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@EmirSader
Prcparaçãode originais: OlavoA. Brito/CarmenT. S. da Costa
RevrMo.'AnaM. O. M Barbosa
Prdução grófìca; Kátia Halbe
D iagmmação: SolangeCausin
Íwntcs
Capa:AMF design

DadosInüemacionais de Catalogaçãona Publicação(CIp)


(CâmaraBrasileirado Livro, SP,Brasil)
Pós-neoüberalisrno: aspolíticassociaise o Estado
democnitico/organizadores Emir Sada, PabloGentili. Apresentação,7
Rio de Janeiro:Paze Terra,1995.
Váriosautores. I
Bibliografia. Balançodo neoliberalismo,9
l. Capitalismo2. Democracia3. O Es{ado Perry Anderson
4. Liberalisrno5. Políticasocial
I. Sader,Emir, l%3 Comentaristas:
II. Gentili,PabloA.A. Franciscode Oliveira. JoséPaulo Netto,Emir kder
95-l8zl4 cD>330.122 il
A crisee o futuro do capitalismo,39
GôranTherborn
Índicesparacatálogosistanático Comentaristas:
l. Neoliberalismo:
Economia 330.122 Pierre Salama.Luis Fernondes
m
A sociedade civil depoisdo dilúvio neoliberal,63
EDITORAPAZE TERRAS.A.
RuadoTriunfo,lT7 Atilio Borón
Ol2l2 - SãoPaúo - SP
Comentaristas:
Tel.:(0ll)223-6522
RuaDiasFeneiran."417 - Loja Parte Kiva Maidonik, JoseRicardoRamalho,Luiz A. Machado
22431-050- Rio de Janeiro-Rl
T c l : (0 2 1 )2 5 9 -8 9 4 6 IV
A tramado neoliberalismo
1996 Mercado,crisee exclusãosocial, 139
lmpnro no llruil I I'rinted in Brazil
fessor Emilio Taddei foi igualmente essencial para a edição dos I
textos desteliwo.
As traduções foram realizadaspelos professores Luis Fer-
nandese Emir Sader. BALANÇODO NEOLIBERALISMO
Emir Sader
março de 1995

Perrv Anderson

Comecemoscom as origens do que se pode definir do neoli-


beralismo como fenômeno distinto do simples liberalismo cliíssi-
co, do séculopassado.O neoliberalismonasceulogo depoisda II
Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte
onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política
veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu
texto de origem é O Caminho da Servìdão, de Friedrich Hayek,
escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra
qualquer limitação dos mecanismosde mercado por parte do Es-
tado, denunciadascomo uma ameaçaletal à liberdade, não somente
econômic4 mas tambémpolítica.O alvo imediatode Hayek, naque-
le momento, era o Partido Trabalhisüainglês, as vésperasda eleição
geral de 1945 nalnglaterr4 que este partido efetivamente venceria.
A mensagemde Flayek é dr.âstica:"Apesar de suasboas intenções,
a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre
que o nazismoalemão-uma servidãomoderna".
Três anosdepois,em1947,gnquantoas basesdo Estadode
bem-estar na Europa do pós-guena efetivamente se construíam,
não somente na Inglaterr4 mas também em outros países,neste
momento Hayek convocou aqueles que compartilhavam sua
orientação ideológica pÍra uma reunião na pequena estação de
Mont Pèlerin, na Súça. Entre os célebres participanúesestavam
não somenteadversáriosfirmes do Estado de bem-estareuropeu,
mas também inimigos ferreos do New Deal norte-americano.Na
seleta assistênciaencontravam-seMilton Friedman, Karl Popper,
não podiam deixar de terminar numa crise generalizada das eco-
Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lip-
nomias de mercado. O remédio, então, era claro: manter um Esta-
man, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Aí
do forte, sim, em sua capacidadede romper o poder dos sindica-
se fundou a Sociedadede Mont Pèlerin, uma espécie de franco-
tos e no controle do diúeiro, mÍìs paÍco em todos os gastos
maçonaria neoliberal, altamentededicadae organrzaÃ4com reu-
sociais e nas intervençõeseconômicas.A estabilidademonelária
niões internacionaisa cadadois anos. Seu propósito era combater
deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria
o keynesianismoe o solidarismo reinantese preparar as basesde
necessária uma disciplina orçamentari4 com a contenção dos
um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regruÌspara o futuro.
gastos com bem-estar,e a restauraçãoda taxa "natural" de de-
As condições para este trabalho não eram de todo favoúveis,
semprego,ou seja, a ciaçãa de um exército de reserva de traba-
umavez que o capitalismo avançadoeslava entrandonuma longa
lho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram
fase de auge sem precedentes-sua idade de ouro -, apresentando
imprescindiveis, para incentivar os agenteseconômicos. Em ou-
o crescimentomais nípido da histori4 durante as décadasde 50 e
tras palavras,isso significava reduçõesde impostos sobre os ren-
60. Por esta razão, não pareciam muito verossimeis os avisos
dimentos mais altos e sobre as rendas.Desta form4 uma nova e
neoliberais dos perigos que representavamqualquer regulaçãodo
saudáveldesigualdadeiria voltar a dinamizar as economiasavarì-
mercado por parte do Estado. A polêmica contra a regulação so-
cial, no entanto, tem uma repercussãoum pouco maior. Hayek e çadas,então às voltas com uma estagflação,resultado direto dos
legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a inter-
seus companheiros argumentavam que o novo igualitarismo
venção anticíclica e a redistribuição social, as quais haüam tão
(muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo
desastrosamentedeformado o curso normal da acumulação e do
Estado de bem-estar,destruía a liberdade dos cidadãose a vitali-
livre mercado. O crescimento retomaria quando a estabilidade
dade da concorrência,da qual dependiaa prosperidadede todos.
monelária e os incentivos essenciaishouvessemsido restituídos.
Desafiando o consensooficial da época, eles argumentavaÍnque
A hegemonia deste progrÍìma não se realizou do dia para a
a desigualdadeeruÌum valor positivo - na realidadeimprescindível
noite. kvou mais ou menos uma década,os aÍlos 70, quando a
em si -, pois dissoprecisavam as sociedadesocidentais.Estamen-
maioria dos governos da oCDE - OrganizaçãoEuropéia paÍa o
sagempelmaÍreceuna teoria por mais ou menos20 anos.
Comércio e Desenvolvimento - tratava de aplicar remédios key-
A chegadada grande crise do modelo econômico do pos-
nesianos às crises econômicas. Mas, ao final da décadq em
guera, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançadocaiu
1979, surgiu a oporhrnidade.Na Inglaterra, foi eleito o governo
numa longa e profunda recessão,combinando, pela primeiravez,
Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado
baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou
publicamente empenhadoem pôr em prática o programa neolibe-
tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaÍrìma ganhar terreno.
ral. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos
As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros,esta-
Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal
vam localizadasno poder excessivoe nefasto dos sindicatos e, de
de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarc4 Esta-
maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído
do modelo do bem-estarescandinavo,caiu sob o controle de uma
as basesde acumulaçãocapitalista com suaspressõesreivindica-
coalizãaclara de direita, o govemo de Schluter.Em seguida,qua-
tivas sobre os salários e com sua pressãoparasitaria para que o
se todos os paisesdo norte da Europa ocidental, com exceçãoda
Estado aumentassecaÃavez mais os gastossociais.
Suécia e da Austri4 também viraram à direita. A partir dai, a
Essesdois processosdestruíramos níveis necessáriosde lu-
onda de dírei1jzaçãodessesanos tinha um fundo político para
cros das empresase desencadearamprocessosinflacionários que
além da crise econômica do período. Em 1978, a segundagueÍïa
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lt
disfarçado,decisivo para uma recuperaçãodas economiascapita-
fria eclodiu com a intervenção soviética no Afeganistão e a deci-
listas da Europa ocidental e da América do Norte, não foi imita-
são norte-americanade incrementaruma nova geração de fogue-
do. Somenteos EstadosUnidos, por causade seu peso na econo-
tes nucleares na Europa ocidental. O ideário do neoliberalismo
mia mundial, podiam dar-se ao luxo do déficit massivo na
havia sempreincluído, como componentecentral, o anticomunis-
balança de pagamentosque resultou de tal política.
mo mais intransigente de todas as correntes capitalistas do pós-
No continente europeu, os governos de direita desteperío-
guera. O novo combate contra o império do mal - a servidão
do -amiúde com firndo catolico -praticaram em geral um neoli-
humana mais completa aos olhos de t{ayek - inevitavelmente
beralismo mais cauteloso e matizado que as potências anglo-sa-
fortaleceu o poder de atraçãodo neoliberalismo político, consoli-
xônicas, mantendo a ênfase na disciplina orçamentária e nÍN
dando o predomínio da nova direita na Europa e na América do
reformas fiscais, mais do que em cortes brutais de gastos sociais
Norte. Os anos 80 viram o triunfo mais ou menos incontrastado
ou enfircntamentosdeliberadoscom os sindicatos.Contudo, a dis-
da ideologia neoliberal nestaregião do capitalismo avançado.
târcia entre estaspolíticas e as da social-democraciagovernante
O que frzerarn,na prática, os governos neoliberais destepe-
anterior já era grande. E, enquanto a maioria dos paísesno norte
ríodo? O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais
da Europa elegia govemos de direita empeúados em várias ver-
puro. Os governos Thatcher contraíram a emissãomonetária, ele-
sões do neoliberalismo, no sul do continente - território de De
vaÍzlm as taxas de juros, baixaram drasücamenteos impostos so-
Gaulle, Franco, Salazar, Fanfani, Papadopoulos,etc. -, previa-
bre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos fi-
mente uma região muito mais conservadorapoliticamente, chega-
nanceiros, criaram níveis de desempregomassivos, aplastaram
vam ao poder, pela primeira vez, govemos de esquerd4 chama-
greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram
dos de euro-socialistas: Miterrand, na França; Gonzalez, na
gastos sociais. E, finalmente - estiafoi uma medida surpreendente-
Espanha; Soares, em Portugal; Craxi, na Iuilia; Papandreou,na
mente taldia -, se lançaram num amplo progmma de pnvanzaqão,
Grécia. Todos se apresentavamcomo uma altemativa progressis-
começando por habitação pública e passandoem seguida a indús-
ta" baseadaem movimentos operários ou populares,contrastando
trias basicascomo o aço, a eletricidade, o peüóleo, o gás e a ágaa.
com a liúa reacionária dos governos de Reagan,Thatcher, Khol
Essepacotede medidasé o mais sistremático e ambiciosode todasas
e outros do norte da Europa. Não há dúvida, com efeito, de que
experiênciasneoliberais em paísesde capitalismo avançado.
pelo menos Miterrand e Papandreou,na França e na Grécia, ge-
A variante norte-americanaera bem distinta. Nos Estados
nuinamente se esforçaram para realizanuma política de deflação
Unidos, onde quase não existia um Estado de bem-estar do tipo
e redistribuição, de pleno emprego e de proteção social. Foi uma
europeu, a prioridade neoliberal era mais a competição militar
tentativa de criar um equivalente no sul da Europa do que haüa
com a União Soviétic4 concebidacomo uma estategia paÍa que-
sido a socialdemocracia do pós-guerrano norte do continente em
brar a economia soviética e, por esta via" demrbar o regime co-
seusanos de ouro. Mas o projeto fracassou,e já em 1982 e 1983
munista na Rússia. Deve-se ressaltar que, na política intema,
o governo socialista na França se viu forçado pelos mercados
Reagantambem reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou
financeiros internacionais a mudar seu curso dramaticamente e
as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestâo.
reorientar-se para fazer uma política muito próxima à ortodoxia
Mas, decididamente,não respeitou a disciplina orçamentiíria; ao
neoliberal, com prioridade paÍa a estabilidademonetári4 a con-
contrário, lançou-senuma conida armamentistasem precedentes,
tenção do orçamento,concessõesfiscais aos detentoresde capital
envolvendo gasüosmilitares enorÍnes,que criaram um déficit pú-
e úandono do pleno emprego. No final da década" o nível de
blico muito maior do que qualquer outro presidente da historia
desempregona França socialistaera mais alto do que na Inglater-
norte-americana.Mas esso recurso a um keynesianismo militar

