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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA MECÂNICA

Jorge Gonçalves Bezerra Júnior

MECÂNICA ESTATÍSTICA APLICADA À CARACTERIZAÇÃO DE


PROPRIEDADES TERMODINÂMICAS DE LÍQUIDOS

Professor Jader Riso Barbosa Júnior

Professor José Vladimir de Oliveira

Florianópolis, SC

Abril de 2013
Sumário

1 INTRODUÇÃO ....................................................................... 1
1.1 MOTIVAÇÃO PARA O ESTUDO DE MECÂNICA ESTATÍSTICA ................. 2
1.2 OBJETIVO ................................................................................ 3
1.3 LITERATURA CONSULTADA .......................................................... 4
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO.......................................................... 5
2 MECÂNICA ESTATÍSTICA E TERMODINÂMICA ....................... 7
2.1 MECÂNICA CLÁSSICA ................................................................. 8
2.2 MECÂNICA ESTATÍSTICA CLÁSSICA .............................................. 11
2.2.1 Conceitos Básicos de Probabilidade e Estatística ...... 12
2.2.2 Conjunto..................................................................... 14
2.3 O CONJUNTO CANÔNICO.......................................................... 19
2.4 RELAÇÕES COM A TERMODINÂMICA ........................................... 21
2.5 FUNÇÃO PARTIÇÃO CANÔNICA NUMA ABORDAGEM SEMICLÁSSICA... 24
2.6 MODELOS DE ENERGIA POTENCIAL ............................................. 28
3 FUNÇÕES DE DISTRIBUIÇÃO ............................................... 35
3.1 FUNÇÃO DISTRIBUIÇÃO RADIAL.................................................. 36
3.2 RELAÇÃO DIRETA COM A TERMODINÂMICA .................................. 41
3.3 TEORIAS DA FUNÇÃO DISTRIBUIÇÃO RADIAL ................................. 44
3.3.1 Teoria de Yvon-Born-Green (YBG) .............................. 45
3.3.2 Teorias da Cadeia Hiperpenetrada (HNC) e de Percus-
Yevick (PY) 46
3.3.3 Teoria da Autoconsistência ........................................ 49
3.4 EXTENSÃO À MISTURAS ............................................................ 51
3.5 FUNÇÕES DE DISTRIBUIÇÃO APLICADAS A ESFERAS DURAS .............. 51
4 TEORIAS DE PERTURBAÇÃO................................................ 57
4.1 TEORIA DE PERTURBAÇÃO E EXPANSÃO EM SÉRIE SIMPLES .............. 57
4.2 TEORIA DE BARKER E HENDERSON PARA ESFERAS DURAS ................ 61
4.3 TEORIA DE BARKER E HENDERSON PARA ESFERAS MACIAS .............. 65
4.4 TEORIA DE WEEKS-CHANDLER-ANDERSON................................... 71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................... 83
REFERÊNCIAS ............................................................................... 85
1 Introdução

Em determinadas situações de engenharia é possível se deparar


com misturas líquidas de óleos e dióxido de carbono. Ao contrário do
que se possa parecer à primeira vista, o conhecimento de propriedades
termofísicas de tais misturas pode ser essencial em projetos de alto
interesse econômico e político, tanto na indústria da refrigeração, quanto
na indústria do petróleo.
Na indústria da refrigeração, os sistemas por compressão de
vapor contém, além do fluido refrigerante, óleo lubrificante alojado no
compressor. As configurações dos sistemas permitem a interação entre o
par de fluidos e a formação de misturas líquidas. Essas interações
afetam substancialmente o desempenho do sistema, de modo que devem
ser consideradas na etapa de projeto para garantir sua viabilidade e
possibilitar a maximização da eficiência energética.
Na indústria do petróleo, misturas de óleos e gases também são
comumente encontradas nas reservas naturais. Nas camadas do pré-sal
da costa brasileira, por exemplo, foi constatada a existência de grande
quantidade de dióxido de carbono alojado junto ao óleo nas jazidas.
Assim, estimativas assertivas de produção estão fortemente relacionadas
à correta determinação das propriedades da mistura.
No entanto, a descrição teórica de propriedades de equilíbrio e de
propriedades de transporte de tais misturas demonstra-se desafiadora. As
complexas configurações moleculares dos óleos utilizados, formadas
por cadeias relativamente extensas, acrescidas às interações com o
dióxido de carbono, dificultam a aplicação das teorias já consolidadas,
comumente utilizadas em engenharia. Com isso, surge a necessidade de
modelos mais robustos, baseados em teorias moleculares.
Nesse sentido, os modelos baseados em princípios da mecânica
estatística têm sido aplicados com sucesso tanto para a obtenção de
propriedades de equilíbrio quanto para algumas propriedades de
transporte, como viscosidade e difusividade mássica.
2 Capítulo 1

