado” (numa acepção semelhante à que usa Kato), insiste Soares:
“Não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do
ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade
faz continuamente.” (SOARES, 1998, p. 20).
Temos, portanto, uma retomada do que se anunciava nos anos de 1970 e
1980. Trata-se de uma reconsideração de trabalhos anteriores, com alguns avan-
ços, em função de novas reflexões sobre a importância da leitura e da escrita na
sociedade moderna e, mais ainda, sobre as formas de participação nesta cultura,
assim como da validação de instrumentos pedagógicos e de avaliação.
A utilização indiscriminada do conceito de letramento e a existência de
outros termos conceitos aparentados têm trazido algumas confusões conceituais
para a pesquisa e, principalmente, indefinição quanto aos objetivos dos projetos
pedagógicos escolares.
Esta dificuldade fica evidente quando se examinam alguns títulos de livros
publicados em português em que o termo letramento foi preterido por outro, apa-
rentemente porque os autores ou tradutores das obras não se sentiam suficien-
temente à vontade com o conceito com que estavam operando. Assim, Ribeiro
28
Letramento: novas realidades, novos conceitos
(1998) propõe Alfabetismo e atitude como título de sua pesquisa que recobre pro-
blemas da mesma natureza que os que identificam os trabalhos em que letramento
é o termo de referência. Já The literacy dictionary, the vocabulary of reading and
writing, de Theodore L. Harris & Richard E. Hodges, recebeu na edição brasileira
(1999), o título de Dicionário de Alfabetização – vocabulário de leitura e escrita.
A conhecida obra Literacy and orality, de David Olson e Nancy Torrance, foi tra-
duzida para o português com o título de Cultura escrita e oralidade (1995), expli-
citamente considerada equivocada por Soares (1998, p. 20), ainda que tenha sido
uma opção também explícita do editor e da coordenadora da coleção, Emília Fer-
reiro, a qual tem sustentado que alfabetização deve ser compreendida como algo
relativo ao conhecimento da escrita como um todo e não apenas à aprendizagem
do sistema simbólico, tendo lançado no Brasil o livro Cultura escrita e educação
(2002), com o mesmo título em espanhol, num momento em que já circulava com
desenvoltura o termo letramento.
Há, portanto, quatro diferentes termos-conceito em uso atualmente: letra-
mento; alfabetismo; alfabetização e cultura escrita. É simplismo supor que são
todos equivalentes, ainda que às vezes alguns deles se equivalham no uso. Mas é
plenamente possível usar todos eles de forma complementar, contribuindo para o
entendimento de um fenômeno tão significativo na sociedade moderna.
Os termos em diálogo
Letramento é a palavra mais usada em tempos recentes, pode ter várias
interpretações, dependendo do raciocínio que se desenvolva. Duas distinções são
úteis para nossa reflexão.
A primeira distinção é entre processo de distribuição dos saberes (ações
político-sociais e pedagógicas de formação dos sujeitos na cultura escrita) e es-
tado em que se encontram indivíduos ou grupos (as habilidades individuais ou
coletivas de leitura e escrita). A noção de processo implica práticas sociais de uso
da escrita e da leitura e agentes formadores que definem os modos privilegiados
de levar adiante a tarefa do ensino da escrita e da cultura (cuja principal instância,
ainda que não a única, é sem dúvida a escola). A segunda concepção se associaria
à idéia de alfabetizado, letrado ou educado, supondo aquilo que uma pessoa é ca-
paz de fazer com seus conhecimentos de escrita, em diferentes esferas sociais.
Uma segunda distinção é a que se estabelece entre a dimensão individual e a
dimensão coletiva, entre capacidades individuais e comportamentos ou condições
sociais. Esta distinção tem implicações metodológicas no estabelecimento, por
exemplo, de instrumentos de avaliação de nível de alfabetismo e de estabeleci-
mento de políticas públicas de educação e cultura. Quando se fala em letramento
de um grupo, não se imagina que isto seja a somatória de competências ou ha-
bilidades singulares, mas sim formas de organização, de intercâmbio, produção
e circulação de produtos de cultura, bem como o estabelecimento de valores e
padrões de comportamento.
29
Letramento no Brasil
30
Letramento: novas realidades, novos conceitos
1. Explique em suas palavras o que é letramento e como este conceito pode contribuir para a prá-
tica pedagógica.
2. Liste algumas situações em que uma pessoa analfabeta ou que pouco sabe ler e escrever está
exposta a textos escritos. Em seguida, explique a relação destas situações com o conceito de
letramento.
31
Letramento no Brasil
Letrado (adj.) 1 que ou aquele que possui cultura, erudição; que ou quem é erudito, instruído;
1.1 que ou aquele que possui profundo conhecimento literário; literato; 2 (pedagogia) que ou
aquele que é capaz de usar diferentes tipos de material escrito; 3 (sm) indivíduo de grande co-
nhecimento jurídico; advogado, jurisconsulto.
a) Qual das acepções previstas pelo dicionarista corresponde ao conceito de letramento? Por
quê?
4. Escreva um texto em que você procure explicar as diferenças das formas de letramento e de
alfabetismo das pessoas na sociedade em que vivemos.
32
Letramento: novas realidades, novos conceitos
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
O livro considera em três textos complementares, com graus de dificuldade distintos, o conceito
de letramento na atualidade. Apresenta sua definição, as razões de sua emergência e possíveis aplica-
ções pedagógicas e sociais.
KLEIMAN, Ângela. Os Significados do Letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1994.
Trata-se de uma coletânea de textos acadêmicos com o objetivo de informar os que se encar-
regam do ensino da escrita e dos que participam de situações de comunicação entre escolarizados e
não-escolarizados sobre os fatos e os mitos do letramento. Com isso, busca-se dar sustentação à prá-
tica do ensino da leitura e da escrita e de tecnologias das sociedades de cultura escrita, como forma
de potencializar o cidadão na lida com as estruturas de poder na sociedade.
33
Letramento no Brasil
34
A escrita
na vida moderna
E
sta aula apresenta um panorama de como a escrita participa da muitas for-
mas de ser e viver da sociedade moderna, considerando-se, em particular,
como os textos estão presentes e são utilizados nas diferentes esferas de
participação social, bem como os processos de produção e circulação do conhe-
cimento escrito.
36
A escrita na vida moderna
37
Letramento no Brasil
etc., assim como uma produção textual caracterizada principalmente por anota-
ções, cadernos de estudos, fichas de trabalho, entre outros escritos.
Vale ressaltar que um mesmo tipo de texto pode estar presente em mais de
uma esfera. Assim, por exemplo, o jornal e a enciclopédia podem estar presentes
tanto na esfera da informação como na esfera da formação ou mesmo na do entre-
tenimento. Este fato resulta da maneira e da finalidade com o texto é utilizado; a
leitura de informação é normalmente mais ligeira e circunstancial que a leitura de
estudo; já a leitura de entretenimento é mais descomprometida, uma vez que nesta
circunstância importa o ato em si e não o que resulta dele.
Outro aspecto relevante a considerar nesta esfera é a diversidade de for-
mas de investimento pessoal na formação, incluindo desde a preocupação com as
questões morais ou religiosas até a posição política, inserção cultural, predileções
pessoais etc.
40
A escrita na vida moderna
Formas de produção
e circulação do conhecimento
O conhecimento, compreendido de maneira bastante ampla, incluindo as
formas de compreender o mundo, a vida e os valores que informam os padrões
sociais, é delimitado por uma situação histórica concreta. E isto se
aplica tanto para o conhecimento científico – que implica a apreensão O que são
e compreensão de fatos do mundo dentro de um quadro discursivo instituições
definido – como para as representações de senso comum.
produtoras de
Dentro da dinâmica social das sociedades complexas, ocorre conhecimento?
um evidente desequilíbrio entre produção e recepção do conhecimen-
to, de modo que nem todos produzem conhecimento “relevante”, que
adquire o estatuto de um saber público e de interesse geral, e que, portanto, deve,
de algum modo, circular pelos diferentes espaços sociais.
Podemos identificar algumas instâncias precisas em que o conhecimento é
objeto de tratamento sistemático. Isto não quer dizer que não haja outros espaços
e outras tensões produtivas na forma como se organiza a sociedade moderna,
mas sim que existem instâncias privilegiadas de produção e circulação do co-
nhecimento, em função das relações de poder e das distribuições de funções na
sociedade moderna.
Vejamos, agora, as instâncias em que mais fortemente ocorre este processo.
41
Letramento no Brasil
A escola
A educação escolar, tal como a conhecemos hoje, é uma invenção recente,
concomitante com o processo de urbanização e de instalação do sistema capitalis-
ta do século XVIII. Inicialmente pensada para a educação dos jovens burgueses e
aristocratas, a escola ampliou seu raio de ação, universalizando-se para toda a po-
pulação a partir do século XIX, na Europa, e no século XX, nos países periféricos
(ainda que, mesmo hoje, em muitos países ela não alcance toda a população).
O poder público
Nas sociedades modernas, o Estado, entendido como a instituição organi-
zadora de exercício maior do poder sobre o funcionamento social, tem um papel
extremamente relevante na regulação das atividades socioeconômicas, políticas e
culturais. Em princípio, é atribuição do Estado estabelecer e garantir os direitos
de cidadania e a ordem social, bem como de coibir todo tipo de ação nociva ao
bem comum.
Ao exercer sua função legislativa, judiciária e executiva, o Estado, em suas
diversas instâncias, constitui formas de comportamento, relações jurídicas e co-
merciais, o princípio do direito individual e coletivo, assim como financia, em
grande parte, muitas ações formativas, repressivas, culturais e econômicas. Neste
processo, ele funciona como uma agência que impõe valores, formas de compre-
ensão e interpretação do real e do vivido, determina as possibilidades de expres-
são de subjetividade etc.
Seria um equívoco supor que, ao realizar suas funções – mesmo em uma
situação ideal –, o Estado apenas faria valer um valor ou um saber coletivo. Se
entendemos que o conhecimento não é apenas uma explicação formal da verdade,
mas também a produção cotidiana e material das condições de vida e dos valores
que a informam, então temos de reconhecer que ao estabelecer leis, exercer fun-
ções coercitivas ou promotoras de terminadas formas de ação social e econômica,
o Estado objetivamente é um lugar em que se produz formas de conhecimento da
vida social.
Muito do que entendemos por moralidade, respeito ao outro, direito pes-
soal e coletivo, entre outros tópicos, emanam da forma como o Estado se realiza
43
Letramento no Brasil
As instituições sociais
Consideremos como instituições sociais as instâncias organizadas em fun-
ção de identidades socioculturais, políticas, classistas ou econômicas, tais como
as igrejas, os clubes, as associações de caridade (como hospitais, asilos, instituto
de cegos, auxílio ao menor carente etc.), de ação social (como certos movimentos
internacionais de irmandade), de solidariedade (como os Médicos Sem Fronteira),
de intervenção em uma área específica de interesse social (por exemplo, leitura,
meio ambiente, paz), os sindicatos, os centros de cultura e muitas outras.
Tais instâncias resultam dos processos de identificação e de inserção social
e expressam concepções de pessoa, de sociedade e de mundo. Ao realizarem suas
atividades, estas instituições criam valores e formas de compreender, representar
e interpretar o mundo e as ações que se fazem sobre ele, bem como reproduzem os
interesses de classe com que se identificam ou se filiam. Neste sentido, produzem
e põem em circulação uma forma de conhecimento que passa a constituir o tecido
social em que vivemos.
Tomemos como exemplo as igrejas, elas não apenas constroem e susten-
tam uma explicação da existência material e humana (a origem do universo e da
vida), como, a partir daí, estabelecem a moralidade e um conjunto de normas de
conduta. O exemplo mais extremo é aquele que torna legítima a discriminação e
o sectarismo em função do modo como as pessoas vivem, chegando ao limite de
se permitirem decidir sobre a vida dos outros.
A indústria da informação
A indústria da informação nasce com a sociedade moderna, podendo-se di-
zer que em sua origem está a invenção das tecnologias de reprodução (a imprensa,
o rádio, a televisão, a fotografia, o vídeo as fitas magnéticas, o disco, os CDs e
DVDs, o computador e a internet) e, portanto, de circulação ampla da informação
através de textos, sons e imagens. A primeira destas invenções, sem dúvida, foi
a imprensa gráfica, que num curto período de tempo transformou-se numa ativi-
dade cultural, política e econômica de grande significado para o funcionamento
social.
44
A escrita na vida moderna
As mídias impressas
O primeiro grupos seria o dos impressos, cujo símbolo maior é o livro, mas
que inclui uma gama bastante variada de materiais, como o jornal, a revista, os
panfletos, documentos, cartazes, outdoors, placas de identificação e sinalização,
entre outros. Cada um deles se presta a finalidades distintas e supõem protocolos
de leitura mais ou menos definidos. Assim, por exemplo, enquanto alguns têm
como modelo a leitura corrida, linear (é o caso de livros, revistas e jornais), outros
prevêem uma ordem hierárquica de recepção da informação em função da posi-
ção da informação no espaço, tamanho, cores e tipos de caracteres (é o caso dos
outdoors e dos panfletos informativos e publicitários); mas esta não é uma ordem
45
Letramento no Brasil
fixa, já que mesmo as revistas, jornais e livros didáticos, por exemplo, utilizam
amplamente de recursos como cor, disposição da informação, títulos, fotos, qua-
dros, gráficos etc., para organizar e dirigir a leitura.