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T2
ftr conservadora,como Tharcher se gabava amiúde de assinalar. vel. No conjunto dos paísesda ocDE, ataxa de inflação caiu de
Na Espanh4 o governo de González jamais tratou de realizar 8,8olopara 5,2Yo, entre os Íulos 70 e 80, e a tendência de queda
uma política keynesianaou redistributiva. Ao contrário, desde o continua nos anos 90. A deflação, por sua vez, deveria ser a con-
início o regime do partido no poder se mostrou firmemente mo- dição para a recuperaçãodos lucros. Tbmbém nesse sentido o
netarisla em sua política econômica: grande amigo do capital fi- neoliberalismo obteve êxitos reais. Se, nos anos 70, a taxa de
nanceiro, favorável ao princípio de privatizaçâo e sereno quando lucro das indústrias nos paísesda OCDEcaiu em cerca de 4,2yo,
o desempregona Espanharapidamentealcançou o recorde euro- nos anos 80 aumentou 4,7%o.Essa recuperaçãofoi ainda mais
peu de 20Yodapopulação ativa. impressionantena Europa Ocidental como um todo, de 5.4 pon-
Enquanto isso, no outro lado do mundo, na Austrália e na tos negativos para 5.3 pontos positivos. A razãa principal dessa
Nova Zelândia, o mesmo padrão assumiuproporções verdadeira- transformaçãofoi, sem dúvid4 a derrota do movimento sindical,
ment€ dramaticas. Sucessivosgovemos trabalhistas ultrapassa- expressadona queda drástica do número de greves durante os
rzìm os conservadoreslocais de direita com progftÌmas de neoli- anos 80 e numa notável contençãodos salários.Essa nova postu-
beralismo radical - na Nova Zelândi4 provavelmente o exemplo ra sindical, muito mais moderad4 por sua vez, em grande parte
mais extremo de todo o mundo capitalista avançado,desmontan- era produto de um terceiro êxito do neoliberalismo, ou sej4 o
do o Estado de bem-estarmuito mais completa e ferozrnente do crescimentodas taxas de desemprego,concebidocomo um meca-
que Thatcher na Inglaterra. nismo natural e neçessáriode qualquer economia de mercado efi-
O que demonstravam estas experiências era a hegemonia ciente. A taxa média de desempregonos países da oCDE, que
alcançadapelo neoliberalismo como ideologia. No início, somen- havia ficado em tomo de 4Tonos anos 70, pelo menos duplicou
te govemos expliciamente de direita radical se atreveram a pôr na década de 80. Thmbém esüefoi um resultado satisfatório. Fi-
em prática políticas neoliberais; depois, qualquer govemo, inclu- nalmente, o grÌìu de desigualdade- outro objetivo sumamente
sive os que se autoproclaÍnavÍrme se acreditavam de esquerd4 importante para o neoliberalismo - aumentou significativamente
podia rivalizaÍ com elesem zelo neoliberal.O neoliberalismoha- no conjunto dos países da OCDE:a tributação dos salários mais
via começado tomando a social-democracia como sua inimiga altos caiu 20Yo em media nos anos 80, e os valores das bolsas
central, em paísesde capitalismo avançado,provocando uma hos- aumentaramquatro vezesmais rapidamentedo que os saliirios.
tilidade recíproca por parte da social-democracia.Depois, os go- Então, em todos estes itens, deflação, lucros, empregos e
vemos social-democratasse mostraram os mais resolutos em salários, podemos dizer que o programa neoliberal se mostrou rea-
aplicar políticas neoliberais. Nem todas as social-democracias, lista e obteve êxito. Mas, no final das contas, todas estas medidas
bem entendido.Ao fural dos anos 80, a Suéciae a Áustria ainda haüam sido concebidascomo meios pa:a alcançarum fim histórico,
resistiam à onda neoliberal da Europa. E, fora do continente euro- ou sej4 a reanimaçãodo capitalismo avançadomundial, restaurando
peu, o Japão também continuava isento de qualquer pressão ou taxas altas de crescimentoesláveis,como existiam antesda crise dos
tentaçãoneoliberal. Mas, nos demaispaísesda ocDE, as idéias da anos 70. Nesse aspecto,no entanúo,o quadro se mostrou absoluta-
Sociedadede Mont Pèlerin haviam triunfado plenamente.Poder- mente decepcionante.Entre os anos 70 e 80 não houve nenhuma
se-ia perguntar qual a avaliação efetiva da hegemonia neoliberal mudança - neúuma - na taxa de crescimento,múto baixa nos paí-
no mundo capitalista avançado,pelo menos durante os anos 80. ses da ocDE. Dos riÍnos apresentadosdurante o longo arge, nos
Cumpriu suÍìs promess:rsou não? Vejamos o panorama de con- anos 50 e 60, reshm somenteuma lembrançadistante.
junto. A prioridade mais imediata do neoliberalismo era deter a
Qual seria a razãa deste resultado paradoxal? Sem neúu-
grande inflação dos anos 70. Nesse aspecto,seu êúto foi inegá- ma dúvida, o fato de que - apesar de todas as novas condições