1.1 Motivação para o Estudo de Mecânica Estatística

Numa revisão da literatura acerca de caracterização teórica de


propriedades termodinâmicas de misturas líquidas de óleos e CO2, com
aplicação em refrigeração, foi identificado que, até o ano de 2008, quase
a totalidade dos trabalhos propunham equações totalmente empíricas de
ajustes de curvas (García et al., 2008). Abordagens desse tipo não
permitem previsões de extrapolação e interpolação das propriedades
termodinâmicas além das condições obtidas experimentalmente.
Apesar das limitações da abordagem puramente empírica,
provavelmente os autores tenham recorrido a elas pela dificuldade de
representar as misturas utilizando modelos de coeficiente de fugacidade
e de equações de estado cúbicas.
Marcelino Neto, 2006, na caracterização de uma mistura binária
contendo óleo poliol éster (POE) ISO 56 e CO2, comenta a inviabilidade
de obtenção dos coeficientes de fugacidade por meio de dados
experimentais devido à elevada razão entre a massa molecular do óleo e
do fluido refrigerante. Sendo assim, o autor optou por uma equação
empírica do tipo polinomial da pressão em função da temperatura e da
solubilidade. Mas em testes de consistência, o autor desaconselhou essa
abordagem, que apresentou desvios superiores a 10% dos dados de
experimentos.
Considerando as equações de estado cúbicas, Bobbo et al., 2007,
aplicaram com sucesso a equação de Peng-Robinson à mistura de um
óleo comercial n-alquil ester (PEC4) e CO2 para pressões de até 100 bar,
dentro de uma faixa de temperaturas entre 243K e 343K. Os desvios
obtidos entre os resultados teóricos e experimentais foram inferiores a
2%.
As equações cúbicas de Peng-Robinson e de Soave foram
utilizadas na correlação de misturas binárias de óleos e dióxido de
carbono no trabalho de Marcelino Neto (2011). Na mistura gás-liquido
utilizando óleo Alquilbenzeno (AB) ISO 32, as equações de Peng-
Robinson e de Soave permitiram boa concordância com dados
experimentais, tendo desvios inferiores a 2% no cálculo de solubilidade.
Por outro lado, para o par com óleo POE ISO 68, não foi possível a
convergência dos parâmetros necessários para o cálculo de equilíbrio.
Isso devido à complexidade da molécula do óleo. De fato, Marcelino
Neto (2011), em concordância com outros autores, ressalta que as
equações de estado cúbicas exibem seus melhores resultados para
moléculas simples e pequenas, mas apresentam deficiências na
representação de moléculas complexas. Moléculas assimétricas podem
Introdução 3

desenvolver um comportamento de fases complicado, incluindo regiões


de imiscibilidade e fenômenos barotrópicos.
Os modelos baseados em teorias de perturbação, da mecânica
estatística, têm se apresentado adequados à caracterização de estado de
fluidos puros e de misturas de longas moléculas poliatômicas. Ainda no
trabalho de Marcelino Neto (2011) foi utilizada a equação de estado PC-
SAFT (Perturbed Chain – Statistical Associating Fluid Theory) nas
misturas binárias anteriormente mencionadas. Aplicada ao par CO2 e
óleo AB ISO 32, a equação apresentou desvios inferiores a 1%, com
melhor performance que as equações cúbicas. Ao par CO2 e óleo POE
ISO 68, foi possível a obtenção de resultados com desvio dos dados
experimentais inferiores a 2%. Além disso, pela teoria PC-SAFT foram
previstas fases de imiscibilidade, ou seja, equilíbrio líquido-líquido-
vapor, correspondendo a uma fase líquida rica em óleo, outra rica em
CO2 e outra de vapor de CO2.
García et al. (2008) e Fandiño et al. (2010) corroboram o sucesso
da equação PC-SAFT aplicada a misturas líquidas binárias contendo
CO2 interagindo com quatro tipos de óleo: polialquileno glicol (PAG0),
(PAG5), pentaeritiritol tetraeptanoato (PEC7) e pentaeritiritol
tetranonanoato (PEC9). Os autores conseguiram obter topologias
complexas com o uso da PC-SAFT, incluindo condições de equilíbrio
líquido-vapor e líquido-líquido-vapor, com desvios inferiores a 3% de
dados experimentais.
Caracterização de propriedades termodinâmicas e de transporte
de misturas líquidas de óleos e dióxido de carbono constitui uma das
frentes de pesquisas desenvolvidas nos laboratórios do POLO/INCT
UFSC, em parceria com empresas como Petrobras e Embraco. Assim,
diante dos desafios de engenharia vinculados a este tipo de trabalho e
dado o êxito no uso de teorias baseadas em princípios de mecânica
estatística para a determinação das propriedades de equilíbrio, surge a
motivação para o curso da disciplina de mecânica estatística.