Uma característica importante da relação entre o leitor e o impresso é a
possibilidade do leitor, ainda que não podendo alterar o texto original nem em
princípio negociar o sentido com seu autor, determinar o tempo e o modo de
interagir com o texto, dispondo desta forma de um domínio significativo de sua
ação. Esta característica torna-se ainda mais relevante quando se trata da leitura
de textos longos, quando o leitor pode ir e vir, parar e continuar, inserir marcas no
texto, enfim, monitorar sua atividade em função de sua personalidade e de seus
interesses.
Outra característica importante do impresso é a facilidade com que o leitor
pode dispor do objeto, levando-o consigo para onde quiser e, desta forma, não
estar cerceado por limitações materiais do objeto. Por outro lado, sua circulação é
mais limitada, em comparação com as outras tecnologias.
As mídias audiovisuais
As mídias audiovisuais começaram a surgir na história da sociedade oci-
dental, no século XIX, com a descoberta da fotografia e a invenção do telégrafo.
Mais recentemente surgiram o cinema, o rádio, as reproduções fonográficas (dis-
co, cassete, CD e DVD) e a televisão.
Estas mídias podem ser compreendidas em dois blocos: a dos objetos em
que a informação é gravada e submetida a um tipo de interpretação por um apa-
relho específico (como ocorre com os filmes, discos, cassetes e CDs) e a que tem
um sinal difundido por uma operadora captado por aparelhos criados especifica-
mente para este fim (telégrafo, televisão, rádio). Estas mídias marcaram o século
XX, estabelecendo novos hábitos culturais e novas formas de intervenção e ação
político-social. Por muito tempo – e ainda hoje – se debateu os efeitos da televisão
e do rádio sobre as pessoas, tanto no que diz respeito a sua informação, como no
que tange ao seu comportamento.
Diferentemente do que ocorre com os objetos da mídia impressa, nestas
mídias verifica-se um controle do processo muito menor por parte do receptor,
já que o tempo de interação é, em princípio, definido pelo próprio objeto e há
pouca possibilidade de intervenção do espectador no material que lhe é oferecido.
Por outro lado, elas ampliaram a possibilidade criativa, na medida em que uma
pessoa na posse de um cassete ou uma filmadora poderia produzir seus produtos
pessoais, “democratizando” a possibilidade de intervenção no tecido social (isto é
parcialmente verdadeiro, uma vez que tais produtos teriam circulação restrita).
Os meios virtuais
Finalmente, estão os meios virtuais, cujo símbolo maior são o computador e
a rede mundial de computadores – a internet. Na essência, trata-se de uma máqui-
46
A escrita na vida moderna
47
Letramento no Brasil
1. Explique o que significa esferas de participação social e por que a presença e a utilização de
textos escritos é diferente conforme a esfera.
2. Quais as funções da educação regular na sociedade moderna. Por que nem todas elas são igual-
mente explicitadas nos projetos dos programas escolares?
3. Explique o que vem a ser “tecnologia de circulação da informação”. Em seguida, procure exa-
minar de que modo as diferentes tecnologias se inter-relacionam.
48
A escrita na vida moderna
4. Que são instâncias de “produção do conhecimento” e como elas operam na sociedade atual?
5. Escreva um texto em que você disserte sobre a relação “os tempos de vida e as possibilidades
de leitura”.
49
Letramento no Brasil
A paixão de dizer
(GALEANO, 1989).
Marcela esteve nas neves do Norte. Em Oslo, certa noite, conheceu uma mulher que canta e conta. Entre canção
e canção, esta mulher conta boas histórias, e as conta consultando papéizinhos, como quem lê a sorte de soslaio.
Essa mulher de Oslo veste uma túnica imensa, toda cheia de bolsos. Dos bolsos ela vai tirando papéizinhos, um a
um, e em cada papelzinho tem uma boa história para contar, uma história de fundação e fundamento, e em cada
história tem gente que quer voltar a viver por arte de bruxaria. E assim ela vai ressuscitando os esquecidos e os
mortos; e das profundidades dessa túnica vão brotando os andares e os amares do bicho humano, que vivendo,
que dizendo vai.
A história de Eduardo Galeano nos convida a pensar em como a literatura e a contação de histó-
ria trazem mais vida ao nosso dia-a-dia. Reflita sobre como as histórias que você conta e ouve contar
criam sentidos em sua existência.
MARINHO, Marildes (org.) Leitura: Ler é navegar. Campinas: Mercado de Letras, 1999.
O livro traz uma coleção de artigos que tratam de diferentes aspectos da leitura e da escrita,
com ênfase nas questões suscitadas pelo aparecimento das novas tecnologias, em particular as formas
de escrita em meios eletrônicos.
50
Letramento
e alfabetismo
C
onsideram-se nesta aula os conceitos de alfabetizado, letramento e alfa-
betismo, examinando de que forma eles participam na formação social e
cultural brasileira. São verificados e analisados os atuais níveis de alfabe-
tismo da população.
52
Letramento e alfabetismo
53
Letramento no Brasil
Entenda-se por letrado, neste contexto, não uma pessoa culta, erudita, mas
aquela que tem um determinado nível de alfabetismo – isto é, que sabe ler e escre-
ver em alguma dimensão – e usa este conhecimento para fazer coisas nos espaços
sociais.
Alfabetismo no Brasil
O problema do acesso à educação e à alfabetização no Brasil é bastante
antigo e está diretamente relacionado à condição de país periférico e com grande
desigualdade social, com a riqueza econômica e, por conseqüência a cultural, con-
centrada nas mãos de um pequeno contingente da população.
Durante muito tempo, em função da organização agrário-exportadora da
economia, não havia interesse do sistema que a população trabalhadora se esco-
larizasse. Era, na época, um investimento inútil, já que não traria ganhos para a
produção, e era considerado perigoso, uma vez que poderia aumentar a consci-
ência crítica dos explorados, que, assim, poderiam ter mais força organizativa e
reivindicatória. Ainda hoje ecoa este argumento de que não interessa às classes
dominantes – particularmente às oligarquias reacionárias – que os trabalhadores
tenham instrução.
No mundo globalizado, contudo, tornou-se lugar comum falar não apenas
em ensino básico universal, mas também e principalmente em elevação da esco-
laridade e educação de qualidade. O trabalhador moderno deve ter autonomia,
iniciativa e capacidade de análise e decisão. A educação regular, de massa, gene-
ralizada, passou a ser uma das características mais significativas das sociedades
ocidentais industriais.
Ser escolarizado e ser capaz de ler, escrever e operar com números, bem
como de realizar determinadas tarefas em que a leitura e a escrita estão pressu-
postas – é condição fundamental para participar da sociedade com relativa inde-
pendência e autonomia – o que implica, entre outras coisas, a possibilidade de
empregar-se, de usufruir (consumir) dos benefícios da sociedade industrial e de
manter acesso aos variados bens culturais.
Não se deve compreender essa transformação propriamente como um pro-
cesso de redução das desigualdades. A escolarização, do ponto de vista do sistema,
se impõe como necessidade pragmática, com três aspectos centrais a considerar:
O primeiro é que o cidadão não-escolarizado, analfabeto ou com pouca
capacidade de leitura produz pouco e consome pouco, além de demandar serviços
públicos assistenciais que não revertem em lucro para o grande capital.
O segundo articula-se à lógica perversa do sistema capitalista: a ampliação
nível de escolaridade de largos setores sociais capacita indivíduos para o cumpri-
mento de tarefas diversas e, à medida que se expande, tende a se tornar um fator
de redução de salário, pelo aumento da oferta de trabalhadores capacitados para
preencher os postos de trabalho.
54
Letramento e alfabetismo
55
Letramento no Brasil
sária para que o indivíduo seja mais produtivo, para que saiba seguir instruções
e movimentar-se no espaço urbano-industrial, para que possa consumir produtos
e respeitar ou assumir os valores hegemônicos. Por outro lado, do ponto de vista
do trabalhador, enquanto indivíduo, a escolarização impõe-se como condição de
participação no mercado de trabalho. Se a escolarização não garante emprego de
ninguém, nenhuma ou pouca escolarização é um fator impedimento ao trabalho.
E é porque funciona eficientemente – inserindo os indivíduos nos processos
sociais de forma desigual e seletiva, ampliando a socialização pragmática e garan-
tindo as condições mínimas de funcionamento do sistema, inclusive minimizan-
do a crise mundial da desigualdade – que a escolarização tem recebido tamanha
atenção e investimentos dos estados modernos e dos organismos internacionais. A
própria legislação brasileira que obriga a aplicação de significativa porcentagem
do orçamento público em educação só se tornou possível na medida que encontra-
va respaldo na lógica de funcionamento do sistema.
Gráfico 1 – Costumam ler livros, ainda que de vez em quando, por sexo
e anos de estudo (%)
56
Letramento e alfabetismo
Níveis de alfabetismo
O que cada pessoa sabe e faz com a escrita – incluindo tanto o sistema quan-
to os objetos culturais e comportamentos associados a ela – é bastante variado.
Pode-se sempre postular um nível mínimo de conhecimentos e práticas desejados
para que alguém possa ser considerado inserido plenamente na vida social, o que
serviria para a determinação de políticas educativas e sociais, mas não há como
fixar um padrão único, até porque, em função da complexificação das relações
sociais e dos modos de vida nas sociedades complexas existem muitos tipos de
participação e de utilização e conhecimento dos objetos da cultura escrita. Neste
caso, cabe bem a idéia de que todos somos ignorantes em muitas coisas e que de-
pendemos dos outros para poder viver.
Neste sentido, mais do que simplesmente estabelecer cortes rígidos, do tipo
alfabetizado X analfabeto ou mesmo alfabetizado pleno x analfabeto funcional, é
mais interesse descrever os conhecimentos e práticas das pessoas e dos grupos em
que se inserem imaginando uma escala contínua de alfabetismo (ou letramento),
em função do que estas pessoas sabem fazer com seus conhecimentos de leitura
e de escrita. De acordo com Vera Masagão Ribeiro, coordenadora do Indicador
Funcional de Alfabetismo Funcional, considerar todas as pessoas que não detêm
o domínio pleno das habilidades supostas como ideais para a plena participação
no mundo letrado como analfabetos funcionais equivaleria a considerar como tal
três quartos da população brasileira adulta. (RIBEIRO, 2003).
Neste sentido, a pesquisadora postula que mais interessante é postular ní-
veis de alfabetismo, o primeiro dos quais seria o analfabeto e os demais níveis 1,
2, 3 de alfabetismo, conforme caracterizado seguir:
Nível 1 de alfabetismo – corresponde à capacidade de localizar informações
explícitas em textos muito curtos, cuja configuração auxilia o reconhecimento
do conteúdo solicitado. Por exemplo, identificar o título de uma revista ou, num
anúncio, localizar a data em que se inicia uma campanha de vacinação ou a idade
a partir da qual a vacina pode ser tomada.
Nível 2 de alfabetismo – corresponde à capacidade de localizar informações
em textos curtos. Por exemplo, numa carta reclamando de um defeito numa gela-
deira comprada, identificar o defeito apresentado; localizar informações em textos
de extensão média.
Nível 3 de alfabetismo – corresponde à capacidade de ler textos mais longos,
podendo orientar-se por subtítulos, localizar mais de uma informação, de acordo
57
Letramento no Brasil
que, de fato, não haja uma correlação exata entre as duas situações, havendo tanto
pessoas com alfabetismo alto que não se encontram na parcela mais privilegiada
economicamente, como pessoas que, apesar das condições favoráveis, apresentam
níveis mais baixos de alfabetismo). Mas há, sim, uma forte aproximação entre
nível de alfabetismo e condição econômica, como mostram categoricamente os
dados do INAF.
O segundo aspecto revelador dos dados apresentados na tabela é que a ofer-
ta efetiva de educação se submete principalmente às necessidades do sistema eco-
nômico. Como vimos, o modo de organização social exige pessoas que tenham
certa capacidade de leitura para que possam cumprir apropriadamente as tarefas
que lhe são delegadas na produção e no funcionamento do mercado de trabalho
e de consumo, assim como na própria estruturação das relações de poder. E para
tanto não é necessário mais que um nível mediano de leitura.
Caminhos e possibilidades
A análise desenvolvida nos itens anteriores pode parecer desalentadora,
principalmente para quem é educador. Afinal, tem-se a impressão de que nosso
trabalho é poço valoroso e que não há muito a fazer. Mas as coisas não precisam
ser assim. Os relatos que se têm de experiências positivas em educação mostram
que, no plano da ação local existe sempre o desafio de alfabetizar e de leiturizar
(isto é, promover a curiosidade leitora crítica e viva nos alunos e na comunidade)
e que o sucesso dependerá fundamentalmente do projeto pedagógico da escola, da
ação coletiva dos educadores, em parceria com a comunidade.