t4 l5
institucionais criadas em favor do capital -a tara de acumulação, desempregados, aproximadamente duas vezes a população total
ou seja, da efetiva inversão em um paÍque de equipamentospro- da Escandinávia.Nestas condiçõesde crise muito aguda, pela ló-
dutivos, não apenasnão cresceu durante os anos 80, como caiu gíc4 era de se esperar uma forte reaçãa contra o neoliberalismo
em relação a seusníveis - já médios - dos anos 70. No conjunto nos anos 90. Isso aconteceu?Ao contrário, por estranhoque paÍe-
dos paísede capitalismo avançado,as cifras são de um incremen- ça, o neoliberalismo ganhou um segundoalento, pelo menos em
to anual de 5,5Yonos anos 60, de 3,60lonos anos 70, e nada mais suaterra natal, a Europa. Não somenteo thatcherismo sobreviveu
,do que 2,9%onosanos 80. Uma curva absolutamentedescendente. à propria Thatcher, com a vitoria de Major nas eleições de 1992
Cabe perguntar por que a recuperação dos lucros não levou na Inglaterra. Na Suécia"a social-democracia,que havia resistido
a uma recuperaçãodos investimentos. Essencialmente,pode-se ao avanço neoliberal nos anos 80, foi derrotada por uma frente
dizer, porque a desregulamentaçãofinanceira, que foi um ele- unida de direita em 1991. O socialismo francês saiu bastantedes-
mento tÍio importante do programa neoliberal, criou condições gastadodas eleiçõesde 1993.Na Itali4 Berlusconi - uma espécie
múto mais propícias para a inversão especúativa do que produti- de Reaganitaliano - chegou ao poder à frente de uma coalizão na
va. Durante os anos 80 aconteceuuma verdadeira explosão dos qual um dos integrantes era um partido oficialmente facista até
mercados de câmbio intemacionais, cujas transações,puramente recentemente.Na Alemanha, o govemo de Kohl provavelmente
monefárias, acabarampor diminuir o comércio mundial de mer- continuará no poder.Na Espanh4 a direita estáas pottas do poder.
cadorias reais. O peso de operaçõespuramente parasiüíriasteve Mas, para alem dessesêxitos eleitorais, o projeto neoliberal
um incremento vertiginoso nestes anos. Por outro lado - e este continua a demonstrar uma vitalidade impressionante.Seu dina-
foi, digamos, o fracassodo neoliberalismo -, o peso do Estado de mismo não esá ainda esgotado,como se pode ver na nova onda
bem-estarnão diminuiu muito, apesarde todas as medidas toma- de privaüzações em países ate recentemente bastante resistentes a
das para conter os gastos sociais. Embora o crescimento da pro- elas, como Alemanha, Áustria e ltrilia. A hegemonianeoliberal se
porção do produto bruto nacional conzumida pelo Estado tenha expressa igualmente no comportamento de partidos e govemos
sido notavelmente desacelerado,a proporção absoluta não caiu, que formalmente se definem como seus opositores. A primeira
mas aumentou, de mais ou menos 46Yopara 48Yodo PNBmédio prioridade do presidenteClinton, nos EstadosUnidos, foi reduzir
dos países da ocDE durante os anos 80. Duas razões básicas ex- o déficit orçamentario,e a segundafoi adotar uma legislação dra-
plicam este paradoxo: o aumento dos gastos sociais com o de- coniana e regressiva contra a delinqüênci4 lema principal tam-
semprego, que custâram bilhões ao Estado, e o aumento demo- bém da nova liderança trabalhista na Inglaterra. O temário políti-
gráfico dos aposentadosna população, que levou o Estado a co segue sendo ditado pelos parâmetros do neoliberalismo,
gastaroutros bilhões em pensões. mesmo quando seu momento de atuação econômica parece am-
Por fim, ironicamente, quando o capitalismo avançado en- plamente estéril ou desastroso.Como explicar essesegundoalen-
trou de novo numa profunda recessão,em 1991, a dívida pública to no mundo capitalista avançado? Uma de suas razões funda-
de quasetodos os paísesocidentais começou a reassumir dimen- mentais foi claramentea vitória do neoliberalismo em outra área
sões alarmantes, inclusive na Inglaterra e nos Estados Unidos, do mundo, ou sej4 a queda do comunismo na Europa oriental e
enquanto que o endividamento privado das famílias e das empre- na União Soüética, de 89 a 91, exatamenteno momento em que
sas chegavaa níveis sem precedentesdesdea II Guerra Mundial. os limites do neoliberalismo no proprio Ocidente tomavam-se
Atualmente, com a recessãodos primeiros anos da décadade 90, caÃavez mais óbvios. Pois a vitória do Ocidente na guerra friE
todos os índices econômicostornaram-semuito sombrios nos paí- com o colapso de seu adversário comunista"não foi o triunfo de
ses da ocDE, onde, presentemente,há cerca de 38 milhões de qualquer capitalismo,mas o do tipo específicoliderado e simboli-

16 T7
zadopor Reagane Thatchernosanos80. Os novosarquitetosdas empresÍN,o crescimentode capital comrpto e apolanzação social
economiaspós-comunistas no Leste,gentecomo Balceroviczna seguem, um pouco menos rapidamente, porém com o mesmo
Polônia Gaidarna Rússia,Klaus,na RepúblicaTchec4 emm e rumo. A analogia com o euro-socialismo do sul da Europa é eü-
são seguidoresconvictosde lIayek e Friedman,eom um menos- dente. Em ambos os casoshá uma variante mansa - pelo menos
prezototal pelo keynesianismo e pelo Estadode bem-estar,pela no discurso, senãosemprenas ações- de um paradigma neolibe-
economiamista e, em geral, por todo o modelo dominantedo ral comum na direita e na esquerdaoficial. O dinamismo conti-
capitalismoocidentaldo períodopós-guerra. Estasliderançaspo- nuado do neoliberalismo como força ideológica em escala mun-
líticas preconizam e realizarnprivatizações muito mais amplase dial esta sustentado em grande parte, hoje, por este "efeito de
nípidasdo que haúam sido feitas no Ocidente.ParasaneaÍsuas demonstração" do mundo pós-soüético. Os neoliberais podem
economias,aceitamquedasde produçãoinfinitamentemaisdras- gúar-se de estar à frente de uma transformação socio-econômica
gigantesc4 que vai perdurar por décadas.
ticasdo quehaviamsidoaceitasno Ocidente.E promovemgraus
de desigualdade - sobretudode empobrecimento da maior parte O impacto do triunfo neoliberal no leste europeu tardou a
da população- muito mais brutais do que tínhamos visto nos ser sentido em outras partes do globo, particularmente, pode-se
paísesdo Ocidente. dizer, aqui na América Latin4 que hoje em dia se converte na
Não ha neoliberaismaisintransigentes no mundodo queos terceira grande cena de experimentaçõesneoliberais.De fato, ain-
"reformadores"do Leste.Dois anosatrás,VaclavKlaus,primei- da que em seu conjunto tenha chegado a hora das privatizações
ro-ministroda RepúblicaTchec4 atacoupublicamenteo presi- massivas,depois dos paísesda ocop e daantigaUnião Soviétic4
dentedo FederalReserveBank dos EstadosUnidosno governo genealogicamente este continente foi testemunha da primeira ex-
Reagan,Allan Greenspan,acusando-ode demonstrardebilidadee periência neoliberal sistemática do mundo. Refiro-me, bem en-
frouxidão lamentáveisem suapolitica monetária.Em artigo para tendido, ao Chile sob a ditadura de Pinochet. Aquele regime tem
a revistaTheEconomlsÍ,Klausfoi incisivo: "O sistemasocialda a honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo neoliberal da
Europa ocidentalestá demasiadamente amarradopor regras e história contemporânea.O Chile de Pinochet começou seuspro-
pelo controlesocialexcessivo.O Estadode bem-estar, com todas gÍamas de maneira dura: desregulação,desempregomassivo, re-
:rs suÍrstransferênciasde pagamentosgenerososdesligadosde pressãosindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, pri-
critérios, de esforçosou de méritos, desüói a moralidadebásica vatizaçãa de bens públicos. Tudo isso foi começado no Chile,
do trabalhoe o sentidode responsabilidade indiüdual. Há exces- quÍìseum decênio antes de Thatcher,na Inglaterra. No Chile, na-
siva proteçãoe burocracia.Deve-sedizer que a revoluçãothat- turalmente, a inspiração teórica da experiência pinochetista era
cherian4ou sej4 anti-keynesiana ou liberal,parou- numaava- mais norte-americana do que austríaca. Friedman, e não Flayek,
liaçãa positiva - no meio do caminho na Europa ocidental e é como era de se esperar nas Américas, Mas é de se notar que a
precisocompletá-Ia".Bem entendido,essetipo de extremismo experiência chilena dos anos 70 interessou muitíssimo a certos
neoliberal,por influentequesejanospaísespós-comunistas, tarn- conselheiros britânicos importantes para Thatcher, e que sempre
bémdesencadeou umareaçãopopular,comosepôdever nasulti- existiram excelentesrelações entre os dois regimes nos anos 80.
maseleiçõesna Polônia,na Hungriae na Lituânia,ondepartidos O neoliberalismo chileno, bem entendido,pressupunhaa abolição
ex-comunistasganharame agol':ÌgoveÍnamde novo seuspaíses. da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras
Mas, na pnitica, suaspolíticasno govemonão sedistinguemmú- militares do pós-guerra.Ìvlas a democraciaem si mesma - como
to daquelade seusadversários declaradamente neoliberais.A de- explicava incansavelmenteHayek - jamais havia sido um valor
flação,a desmontagem de serviçospúblicos,as pnvaÍizaçõesde central do neoliberalismo. A liberdade e a democraci4 explicava