1.2 Objetivo

O objetivo principal no curso da disciplina é de aprender os


conceitos fundamentais da mecânica estatística com enfoque de
aplicação à termodinâmica de líquidos e misturas. Para fins de
simplificação teórica, é considerada a hipótese de moléculas
monoatômicas, apolares, a temperaturas elevadas (acima de 50K) no
limite em que a mecânica quântica pode ser simplificada por conceitos
da mecânica clássica.
4 Capítulo 1

Como observação, vale registrar que, a princípio, ter-se-ia como


objetivo o estudo da mecânica estatística aplicada a propriedades de
transporte em líquidos. Deve-se mencionar que de fato houve uma
introdução à mecânica estatística do não equilíbrio. Contudo, o conteúdo
se apresentou demasiado extenso para os prazos requeridos na
disciplina, não sendo suficientemente estudado e consolidado a ponto de
fazer parte desta monografia.

1.3 Literatura Consultada

Na disciplina de mecânica estatística, foram consultados seis


livros texto, além de alguns artigos clássicos voltados às teorias de
perturbação. As referências dos livros são: Tolman (1938), Hill (1956),
Hill (1960), Reed e Gubbins (1973), McQuarrie (2000) e Boublík,
Nezbeda e Hlavatý (1980). Por fim, o livro de Prausnitz, Lichtenthaler e
Azevedo (1999) foi utilizado especificamente para um estudo
introdutório de modelos de energia potencial intermolecular. Algumas
impressões na leitura de cada um dos livros texto são esboçadas a
seguir.
Entre as referências consultadas, o livro de Tolman (1938) é o
mais fundamental. O autor escreve um tratado dos fundamentos da
mecânica estatística, utilizando linguagem acessível, embora mantendo
o rigor nas deduções matemáticas. O desenvolvimento teórico dos
fundamentos da mecânica estatística é iniciado com a abordagem
clássica, que utiliza as relações de Newton. Ao final das demonstrações,
o autor conclui que há limitações nesta abordagem, sendo necessária a
utilização de princípios da mecânica quântica para a elaboração de
teorias físicas mais embasadas. Em seguida, o autor apresenta a
abordagem da mecânica estatística através da mecânica quântica e
encerra o livro relacionando as teorias obtidas com a termodinâmica.
Na obra de Hill (1956), nota-se também um comprometimento
com os fundamentos da mecânica estatística. Entretanto, o autor procura
enfatizar as relações da mecânica estatística com a termodinâmica,
sendo que os estudos em líquidos tomam boa parte do livro. Apesar da
tentativa de ampla abordagem às teorias de líquidos, não são
contempladas no livro teorias mais recentes, como as de perturbação,
dado que estas são posteriores à obra.
O trabalho de Hill (1960) também é voltado às relações da
mecânica estatística com a termodinâmica. Com explicações simples e
algumas ilustrações, o autor utiliza uma linguagem direcionada a alunos
Introdução 5

