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José Cabral. «Moçambique», ed.

XYZ Books, Lisboa / Kulungwana, Mapu-


to, 2017

Documentário emocional

Quando, na primeira metade dos anos 1990, a fotografia feita por africanos come-
çou a ser «descoberta», ou seja, divulgada por europeus e norte-americanos, Mo-
çambique estava na primeira linha e tinha uma forte história própria. Eram então
numerosos os autores expostos e publicados nos palcos internacionais, e Ricardo
Rangel era naturalmente a figura de referência da fotografia de Maputo. Foto-jor-
nalista que conseguira abrir um largo espaço de afirmação para as imagens na
imprensa colonial de Lourenço Marques, embora reconhecido como adversário do
colonialismo, mantinha-se como figura tutelar.
De facto, antes e depois da independência, a fotografia testemunhal e de interven-
ção foi objecto de especial atenção em Moçambique. Reconhecia-se-lhe um papel
relevante na imprensa liberal que o regime colonial tolerava (em especial o maga-
zine Tempo, fundado em 1970). Rangel e Kok Nam são os autores que mais se
destacaram, e eles juntam as qualidades de grandes fotógrafos a personalidades
carismáticas que lhes permitiram atravessar sempre na primeira linha e com inde-
pendência as mutações políticas. Da África do Sul chegara Rogério (Pereira), in-
formado do activismo mais radical e da revista Drum. Em paralelo, a Frelimo da
guerra independentista, primeiro, e depois o novo país revolucionário, na década
de Samora Machel, atribuíram à fotografia e ao cinema um grande papel comuni-
cativo e mobilizador, que contou com o apoio financeiro, técnico e humano de vá-
rias cooperações estrangeiras.

Kok Nam e Ricardo Rangel (com José Cabral), Maputo s.d.

De Moçambique a Preto e Branco (ed. Codam, Lourenço Marques, 1972) a Ilu-


minando Vidas - Ricardo Rangel e a Fotografia Moçambicana (org. Bruno Z’-
Graggen e Grant Lee Neuenburg, Basel, 2002), impõe-se a mesma figura de pio-
neiro e mestre do que pode designar-se como escola moçambicana de fotojorna-
lismo. Mas nessa antologia de 2002, livro e exposição itinerante, José Cabral es-
tabelecia uma nítida diferença com os seus nus femininos sem qualquer pretexto
etnográfico. Fazia assim uma ponte subtil, e desafiadora a vários títulos, com as
mulheres da Rua Araújo fotografadas pelo Rangel dos anos 60/70.
Passando por exposições e álbuns, por Moçambique A Terra e os Homens (As-
sociação Moçambicana de Fotografia - AMF, Maputo 1981 / ed. Roma 1984), por
Karingana ua Karingana - Il Mozambico contemporaneo visto dai suoi foto-
grafi (org. Gin Angri, ed. Coop, Milano,1990), já perto do final da guerra civil, até
Maputo. Desenrascar a Vida (org. Nelson Saúte, ed. Maputo - Lisboa 1997), a
fotografia de Moçambique identifica-se como um grande corpo colectivo, de que
Ricardo Rangel, a AMF e o Centro de Formação Fotográfica (CFF), aparecem
como a cabeça e o a coluna vertebral. Moçambique era um país de fotógrafos
(como não referir Daniel Maquinasse, Naíta Ussene, João Costa - Funcho, Sérgio
Santimano, Rui Assubuji?).

O que foi em Moçambique o fotojornalismo de qualidade não continuou a encon-


trar na imprensa dos anos 90 condições favoráveis para a sua prática profissional.
E a falta de um mercado interno, coleccionista e institucional, não sustentou uma
projecção continuada de fotógrafos moçambicanos nos circuitos internacionais, até
à emergência recente de uma nova vaga de fotógrafos artistas, atentos ao exterior
e bem individualizados.

José Cabral é o outro mestre da fotografia moçambicana, localizável entre a dinâ-


mica colectiva interrompida e a nova geração. Um mestre original, irreverente, in-
dividualista, indisciplinado. Por vezes revoltado e irascível, o que as suas fotogra-
fias não deixam adivinhar, na serenidade dos seus itinerários e na ternura com que
olha as pessoas, todas elas, nos seus inúmeros retratos. «A fotografia passou a
ser como uma autorização para ir onde quisesse e fotografar o que me apetecesse
(…) fotografar pessoas não é intervir nas suas vidas mas apenas visitá-las» (in
«Iluminando Vidas», 2002).

Tete, 1993
A sua actualidade não era, não é, a da guerra civil, da violência urbana ou da mi-
séria quotidiana - é de um panorama mais profundo e definitivo que se trata, à dis-
tância de muita fotografia africana que balança entre a vitimização e o exotismo.
Não é um olhar indiferente à realidade do País, pelo contrário - é um olhar interve-
niente, construtivo, lúcido e livre, e não há lugar na sua obra para retóricas fotográ-
ficas formalistas ou essencialistas. O País, Moçambique, está lá sempre, procura-
do num longo documentário, por vezes metódico, observado através uma outra
forma de activismo que não está do lado imediato da denúncia, esse lugar tão
ocupado e gasto, mas sim do lado sensível da confiança e da convivência, fraterna
e íntima ou intimista. Fotógrafo culto, informado pela literatura e o convívio literá-
rio, viajado, por Itália, Estados Unidos e Portugal, à boleia de alguns prémios e
bolsas, ou de convites para exposições, Cabral tem um perfil de excepção e de
ruptura, original e crítico.