l8 t9
Hayek, poüam facilmente tornar-se incompaúveis, se a maioria
mori, aliás, prometeram exatamenteo oposto das políticas radi-
democráticadecidisseinterferir com os direitos incondicionais de
calmente antipopulistasque implementaram nos anos 90. E Sali-
cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua proprie-
nas, notoriamente, não foi sequer eleito, mas roubou as eleições
dade como quisesse.Nesse sentido, Friedman e Flayek podiam
com fraudes.
olhar com admiração a experiênciachilena, sem neúuma incon-
Das quatro experiênciasviáveis desta década,podemos di-
sistênciaintelectual ou compromisso de seusprincípios. Mas esta
zer que três registraram êxitos impressionantesa curto prazn -
admiração foi realmente merecid4 dado que - à diferença das
México, Argentina e Peru - e uma fracassou:Venezuela.A dife-
economias de capitalismo avançado sob os regimes neoliberais
rença é significativa. A condição política da deflação,da desregu-
dos anos 80 - a economia chilena cresceu a um ritno bastante
lamentação, do desemprego, da pivattz-ação das economias me-
rapido sob o regime de Pinochet, como segue fazendo com a con-
xican4 argentina e peruana foi uma concentração de poder
tinuidade da política econômica dos govemos pós-Pinochet dos
executivo formidável: algo que sempre existiu no México, um
últimos anos.
regime de partido único, com efeito, mas Menem e Fujimori tive-
Se o Chile, nesse sentido, foi a experiência-piloto para o
ram de inovar na Argentina e no Peru com uma legislação de
novo neoliberalismo dos paísesavançadosdo Ocidente, a Améri-
emergênci4 autogolpese reforma da Constituição. Esta dose de
caLatinatambém proveu a experiência-pilotopara o neoliberalis-
autoritarismo político não foi factível na Venezuel4 com sua de-
mo do Oriente pós-soviético. Aqui me refiro, bem entendido, à
mocracia partidária mais contínua e sólida do que em qualquer
Bolívia, onde, em 1985, Jeffiey Sachsjá aperfeiçoou seu trata-
outro país da América do Sú, o único a escapar de ditaduras
mento de choque, mais tarde aplicado na Polônia e na Rússi4
militares e de regimes oligiárquicosdesde os anos 50. Daí o co-
mas preparado originariamente para o governo do general Ban-
lapso da segundapresidênciade Carlos Andres.
zer, depois aplicado imperturbavelmente por Victor Paz Estensso-
Mas seria arriscado concluir que soment€ regimes autorita-
ro, quando surpreendentementeeste último foi eleito presidente,
rios podem impor com êxito políticas neoliberais na América La-
em vez de Banzer.Na Bolívi4 no fundo da experiêncianão havia
tina. A Bolívia, onde todos os govemos eleitos depois de 1985,
necessidadede quebrar um movimento operário poderoso, como
tanto de Paz Zamor4 quanto de Sanchez Losada, continuaram
no Chile, mas parar a hiperinflação. E o regime que adotou o
com a mesma liú4 esta aípara comprovaÍ o oposto. A lição que
plano de Sachsnão era nenhuma ditadura, mÍ$ o herdeiro do par-
fica da longa experiênciaboliüana é esta:há um equivalentefun-
tido populista que haüa feito a revolução social de 1952. Em
cional ao trauma da ditadura militar como mecanismo para indu-
outras palavras,a América Latina também iniciou a variante neo-
zir democrática e não coercitivamente um povo a açeitar políticas
liberal "progressista", mais tarde difundida no sul da Europ4 nos
neoliberais das mais drasticas.Este equivalentee a hiperinflação.
anos de euro-socialismo.Mas o Chile e a Bolívia eram experiên-
Suas conseqüênciassão muito parecidas. Recordo-me de uma
cias isoladasaté o final dos anos 80.
conversaque üve no Rio de Janeiro,em 1987, quando era consú-
A virada continental em direção ao neoliberalismo não co-
tor de uma equipe do Banco Mundial e fazìauma análise compa-
meçou antesda presidênciade Salinas,no Méúco, em 88, segui-
rativa de cerca de 24 países do Sul, no que tocava a políticas
da da chegadaao poder de Menem, na Argentin4 em 89, da se-
econômicas.Um amigo neoliberal da equipe, sumamenteinteli-
gunda presidência de Carlos Andrés Perez, no mbsmo ano, na
gente, economista destacado,grande admirador da experiência
Venezuel4 e da eleição de Fujimori, no Peru, em 90. Nenhum
chilena sob o regime de Pinochet, confiou-me que o problema
dessesgovemantes confessouao povo, antes de ser eleito, o que
crítico no Brasil durante a presidência de Samey não era uma
efetivamente fez depois de eleito. Menem, Carlos Andres e Fuji-
tar<ade inflação demasiadoalta - como a maioria dos funcioná-