de graduação, facilitando o entendimento dos fundamentos da mecânica


estatística a partir de conceitos da mecânica quântica. São apresentadas
aplicações a gases, líquidos e sólidos. Mas, pelos mesmos motivos do
livro anterior, não houve grande proveito da abordagem para líquidos
neste documento.
Reed e Gubbins (1973) apresentam uma obra pragmática,
aparentemente voltada a pessoas da área de engenharia. Este livro foi o
mais utilizado na disciplina por apresentar as teorias de modo simples
com seus respectivos desempenhos através de resultados de aplicação.
Além disso, encontram-se na obra as teorias de perturbação e uma
apresentação introdutória da teoria de transportes em líquidos.
Entretanto, para um aprofundamento teórico em mecânica estatística, é
essencial que outras obras sejam consultadas num segundo momento.
Daí, a leitura dos artigos clássicos tratando das principais teorias de
perturbação e dos demais livros texto.
O trabalho de McQuarrie (2000), apesar da recente data de
publicação, se trata de uma obra originalmente contemporânea à de
Reed e Gubbins (1973). Os autores apresentam as teorias com maior
formalismo que os autores anteriores e dedicam basicamente dois
capítulos especificamente a líquidos: um tratando das funções de
distribuição e outro, das teorias de perturbação.
Por fim, a obra de Boublík, Nezbeda e Hlavatý (1980) se trata de
um compêndio de diversas teorias de líquidos. Os autores utilizam uma
linguagem voltada a pessoas que já tenham conhecimento prévio do
assunto e trazem diversos trabalhos da literatura de teorias de função de
distribuição radial e de teorias de perturbação.

1.4 Estrutura do Trabalho

Com base na literatura previamente exposta, a presente


monografia está estruturada em três capítulos principais, além da
introdução e considerações finais. No capítulo 2 é apresentada uma
síntese dos fundamentos da mecânica estatística através da abordagem
clássica. Correções necessárias às equações finais, provenientes da
mecânica quântica, são apresentadas e, em seguida, constam as relações
entre a mecânica clássica e a termodinâmica. O capítulo se encerra com
a exposição de alguns modelos simples, embora amplamente utilizados
na literatura, de energia potencial intermolecular. No capítulo 1, é
demonstrado que a termodinâmica pode ser relacionada com a mecânica
estatística clássica através de dois parâmetros moleculares: a energia
potencial intermolecular e a função distribuição radial. Uma vez que a
6 Capítulo 1

energia potencial é modelada por meio de equações simples, resta


estabelecer uma teoria capaz de prever valores precisos da função
distribuição radial. Assim, nesse capítulo, são apresentadas as teorias
clássicas mais famosas, alguns resultados de aplicação e as limitações
que eventualmente inviabilizam aplicações a líquidos reais. No sentido
de suprir essa lacuna teórica, surgem as teorias de perturbação em
líquidos: tema do capítulo 4. As exposições teóricas na monografia se
encerram com a apresentação das principais teorias clássicas de
perturbação, publicadas entre o final da década de 1960 e o início da
década de 1970.
2 Mecânica Estatística e Termodinâmica

Na termodinâmica clássica, as diversas propriedades


macroscópicas de equilíbrio observadas em um sistema podem ser
correlacionadas empiricamente através de derivações matemáticas. No
entanto, quando se pretende compreender mais detalhadamente os
fenômenos que ocorrem em tal sistema ou quando as relações empíricas
não são suficientemente adequadas para quantificar as propriedades,
procura-se caracterizar as propriedades do sistema como a composição
média da interação entre as diversas partículas que o compõem. A ponte
que relaciona o sistema com as partículas é a mecânica estatística. De
fato, a mecânica estatística tem por objetivo prover teorias moleculares
para a interpretação de sistemas macroscópicos. As relações
matemáticas entre as propriedades macroscópicas do sistema e sua
relação com as moléculas podem ser ilustradas da seguinte forma:

Modelo Modelo dos Propriedades


atômico ou Mecânica estados Mecânica macroscópicas
molecular quântica quânticos de estatística do sistema
energia

Figura 2.1 – Esquema das relações entre os modelos moleculares e as


propriedades macroscópicas de um sistema.

Conforme o exposto na Figura 2.1, as formulações matemáticas


da mecânica estatística são provenientes da mecânica quântica.
Contudo, em determinadas condições limite, a mecânica clássica pode
substituir a formulação quântica para fins de simplificações
matemáticas. Na verdade, a mecânica quântica se trata de uma
abordagem mais abrangente que engloba completamente a mecânica
clássica de modo que todos os problemas passíveis de solução pela
mecânica clássica o são também pela mecânica quântica.
Em relação ao exposto na Figura 2.1, Reed e Gubbins (1973)
ressaltam que para a avaliação de sistemas reais existem dificuldades
envolvidas em ambas as etapas da mecânica quântica e da mecânica
estatística. Na mecânica quântica, somente átomos e moléculas de
hidrogênio podem ser equacionados exatamente. Átomos mais pesados
são tratados por meio de aproximações. Além disso, a mecânica
quântica não provê informações suficientes acerca das forças
8 Capítulo 2