O que é preciso, contudo, é ter consciência de que esta ação positiva se faz
sempre em grupo, com compromisso e determinação, e com a certeza de que,
como insistia Paulo Freire, mudar é difícil, mas não impossível. Para isso, servem
de conclusão e estímulo as palavras de Simone Weil e o comentário da educadora
colombiana Sílvia Castrillon:
Descrever, mesmo que sumariamente, um estado de coisas que seria melhor do que aquilo
que existe é sempre construir uma utopia; de fato, nada é mais necessário para a vida
que semelhantes descrições, sempre que ditadas pela razão. (WEIL apud CASTRILLON,
2004). E de minha parte, acrescentaria: quando as utopias estão ditadas pela razão e pela
imaginação, que não são inimigas uma da outra. (CASTRILLON, 2004, p. 32).
59
Letramento no Brasil
b) Qual seria o nível mínimo de alfabetismo para que se possa considerar uma pessoa incluída?
c) Que ações o Estado e a sociedade podem realizar para alcançar este nível mínimo desejado?
60
Letramento e alfabetismo
3. Redija um texto em que você considere a relação entre poder ler e escrever e ser independente.
RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.
Este livro reúne um conjunto de artigos que refletem sobre diferentes aspectos do letramento e
do alfabetismo, a partir da consideração dos procedimentos de pesquisa e dos resultados alcançados
na primeira enquete realizada Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, em 2001.
61
Letramento no Brasil
62
Pedagogia
do letramento
e da alfabetização
E
sta aula dedica-se a uma reflexão sobre alguns fundamentos para o desen-
volvimento do processo de alfabetização, inquirindo as relações entre fala
e escrita, as especificidades do código escrito, as instâncias de uso social da
linguagem e a relação entre letramento e inserção social.
Escrever e falar
A modalidade escrita, tal como a conhecemos, desenvolveu-se historica-
mente associada a uma variedade lingüística, exatamente aquela das classes so-
cialmente mais favorecidas. Mas isto não explica ainda como se organiza esta
modalidade, qual sua natureza. Seria simplismo crer que a escrita apenas trans-
fere para o papel uma certa forma de falar, que ela é uma forma de falar por “de-
senhos” (as letras). Mais do que isto, e por razões próprias de sua constituição, a
escrita reorganiza de forma particular a fala, acrescentando-lhe características
novas e abandonando outras.
Ao tomar a fala (na sua estrutura significante) como elemento a ser repre-
sentado, a escrita não reproduz todos os seus elementos, mas apenas alguns; além
disso, estabelece novas relações entre esses elementos. Se a escrita fosse apenas
um código da oralidade, então tanto os elementos quanto suas relações já
estariam predeterminados e a escrita apenas os reproduziria. Em outras pa- Como se dá
lavras, a escrita seria uma cópia da língua falada, e a cada símbolo usado na a relação entre
escrita corresponderia exatamente outro (e com as mesmas características) fala e escrita?
da fala, numa relação um a um.
A impressão de que a escrita é um código da oralidade, apesar de não ser
apropriada, não é descabida. Através de símbolos gráficos (no caso do português
e de várias outras línguas, estes sinais são as letras e os sinais de organização do
texto), codificam-se os sons da fala. Usando um pequeno conjunto de símbolos,
podemos reproduzir o que falamos. Chamemos esta relação de princípio alfabé-
tico.
É em função da percepção do princípio alfabético que muitas pessoas, prin-
cipalmente quando estão aprendendo a escrever, cometem erros de escrita. Não
conhecendo a forma convencional da palavra escrita e imaginando que existe uma
relação exata em o que se diz e o que se escreve, escrevem como se fala. Por
exemplo: a palavra hábito é escrita, por algumas pessoas, ábito, porque o agá não
aparece na fala; já a palavra apto pode aparecer escrita como ápito, porque, quan-
Letramento no Brasil
do fala, a pessoa a pronuncia desse jeito. Outros exemplos seriam: escrever treis,
em vez de três, para representar o número 3, e adevogado em vez de advogado, já
que muita gente fala desta maneira.
Outra influência do princípio alfabético é a vontade que sempre aparece em
muita gente de reformar a escrita, para que ela fique mais próxima de como se
fala. Os reformistas, supondo ser possível uma relação exata entre fala e escrita
e que as palavras devem ser sempre constantes, sugerem trocar letras, eliminar
diferenças, enfim fazer da escrita um código perfeito. Isto é pura ilusão. Na ver-
dade, o princípio alfabético está na origem da invenção desse sistema de escrita,
mas não existe correspondência exata entre fala e escrita, e isto por duas razões
principais.
A primeira é que a forma falada, mais fluida e inconstante, varia muito mais
que a forma escrita; não só a forma de dizer uma palavra muda com o tempo,
como a forma de dizer uma mesma palavra pode variar conforme a situação em
que ela é pronunciada.
A segunda razão é que os falantes de uma mesma língua têm formas dife-
rentes de dizer uma mesma palavra, conforme a pessoa, a região ou mesmo a clas-
se social. Vejamos de novo o caso da pronuncia do número 3: em certas regiões
do Brasil se diz treis, outras se diz treich e em outras ainda se diz três. Nenhum
desses jeitos de dizer é melhor ou mais correto, são apenas formas distintas, re-
presentadas por uma única convenção ortográfica.
Vejamos o que ensina a este respeito Gladis Massini-Cagliari, uma lingüista
especializada em alfabetização:
Muitas vezes, quando as pessoas se referem a um sistema ortográfico, estão na realidade
referindo-se a um sistema fonográfico, a escrita fonética. Outras vezes, confundem-se,
também, as noções de escrita fonética e de escrita ortográfica, por que as duas são escritas
com letras de um alfabeto. (MASSINI-CAGLIARI, 1999).
64
Letramento e alfabetismo
Uma escrita que fosse dar conta dessa realidade teria de ter muitas formas
e se tornaria pouco prática. O que temos de perceber é a funcionalidade da con-
venção ortográfica e que nós falamos de um jeito e escrevemos de outro, mesmo
que permaneça valendo o princípio alfabético. Com a experiência do sistema da
escrita ortográfica, a pessoa progressivamente toma consciência dessa relação não
tão exata e passa a usar as formas convencionais. Porém, sempre ficará na dúvida
quando se tratar de uma palavra desconhecida.
Mas são muito maiores as diferenças entre falar e escrever, havendo muitos
elementos não-alfabéticos na convenção escrita e aspectos da fala que não são
representados ou são reinterpretados pelos sistemas de escrita (porque há mais de
um sistema). Assim, ao escrever usamos elementos essenciais na organização da
escrita que não têm correspondente na fala: o espaço em branco, funcional como
um marcador categorial, tornando explícita a nossa de unidade lexical; a pontua-
ção, muito mais que um indicador entoacional (o que seria uma representação de
como se enuncia um texto), é uma forma de dividir o texto em unidades maiores
que a palavra, instruindo o leitor como interpretar o que vê escrito. Também a
distribuição espacial do texto do papel (ou em outro suporte), o uso de maiúsculas,
parênteses, negrito, itálico, tudo isso são informações que atuam sobre o modo de
organizar o escrito e de orientar sua interpretação. Por isso, podemos dizer que se
por um lado a escrita e a fala são correlatas, por outro elas não são simétricas nem
uma o espelho da outra.
A materialidade escrita
Para falar basta a voz; para ouvir bastam os ouvidos. Para escrever é preciso
de outra materialidade, pelo menos de um instrumento de gravação e de um obje-
to que porte o texto e permita sua recepção.
A importância desta característica da escrita está relacionada tanto ao pro-
cesso de redigir o texto, quanto ao de ler e o de armazenar os textos. Escrever com
um cinzel, esculpindo os símbolos gráficos na madeira, é bem mais complicado
que escrever com pena e uma tinta ou usando o teclado de um computador. Ler
um longo texto precisando desenrolar o documento é bem menos confortável que
ler um livro que possa facilmente ser sustentado por uma mão ou apoiado em uma
mesa. Para muitos, a leitura na tela do computador exige esforço e, além de ser
mais cansativo, prejudica a vista.
Com respeito à conservação e ao armazenamento de textos, a situação não
é muito diferente. Guardar livros leves de papel é bem mais fácil do que acumular
rolos ou tábuas de madeira. Mais eficiente ainda é o sistema magnético (como o
dos computadores), que ocupa o mínimo de espaço e está menos sujeito à degra-
dação material.
No processo da escrita, foram (e ainda são) muitas as bases materiais que
se utilizaram. Entre os suportes de texto usados destacam-se, além do papel e da
tela de computador, a pedra, o metal, a madeira, a cerâmica, o osso, o casco ou a
pele de animal, o caniço (bambu), a casca de árvore, o papiro, o tecido. Entre as
ferramentas, estão o cinzel, o estilete, a vara, o pincel, a pena, a caneta, o lápis,
as máquinas.
Como toda tecnologia (conhecimento transformado em instrumento de in-
tervenção na e transformação da natureza), o desenvolvimento da escrita na ci-
vilização ocidental incorporou progressivamente conhecimentos e técnicas que
tornassem a escrita mais ágil, mais útil e mais adequada a suas funções.
O livro, tal como é atualmente produzido, é um objeto impresso na forma de
cadernos reunidos e cosidos entre si com diversas finalidades. Serve para infor-
mar, registrar, entreter, orientar, divulgar. Sua criação data do século II d.C. Nesse
momento, o livro era manuscrito (escrito à mão), em cópias sempre únicas, com
rica decoração (letras ornamentais, iluminuras, detalhes em ouro), quase sempre
sem divisão de palavras, muitas abreviações e ocupação plena do espaço (devi-
do ao alto custo do processo de produção do pergaminho). A produção escrita e
leitura estavam concentradas principalmente nos mosteiros (Idade Média) e nas
universidades (a partir do séc. XII). O primeiro livro impresso foi a Bíblia de Gu-
temberg (no entanto, ainda todo arrematado à mão), e marcou um novo momento
da história da civilização ocidental.
Entre os séculos XV ao XVIII, houve uma grande expansão na ativida-
de livresca editorial, mas a produção em larga escala por máquinas impresso-
ras iniciou-se propriamente no século XIX, quando surgiram novos processos
industriais de impressão e de produção e reprodução industrial em larga escala de
textos impressos. Com a imprensa, surgem três atividades básicas: a confecção de
livros; a publicação de periódicos (os jornais; mais tarde, apareceram as revistas
66
Letramento e alfabetismo
Os discursos referenciados
na tradição da escrita
A escrita, que se estabeleceu a partir de um trabalho cultural e político so-
bre as variedades lingüísticas, em um processo intenso de modificação, especiali-
zação, incorporação e padronização, impôs-se progressivamente como forma in-
dependente e modelar, constituindo-se em um superdialeto. Na elaboração deste
superdialeto, definiram-se regras prescritivas, recusaram-se formas consideradas
impróprias e elaborou-se um vasto vocabulário, pelos empréstimos diretos do latim
clássico, que os renascentistas haviam recuperado em sua recusa ao latim medie-
val, e de outras línguas, e pela criação de termos técnicos e jargões profissionais.
Entre as conseqüências para a língua em função do aparecimento da es-
crita, estão: o estabelecimento de novas estruturas sintáticas, com construções
frasais mais longas, inversões de ordem, inserção ou intercalação de sintagmas,
processos coesivos mais complexos etc.; a ampliação do léxico (calcula-se que o
67
Letramento no Brasil
À tinta de escrever
(PAES, José Paulo, 1992)
Nesta ode que compõe para a tinta de escrever, o poeta destaca a mais sig-
nificativa característica da escrita: sua permanência. A escrita inscreve, registra,
guarda a memória. É por isso, por exemplo, que, quando queremos que alguém se
comprometa com o que diz, pedimos logo que a pessoa ponha o dito no papel. É
também por esta características, que na sociedade ocidental, as leis são escritas,
mesmo que se admita a interpretação.
Mas José Paulo Paes faz ver também outras marcas típicas da escrita: os
diversos usos que ela tem: serve para a informação (registrar a notícia), para a
comunicação pessoal (escrever o bilhete), para o comércio (assinar a promissória).
68
Letramento e alfabetismo
A escrita:
É bimensional, em contraposição dimensão única (o fluxo temporal)
da fala. Isto permite representações com dupla entrada, o que significa
formas adicionais de organização do pensamento.
Pressupõe o afastamento espaço-temporal dos interlocutores, o que
implica reorganização da forma do discurso.
Constituiu-se como um sistema discursivo, funcionando como um
complemento da oralidade e cumprindo certas atribuições que se situ-
am além das propriedades inerentes a esta.
Tem função documental e legislativa, de registro e veiculação de valores
culturais e saberes científicos e de organização dos espaços públicos.