20 2I
única área onde seus frutos parecem, podemos dizer assim, ma-
rios do Banco Mundial tolamente acreditava -, mas uma taxa de
duros. Economicamente,o neoliberalismo fracassou,não conse-
inflação demasiado baixa. "Esperemos que os diques se rom-
guindo nenhuma revitalizaçãa basica do capitalismo avançado.
pam", ele disse, "precisamos de uma hiperinflação aqui, para
Socialmente,ao contrá,rio,o neoliberalismo conseguiumuitos dos
condicionar o povo a aceitar a medicina deflaciciniáriadrasüca
seusobjetivos, criando sociedadesmarcadamentemais desiguais,
que faltaneste país". Depois, como sabemos,ahiperinflação che-
embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologica-
gou ao Brasil, e as conseqüênciasprometem ou ameaçÍun- como
mente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o
se queira - confirmar a sagacidadedesteneoliberal indiano. qual seus fundadores provavelmentejamais sonharam, dissemi-
A perguntaque estáabera é se o neoliberalismo encontrani nando a simples idéia de que não lrií altemativas para os seus
mais ou menos resistênciaà implementação duradoura dos seus principios, que todos, seja confessandoou negando,têm de adap-
projetos aqui na América Latina do que na Europa ocidental ou taÍ-se a suasnonnas. Provavelmentenenhuma sabedoriaconven-
na antiga União Soviética. Seria o populismo - ou obreirismo - cional consegúu um predomínio tão abrangentedesdeo início do
latino-americano um obstriculo mais facil ou mais dificil para a século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-sehegemo-
realizaçãodos planos neoliberais do que a social-democraciare- nia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoasnão acreditem
formista ou o comunismo? Não vou entrar nesta questão, utna em suasreceitase resistam a seusregimes. A tarefa de seus opo-
vez que outros aqui podemjulgar melhor do que eu. Sem dúvid4 sitores e a de oferecer outras receitas e preparar outros regimes.
a resposta vai depender também do destino do neoliberalismo Apenas não há como prever quando ou onde vão surgir. Histori-
fora da América Latina" onde continua avançandoem terras aÍé caÍnente,o momento de virada de uma onda é uma surpresa.
agora intocadas por sua influência. Atualmente, na Ási4 por
exemplo, a economia da Índia começa,pela primeira vez, a ser
adaptadaao paradigma liberal, e ate mesmo o Japão não esüi to-
talmente imune às pressõesnorte-americanaspara abolir regras.
A região do capitalismo mundial que apresentamais êxitos nos
últimos 20 anos é também a menos neoliberal, ou sej4 as econo-
mias do extremo oriente - lapão, Coréi4 Formos4 Cingapur4
Malasia. Por quanto tempo estespaísespermanecerãofora da es-
fera de influência do neoliberalismo?Tudo que podemos dizer é
que este é um movimento ideológico, em escalaverdadeiramente
mundial, como o capitalismojamais haüa produzido no passado.
Trata-se de um colpo de doutrina coerente,autoconsciente,mili-
tante,.lucidamente decidido a fransformar todo o mundo à sua
imagem, em sìrÍrambição estrutural e sua ext€nsãointemacional.
Eis aí algo muito mais parecido ao movimento comunista de ontem
do que ao liberalismo eclético e distendido do secúo passado.
Nesse sentido, qualquer balanço atual do neoliberalismo só
pode ser provisório. Este é um movimento ainda inacabado.Por
enquanto,porém, é possível dar um veredicto ÍÌcercade sua atua-
ção durante quase 15 anos nos países mais ricos do mundo, a
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22
de dilapidaçãodo Estadobrasileiro,queprosseguiusemintemrp-
çõesno mandato"democrático" de JoséSamey.
Essadilapidaçãopropiciouo climaparaquea ideologianeoli-
N eoliberali smo à brasil eira beral,en6o já avassaladora nos paísesdesenvolüdos,encontrasse
terrenofertil para uma pregaçãoanti-social.Aqoi no Brasil, não
apenaspelosreclamosantiestatais (naverdadeanti-sociais)dagran-
Francisco de Oliveira de burguesi4massobretudopelosreclamosdo povão,paÍao qual o
arremedode socialdemocraciaou do Estadode bem-estar,ainda
quede cúeça parabaixo,tinhafrlhado completamente.
A eleiçãode Collor deu-senesseclima,no terÍenofértil ondea
dilapidaçãodo Esado pÍeparouo terrenopaÍa um desespero popu-
lar, quevia no Estadodesperdiçadoq queCollor simbolizoucom os
marqjás,o bodeexpiaÍorioda má dishibuiçãode renda"da sihração
Meus comentáriosà conferência do professor Perr}'Ander- depredada da saride,da educaçãoe de todasaspolíticassociais.Foi
son vão consistir nurta petite histoire do neoliberalismo brasilei- essevoto de desespero queelegeuo BismarckdasAlagoas.
ro, procuÍÍürdo ensejar comparaçõesno maÍco de sua exposição Então,surgiuo neoliberalismoà brasileira.SempreavaÊa-
e, se ele assentir, buscando uma réplica que, por sua vez, comente lhado e avacalhador:em vez da austeridadebritânica- um tanto
o neoüberalismo à brasileira. Entendo que, na qualidade de estran- desmentid4hoje, pelos escândalosda monarqú4 hélasl - a
geiro e convidado, talvez ele não rceite aprovocação, conhecendo- Casada Dinda, uma farsagrotesca,florestasamazônicasem ple-
se a elegânciada discrição britânica. no cerrado.Mas esseneoliberalismosemprefoi mal estudadoen-
Temos o cosfume de avacalhar nossÍrspróprias experiências, tre nós, semprefoi atenuadopor noss:tprópria ironia e capacida-
posto que há sempre,em cada um de nós, essecomplexo de infe- de de nãolevara sérioo quedeveserlevadomuito a sério.
rioridade que nos foi injetado por um trabalho ideológico de lon- Paradoxalmente,entretanto,durante a última décad4 que
ga duração.Por isso, como somos tentados a rir antes que a refletir, chamamosa-"décadaperdida",a sociedadeciül no Brasil mos-
o neoliberalismo brasileiro é avacalhado,tratado ironicamente, com trou uma extraordináriavitalidade.Estouusando"sociedadeci-
o que diminuímos sua dosede letalidade. vil" no sentidogramsciano,que exclui o mercado;Ao contário
Durante a ditadura, os dirigentes da economia eram todos do pessimismode uma teoriapolíticaeconomicista,que associa
"liberais", entre aspasporque o liberal brasileiro tem semprepor quedana tara de crescimentoeconômicaa apatia e estadosde
tnís de si um rancoroso autoritiârio. Isso vai longe na hisória na- anomi4 à desorganização social enfim, a sociedademostrouuma
cional, pois, como nos mostrou Rober0o Schwarz em sua inter- extraordináriacapacidade de responderao ataqueneoliberal,or-
pretaçãoda obra de Machado de Assis, o lugar ideal era o escra- ganizando-se. Não nos esqueçamos de que nestadecadaforam
vismo, enquantoo irreal, isto é, a retoric4 era liberal. constmídasas três grandescentraisde trabalhadores, com dife-
Hoje, podemosler, uma vez por seman4 naFolhn de S. Paulo, rençÍìsprogramáticas e ideológicas,semdúüda, masnum movi-
o mago do "milagre brasileiro", ex-Santo Antonio Delfim de Ver- mento totalmente contrário aquilo que o pessimismoindicava
sailles, freqüentementeinvectivando as posições oficiais, criücando como sendoo roteiro da derrotada sociedade.
aadoração do bezerro de ouro do mercado, marcaüpicado neolibe- O impeachment de Collor, que a muitospareceuepidérmi-
ralismo. Mas a verdade e que foi a ditadura que começou o processo co, indicou esteestadode avançodasorganizaçõesda sociedade