intermoleculares, tornando necessário o uso de equações empíricas,


como o modelo de poço quadrado ou o de Lennard-Jones. Na mecânica
estatística, cuja competência é de calcular médias, apesar de apresentar
uma abordagem precisa para gases rarefeitos e cristais, os métodos
disponíveis para avaliar gases densos e líquidos são meras
aproximações.
A aproximação da mecânica clássica na mecânica estatística se
dá através das relações de Hamilton, que serão introduzidas neste
capítulo, na seção 2.1. Posteriormente, serão apresentados alguns
conceitos de probabilidade e estatística, necessários para esclarecer os
recursos matemáticos utilizados na mecânica estatística clássica e, com
isso, definir o conceito de conjuntos. Na seção 2.3, é detalhado o
conjunto canônico e a função derivada deste conjunto, nomeada função
partição canônica. Esta é utilizada para relacionar as propriedades
termodinâmicas com a mecânica estatística em 2.4. Notada a
importância da função partição canônica, é dado na seção 2.5 um
desmembramento desta função numa abordagem semiclássica. Por meio
de tal desmembramento é que a função partição canônica é calculada
para cada sistema. De fato, o grande esforço matemático na mecânica
estatística está na adequada obtenção dos termos da função partição,
mais especificamente da integral configuracional. Dado que esta integral
é, em última análise, dependente da energia potencial do sistema, o
capítulo se encerra com a apresentação dos principais modelos clássicos
da energia potencial.

2.1 Mecânica Clássica

O estado de um sistema em equilíbrio é plenamente definido


conhecendo-se seu volume, o tipo e o número de moléculas e a energia
que ele contém. A modelação de um sistema através da mecânica
clássica é possível assumindo cada molécula ou átomo que compõe o
sistema como uma partícula. Estas estão sempre em movimento. Assim,
se for conhecida a natureza do sistema, ou seja, sabendo se o sistema é
conservativo ou não-conservativo e tendo conhecimento do valor da
massa de cada partícula, e se forem conhecidas suas respectivas
posições e velocidades num dado instante, é possível determinar o
estado completo do sistema naquele momento. Ademais, combinando
estas informações com as leis de Newton, é possível determinar
completamente as posições e velocidades de cada partícula, além de
todo o estado do sistema em qualquer instante.
Mecânica Estatística e Termodinâmica 9

Para estabelecer as posições das partículas no sistema é


necessário um sistema de coordenadas. Este pode ter coordenadas
cartesianas, esféricas ou cilíndricas, por exemplo. Além disso,
dependendo de como são consideradas as partículas, se forem pontos ou
estruturas, pode ser necessário estabelecer suas posições utilizando mais
de um ponto, além de referências angulares para determinar se a
partícula está na vertical, horizontal ou inclinada. Tudo isso aumenta o
número de graus de liberdade do sistema. Desvenciliando-se de
particularidades, o sistema de coordenadas pode ser genericamente
definido por , sendo um contador de 1 a e o número de graus de
liberdade. Por exemplo, um sistema cartesiano com pode ser
escrito da seguinte forma:

Já a velocidade é dada por:

̇ (2.1)

Se for o número de partículas no sistema e se cada uma das


partículas tiver massa igual a , a energia cinética do sistema pode ser
definida por:

̇
∑∑ (2.2)

E a energia potencial num sistema conservativo,

(2.3)

Conforme colocado por Tolman (1938), a energia é definida


como o trabalho necessário para trazer o sistema de uma determinada
configuração interna e localização de referência para a configuração
interna e localização atual. Em mecânica estatística este modo de
energia está associado às forças de atração e repulsão intermoleculares.
10 Capítulo 2

Pode estar associado também a campos elétricos ou gravitacionais


incidentes no sistema.
A energia total do sistema é definida como a soma das energias
potencial e cinética. Assim, tem-se a energia em função das posições e
velocidades das partículas. No entanto, na abordagem hamiltoniana,
pretende-se que a energia seja definida em função das posições e
quantidades de movimento das partículas para fins de conveniência. Isto
é feito a partir da seguinte relação:

̇ (2.4)

permitindo que a energia cinética seja escrita como:

∑∑ (2.5)

Assim, a energia total num sistema conservativo, coincidente com o


operador hamiltoniano é,

(2.6)

