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Resenha bibliográjtca
O conto "O Gato Preto" surge crito por Milton José Pinto, reto- verossimilhança que, centrada no
como adequado ao exercício estni- ma a problemática da teoria da sujeito empírico da narrativa, se
tural de Da Matta por sua proxi- interpretação semântica dos dis- estabelece na relação entre esse
midade com o mito: tematiza as cursos, à qual se vem dedicando, sujeito e o mundo empírico; é ela
relações entre os sexos e entre o "procurando mostrar que toda que fornece o contexto cultural
homem e os animais - proble- leitura estrutural, em qualquer para leitura, ao apontar para um
mas caros ao antropólogo - e se nível que se coloque, é sempre referente (real ou imaginário).
caracteriza por uma harmonia e uma interpretação hipotética a Essa estrutura denotativa, em si,
concisão semelhantes à do mito. partir de um con texto de refe- permitirá apenas uma leitura des-
Ele é ainda o tipo de narrativa rência, que não tem o caráter critiva que explicite o contexto.
"translingüística", isto é, que não ontológico de objetividade que Já a outra estrutura discursiva,
perde seu sentido quando tradu- lhe empresta, por exemplo, Clau- da ordem do mito, permite dar
zida (exatamente como o mito). de Lévi-Strauss" (L. F. Baeta Ne- conta da conotação, da ambigüi-
Pode-se objetar aqui que essa pro- ves, apresentador e organizador dade constitutiva da obra de arte.
ximidade com o mito, se facilita da coletânea). Partindo de uma Trata-se aqui do estabelecimento
o emprego do instrumental antro- análise da novela "A hora e a de um metacontexto, não mais si-
pológico e tem importante valor vez de Augusto Matraga", de Gui- tuado no sujeito empírico, mas
exploratório, não permite que se marães Rosa, o autor propõe-se num sujeito conceitual, que, dei-
possa avaliar em toda a sua ex- a mostrar como "determinadas xando de operar com oposições
tensão a aplicabilidade do método estruturas lógicas a priori (arma- locais, denotativamente identificá-
estrutural à literatura. O proble- dura) são preenchidas num con- veis, passa a atualizar oposições
ma fundamental da Poética - a texto cultural dado por determi- míticas, cosmológico-metaffsicas.
relação entre som e sentido, con- nados valores semânticos redun- O nível da conotação, ou da enun-
forme Jakobson - não aparece; dantes (código), gerando uma sé- ciação (e não mais do enunciado,
e nos remetemos, como exemplo, rie de mensagens articuladas entre como na primeira estrutura) não
aos poemas do próprio Poe. si e que se imbricam na lineari- pode ser objeto de uma descrição
A demonstração do autor ini- dade aparente do discurso" . Es- objetiva, ele exige uma interpre-
cia-se pela descrição dos poucos ses conceitos são origina/menta tação. Caberá ao analista articular
elementos presentes no conto de lévi-straussianos, mas M. J. Pinto dialeticamente as duas estruturas.
Poe; a seguir, estudam-se as com- divergirá, em sua interpretação, ~ esta a hipótese que Milton José
binações dentro desse repertório de Lévi-Strauss. Roland Barthes Pinto procura ilustrar através da
que permit~m a emergência das ( especi a Imente por sua reflexões análise da novela de Guimarães
mensagens. ~-nos apresentada a sobre o nível conotativo do dis- Rosa. Não nos arriscamos a ava-
máquina da narrativa numá pers·- curso) e o semanticista A. J. Grei- liar tal hipótese; seria melhor es-
pectiva sincrônica que dá igual- mas - responsável pela elabora- perar desenvolvimentos posterio-
mente conta das mudanças suces- ção de um método de análise se- res por parte do autor. De qual-
sivas na posição dos elementos . mântica fundado em Hjelmslev, quer modo, pareceu-nos levar a
Recortadas as dimensões organiza- Propp e, reinterpretado, Lévi- contradições acentuadas quanto às
doras do "Gato Preto", da Matta Strauss - são as referências prin- tendências dominantes na análise
analisa a posição dos personagens cipais do texto. Este termina com do discurso (Lévi-Strauss, Lacan
dentro dessas dimensões e as fi· uma tentativa de repensar a tipo- etc . ) ; e o endosso das posições
guras que ocupam o papel de me- logia dos discursos esboçada por teóricas da Nova Crítica francesa
diação entre ela~, permitindo sua Lévi-Strauss no Pensamento selva- pode significar uma regressão da
ligação. A partir daí, torna-se_ in- gem; a partir da identificação de análise literária a soluções pré-
132 te! igível b sentido do conto. Ape- dois níveis de leitura dos discur- estruturalistas. ·
sar de seu caráter de esboço, não sos ( denotativo e conotativo ), M. "Economia e sociedade em Bon-
é difícil conco rdar com Da Matta J. Pinto situa a literatura, especi- go-Bongo" é um interessante exer-
quando ele diz, na introdução a ficada segundo os gêneros li terá- cício antropológico ( anteriormen-
seu ensaio, que decidiu republicá- rios, no interior de um conjunto te publicado na revista Caderr'os
lo porque sua análise "permanece de discursos (mito, ciência, jogo, de Jornalismo e Comunicação ) de
de pé, quando comparada a certas rito) diferenciado internamente autoria de Luiz Felipe Baeta Ne-
tentativas de aplicação do método segundo a relação estabelecida por ves sobre um dos mais antigos e
estrutural (seja ele de Lévi- cada tipo de discurso entre os dois resistentes exemplares da cultura
Strauss, Propp ou Barthes) à aná- níveis de estruturação citados. de massa: a história em quadri-
lise em literatura". Gostaríamos Observe-se que a problemática do nhos Os sobrinhos do Capitão.
apenas de observar que a categoria "pensamento selvagem" e da bri- Trata-se de uma descrição etna-
bricolage pode ser substitufda com colage, presente no artigo de Da gráfica do universo da história (a
vantagem, no artigo de Da Matta, Matta, vai ser retomada aqui, em ilha de Bongo-Bongo, seus habi-
pelo conceito de inconsciente, fun- outras bases. tantes etc. ) , e de uma análise da
damental na obra de Lévi-Strauss O problema central de M. J. estrutura familiar que liga os per-
e mais explicativo que a primeira: Pinto consiste em distinguir duas sonagens centrais da série, com
Mais marcadamente teórico que estruturas no interior do discurso suas práticas econômicas, seus sis-
o primeiro, o segundo ensaio - narrativo: uma superificial, icôni- tema de poder e sua distribuição
Literatura: símbolo e mito - es- ca, dominada pelo princfpio da de papéis sociais. O autor, evi-