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civil, ao qual se segúu a CPI dos anões; enfim, não seria múto
dificil encontrar exemplos de formas mediante as quais, na contra- Em primeiro lugar, para falar de forma utopica, ele ataca as
mão do movimento descencionalda economi4 houve setorese hou- basesda esperançaque se construiu nos anos mais duros. O que
ve lugares onde a organizaçãoda sociedadeestavadando respostasà não é uma coisa de menor importância. Ataca essevigoroso mo-
desorganizaçãoe à dilapidação do Estado. Sem que com isto possa- vimento populaÍ, que se reergueu e obrigou o govemo a rever
mos afirmar, num Ílssomo de ingenúdade, que as condi$es de vida políticas. Metamorfoseia essemovimento de esperançanum mo-
estiavamigualmente melhorando. Mas a sociedade,através de suas vimento derrotista. Destrói o princípio de esperançae abre as
organizaçõesmais potentes, conseguiu dar respostase barrar, pelo comportas pafiÌ uma onda conservadora de que o Brasil não tem
menos, o avanço neoliberal, que com Collor haúa tomado nitida- memória. Os sintomasdo conservadorismosocial estãoaí e pode-
mente a ofensiv4 prometendoseu augee apogeupara muito breve. mos pinçá-los em alguns exemplos.
Hoje, entretanto,a situaçãoé gravementediversa. De novo, Em segundolugar, o medo da mudança. O medo da refor-
a função pedagógicaperversada hiperinflação foi administrada a ma. O medo da experimentaçãa.Hâ pesquisasem São Paulo que
conta-gotas durante a primeira parte do govemo Itamar, precisa- dizem que o povão pede que não se toque nos salários,posto que
mente para produzir o terreno fértil no qual se joga a semente se acredita - depois de quasevinte anos de altíssima inflação -
neoliberal e ela progride. Acompanhamosas peripéciasdo gover- que os salários, seusaumentos,são a causada inflação. O "xeri-
no Itamar ate a possedo senadorFernandoHenrique Cardoso no fe" Romeu Tuma já empatou com José Serra na disputa pelo Se-
Ministério da Fazend4 preparando a [lRV, forma pedagógica de nado em São Paulo. Apesar de todo o esforço de Serraparapare-
incutir a desesperançanas formas econômicas,sociais e políticas cer neoliberal, Tüma está dando um banho no deputado paulista.
que estavam sendo constmídas, que lutaram contra o projeto neo- Isto é um sinal de conservadorismo,de corrida para a seguranç4
liberal, para uma nova invesüda neoliberal. Em excelente artigo mandandopara o Senadoo policial mais coúecido do país.
em O Estado de S. Paulo,Wanderley Guilherme dos Santosmos- Na entrevista que o presidenteda General Motors do Brasil
trou como o neoliberalismo, nessascondições de desespero,com deu recentemente, ao tratar da localízasãa da nova fabrica da em-
taxas de inflação que chegarama 50Yoàs vésperasdo Plano Real, pres4 explicitamente ele mandou o recado: a fábrica não será em
torna-seo equivalenteàtirania. São Paulo, nem em São Caetano,tampouco em São Bemardo e
O receituiírio do Plano pode ser recoúecido, quase ponúo múto menos em São José dos Campos. Ela iní pafir uma cidade
por ponto, em todas as característicaslistadas exaustivamente do interior de Minas, porque lá não tem sindicaÍo. A arogância
pelo professor Perry Anderson. Sua letalidade entre nós tem duas da grande burguesia num encontro justamente chamado Decola
poderosasfacetas: a primeira é a mais evidente, pois, enquanto a Brasil, para apoiar a candidaturade FernandoHenrique Cardoso,
economia se recupera,o social piora. Tal como nos paísesdesen- mostrou-se por inteiro: ali correram "fichas" de inscrição no pT
volvidos, tal como nos "laboratórios" do rigor neoliberal: Bolí- em que candidatos a entrarem neste partido assim se qualifica-
via, a ex-URSS,por exemplo. vÍÌm: gay, homossexual,negro, nordestino,bich4 analfabeto,dro-
Isso é fiícil de reconhecer.Imediatamenteos indicadoresapon- gado, maconheiro, caÍador de lixo, etc. Escancaradamente,a fi-
tam para a dura realidadede um cotidiano em que o Estado brasilei- cha ideológica que resulta dessas"qualidades" não é a dos que
ro não tem mais nenhuma capacidade de regular nem o jogo do simuladamenteentravam no Pf, m:ìs a da própria burguesiabrasi-
bicho, nem as brigas de galo, nem os creditos do BNDES.Entretanto, leira: seu atrasocultural, seupreconceiü0,seu ódio ao povo.
a letalidade maior do neoliberalismo entre nós vai noutra direção, A intervençãodo ministro Ciro Gomes, impedindo o acordo
atacapor outro lado. Ele é mutante,tal como o vírus da Aids. que as montadoras de automóveis realizavam com os sindicatos
da categoria, foi bem interprefada pela imprensa: a materia de
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27
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hoje no Jornal do Brasil, daquido Rio, lembrao quê?Exatamen-


te algo que o professorPerryAndersoncoúece de sobrae pode
explicar:lembraa quedade-braçoentreo governoThatchere o
sindicatodosmineirosingleses.Duranteum anoo sindicatosus- Repensandoo balanço do neoliberalismo
tentou,milagrosamente, uma greveduríssim4e a "dama de fer-
ro" aproveitouas condiçõesparajogara populaçãocontrao sin-
dicato, e em seguidaprocedeuà privaüzaqãodas minas de José Paulo Netto
carvão.A intervençãode Ciro Gomesvai na mesmadireção:o
recadoé paraasmontadoras endurecerem o jogo com os sindica-
tos,queo govemobancaráa aposta.
Os objeüvossãoos mesmos,lí e câ. Trata-sede destruira
capacidadede luta e de organizaçãoque uma parteimportantedo
sindicalismobrasileiromostrou.É esteo programaneoliberalem
suamaior letalidade:a destruicãoda esperança e a destruiçãodas Querocomeçartambémcomo o professorFranciscode Oli-
veir4 observandoque a intervençãodo professorPerry Ander-
organizacões sindicais,popularese de movimentossociaisque
son,enquantobalançoglobaldo neoliberalismo, me paÍeceimpe-
tiverama capacidade de dar uma respostaà ideologianeoliberal
no Brasil. cável e não creio que haja qualqueroutro elementosubstantivoa
Eu achoque,semexagerar,o que esláemjogo aqui nestas acrescentar a ela.
eleiçõesse fl4granos códigosdos candidatos, nassiglaspartidá- No entanto,supoúo que sejaútil, tanto para eventralmente
rias; o que estáemjogo é a tiranianeoliberal,cujasconseqüên- ouürmos mais sobrea posiçãodo professorAndersonquantopara
cias sociaisjá veremos;mas,principalmente,seurisco maior e o estimularo debaÍe,enfatiz,aro que ele expÍessouno fecho de sua
de legitimaruma enoÍïneondaconservadora. A aurade progres- conferênci4a saber:atarcfa dos opositoresdo neoliberalismonão
sistascom que umapartedos intelecfuaissevestiano Brasil,que consisteapenasem criticá-lo,mas,sobrefudo,em ofereceraltemati-
já os incomodav4pode,agor4 serjogadafora. Aqui, paraexpli- vas a ele.Julgoquehá umaunanimidadeemtomo destepontoe me
=õïeria
-
car a dessolidar:zaiaodessesintelectuaispara com as causÍtspo- a dizerque,nestames4todospensamos destemodo.
pularesnão senecessita maisqueo materialismovulgar:elestêm Confudo,se o "x" da questãoestáem ofereceraltemativas
quatro caÍïos na garagem.A candidaturado senadorFemando positivasao neoliberalismo, parece-meabsolutamente fundamen-
HenriqueCardosolegiümoua direitizagão dessaintelectualidade. tal uma análisecuidadosados êxitosda ofensivaneoliberale da
Essaperdanãoé semimportârciaparaos movimentospopulares, suacausalidade. Se,no plano dasconstatações, no plano do ba-
num país com as desigualdades que o Brasil tem. Pois não há lançodo neoliberalismo em escalaplanetária- tal comoele apa-
verdadeiramudançasocialsempensamento progressista. r€ce na excelenteexposiçãodo professor-, estamostodos de
Eu não queria pÍìssÍu a impressãode um "Apocalypse acordo,pensoque é precisoir mais longe: é precisoesclarecer
Now". Mas quejá sentimoso cheiroou a catingade enxofreno por que a propostaneoliberal,nos seusvários matizes,tem en-
ar, ú!, bastater olfato. cpnÌradolegitimaçãopor via democrática.Semestaclarificação,
nãoseráviável desenvolver altemativasa ela.
Estou inteiramentede acordo com a opinião do professor
Anderson,exaradana segundaparteda suaintervenção,de acor-