Supõe um elemento intermediador – os suportes de texto, cuja mate-
rialidade não pode ser desconsiderada, já que o modo de apresentação
do objeto e as ações que o sujeito é requisitado a fazer para ler e es-
crever, interferem diretamente na construção dos sentidos: não existe
compreensão do texto, qualquer que ele seja, que não dependa das
formas através das quais ele atinge o leitor.
69
Letramento no Brasil
Públicas Privadas
E pouco escreve, pois o uso da escrita neste nível está muito mais direcio-
nado para a leitura (de ordens, de orientações, de mandamentos) do que para a
produção de textos autênticos. Escrever para quê, se tudo já vem pronto?
Na sociedade de cultura escrita, urbana e industrial, dominar a escrita, ser
capaz de ler e escrever, saber intervir oralmente em situações públicas (não con-
fundir com uso da norma tradicional), conhecer as formas como a língua é vista
e compreendida e usar essas habilidades para intervir, atuar na vida pública, pro-
fissional, política, é condição de participação social.
71
Letramento no Brasil
1. Reunidos em grupo e considerando as explicações sobre escrita e oralidade, expliquem por que
“escrever não é falar”.
2. Ainda em grupo, enumerem algumas das decorrências pedagógicas da constatação acima, tanto
para a alfabetização como para a educação em outros níveis.
72
Letramento e alfabetismo
4. Redija um texto em que você comente sobre as dificuldades das crianças ao aprender a ler e a
escrever.
Não é justo avaliar a dificuldade da criança, considerando-a incapaz, deficiente auditiva, retar-
dada ou leviana e desatenta, só porque tem dificuldades em decidir como escrever ortograficamente
umas tantas palavras, sejam elas quais forem. (CAGLIARI, 1997).
Que implicações esta tese tem para a Pedagogia da Alfabetização e do Letramento?
MASSINI-CAGLIARI, Gladis; CAGLIARI Luiz Carlos. Diante das Letras – a escrita na alfabetiza-
ção. Campinas: Mercado de Letras / ALB, 1999.
Este livro reúne artigos que versam sobre questões relacionadas aos sistemas de escrita no
processo de alfabetização, desde a história das letras, passando pelos sinais de pontuação, formas
de representação alfabética e problemas de ortografia até os procedimentos de aprender e ensinar a
escrita.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 1984.
Trata-se de um pequeno e consistente livro, escrito para professores, com alguns artigos em que
a autora desenvolve sua teoria sobre as formas como as crianças produzem seu conhecimento sobre o
sistema da escrita e, desta forma, aprendem a ler e escrever.
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Letramento no Brasil
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Leitura no espaço social
E
xaminam-se, nesta aula, as formas como a leitura se apresenta nas práticas sociais, as represen-
tações e valores que se constroem em torno dela, assim como as relações comerciais em que ela
se insere. Além disso, analisam-se os mitos mais freqüentes nos discursos sobre leitura.
76
Leitura no espaço social
vimento analítico que empreendo nenhum apelo a uma ordem superior, da qual
estariam excluídos os simples mortais; nenhuma das três possibilidades nomeadas
está acima do bem e do mal, imune às armadilhas da reprodução e do exercício
do poder; todas elas podem não ser mais que uma forma de criar novas estruturas
de alienação.
A filosofia se produz sobre o princípio da indagação da existência: sua per-
gunta é (sempre e de muitas formas): por que a vida é como é, que sentidos lhe
podemos dar ou nela encontrar? Neste indagar, ela produz seus métodos e seus
modelos, necessários até mesmo para constantemente fazer com que sua pergunta
fundamental – manifestada sempre de forma outra – siga produtiva, dinâmica,
intensa, não se perdendo num discurso que se enreda em si mesmo.
A ciência, por sua vez, se constitui sobre a indagação da materialidade da
existência. Sua pergunta, portanto, é: como são as coisas, como se organiza a
matéria? Pergunta infinita, na medida em que há sempre um quê que não alcança
a compreensão. Haverá constantemente mais e outras possíveis indagações e des-
cobertas e explicações, e sempre provisórias serão as respostas em cada momento
histórico. Os métodos de fazer ciência implicam desde logo um deslocamento da
subjetividade, de forma a fazer com que a materialidade se ponha em evidência.
Mas a subjetividade, constitutiva do fazer humano, encontra formas de sobrevida,
de modo que o método científico mantém-se em contínua tensão, sob a ameaça de
ser tragado por um olhar que já distorce a matéria. Por isso, também ele precisa,
ao fazer-se, pôr-se imediatamente sob suspeição. O “erro” pode estar não na ex-
plicação que se produziu, mas no próprio método que a constrói.
A arte, por fim, se faz no pleno espanto do viver. Mais que indagar, ela mos-
tra a condição da existência humana, não em sua forma imediata, mas em todas
as suas formas possíveis. Se a experiência do fazer científico se pauta na tentativa
de fugir da subjetividade, a arte alimenta-se desta mesma subjetividade e só se
realiza em função dela. Mas não se trata de uma subjetividade imanente, de uma
condição que resulte da ordem natural das coisas: o sujeito é histórico, só existe
e se reconhece enquanto fruto de sua própria historicidade, uma qualidade que
nenhum outro animal encontra em sua condição de máquina biológica. Assim, o
espanto estético é produto de si mesmo, da mesma condição humana que constan-
temente expressa e indaga.
Agora faz sentido pensar na leitura como um valor. Ela se constitui na pos-
sibilidade, pela convivência com a contínua produção e a circulação do conheci-
mento, uma pessoa ou um coletivo pensar em sua vida, em seus modos de ser e
estar no mundo, enfim, de viver e fazer a condição humana.
A alienação, que se faz não apenas pela não leitura, mas pelo abandono da
postura crítica, corresponde à condição de quem – mas isto é sempre relativo –,
imerso no mar de banalidades da vida comum, encontra-se sem condição de pro-
duzir indagações filosóficas e de tomar consciência desta condição; alguém que,
preso ao pragmatismo das explicações ligeiras, não põe em questão as explica-
ções do seu modo de viver e do funcionamento do mundo que o cerca; alguém que
embotado pela inflação informativa e imagética do mundo tecnológico, do convite
77
Letramento no Brasil
ao consumo e ao prazer ligeiro, não pode fruir a arte nem se espantar diante da
existência.
Infelizmente, na prática social, inclusive na escola, essa possibilidade tem
sido moda e modelo. Ao reproduzir pragmaticamente as determinações institucio-
nais, ao reproduzir obedientemente o que estabelece o sistema, ao acreditar que
estudar é incorporar conteúdos e ensinar é transmiti-lo, nada mais se faz que se
manter preso ao universo do senso comum, por mais complexa que se manifeste
a tarefa. Isto explica por que a pergunta que rege a dinâmica de aula e do ato de
estudar seja: qual é o “certo”? Um “certo” absoluto, que não tem origem nem
autoria, que se enquadra na lógica de que importa é aprender a fazer, é dominar
a técnica ou simplesmente cumprir o que se determinou em outra instância, ina-
cessível e inonimável.
A verdade, neste momento, se manifesta universal, conclusa, absoluta, e,
por isso mesmo, anti-histórica. A vida está completa, sem nada para fazer, senão
reproduzi-la em sua materialidade informe. Ler, aqui – como ouvir, tocar e ver –,
pode ser cegueira, porque se torna uma atividade mecânica, sem criticidade, sem
espanto e sem indagação epistemológica (mas cuidado: nada é tudo e tão comple-
tamente: trata-se de perceber esquemas e não de estabelecer novas e mais totali-
tárias verdades).
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Letramento no Brasil
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Leitura no espaço social
Promoção da leitura
e experiências estéticas
De todas formas de apreensão da realidade, aquela que talvez seja a mais
fundamental na história da humanidade é a narração. A narração significa a re-
construção, no plano do simbólico, da ação vivida, da experiência realizada. A
narração supõe a construção simbólica de um outro mundo, que é a projeção deste
mundo vivido num outro, possível ou desejável. O tempo inteiro os homens e as
mulheres se narram e constroem sua história de narrar.
A narração não é, nunca, a reprodução do real. É sempre a reconstrução de
um vivido. Em todas as culturas se estabelecem condições de verossimilhança e
de possibilidade dessa reconstrução, e os acordos que se fazem na recepção dessa
reconstrução: isto é real, isto é inventado. A diferença entre o real e o inventado
resulta de um acordo cultural, simbólico, que estabelece esse tipo de situação.
A arte, entendida como princípio criador, não se limita à literatura, mas se
expande a todas as expressões artísticas. Ela supõe a intenção inventiva no pro-
cesso de construção narrativa, que nos afasta da mimetização do real, nos impede
de apenas nos redizermos. Ela se manifesta na busca incessante da nova narrativa,
da nova experiência de dizer o vivido.
A arte é, portanto, a expressão definitiva do desejo de construir outro mun-
do. Este processo de construção de outro mundo supõe uma espécie de voltar-se
para a própria vida e indagar a condição humana. Arte é, nesse sentido, admira-
ção, é contemplação da vida. Neste sentido, ela se opõe ao entretenimento. Porque
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Letramento no Brasil
1. Discutam em grupo:
a) Em que medida a leitura é um bem social e que benefícios ela pode trazer para a pessoa que lê.
b) Qual a relação entre promoção da leitura e comércio de livros? Quais as implicações políti-
co-pedagógicas desta relação?
2. Enumere algumas frases que podem ser consideradas mitificadoras da leitura, explicando por
quê. Não esqueça de indicar o que elas têm de verdadeiro e o que tem de exagero.
3. De que modo a arte (em especial a literatura) pode participar na formação dos alunos e dos
professores?
4. Escreva um texto em que você comente sobre suas predileções de leitura e sua experiência com
a literatura.
“Um texto só existe se houver um leitor para lhe dar significação”. (CHARTIER).
“O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sen-
tido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala”. (VYGOTSKY).
Que conclusões teóricas e pedagógicas podemos tirar destas afirmações?
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Letramento no Brasil
BARZOTTO, Valdir Heitor (org). Estado de Leitura. Campinas: Mercado de Letras / ALB, 2001.
Este livro traz uma coletânea de textos que, tomando a leitura como reflexão, produziram estu-
dos representativos das correntes de pensamento que influenciaram o debate e as propostas de ação
sobre leitura no Brasil.
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Leitura, escrita e
subjetividade
N
esta unidade estudaremos as relações entre leitura e subjetividade, examinando brevemente
os processos de constituição da identidade na sociedade moderna e, em seguida, os modos
de formação e afirmação da pessoa enquanto leitora, assim como as razões por que faz suas
escolhas de leitura.
O desenvolvimento histórico do capitalismo [...] não permite que continuemos a tomar a vi-
vência comunitária como um pressuposto: principalmente no meio urbano, ela não é um “dado”
deste momento histórico. (Penna, 1998, p. 97).
Isso não quer dizer que não existam formas de identidade e que esta não resulte dos processos
histórico-sociais. Ao contrário, cada um de nós é o que é exatamente pelos vínculos que estabelece,
não havendo subjetividade imanente.
A leitura e identidade
São muitos os discursos e programas sociais de formação de leitor. Afir-
mamos com freqüência que tornar os alunos leitores é uma das principais tarefas
da educação escolar. Ser leitor tem sido tomado como qualidade positiva, como
algo que torna as pessoas mais críticas e conscientes, mais verdadeiras e cidadãs.
Ser não-leitor seria, por sua vez, uma espécie de deficiência essencial, quase uma
mutilação, no mínimo algo de que se deve envergonhar.
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Leitura no espaço social
Para ser esta leitora, é preciso mais que saber ler: é preciso dispor de tempo
livre, condições materiais e viver um ambiente em que esta ação faça sentido e
seja possível.
A imagem criada por Almeida Júnior está muito próxima da que constrói
Marcel Proust em seu pequeno ensaio intitulado Sobre a Leitura. Escreve o ro-
mancista francês:
Os limites de seu papel [da leitura] derivam da natureza de suas virtudes. E estas virtu-
des, é ainda às leituras de infância que vou perguntar em que é que consistem. Este livro,
que vocês me viram lendo há pouco perto da lareira na sala de jantar, em meu quarto, no
fundo de uma poltrona com um encosto para cabeça revestido de crochê, e durante boas
horas depois do almoço, sob as nogueiras e os espinheiros brancos do parque, onde todos
os sopros dos campos infinitos vinham de longe brincar silenciosamente perto de mim,
estendendo, sem dizer palavra, às minhas narinas o odor dos trevos e dos sanfenos sobre
os quais meus olhos fatigados às vezes se erguiam, este livro, como os olhos de vocês
inclinando-se sobre ele não poderiam decifrar o seu título a vinte anos de distância, minha
memória, cuja vista é mais apropriada a este gênero de percepções, vais nos dizer que era
O Capitão Fracasso, de Théophife Gautier. (Proust, 1989, p. 28)
solidão. O leitor de Proust é leitor antes mesmo de abrir o livro, é leitor enquanto
condição de vida, enquanto alguém que se encontra vivendo uma cultura da qual
faz parte, de modo codificado e pleno de valores, os objetos e as situações de sua
classe social. Ser leitor é, nestas condições, enlevar-se com os objetos da cultura
e da memória, perder-se em reminiscências, curtir a solidão aconchegante do am-
biente burguês.