Para além de ter ensinado no Centro de Formação Fotográfica, desde 1986, com
Rangel e ao tempo de Gin Angri e de outros estrangeiros cooperantes, Cabral abre
a passagem entre o colectivo que foi a fotografia moçambicana e a emergência
dos novos fotógrafos que ensaiam destinos internacionais (primeiro Luís Basto,
depois Mário Macilau, Mauro Pinto, Filipe Branquinho) com quem se joga uma se-
gunda afirmação da fotografia de Moçambique, nas novas condições de mercado
internacional. Para isso contou a firmeza irredutível do homem e a sua obra, e em
especial a reivindicação da autoria desta obra, a diferença autoral, a individualiza-
ção do artista arriscadamente inscrito no seu meio. Essa foi a outra luta libertária
que era preciso travar.

Xai-xai, 1990

A comparência pública de Cabral nas duas décadas do séc. XXI fez-se em especi-
al através de exposições subtilmente antológicas, situáveis entre um lugar à mar-
gem e o reconhecimento público, da imprensa e dos seus pares. Foram sendo
construídas com a revelação de muito numerosos inéditos e tiveram um sentido
cada vez mais autobiográfico e intimista, que não transparece nos títulos das ima-
gens, sempre discretos, topográficos, mas que confere mais densidade emotiva à
objectividade do documentário. Não se trata de um discurso subjectivo e menos
ainda narcísico.
Em As linhas da minha mão, de 2006, na 3ª e última edição do fugaz Photofesta,
Encontros Internacionais de Fotografia de Maputo, usou o título de Robert Frank
como explícita pista de leitura e como homenagem, firmando a dimensão pessoal
de uma galeria de retratos, lugares e episódios, percurso de vida.

Urban Angels / Anjos Urbanos, 2009, mostrados em Lisboa e Maputo, tomou


como tema os seus filhos e os filhos dos outros, as crianças da rua, expondo dife-
renças de cor e de condição social, intimidades e desigualdades. «São histórias de
crianças: eu e elas», disse. Sem estabelecer fronteiras entre o particular, o seu
espaço doméstico, e o geral, a observação social, o testemunho é mais contun-
dente. Com essas crianças é a cidade que se percorre, também o mundo rural e a
presença deste na malha urbana. O lugar da família e o fotógrafo auto-retratado
estão já presentes no mesmo itinerário, e estarão mais na mostra seguinte.

Espelhos Quebrados, 2012, foi outra revisão da obra, mais desafiadora, ao colo-
car-se o fotógrafo presente no fotografado, em situação e em cena, em jogo, em
risco. Apresentou parte em Lisboa (A Pequena Galeria, 2013) sob o título De per-
to, que precisamente refuta a possível distância de um autor-observador alheado
do mundo real e das suas circunstâncias.

Moçambique, este livro, fez-se entre Maputo e Lisboa, seguindo a via aberta pelo
autor nestas três exposições e revisitando parte do acervo de negativos, a que se
somaram ficheiros digitais de vária proveniência e condição. As cores da Ilha de
Moçambique e do livro falhado A Guerra da Água (1995, com um filme de Licínio
de Azevedo) são mais do que uma experiência, e são uma surpresa.

Ilha de Moçambique, circa 1990


Sem pretender ser exaustivo e definitivo, o livro, outra antologia alargada, identifi-
ca lugares mais percorridos e temas de eleição. Percorre uma obra e um País.

José Cabral nasceu em 1952 em Lourenço Marques, actualmente Maputo. Apren-


deu fotografia com o pai, técnico dos Caminhos de Ferro de Moçambique e amador
de fotografia. A partir de 1975 trabalhou como fotógrafo no Instituto Nacional de
Cinema; como foto-repórter na Agência de Informação de Moçambique (AIM) e nos
jornais Notícias e Domingo, neste com Ricardo Rangel; no departamento de foto-
grafia do Ministério da Agricultura e para a Unicef. De 1986 a 1990 leccionou no
Centro de Formação Fotográfica.
Viagens e exposições em Itália, 1987; Estados Unidos, 1996 (bolseiro da Mid-Ame-
rican Arts Alliance); Portugal, 1999.
Principais exposições individuais: Mueda, Planalto Maconde, 1998, Museu Nacio-
nal de Arte, Maputo, e Museu Nacional de Etnologia, Nampula; As Linhas da Minha
Mão, 2006, Associação Moçambicana de Fotografia, AMF - Prémio de carreira (As-
sociação Moçambicana de Empresas de Publicidade e Millennium Bim); Urban An-
gels / Anjos Urbanos, 2009, P4 Gallery, Lisboa, e Centro-Cultural Franco-Moçambi-
cano, 2010 Maputo; Espelhos Quebrados, 2013, AMF. Principais colectivas com
catálogos: Karingana ua Karingana, 1990, Bolonha / Milão; Iluminando Vidas,
2002/05, Basel / Zurique e depois itinerante.

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