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do com a qual o colapsodo "socialismoreal", do "modelo sovie-
Eltlo". Pcnso, ao contrário, que o capitalismo nunca esteve tão
tico", foi extremamente importante para um revigoramento da
ttryurizado quanto ahralmente,com uma insuspeiada capacidade
ofensiva neoliberal. Entretanto,penso que será preciso pesqúsar
dg ;o rcfuncionaliz-are de responderrapidamentea novas deman-
com bastantecuidado (e creio que estetipo de investigaçãoainda
rlnr, 'l'udo indica que esteprocessode reconversãodo capitalismo
peÍïnanecenum estado embrionário) as causasconcretas que le-
ont oscala planetária é um componente firlcral para a análise da
vÍìrÌun à derrocada do movimento operario tradicional e da luta
vulrrorabilidadede instituições que foram decisivas na constitui-
sindical, especificamentena Europa ocidental. Não creio que esta
gâo c na manutençãodo chamadoEstadode bem-estarsocial.
últimatenha com aqueleuma relaçãodircta e simétrica.
Em meu juízo, estasquestõessão preliminares às possibili-
Entendo que, neste último fenômeno, incidam mudanças
darlcs de oferecer alternativaspositivas ao neoliberalismo - se-
culturaissignificativas- a "dessindicalização"a que hoje assis-
n|rl ao preço de descairmosem devaneiosutopicos. Em síntese:o
timos não respondc apenasa um processoestritamenteeconômi-
princiro passopara encontrar altemativas que beneficiem a mas-
co. O afluxo, ao mercado de trabalho, de um novo tipo de traba-
ro dos trabalhadoresconsistenuma anárlisesuficiente do que con-
lhador condicionou substancialmentea perda de força e vigor do
duziu ao êxito da ofensiva neoliberal.
movimento sindical tradicional. Tâis mudanças culturais têm
Aspecto significativo da intervenção do professor Ander-
muito a ver com mudançasrelevantesna estrutura de classe dos
ton, no balanço global que faz do neoliberalismo, é a afirmação
paíseseuro-ocidentaise mesmo dos EstadosUnidos da América.
do scu fracasso econômico, ou sej4 as políticas neoliberais não
Quero soment€sinalizar, aqú, que desdeos Íutos sessenta(recor-
foram capazesde reanimar a dinâmica do capitalismo. O profes-
de-seo emblemaparisiensede maio de 68 e s ms outrasexpressões,
|or Anderson aponta que aquelespaíses onde o nível do desen-
seja no movimento operário italiano, seja nos campi universitií-
volvimento econômico tem-se mantido são os menos neoliberais.
rios americanos) ocorreram mudançasponderáveisno perfil das
Ora, esta não é uma questãoadjetiva; antes, eu diria que se trata
camadastrabalhadoras do capitalismo avançado, que repercuti-
questãocentral. Dela deriva o seguinteproblema: ate que
ram efetivamentena estruturade classes. ,do uma
passagem
Sem um cuidadoso trabatho analitico sobre as mudanças lponto as propostasneoliberais podem continuar tendo
ocorridas e as em processohoje toma-se muito dificil explicar, f politicamente democútica, na medida em que deterioram a vida
I da massada população?
por exemplo, a vulnerabilidade de um movimento operário que
Penso que há um limite para esta legitimação democrática;
desdeo pré-guerra fez conquistasnoülveis (bastalembrar a Fren-
lqui, não há uma elasticidadead infnitum - vale üzer a legiti-
te Popular francesada segundametade dos anos trinta) por isto,
eu diria que cabe pesquisaras mudançasculturais que lulnerabi- nQçâo democráticado neoliberalismopossui fronteiras. Quanto a
irto, gostaria de ouvir algo mais do professor Anderson, pois tive
lizaram estemovimento,vinculando-seà pesquisado que se pro-
I impressão (que pode ser um equívoco de miúa parte) de que
cessouna estruhrrade classesdos paísescapitalistas.
ole prevê uma longa vida para a ofensiva neoliberal.
Elemento central para captar a profundiclade e a magnitude
Neste aspecto,no que me toca, eu seria mais cauteloso: di-
dessasmodifica@s em nivel planetárioé questionaras novas for-
mas de organizaçfu do capital. Nesta mesa há participantesmais ria que há claros sinais (alguns deles tangenciadosna intervenção
do próprio professorAnderson) que sugeremque a ofensiva neo-
compeúentesdo que eu para tema!,zar esüaquestão axial, mas não
libcral, embora seja uma empreitadade largo curso historico, vai
quero me esqúvar a mencionaro que me pareceum grave equívo-
dcfrontar-se,p rogressiviìmente,com obstáculoscrescentes.
co, que tem encontradograndeaudiêncianos meios intelechrais,es-
Não posso deter-me, aqú, na analise desses obstáculos.
pecialmenteacadêmicos:as tesesacercado "capitalismo desorgani-
Mas assinalaria,em primeiro lugar, que há limites objetivos no

30
3l
que poderíamosdesignarcomo "cE)acidadede tolerância" das tüoobida pelasmassascomomerarnente adjetivae, portanto,re-
massasà degradaçãodas suascondiçõesde vida. Depois,há ou- fir'to ò imantação de movimentos significativosde defesade
tro dado,postomesmopelo professorAnderson:o êxito,alcança- pdËos de convivênciademocútica.Assim,concordando com a
do pelaspolíticasneoliberais,em incrementaÍ,no plano social, ldóh dc quea hiperinflaçãoconstituium caldode-culnrraquefa-
umacrescente desigualdade. Ora"estadesigualdade nãovem des- ïottcc o avançoneoliberal,acrescentariaque a instauraçãode-
pida de uma cortede seqüelas. Ao contrário:ela emergecom - ilocútica da última década,na medidaem quenão sereverteu-
eu me atreveriaa diznr - coroliíriosquaseinevitáveis,uma série f' quantoa isto, a situaçãodo Brasil me pÍrece ilustrativa-
de traçosideológico-culürraisque eu não hesitariaem qualificar, fËüvamcnteem melhoriadascondiçõesde vida da massada po-
mesmogrosseiramente, de cloacada cultura contemporânea: a !ìrbçAo, engendrouum desalento,ulna desqualificação, uma de-
xenofobi4 os particularismos, Íìs hostilidadesétnicas.Não é por lftpcrança tais, em face da açãopolíticae dos espaçospúblicos,
acasoque a emersãoe a vigênciada ofensivaneoliberalcoinci- lü0 acabampor serfuncionaisàspropostasneoliberais.
dem com aqúlo que mútos de nósjulgávamossuperadona cul- Há algumtempo,nãomuito, quandoparticipavade debates
tura ocidental.Paradizer de forma sintetica:a ofensivaneoliberal tomo o quetravaÍemosaqui, assaltava-me a sensação de que es-
tem sido, no plano social,simétricaà barbarizaçãoda vida socie- lvr a ler ao contrárioa aberturado Manifestodo Partido Comu-
tária. Pensoque há um limite, pelos padrõesciülizacionaisjá llrta -ou sej4 eu tiúa a impressãode queo fantasmaquebatia
alcançados,paÍa a instauraçãodessabarbríriena vida cotidianade I porb erao do capitalismo.Quaseno meio da décadade noven-
grandesmassÍts(especialmente grandesagregados urbanos). rf parecequenão setraÍamaisde fantasma:o capitalismo,revi-
Nestesentido,mesmosemsugerirquea ofensivaneoliberal dá a impressãode estarmaisvivo do
pelo neoliberalismo,
estejacom seusdias contados,eu diria que ela se defrontacom iuo nut cu. Nem por isto, porém,eu pensoque a partidaesteja
tamanhastensõese contradições,choca-setão frontalmentecom Itcerrada. Recuso-mea crer - e atenção:não por um ato de fe
cerüosvaloresculturaishoje incorporados por grandesmassasde 0u por principismo,maspelaconücçãoteóricae práüc4 fundada
cidadãos,queme parecepoucoprovávelqueteúa uma largaü- no que sabemosacercada históriados homens-, recuso-tlleâ
gênciahistórica. orcr que estequadrode aparente"fim da história", dessahege-
Gostariatambem de aduzir uma observaçãolateral afr:Íca lhonianeoliberalsejaalgo definitivamente duradouro.Esúoucon-
dascondiçõesfavorecedorasde propostasneoliberaisem contex- wncido -teórica e praticamente - de quehá tendênciasobjeü-
tos como o da AméricaLatina. Com múta argúci4 o professor vasquepõemem xequea possibilidade de um grandefuturo para
Andersonaponüouque uma conjunfurahiperinflacioúria fomece o neoliberalismo.
o caldo-de-culturaadequadoparao avançoneoliberale, quantoa Finalmente,uma observaçãosobreo Brasil. A observação
isto, o exemploboliviano,citadopor ele, é eloqüente.penso,to- |crá breveporquesubscrevoo que o professorFranciscode Oli-
davia,queum outro elementosignificativopodeestarpresente,e ycira disseac,eÍcada nossaconjunfura.Queroapenasacrescentar
creio que é a dgs99ne9ryêaludidapelo professorFranciscode que há algo queme parecepeculiarno processoeleitoralem cur-
oliveira. Não"íõisea deiesperança é, exatamente,umaresultante rc que o distinguedas plataformascom que os neoliberaisse
da ação neoliberal - talvez seja -, mas, certamente,ela é um lpÍesentamm,por exemplo,na Europa.I;á, os neoliberaisexplici-
componentefavorecedorda programiiticaneoliberal.É-o na exata taram,nas suascampanhas,exatamenteo que fariam - a Mege-
medidaem que,no ConeSul, como a derrotadasditadurasbur- ra de Ferro,a sftt. Tharcher,apresentouÍtos seuseleitores,com
guesasnão implicou, pa^na além da liberdadepolíticq a efetiva clareza,o que implementariano govemo.Não é isto a que esta-
melhoriadosníveisde üda da população,a democraciapodeser mos assistindo- aqui,há um nítido elementode mistificação:o