As duas imagens esboçadas são de alguém que, isolando-se dos ambientes
coletivos, numa atitude de recolhimento, lê um livro – seja recostada em sua pol-
trona predileta ou estirada languidamente em um divã ou acolhida por uma árvore
frondosa que projeta sua sombra sobre um chão suavemente gramado ou, ainda,
no caso do leitor intelectual, debruçado atentamente sobre uma escrivaninha.
A imagem de leitor que resulta dessas representações supõe não apenas a
capacidade de ler ou o uso desta capacidade para a realização de tarefas diversas,
relativas ao trabalho, ao consumo ou vida cotidiana, mas fundamentalmente uma
atitude habitual: o leitor será alguém que tenha o hábito de ler, hábito gratuito,
quase sempre ligado à curiosidade intelectual ou a tipo superior de entretenimen-
to e de reflexão e, acima de tudo, um comportamento individual. Ler reconforta,
instrui, permite o recolhimento e o autoconhecimento. Daí porque a questão da
leitura incide muito mais sobre a atividade em si que sobre os objetos lidos, como
se estivéssemos diante de um verbo intransitivo.
O debate em torno da questão da leitura, particularmente da figura do leitor,
tem sido prejudicado por um equívoco fundamental: o de considerar as práticas
da leitura como uma questão de natureza ética individual ou de inclinação ou de
estímulo e, em função disto, tomá-la um comportamento subjetivo. Em outras
palavras, o modelo de leitor predominante no discurso pedagógico e nas cam-
panhas que tentam convencer as pessoas de que ler é importante denota que ser
leitor é uma questão de postura e de hábito e que, para tanto, bastariam vontade
e determinação, sendo portanto de responsabilidade individual. Escamoteia-se o
fato fundamental de que a leitura é uma prática social inscrita nas reações his-
tórico-sociais, não havendo nela nada intrinsecamente ético. A leitura freqüente,
enquanto exigência profissional, ou não é considerada ou, quando é, supõe um
indivíduo que tenha adotado a profissão por vocação, o que empresta a este pro-
fissional uma aura mítica, afastando-o da gente comum: é o professor criativo, o
bibliotecário imerso em pilhas de livro, o sábio ou o sacerdote. Jamais será o ban-
cário às voltas com pencas de relatórios técnicos, o economista ou administrador
lidando com seus papéis e contratos, o médico com seus compêndios de clínica
geral, o professor comum lidando com salas repletas de alunos e poucas condições
de trabalho.
Há um tipo de comportamento característico de um segmento intelectua-
lizado das classes sociais privilegiadas que tem na leitura intensiva e densa sua
marca distintiva, inclusive de outros segmentos da mesma classe. Neste caso, a
leitura se constitui em um capital individual com valor de mercado e de status no
meio social imediato. Não se pode, no entanto, estabelecer a partir disto um crité-
rio geral de definição do que seja leitor nem tomá-lo como padrão ideal.
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Leitura no espaço social
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Letramento no Brasil
o conjunto de relações que temos em nossas vidas). Nesse caso, o fator predomi-
nante é o modo como a pessoa se vê e aquilo que avalia como significativo, inte-
ressante ou importante para si, considerando tanto sua forma de ser pessoal como
as circunstâncias do momento. Por exemplo, um leitor assíduo de jornal pode não
querer ler num certo período de sua vida porque está descontente com o momento
político e cultural e ler as notícias lhe causaria mais desgosto; ou porque passa por
um momento de cansaço ou desânimo; ou ainda porque vive outras necessidades
que lhe afastam desta leitura que tanto lhe apraz. O mesmo pode ocorrer com um
leitor de poesia ou de romance: num certo momento a poesia (ou a poesia de um
certo poeta) lhe é um alento; em outro momento, ela pode não lhe dizer nada, ou
até mesmo incomodá-lo.
Mas ninguém será leitor do que não é. São as formas de identidade, os vín-
culos sociais, a compreensão que tem de si e do mundo o principal fator da inicia-
tiva de buscar um livro, uma revista, um texto para ler. É certo que esta identidade
não é uma “pedra”, não é um material inerte e imutável, mas as transformações
que nos ocorrem também se circunscrevem nas experiências que vivemos e em
nossa formação cultural.
Devemos sempre considerar, principalmente quando nos dispomos a fazer
uma pedagogia da leitura, que ler é uma ação cultural. O produto desta ação não é
jamais a simples acumulação de informações, não importa de que natureza sejam,
mas a representação da representação da realidade presente no texto. É, portanto,
um valor, que não é criação original do sujeito, mas algo que se articula com o
conjunto de valores e saberes socialmente recebidos.
Neste sentido, a leitura seria um ato de posicionamento político, cultural e
pessoal diante do mundo. Quanto mais consciência o sujeito tiver deste processo,
mais independente será sua leitura, já que não tomará o que se afirma no texto
que lê como verdade ou como criação original, mas sim como produto. A igno-
rância deste caráter social e histórico do ato de ler e das opções de leitura conduz
à mitificação e a falsas percepções deste fenômeno e ao não-reconhecimento dos
interesses e compromissos dos agentes produtores de textos.
Formas de controle
das práticas e dos objetos de leitura
Na história da civilização ocidental, são muitos os casos em que os pode-
rosos e os ditadores trataram de querer silenciar as vozes de oposição, impedir
que falassem e, desta forma, permanecessem vivas. Às vezes, isto foi feito pela
censura, impedindo que um texto fosse publicado e pudesse circular livremente e
chegar até as pessoas. Em outras vezes, o corte da fala do outro foi feito pelo poder
econômico, impedindo a produção de impressos. Outras vezes ainda, o silêncio
era produzido pela truculência pura e simples, eliminando fisicamente o objeto
(queimando livros em grandes fogueiras) ou mesmo a pessoa indesejada.
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Letramento no Brasil
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Leitura no espaço social
cional que assume como finalidade suprema, a de formar indivíduos competitivos para o mercado
de trabalho. E isso num contexto naturalizado, isto é, desprovido da possibilidade de compreen-
dermos suas raízes, seus desdobramentos, em suma, as relações e mediações históricas de sua
produção. Um contexto em que a racionalidade, mercadora da vida em todas as suas dimensões, é
uma, irreversível, impossível de ser transformada e radicalmente superada.
É, nos parece, desse contexto que Yocaris deriva a afirmação de que as novas gerações não
esquecerão a lição.
E nós: que lição aprendemos no percurso de nossa formação? Como, por quê e para quem, nos
transformamos em educadores? E mais: que lição temos ensinado às chamadas jovens gerações?
Uma lição que será facilmente esquecida em troca daquela que ensina o “aprender a apren-
der” e o “aprender a fazer”, sob a diretriz da utilidade imediata dos saberes em curso?
Uma lição que ensina a ser competitivo, individualista, consumista, com base em determina-
das habilidades e competências?
Uma lição que ensina que escolaridade é condição para a empregabilidade?
Uma lição que ensina que cidadania é sinônimo de consumo e de adaptação á sociedade vi-
gente?
Particularmente, não quero nem “decorar”, nem aprender, nem ensinar essa lição, embora
busque, incessantemente, compreender e reagir às causas de sua existência, de sua predominância
e de sua inegável influência entre os educadores de diversas áreas de conhecimento.
Possivelmente, para não decorar, desaprender, rejeitar e abandonar essa lição, seja necessário
um esforço coletivo no sentido de compreender que
nos espaços e tempos históricos das instituições escolares, legitimam-se e naturalizam-se
as desigualdades sociais e, em contrapartida, se concretizam, ainda que parcialmente, as
possibilidades de compreender e subverter as raízes históricas dessa legitimação e natura-
lização.
a denominada educação para o mundo do trabalho e para a cidadania, demanda a in-
vestigação das formas históricas assumidas pelo capitalismo e seus setores socialmente
dominantes.
uma formação social fundada na relação capital–trabalho assalariado, alimenta uma lógica
que busca transformar o indivíduo, pessoa, trabalhador, produtor de riqueza social, em
mercadoria, em sujeito subordinado à lógica do mercado, da competição, das competên-
cias para a empregabilidade.
Com base nessas observações, um dos problemas é o que segue: as práticas formativas no
âmbito da instituição escolar possibilitam a apropriação da ciência, da arte, da filosofia, da moral
e da política, na perspectiva de remover, radicalmente, os processos de alienação e exploração do
indivíduo, constitutivos da razão-de-ser histórica, da formação social capitalista?
Como viver? De que maneira agir? De que maneira refletir e intervir nesta realidade social?
Como apropriarmo-nos da vida, do sonho, do desejo, da liberdade emancipada da necessidade; do
Trabalho emancipado do Capital?
Se Harry Potter fosse aluno da universidade brasileira, sua pedra filosofal teria como princí-
pio uma formação unidimensional, utilitarista, pragmática, depreciativa das humanidades, subor-
dinada à lógica do mercado capitalista; ou, transformaríamos sua presença e concomitantemente
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Letramento no Brasil
3. Como a família e a escola contribuem na formação da identidade das pessoas? Quais os confli-
tos de personalidade que podem surgir nestes ambientes?
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Leitura no espaço social
5. Você já experimentou algum tipo de cerceamento em suas práticas de leitura? Descreva como
foi e o efeito que teve em sua vida?
6. No mundo moderno, quais os principais instrumentos de controle da leitura? Qual sua opinião
sobre eles?
É pela lógica da “demarcação” que uma certa parte da população é considerada “má” e, por
isso, forçosamente removível, como são, em uma cesta, as maçãs podres das boas. (Jacob Mey)
Que relação você consegue imaginar, no que tange à pedagogia da leitura, entre o conteúdo
desta aula e a frase de Jacob Mey?
97
Letramento no Brasil
98
Ler e escrever
para estudar
E
sta aula se dedica especificamente a uma modalidade de leitura: a leitura de
estudo, a qual é fundamental na prática pedagógica e apresenta especifici-
dades muito significativas. Apresentamos as características centrais desta
modalidade e listamos alguns dos recursos de leitura de estudo.
estudante é ativa como o que se estuda não é necessariamente algo conhecido. Po-
demos dizer que esta é a postura do pesquisador ou de um investigador ou mesmo
de um empreendedor. Ao estudar, considera-se não apenas a realidade conhecida,
mas também o que se quer conhecer. Para isso, o estudante (que tanto pode ser
o escolar como o cientista) formula hipótese a respeito do objeto em questão e,
seguindo uma estratégia de investigação e apoiado em um método e uma teoria,
busca respostas.
Estudar supõe a autonomia intelectual, isto é, a capacidade de selecionar ob-
jetos intelectuais e culturais dentro de um contexto determinado (a escola, o tra-
balho) e realizar ações coordenadas que permitam sua compreensão e apreensão.
Tal capacidade implica alto grau de articulação discursiva e de convivência com
procedimentos e métodos do pensamento descontextualizado (isto é, abstração e
generalização), inclusive aqueles tipicamente metacognitivos.
E não motivo para limitar a prática pedagógica à idéia de estudar como uma
forma disciplinada de aprender o conhecido ou de se preparar para poder fazer
coisas. Em qualquer dimensão, a produção do conhecimento implica tanto operar
com o conhecido como também produzir novos conhecimentos, novas explica-
ções para a vida e para o mundo. É, aliás, com esta postura que mais se conhece
o conhecido, já que o desafio é muito maior.
Além disso, assumindo esta perspectiva, estamos também assumindo o
princípio que conhecer não é repetir, mas descobrir de novo.
Leiamos o que diz Paulo Freire sobre esse tema:
Estudar seriamente um texto é estudar o estudo de quem, estudando, o escreveu. É perce-
ber o condicionamento histórico-sociológico do conhecimento. É buscar as relações entre
o conteúdo em estudo e outras dimensões afins do conhecimento. Estudar é uma forma
de reinventar, de recriar, de reescrever – tarefa de sujeito e não de objeto. (FREIRE, 1976,
p. 10).
“É preciso ter claro que não estamos pensando no estudar como forma
de memorização, de retenção de conteúdos na memória, mas sim no sentido
de compreender um texto, e nesse sentido aprender a estudar é aprender a
ler.” (CASTELLO-PEREIRA, 2001, p. 17).
100
Ler e escrever para estudar
E se estudar é produzir conhecimento, devemos ter claro que isto não sig-
nifica simplesmente acumular informações e incorporar mecanicamente certos
procedimentos. É certo que a capacidade de articular criticamente elementos do
mundo construindo conhecimento exige informação. Afinal, dentro de um con-
texto histórico definido, o conhecimento se constrói porque os sujeitos dispõem
de determinadas condições que permitem a manipulação intensa de dados, fatos,
teorias, interpretações. Mas o conhecimento não é a soma de uma quantidade de
informações, mas sim a organização que se faz delas para que possam servir para
o entendimento de um problema, de um fato do mundo.