32 JJ
"príncipe dos sociólogos brasileiros" prega e anuncia mudanças
político-constitucionais (incidindo na tributação, no sistema pre-
videnciário, etc.), mas não esclareceminimamente o efetivo con-
teúdo dessasmudanças.Nós sabemosem que elas consistirão -
bastaverificar o üpo de apoio que este candidato vem recebendo
A hegemonianeoliberal na
para ter clarcz-aacercada direção em que as operará. De fato, há América Latina
aqui um claro elemento de mistificação e cinismo - e denunciá- Emir Sader
lo é denunciar a forma como a grande burguesiafaz política entre
nós: quando não joga no golpe, quandojoga na legitimação polí-
tica por via eleitoral, fá-lo atravésda mistificação e do cinismo.
Para terminar, quero também assinalara minha concordân-
cia com a observaçãodo professor Francisco de Oliveir4 quando
constata que boa parte dos intelectuais está aproveiAndo-se da
conjuntura para "tirar da testa o estigma de esquerdae do pro- O neoliberalismo na AméricaLatina- comona Europa-
gressismo". Isto me parece absolutamenteverdadeiro; entre nós,
é filho da crisefiscal do Estado.Seusurgimentoestádelimitado
mais do que nunca, a traição dos intelectuais - para recorrer a pelo esgotamento do Estadode bem-estarsocial- ondeele che-
uma velha frase - revela-sepatente. A todo instante, vemos fi- gou a se configurar - e, principalmente,da industrializaçãa
guras desdizendo hoje o que afirmavam ontem, e certaÍnente as ao estiloda cEPAL.A "crise da dívi-
substitutivade importações,
veremos desdizer amanhã as suÍts verdadesde agora. O que me
da" apenasacentrouostraçosdessacrisede direçãodo processode
assombr4 porém, não é este inzuspeitadocamaleonismo; o que
acumulação decapital,desdobrada aolongoda "décadaperdida".
me assombraé o fato de não constatar,entre os intelectuais, ne-
Cadapaísretomouumaversãodo neoliberalismo, conforme
nhum sentimento de indignação ou repulsa diante desseenorme
processo de capitulação. Em nome da tolerânci4 ele é tomado as herançasdeixadaspelos modeloshegemônicosanteriores.O
Brasil,o paísque saiuna frentena readequação de suaeconomia
como um dado, e qualquer questionamentoé acoimado de ..pa-
quandoo processode industrializaçãa começavaa dar sinaisde
trulhamento". Penso que é úsolutamente necesúrio, no plano
das idéias, distinguir entre tolenânciae complacência.Esta última cansaço,com o golpe militar de 1964e suapolíticade choquee
foi sempreum útil aliado das ditaduras,fardadasou não. dereconversão econômic4pôdebeneficiar-se dessaviradaprecoce.
Assim, a economiabrasileirareadequou-se, retomou um
alto nível de crescimento e pôde responderde maneira muito
mais rágilà passagem do capitalismomundial a seu longo ciclo
de caráfierrecessivoa partir dos anos70. A ditaduramilitar não
secaracterizou - comosesabe- por políticaseconômicas libe-
rais, ao contrário,incentivandofortemente,no entanto, a acumu-
laçãoprivada,nacionale estrangeira"apoiadanum capitalismode
Estadoa serviçodessessetoresdo mercado.
A criseda dívidanão poupouo Brasil,porquea continúda-
de de seucrescimento,ao longo dosanos70 e 80, se deu à base
de empréstimos extemosa juros flutrantes,assimcomo a enco-

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mendasdo Estado.A bombade tempo teria de explodir,como
dorcquilíbriossociais,com taxasaltasde desemprego, as clivagens
efeüvamente ocorreu.Ao longo dosanosg0, a economiabrasileira
Fciais aprofundadas, as instabilidadesprovenientesda amplaaber-
viveu processosde acomodamento, com a imposiçãoda hegemonia
do capital financeiro,que finalmentedesembocou üra aomercadointemacionalforamrefletindoessenovoperíodo.
no neoliberalis- políti-
mo, iniciadono final dadécad4aindano governoSamey. A partir dessemomento,as debilidadeseconômicas,
case ideológicasda esquerdae do movimento popular pÍìssaram
Um neoliberalismoque não podia contarcom as solu$es de
força - comoo chileno,com pinochet- e aindatiúa de enfren- I contaÍ mais do que a força própria do neoliberalismopara a
tar-secom uma forte burguesiaindustriatprotegidapelo Estadoe prpetuaçãoda hegemoniadeste.Claro é o cÍlso do combateà
com um movimentosociale político de esquerdacom capacidade lúação. Comoclassicamente o temaantiinflacionáriopertenceu
de resistênciasuperiorao dosoutrospaísesdaregifu.Daí a particu- I direita,que tratou de atacá-locom amargosremédiosrecessi-
yos,com suasseqüelas de desemprego, arrochosalarial,a esquer-
laridadedaversãobrasileiradoneoliberalisno,seucarátermati"ado.
da minimizou a questão. Mesmo quando, consolidadaa hegemo-
Ao contrário do Chile e da Argentin4 onde a derrota da
esquerdae do movimentopopularestavamaispróxim4 semtem- nia do capitalfinanceiro,ao longoda décadade 80,as sociedades
rfehdas por processoshiperinflacionários latentesou reaistendiam
po historigo paÍa a reconstrução,e onde o neoliberalismose im-
r diüdir-se entre os que podiam defender-seminimamentedo des-
pôs sobreo cadáverdessaderrota,a temporalidade específicada gastedirárioda moedae os que eramütimas cotidianasdele,a es-
históriarecentedo Brasil difereum pouco.A distârciamaior em
querdasoubeformularumapolíticaantiinflacionáriapópria.
relaçãoao golpe,o períodode expansãoeconômicaoconido ao
longodosanos60 e 70, com a conseqüente Como resultado,as própriaselites,provocadorasdos pro-
renovacãoe fortaleci-
mentosociale politico dasclassessubaltemas, @ssosinÍtacioniirioscom suasdinâmicasespecúativas,aprovei-
gerou'ma corre-
Iaçãode forçasmenosdesfavorável tarn-sedelase fazem,maisumavez,@m queÍN classessubalter-
a estase menospropíciapara Destavez,
a imposiçãopurae simplesdo neoliberalismo. nas paguemo preço das políticasantiinflacionárias.
mediantetriunfos eleitoraise debilitamento do Estado, em suas
O períodode luade-mel do neoliberalismona AméricaLa_
açõesreguladoras e redistributivas.
tina teve no Chile, na Bolívia, no Méúco e na Argentinaseus
J O neoliberalismo sobrevivea si mesmopela incapacidade
cÍrmpospriülegiadosde experimenüo. c,onfirmandoa avatiaçâoge-
/ da esquerd4ateaqui,em construirformashegemônicas altemati-
ral feia por PerryAnderson,os su@ssos ideológicose politicosdo
neoliberalismotambémente nós sãoüsiverrnentemaiãresdo que \ va. puta sua supeftìção.Que articulem a crise fiscal do Estado
'com ottt projetode socialização do poder,quedesarticuleaomes-
os êxiúoseconômicos. No entanto,a agadezamaiorda criser"onô-
mica - especialmenúe mo tempo as basesde legitimaçãodo neoliberalismo,entre as
da crisefiscal do Esüado,refletidana infla- a
quaisse situ4 prioritariamente, a passividade,a despolitizaçãa,
ção, como resultadode um fort€ conflito disfributivo- propiciou
um su@ssomaior ao controleda inflação,produzindoefeitosideo- desagregação social.
No Brasil,o neoliberalismo joga suacartadamaisimportan-
lógicose políticosmaisfortesa partir da diminuiçâobruscae espe-
taculardeprocessos te, provavelmente decisivapaÍaseufuturono continente.Contan-
hiperinflacioniiriosdesatadosou em curso.
do com as experiências positivase negativasda Argentinae do
Uma vez obtidosessessucessos, consolidadosem viórias
políticase inscri@esda nova correlaçãode forçasno plano insti- México, a coalizÁoneoliberalbrasileirabuscaráformasheterodo-
fucional, o elã neoliberalcomeçoua perder impulsô, a entrar xas de imposição,em meio a aliançascom as elites e a direita
numaespéciede crisedos seteanos.os déficitsnasbalançasco- polític4 tentandoprovaÍque,semessasforças,qualquertransfor-
merciais,nas balançasde pagamento,a desindustrializacão. maçãodo paísé impossível.Restasaberse,sema derrotadessas
os forças,qualquerreformanãosereduziráa um gatopardismo.
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