Escrita e metacognição
Partindo do pressuposto de que o sujeito constrói conhecimento não através
da cópia ou reprodução do real, mas através de um processo de elaboração interna,
podemos afirmar que os significados construídos internamente surgem na intera-
ção de uma nova informação (novo conceito) com os conhecimentos (conceitos)
que o aprendiz já possui em sua estrutura cognitiva. Vygotsky argumenta que o
sujeito que aprende constrói conhecimento em processos mediados pelo outro e
constituídos pela linguagem. A aprendizagem é, assim, um processo impregnado
pelas formas culturais e tem lugar num contexto de relação e de comunicação
interpessoal.
O estudante, em seu comportamento de estudar utiliza várias estraté-
gias, como, por exemplo, “repassar” o conteúdo várias vezes, oralmente ou O que é
por escrito; “elaborar” o material de aprendizagem relacionando-o a algum metacognição?
significado externo, procurar compreender a organização interna do mate-
rial, perceber as relações entre os diferentes elementos que compõem o conteúdo
a ser aprendido.
Para que uma estratégia se constitua, é necessário planejamento dessas ha-
bilidades, dirigido a um fim, que só é possível mediante um certo metaconheci-
mento, que faz com que elas sejam utilizadas de modo estratégico. Metaconheci-
mento se refere ao conhecimento que o sujeito tem sobre seus próprios processos
psicológicos e que o ajudará a utilizá-los de um modo mais eficaz e flexível no
planejamento de aprendizagem. Esse conhecimento sobre os próprios processos e
produtos cognitivos tem sido também denominado de metacognição. Os processos
metacognitivos se referem ao conhecimento que a pessoa tem da efetividade poten-
cial de diferentes formas de atuação aplicáveis para atingir um dado objetivo.
A repetição mecânica de certos hábitos de estudo não supõe que o aluno es-
teja, obrigatoriamente, utilizando uma estratégia de aprendizagem que o conduza
a processos de auto-regulação. É possível supor que, em geral, os estudantes usem
certos recursos (tomar notas, fazer resumos, entre outros) sem que sejam capazes
de realizar por si mesmos algumas tarefas metacognitivas básicas: indagar e se-
lecionar quais habilidades são mais adequadas em cada caso, planejar a execução
de tais habilidades, avaliar seu êxito ou fracasso. Um bom ensino deveria incluir
necessariamente ensinar os estudantes como estudar, ou seja, como pensar, como
101
Letramento no Brasil
102
Ler e escrever para estudar
A organização do estudo
Mesmo considerando as observações acima, é preciso reconhecer que há
certamente muitas formas de organizar uma atividade de estudo, em função da fi-
nalidade, das condições objetivas e da personalidade da pessoa ou do grupo. Essa
diversidade é positiva, e cada indivíduo ou equipe de estudo deve buscar realizar
seu trabalho em função do que é, onde está e para que está estudando.
Podemos, no entanto, estabelecer alguns fundamentos, que ajustados a cada
situação, são necessários para um estudo sério e compromissado.
Planejamento
O primeiro passo para o sucesso de uma atividade de estudo, definidos o
objeto e a finalidade de estudo, é o planejamento da ação, isto é, o estabelecimento
e a distribuição das tarefas a serem cumpridas, a seqüência em que elas devem
ser dadas, os mecanismos de controle, o material necessário, o tempo de que se
dispõe, entre outros. Um bom planejamento é aquele que o estudante ou a equipe
considera possível de ser realizado e que ajuda efetivamente no sucesso da em-
preitada. De nada adianta fazer um planejamento que suponha o uso de materiais
indisponíveis ou a realização de tarefas impossíveis.
O planejamento não é, contudo, a própria ação, nem há garantias de que ele,
desde logo, está totalmente adequado ao que se pretende fazer. Nesse sentido, ele
deve ser constantemente revisto à medida que avança a ação. Não se deve perder
nunca de vista que o objetivo não é cumprir o planejado, mas sim alcançar respos-
tas às perguntas realizadas ou produzir aquilo que foi proposto.
Monitoração
A monitoração é uma ação reflexiva que se faz durante a realização das
tarefas estabelecidas com vistas a alcançar o objetivo, de forma a verificar se
estão sendo realizadas a contento, se o trabalho é factível e se os resultados par-
ciais alcançados permitem a continuação do trabalho. Assim, se algo não corre
bem ou se o planejamento mostrou-se inadequado em algum aspecto ou mesmo
se os objetivos inicialmente propostos foram mal dimensionados, a monitoração
103
Letramento no Brasil
Revisão e correção
A revisão e correção dos trabalhos é uma parte fundamental da atividade de
estudo. Muito freqüentemente, em particular na educação escolar, mas também
nas atividades profissionais, elas são delegadas a outras pessoas, o professor ou o
supervisor. Nesse movimento, o que percebe é uma ação que busca vigiar o outro
e verificar se ele fez bem feito o que tinha de fazer.
Na linha de raciocínio aqui adotada, a revisão e a correção são ações de
avaliação e ajuste das atividades e devem ocorrer o tempo todo, intrinsecamente
ligadas ao processo de monitoração. Trata-se de uma ação de voltar-se para o que
se fez ou para os resultados já alcançados e, considerando os objetivos e parâ-
metros independentes que sirvam de referência, analisar a qualidade do produto
em função dos objetivos e reajustar o que for necessário. Não há dúvida de que o
auxílio externo pode ser positivo (muitas vezes é mais fácil alguém que não está
comprometido com a ação perceber seus limites, problemas e equívocos), desde
que essa intervenção resulte colaborativa.
Duas observações se fazem necessárias para encerrar esse tópico: a pri-
meira é que a revisão não diz respeito apenas a aspectos formais de apresentação
do trabalho (padrão lingüístico, formatação, precisão de informação), mas sim à
própria estruturação do trabalho, à validade das conclusões e das ações, a adequa-
ção do método, entre outros. A segunda é que a revisão e a correção são partes da
atividade de estudo, e não algo que se faz quando ele está concluído.
104
Ler e escrever para estudar
105
Letramento no Brasil
Textos reorganizadores
Sumário de um artigo/livro/caderno de textos, com identificação e nome-
ação de itens e subitens;
Roteiros de leitura – um roteiro é um conjunto de instruções, apresenta-
das na forma de tópicos ou perguntas, para orientar a leitura. Tanto pode
ser feito por quem estuda o texto, como por um leitor guia (um questio-
nário de intelecção é um tipo de roteiro de leitura.)
Sinopses, paráfrases e resumos – paráfrase é a reapresentação de um tex-
to ou fragmento de texto com outra forma e (hipoteticamente) o mesmo
sentido básico (resumos e explicações, por exemplo, são tomados como
paráfrase);
Fluxograma de idéias de um texto (da mais geral para o mais particular
em estrutura de árvore ou outra);
Identificação de dados quantitativos e elaboração de uma tabela;
Esquemas – um esquema é uma reorganização de um texto em tópicos
seqüenciais ou arranjos de um modo espacial específico para permitir a
visualização global e rápida. Saber fazer esquema é fundamental para
que o leitor desenvolva a capacidade de usar a escrita para intervenção
social, estudo e trabalho. É comum a utilização de setas, colchetes e ou-
tros sinais gráficos na elaboração de esquemas;
106
Ler e escrever para estudar
Constituição de acervo
Chamamos de acervos a um conjunto de bens que integram o patrimônio
de um indivíduo, de uma instituição, de uma nação. Todos temos nossos acervos,
seja de fotos, de cartas, de objetos que colecionamos. Uma galeria de arte, uma bi-
blioteca, um arquivo se fundamentam na constituição de acervos dos objetos que
lhe dizem respeito. No caso específico da atividade de estudo, o acervo correspon-
de ao conjunto de produções da pessoa e daquelas que ela reúne durante sua vida,
isto é, fichas, pastas, separatas, livros, documentos, entre outros.
A constituição do acervo é essencial para a criação da autonomia de estu-
do, pesquisa e trabalho, constituindo o patrimônio intelectual de cada pessoa. O
princípio fundamental aqui, característico da cultura escrita, é o de que não pre-
cisamos saber tudo de cor, já que temos formas materiais de expansão de nossa
memória. Esta é uma das marcas mais importantes da tecnologia da escrita (e de
outras formas mais recentes de registro): a possibilidade de documentar e registrar
as ações, os pensamentos, as idéias e, assim, liberar a mente da necessidade de
decorar o que se aprendeu.
Um bom estudante tem sempre um bom acervo. E isso não é algo que valha
apenas para intelectuais e grandes especialistas, mas para todos nós.
Em síntese
Para estudar, não basta ser disciplinado e saber o que é resumo ou como se
faz um esquema. É preciso:
selecionar os recursos apropriados em função do tipo de texto, do assun-
to e da finalidade;
reconhecer as idéias centrais, assim como a tese e os argumentos que a
sustentam;
ter uma visão global do assunto ou do texto em estudo, e perceber as
partes que o constituem;
saber por que se faz desta ou daquela forma.
Por tudo isso, reafirmamos: estudar implica assumir uma atitude curiosa
e desafiadora, de quem pergunta, de quem busca respostas e quer interferir no
mundo em que vive.
107
Letramento no Brasil
3. Considerando os recursos apresentados, esboce algumas estratégias de como você poderia con-
tribuir para que seus alunos os incorporassem em suas práticas de estudo.
108
Ler e escrever para estudar
4. Reflita sobre seu acervo pessoal (todos temos um, mesmo sem uma biblioteca em casa).
a) Como ele se constituiu em sua história de vida.
b) Como está organizado (as coisas sempre têm alguma organização).
c) Avalie em que medida ele é suficiente para você, em sua vida pessoal e profissional, e de que
modo você pode incrementá-lo.
CASTELLO-PEREIRA, Leda Tessari. Leitura de Estudo: ler para aprender a estudar e estudar para
aprender a ler. Campinas: Alínea / ALB, 2003.
Este livro tratará do ensino e da aprendizagem da leitura de estudos. Ler para estudar ou para
trabalhar, numa sociedade em que o trabalho intelectual é cada vez mais importante, numa sociedade
em que as novas tecnologias exigem trabalhadores independentes e críticos, capazes de tomar deci-
sões e saber de seus direitos, é necessário para todos. A autora trata de forma clara e didática como se
dá a leitura de estudo, suas exigências e processos de aprendizagem.
109
Letramento no Brasil
110
Informação e
conhecimento
N
esta unidade, tratamos dos processos de produção e circulação da infor-
mação e do conhecimento na sociedade de cultura escrita e examinamos
a relação entre estas questões e as formas de letramento.
A norma moderna
Vivemos o tempo da vida registrada, da cidade desenhada no papel, da me-
mória eletrônica, da comunicação instantânea, da guerra televisiva, da indústria
do entretenimento. Tempo da TV por assinatura, da internet, da informação. No-
tícias cortam os ares numa velocidade impressionante, chegam a todas as partes
do mundo em questão de segundos. Multiplicam-se dados, fotos, opiniões. Os
progressos na informação permitiram que o acontecer do mundo fosse conheci-
do em toda a parte. O computador, conectado a outros computadores, a objetos
de uso pessoal, a máquinas e equipamentos ou ao sistema de telecomunicações
revolucionou as formas de trabalhar e de organizar a produção e está também
modificando o cotidiano da gente.
Mesmo que a pessoa não tenha contato direto com a tela do
computador, ele as acompanha em suas ações cotidianas em todos Como a
os momentos: nas compras em um supermercado, no uso de serviços informática
bancários, ao retirar um documento, ao ser filmado e vigiado nos es- participa da vida
paços públicos. A informática, que reproduz imagens da realidade e cotidiana do
estímulos sensoriais a distância em tempo real, vem revolucionando os cidadão comum?
modos da gente fazer as coisas e também as formas como a gente vê e
se relaciona com os fatos e acontecimentos da vida.
A globalização da economia e a reestruturação produtiva, responsáveis pelo
atual padrão de acumulação do capital, têm implicado um processo produtivo
dinâmico e em constante mudança, em função da incorporação da ciência e da
tecnologia em busca de competitividade. Estabeleceu-se uma nova mediação en-
tre homem e trabalho, que passa a ser exercida pelo conhecimento.
As mudanças ocorridas nas bases materiais provocam verdadeira revolução nas relações
sociais, estabelecendo uma nova cultura, cada vez mais perpassada por ciência e tecnolo-
gia, que por sua vez demanda também maiores aportes de conhecimento sócio-histórico
para fazer frente às contradições decorrentes do desenvolvimento capitalista. (...) Estas
mudanças passam a exigir realmente uma nova relação com o conhecimento para que se
possa viver em sociedade. (KUENZER, 2001, p. 137).
Constituindo a informação
Vejamos inicialmente o que é a informação. Ao contrário do que pensa o
senso comum, estimulado pelas agências de notícias, pela imprensa e outros meios
em que circulam informações, nenhuma informação é o fato ou o acontecimento
em si. A informação, objetivamente, é um produto cultural, um dizer alguma
coisa sobre o mundo que resulta de uma escolha dirigida e resultante de formas
antecipadas de perceber o real entre centenas, milhões de possibilidades. Por isso
mesmo, qualquer informação, seja uma notícia de um acontecimento, o relato de
um fato, a afirmação de um fenômeno da natureza ou de um comportamento hu-
mano, só faz sentido dentro de uma rede de outras informações e de um modelo
de mundo que a torne compreensível e coerente.
Para poder compreender esse processo é necessário perceber certas condi-
ções inerentes à produção da informação no mundo globalizado.
Real X imaginário
Quando recebemos uma informação, por um princípio que chamamos de
“condição de sinceridade”, supomos que ela corresponda a fração do mundo real,
isto é, que ela corresponda a algo que existe. Se assim não fizéssemos, a vida se
transformaria numa espécie de pandemônio, sem que tivéssemos a menor possibi-
lidades de nos localizarmos no tempo e no espaço.
No entanto, essa não é uma distinção simples por várias razões. Em primei-
ro lugar porque quem produz a informação, mesmo acreditando em sua veracida-
de, pode estar se fundamentando em pistas falsas, aparentes, criadas pela própria
cultura ou por uma impressão equivocada do que vê. Os marinheiros da época das
grandes navegações narravam que em suas viagens se deparavam com enormes
monstros marinhos; em tempos modernos há quem garanta ter se deparado com
naves alienígenas; já outros sustentam ter conhecido a morte e voltado à vida;
outros ainda afirmam que podem ler o futuro nas estrelas. E tudo isso se nos ma-
nifesta como realidade. Muitos filmes são produzidos com base em fatos reais, o
que sugere ao espectador que o que se narra é o que ocorreu – a realidade mesma.
Até mesmo a ciência, em seu postulados sobre o funcionamento da natureza se
sustenta na suposição de que o que sustenta é a realidade. O geógrafo brasileiro
Milton Santos, ao refletir sobre a sociedade globalizada, lembra que:
Sabemos certamente que dizer que “o acontecer mundial é conhecido” por todos é uma
fábula; ele só seria realmente conhecido se as televisões, as rádios e os jornais nos entre-
112
Informação e conhecimento
gassem a realidade como ela é, o que não acontece. A mídia não nos dá os fatos, apenas
notícias, que não são os fatos. (SANTOS, 1996, p. 28).
Mas não se trata de afirmar simplesmente que o real não existe ou é inaces-
sível, que a única possibilidade é a fábula, como se vivêssemos num mundo de
ilusões. Afinal, o conhecimento humano de sua própria condição e da natureza
em que se encontra e do mundo que produz só pode crescer a partir de hipóteses
explicativas do real. Como afirma o próprio Milton Santos, “os progressos da in-
formação – que é outro elemento fundamental de nosso tempo – permitiram que
o acontecer do mundo fosse conhecido em toda parte, o que antes não existia”.
(SANTOS, 1996, p. 28). Trata-se, isto sim, de reconhecer que a informação é sem-
pre um fato histórico e, em função disso, considerar as condições de verdade em
que ela é produzida e reconhecer seus limites e possibilidades.
Autoria X autonomia
Um terceiro aspecto muito importante a considerar na análise da produção
da informação é a autoria. Uma vez que nenhuma informação é o fato em si, mas
sempre um discurso sobre o real, toda afirmação que se faça, mesmo que bem
fundamentada, consistente e movida pelo princípio da sinceridade, é algo que
tem uma autoria, isto é, é a voz de alguém, seja enquanto pessoa individual, seja
enquanto um coletivo, seja ainda enquanto uma voz institucional.
A idéia de que uma afirmação é verdadeira em si resulta da concepção de
que a linguagem é o espelho do real, quando não o próprio real. Esta prática de
negar a autoria é comum nas ciências (cujas verdades independeriam de quem as
enuncia) e também no jornalismo (ainda que, nesse caso, de forma menos enfáti-
ca, a ponto de se assumir a autoria em situações de litígio ou questionamento da
informação) e até nas fofocas. Ao negar ou omitir a autoria, quem enuncia a infor-
113
Letramento no Brasil
Recepção e interpretação
Outro aspecto a considerar diz respeito não ao ato enunciativo da informa-
ção, mas à sua recepção, isto é, à forma como quem a recebe a insere em um qua-
dro de referências e, a partir daí, a interpreta. Se a pessoa não dominar o contexto
em que a informação se constituiu, não souber as circunstâncias que a produziram
ou os efeitos que tem seja na explicação de fatos da natureza seja nas relações
humanas, o resultado pode ser completamente diferente daquele que suponha que
a enunciou.
Assim, por exemplo, se alguém ler que 8% dos brasileiros não sabem ler e
escrever, desconsiderando a indicação de porcentagem (por desconhecimento ou
distração), o resultado de sua interpretação será muito diferente e, em hipótese ne-
nhuma fruto de uma subjetividade imanente, mas sim de uma forma de ver que se
produz na experiência cultural real. Além disso, num plano mais sofisticado, para
saber se tal quantidade de pessoas que não sabem ler e escrever é muita ou pouca,
é preciso ter uma noção histórica do que seja analfabetismo, de seu sentido, da
forma como é produzido e da importância que tem na vida moderna uma pessoa
saber ler e escrever. Do contrário, de nada valerá a informação.
Ao manipularem as informações, selecionado os fatos a serem noticiados ou
oferecendo versões comprometidas destes fatos, assim como reforçando a idéia de
que a notícia é o fato, de que a informação não tem autoria, entre outras coisas, as
agências controladoras dos meios de informação realimentam formas de recepção
e de interpretação que reforçam sua ideologia.
Limites éticos
José Miguel Wisnik, analisando o romance Ilusões Perdidas, de Balzac,
repercute a tese de que a imprensa, na produção da “notícia” trata de “tomar como
verdade tudo que é provável”, isto é, converter o real na estatística dos verossí-
meis possíveis, manobrando o grande poder que o jornal tem de fazer e desfa-
zer contextos (poder que faz do jornal um gênero confessional não confessado)”.
(WISNIK, 1992, p. 324). Esse raciocínio pode valer não apenas para a imprensa,
mas para grande parte da informação que se produz nas diferentes instâncias pro-
dutoras de conhecimento, ainda que se manifeste de forma mais exacerbada em
algumas delas.
A questão que se coloca, então, é: se tudo é “ficção”, ou, em nossa análise,
uma versão de um fato, produzida por um autor determinado e em que não se
pode assegurar sempre os limites entre o real e o imaginário, resta saber quais
são os limites éticos que garantem a legitimidade da ação e a possibilidade de nos
mantermos dentro do princípio da sinceridade?
114
Informação e conhecimento
115
Letramento no Brasil
116
Informação e conhecimento
117
Letramento no Brasil
Informação X conhecimento
O conhecimento não é a simples posse de informações nem pode ser medi-
do pela quantidade de informação disponível ou armazenada por algum sistema.
O conhecimento, individual ou social, é acima de tudo a possibilidade de dar um
sentido aos objetos e às afirmações sobre ele. Em outras palavras, o conhecimento
supõe a compreensão dos processos pelos quais as coisas se organizam dentro de
sistemas de valores e princípios.
Se é verdade que a quantidade de informação disponível, principalmente
em funções das telecomunicações é enorme e diversificada, não é verdade que por
causa disso as pessoas tenham imediatamente melhor compreensão do mundo em
que vivem. A informação por si só tem pouco valor e utilidade. A simples posse
de uma informação não significa aprendizagem nem maior capacidade de com-
preensão do mundo. Para que uma informação tenha sentido na vida de uma pes-
soa ou de uma comunidade, ela deve estar relacionada a um modo interpretativo.
O mundo moderno tem experimentado enorme avanço tecnológico, com
grande repercussão na área da comunicação. Nos últimos dois séculos, criaram-
se várias formas de divulgação e de produção de informação. Além do livro e
dos produtos da imprensa gráfica, surgiram o rádio, o cinema, a TV, a internet.
Multiplicou-se a quantidade de informação e, em certa medida, neutralizaram-se
diferenças. Houve modificações substanciais na prática científica, aumentando a
quantidade de verdade conhecida e a de objetos científicos.
O fato é que, apesar das enormes transformações sociais e da multiplicação
das formas de informação, a simples recepção de maior quantidade de informação
não significa maior maturidade ou compreensão da realidade.
O mito da informação, contudo, é muito forte e está acompanhado de uma
inflação informativa, em que se multiplicam notícias sem que elas tenham nenhu-
ma relação com a realidade, mais ainda se confundam com a ficção. Com base
nesta inflação informativa (confundida com disponibilidade de conhecimento),
há até quem defenda a redução da idade de inimputabilidade penal no Brasil de
18 para 16 anos. O raciocínio é o seguinte: o avanço tecnológico, da rapidez das
comunicações e da divulgação massiva de bens de consumo, que têm gerado alte-
rações cada vez mais rápidas no meio social, de modo que o indivíduo recebe hoje
uma quantidade de informação ¾ via rádio, jornal, revista e televisão ¾ como
jamais recebeu em tempo algum e, portanto, o jovem adolescente sabe e conhece,
hoje, muito mais do que aquele de 20 ou 30 anos atrás. Em vista disso, conclui-
se que o adolescente contemporâneo tem conhecimento de si e de seus direitos e
deveres de cidadão e capacidade de discernir o sentido e as conseqüências de seus
atos, estando em condições de responder judicialmente por suas ações.
118
Informação e conhecimento
Para que este raciocínio tivesse validade, seria preciso admitir que toda e
qualquer informação é expressão de verdade, sendo sempre neutra e relevante, e
que a incorporação da informação à representação de mundo das pessoas (isto é,
sua transformação em conhecimento) não sofresse nenhum tipo de
reelaboração. Será mesmo que os
É aí que está o erro do raciocínio de que os jovens de hoje, jovens de hoje têm mais
porque recebem mais informações, têm melhor discernimento ou conhecimento que os
conhecimento de mundo do que os jovens de outras épocas. Essa de outros tempos?
idéia só faria sentido se a gente não considerasse a fonte produtora
da informação (isto é, quem a produziu), o tipo de informação recebida (notícia,
opinião, ficção, enunciado científico, entre outros.), e a maneira como ela é rece-
bida pela pessoa.
Seguindo essa análise da realidade em que tudo se explica pela quantidade
de informação, torna-se impossível explicar por que são tão fortes certas crenças
e tão freqüentes comportamentos e hábitos reconhecidamente agressivos à condi-
ção humana. Em grande medida, tem ocorrido exatamente o contrário: o aumento
da quantidade de informação disponível tornou mais difícil construir uma visão
coerente da própria informação e articulá-la a uma forma de conhecimento efeti-
vo e produtivo da realidade.
Vejamos um exemplo bastante elucidativo.
119
Letramento no Brasil
Ademais, sem maiores compromissos, parece que quer viver uma grande
aventura, inspirado talvez nas que vê nas telas da TV e do cinema. Age como o
mocinho dos filmes, burlando a segurança do aeroporto e os sistemas de controle
de imigração.
Silva era um rapaz esperto e informado. Demonstrou ter bons conhecimen-
tos de geografia, sabendo que a Europa é uma região de economia rica e como
fazer para chegar lá. Tinha informações de como funciona um avião e que esta é a
maneira mais rápida e eficiente para viajar, ainda que provavelmente nunca tivesse
viajado antes. Aprendeu tudo isso na escola, e também através da mídia, ouvindo
notícias, assistindo filmes. Quem sabe tivesse especial predileção por filmes de
aventura com aviões, como aqueles em que existe ameaça de catástrofe no ar,
rombo na cabine, terroristas, entre outras coisas, mas que terminam bem no final,
com a ação salvadora do mocinho que pilota o aparelho pela primeira vez.
Silva ignorava, contudo, algumas informações básicas. Apesar de conhecer
bem um aeroporto e como funcionava o avião, não sabia que as temperaturas são
muita baixas e que o oxigênio é rarefeito na altitude do céu; tampouco sabia que
o trem de pouso de um avião não está preparado para comportar pessoas, diferen-
temente da cabine de passageiros. Afinal, ele provavelmente viu muitos mocinhos
de cinema fazerem esta proeza. Essa desinformação é a causa da morte do rapaz.
Como explicar que um garoto normal de 20 anos, vivendo numa grande
cidade, burle a segurança de um aeroporto e meta-se no trem de pouso de um
boeing para viajar para fora do país e morra congelado ou asfixiado por igno-
rância? Como admitir a idéia absurda de que qualquer pessoa que ouvisse rádio
diariamente saberia muito mais que Aristóteles, Galileu ou Goethe, já que a quan-
tidade de informação recebida por ela seria infinitamente maior que toda a infor-
mação disponível nas épocas em que viveram esses pensadores?
A idéia de que o avanço tecnológico nas comunicações e o gigantesco au-
mento na quantidade de informação disponível conduzem necessariamente a
que as pessoas tenham maior consciência de si e do mundo desconsidera que o
conhecimento resulta da articulação de uma infinita variedade de informações,
adquiridas na interação do sujeito com o mundo. E desconsidera também que
a informação está submetida a interesses políticos e ideológicos e às formas de
exercício de poder.
1. Debater em grupo:
a) Qual a importância da informação para a participação na vida social nos tempos de hoje?
b) O que vem a ser o “mito da informação”?
c) Qual a diferença entre informação e conhecimento?
d) Por que o controle da informação não é concentrado na mão de poucos grupos?
120
Informação e conhecimento
2. Enumere as formas de informação que você mais usa em sua vida, avaliando a importância de
cada uma delas.
3. Conte para os colegas um fato (curioso, divertido ou trágico) em que uma pessoa (você mesmo
ou alguém conhecido ou uma história que ouviu) viveu a experiência de ter confundido infor-
mações e as conseqüências desta confusão.
121
Letramento no Brasil
À televisão
José Paulo Paes
Teu boletim metereológico
me diz aqui e agora
se chove ou se faz sol.
Para que ir lá fora?
A comida suculenta
que pões à minha frente
como-a com os olhos.
Aposentei os dentes
Nos dramalhões que encenas
há tamanho poder
de vida que eu próprio
nem me canso em viver
Guerra, sexo, esporte
¯ me dás tudo, tudo.
Vou pregar minha porta:
já não preciso do mundo.
Considere o poema de José Paulo Paes. Ele faz uma “ode” à televisão, em que considera, desde
um certo ponto de vista, sua presença na vida contemporânea. Escreva um pequeno texto a partir da
leitura do poema em que você reflita sobre o papel da televisão na formação na informação das pes-
soas nos dias de hoje.
122
Pedagogia
da leitura e da escrita
A
presentam-se nesta aula os fundamentos de uma pedagogia para ensino
de leitura e de escrita centrada no reconhecimento da subjetividade, da
vida social e em como a escrita, sob diversas formas, participa de nossas
vidas.
Língua e subjetividade
Filósofos e pessoas comuns há milhares de anos, de muitas
formas, por várias civilizações, têm se indagado a respeito do que Que coisa é a língua
é a linguagem humana e em que medida nós somos o que somos que a gente fala?
porque falamos. O fato é que reconhecemos nas palavras nossa con- Que importância ela
dição de seres humanos, e sabemos, mesmo sem poder explicar, que tem na vida humana?
o mundo em que vivemos, além da materialidade física, é feito de
palavras e frases, é feito de voz e sentido.
Ocorrência
(Gullar, 2000)
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Informação e conhecimento
Também a voz é única e inimitável, mas talvez num outro modo diferente da pessoa:
poderiam, voz e pessoa, não se parecer. Ou então assemelhar-se de um modo secreto, que
não se vê à primeira vista: a voz poderia ser o equivalente daquilo que a pessoa tem de
mais oculto e verdadeiro. É um você próprio sem corpo que escuta aquela voz sem corpo?
Então você a escute de fato ou a relembre ou a imagine, não faz diferença.
Contudo, você quer que seja o seu próprio ouvido a perceber aquela voz, portanto o que
o atrai não é somente uma lembrança ou uma fantasia, mas a vibração de uma garganta
de carne. Uma voz significa isso: existe uma pessoa viva, garganta, tórax, sentimentos,
que pressiona no ar essa voz diferente de todas as outras vozes. Uma voz põe em jogo a
úvula, a saliva, a infância, a pátina da existência vivida, as intenções da mente, o prazer
de dar uma forma própria às ondas sonoras. O que o atrai é o prazer que esta voz põe na
existência – na existência como voz –, mas esse prazer o conduz a imaginar o modo como
a pessoa poderia ser diferente de qualquer outra tanto quanto é diferente a voz. (CALVI-
NO, 2001, p. 79).
O poema de Ferreira Gullar, a história dos índios shuar, assim como o texto
de Ítalo Calvino, trazem todo o peso simbólico que tem a palavra na vida humana.
O que importa e o que torna a pessoa boa ou má é o que ela diz, o que saí da sua
boca. Por isso, é preciso costurar a boca do guerreiro, mesmo que ele já esteja com
a cabeça fora do corpo e reduzida ao tamanho de um punho; é preciso costurar a
boca para que sua voz (que é a expressão de sua consciência e de sua existência)
não escape e, desta forma, ele continue vivo por meio dela. A voz é, simbolicamen-
te, aquilo que mantém a pessoa viva. A língua é a alma, a identidade de cada um.
Nas palavras de Kanavillil Rajagopalan:
A identidade de um indivíduo se constrói na língua e através dela. Isto significa que o indi-
víduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da linguagem. Além disso, a construção
da identidade de um indivíduo na língua e através dela depende do fato de a própria língua
em si ser uma atividade em evolução e vive-versa. (RAJAGOPALAN apud SIGNORINI,
1998, p. 41).
Assim, podemos afirmar que a língua não é externa às pessoas, não é ape-
nas ou fundamentalmente uma instituição social ou um meio de comunicação. A
sua forma e expressão de identidade, a manifestação mais evidente de sua subje-
tividade, constituída na história e na relação com os outros.
A leitura e a escrita
na base do conhecimento escolar
O ensino da leitura e da escrita na escola tende a considerar que esta é uma
atribuição exclusiva da disciplina de Língua Portuguesa, quando, de fato, deveria
ser considerada como uma questão central de todas as disciplinas. O conhecimen-
to escolar é um conhecimento escrito e a aprendizagem dos conteúdos específicos
não pode ocorrer independentemente, mas sim principalmente numa pedagogia
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Letramento no Brasil
Certo X errado
Mas sempre se poderia dizer que as coisas não são assim, que há muitas
expressões populares na língua, que de tempos em tempos vê-se a valorização do
popular, do coloquial, na linguagem, que escritores de todas as épocas normal-
mente buscam nas expressões populares muito de sua literatura e outras coisas.
Em outras palavras, haveria também um movimento ascendente na formação da
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Informação e conhecimento
língua nacional (tanto no escrito como no oral), isto é, ela absorveria muito da
maneira de falar de segmentos não-dominantes.
Há várias objeções que podem ser levantadas contra esse argumento:
trata-se de uma visão que valoriza basicamente elementos lexicais. A pa-
lavra, apesar de bastante saliente, não caracteriza por si só uma língua ou
dialeto; a questão central é a organização geral da variante em questão,
particularmente sua sintaxe e sua semântica;
como todo processo histórico, este que se descreve também é dinâmico e
o que se aponta é uma tendência dominante;
o popular, ao entrar para a norma culta, tende a se despopularizar, isto
é, passa a existir num novo universo de referências, às vezes bastante
distante do original;
além disso, não há interesse (salvo raras exceções) em excluir um seg-
mento social do domínio da língua, mas sim em restringi-lo em seu uso
e imputar-lhe um determinado paradigma de comportamento lingüístico,
que sequer precisa ser respeitado, bastando ser tomado como referência
de correção.
E aqui entramos na discussão do conceito de certo. Admitamos que uma
língua (qualquer que seja a concepção que se tome) caracteriza-se por umas tan-
tas regularidades e regras de uso. Dessa forma, falar certo seria seguir regras
definidas no interior de um grupo social como certas, a partir de um determinado
padrão. Em sociedades como a nossa, considera-se lingüisticamente certo (ou o
mais certo) falar de acordo com a variedade socialmente mais valorizada que, por
sua vez será aquela que mais se aproxima da escrita. Essa, então, praticamente
não admitiria variações, à exceção das de estilo.
Recorramos novamente a Gnerre:
As regras que governam a produção apropriada dos atos de linguagem levam em conta as
relações sociais entre o falante e o ouvinte. Todo ser humano tem que agir verbalmente de
acordo com tais regras, isto é, tem que “saber”: (a) quando pode falar e quando não pode,
(b) que tipo de conteúdos referenciais lhe são consentidos, (c) que tipo de variedade lingü-
ística é oportuno que seja usada. (...) [Entretanto], nem todos os integrantes de uma socie-
dade têm acesso a todas as variedades e muito menos a todos os conteúdos referenciais.
Somente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a
uma variedade “culta” ou “padrão”, considerada geralmente “a língua”, e associada tipi-
camente a conteúdos de prestígio. A língua padrão é um sistema comunicativo ao alcance
de uma parte reduzida de uma comunidade; é um sistema associado a um patrimônio
cultural apresentado como um “corpus” definido de valores, fixados na tradição escrita.
(GNERRE, 1985, p. 4).
A aprendizagem da leitura
e da escrita em função do uso
Uma mudança de perspectiva das ações de formação do estudante – isto é,
de uma pessoa que possa ler com autonomia em função de seus interesses e neces-
sidades – pressupõe a assunção de que o ensino da leitura é da responsabilidade
de toda a escola e que as práticas efetivas de leitura devem informar as atividades
de diversas matérias que compõem o cotidiano do aluno. Deve-se propor ao aluno
não apenas a informação, mas sua busca por meio do texto escrito (o que inclui o
uso de outros materiais, com o recurso de multimeios, informativa, entre outros.);
a própria atividade de organização do conhecimento deve ser escrita cabendo aos
professores de todas as disciplinas trabalharem com redação.
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Informação e conhecimento
Há que cuidar, contudo, para não pensar que a linguagem, porque só existe
em função da relação interlocutiva, seja, um fenômeno exclusivamente subjetivo;
ao contrário, nessa concepção de linguagem sua realidade é objetiva e constitui o
espaço social em que os sujeitos interagem:
Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre inter-
locutores, isto é, ela se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A signifi-
cação não está na palavra nem na alma do falante, assim como não está também na alma
do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do
material de um determinado complexo sonoro. (BAKHTIN, 1980, p. 132).
enfim aqueles que estejam, possam vir a estar, disponíveis aos estu-
dantes. As temáticas de tais textos, obedecendo aos interesses dos
“Por que quando
alunos, devem servir para que o professor ou professora possa, por
estuda qualquer meio deles, fazer avançar a formulação inicial como os alunos in-
assunto o estudante terpretam a realidade. Mas a origem do trabalho não precisa ser
também pode fazer um texto: uma história contada por uma criança pode determinar a
uma reflexão sobre a inclusão de uma temática para estudo e debate e gerar um ou mais
língua?” de um texto que permitam ao grupo reinterpretar a própria história,
acrescentando-lhe novos sentidos e produzindo novas indagações.
Nas atividades de leitura, o professor deve sempre considerar que ler supõe:
a participação em um evento de produção de sentido mediado pelo texto
escrito;
a intelecção do texto escrito (o que se pode fazer com o apoio de outro
leitor).
Além disso, no processo pedagógico é importante considerar duas possibi-
lidades complementares de leitura:
Leitura autônoma – aquela que se realizar com independência e fluência,
sendo o leitor capaz de solucionar os problemas que apareçam no proces-
so;
Leitura assistida – que é acompanhada por um leitor mais experiente (o
leitor-guia) que já conhece o texto a ser lido (por exemplo: o professor).
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Informação e conhecimento
2. Como podemos pensar numa proposta de educação transdisciplinar? Quais as dificuldades para
implementar uma proposta dessa natureza?
135
Letramento no Brasil
3. O que significa ensinar a partir do eixo uso-reflexão-uso e como isso pode ser implementado na
prática escolar?
4. Escreva um texto no qual você conte como foi seu aprendizado de leitura e de escrita, assina-
lando os aspectos positivos e negativos.
136
Informação e conhecimento
GERALDI, João Wanderley. O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 2004.
O livro traz uma coletânea de textos que, analisando de diferentes pontos de vista os usos e os
processos pedagógicos do ensino da leitura e da escrita, fundamentam uma proposta de educação
centrada nas práticas sociais da escrita e na afirmação da subjetividade dos estudantes e dos profes-
sores.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) Ensinar Gramática. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 1996.
O autor, considerando os conhecimentos atuais da lingüística, desenvolve um raciocínio de
como se aprende língua e gramática e porque o ensino convencional, centrado na exposição de regras
de uso e explicações congeladas da linguagem não são apropriados para o ensino crítico nem promo-
vem o desenvolvimento da capacidade de ler, escrever e usar a língua.
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Letramento no Brasil
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140
Referências
141
Anotações
Hino Nacional
Poema de Joaquim Osório Duque Estrada
Música de Francisco Manoel da Silva
Parte I Parte II
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido Brasil, de amor eterno seja símbolo
De amor e de esperança à terra desce, O lábaro que ostentas estrelado,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido, E diga o verde-louro dessa flâmula
A imagem do Cruzeiro resplandece. - “Paz no futuro e glória no passado.”
Dos filhos deste solo és mãe gentil, Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada, Pátria amada,
Brasil! Brasil!
Atualizado ortograficamente em conformidade com a Lei 5.765 de 1971, e com o artigo 3.º da Convenção Ortográfica
celebrada entre Brasil e Portugal em 29/12/1943.