Com isso, obtém-se uma relação importante como derivação da energia


para a componente de velocidade de cada partícula,

( ) (2.7)

Se o sistema for conservativo, então,

ou seja,
Mecânica Estatística e Termodinâmica 11

Assim,

(2.8)

Inserindo a relação (2.7) em (2.8), é possível chegar a uma segunda


relação importante,

( ) (2.9)

que mostra que a taxa de variação de quantidade de movimento de um


ponto de fase é proporcional à variação da energia potencial nesse
mesmo ponto. Essas duas equações em destaque compõem as equações
de Hamilton do movimento e são muito úteis na mecânica estatística na
derivação das funções distribuição de probabilidade para os estados de
energia. Elas são convenientes primeiramente pelo fato de serem
equações diferenciais de primeira ordem, evitando derivadas de segunda
ordem de eventuais termos de aceleração no sistema. Em segundo lugar,
pelo fato de as equações serem independentes do sistema de
coordenadas arbitrado. Além disso, existe a conveniência de
parametrização com a mecânica quântica.

2.2 Mecânica Estatística Clássica

Na maioria dos sistemas de interesse de engenharia, as


propriedades termodinâmicas são obtidas para um número de moléculas
admiravelmente grande, da ordem de 1023. Sendo assim, o cálculo de
tais propriedades avaliando cada molécula do sistema é altamente
oneroso, mesmo nos casos mais simples com aplicação da mecânica
clássica.
A mecânica quântica por si também não é capaz de caracterizar
sistemas macroscópicos. Os microestados quânticos, que são estados de
energia, obtidos a partir da solução da equação da onda de Schrödinger,
são muito vastos e variam em escalas de tempo tão curtas que
atualmente são incomensuráveis. Desta forma, a mecânica quântica só
tem sentido na interpretação macroscópica a partir de tratamentos
estatísticos para as escalas de tempo e de energia.
As leis da mecânica clássica podem ser aplicadas na mecânica
estatística a temperaturas suficientemente altas e para substâncias que
12 Capítulo 2

não tenham massa molecular muito baixa, como o hidrogênio ou o hélio.


O uso da mecânica clássica em detrimento da mecânica estatística se dá
pelo ganho de simplicidade de cálculos, com erros negligenciáveis. Ela
pode ser utilizada para determinar os modos de energia cinética
translacional e a energia potencial. No entanto, é necessário recorrer à
mecânica quântica para se determinar os modos vibracionais e
eletrônicos. Antes de apresentar os tratamentos estatísticos na mecânica,
são introduzidos a seguir os principais conceitos de probabilidade e
estatística a serem utilizados.

2.2.1 Conceitos Básicos de Probabilidade e Estatística

Considerando uma população de pessoas, diversas


características de cada indivíduo podem ser avaliadas como a altura, o
número de mulheres e homens, a idade, o número de filhos. Nesse
sentido, quando se pretende avaliar a propriedade número de filhos por
pessoa, , pode-se buscar saber quantas pessoas têm um determinado
número de filhos, . Desse modo, a probabilidade de se observar uma
pessoa com esta quantidade de filhos é descrita da seguinte forma,

(2.10)
∑ ( )

onde é o número de pessoas com filhos e , a população total.


Da definição de probabilidade tem-se ainda:

∑ ∑ (2.11)

O valor médio de uma propriedade qualquer , tipo o número de


filhos per capta, pode ser dado por:

〈 〉 ∑ (2.12)

A equação (2.12) fornece a média de uma propriedade do conjunto para


uma distribuição discreta. Para funções de probabilidade multi-
dimensionais, a equação (2.11) assume a seguinte forma:
Mecânica Estatística e Termodinâmica 13

∑∑ ∑ (2.13)

e a respectiva propriedade média,

〈 〉
∑∑ ∑ (2.14)

Num domínio contínuo multidimensional, a probabilidade é

(2.15)
∫ ∫ ∫

onde é uma função distribuição e a probabilidade.


Vale atentar que a probabilidade de variáveis discretas definida na
equação (2.10) é adimensional enquanto , por si só, não se trata de
uma probabilidade, mas de uma densidade de probabilidade. O valor da
probabilidade em si é obtido dentro de um intervalo .
Da definição de probabilidade,

∫ ∫ ∫ (2.16)

∫ ∫ ∫ (2.17)

O valor médio de uma propriedade que seja dependente de uma ou


mais variáveis do conjunto contínuo pode ser definida como,

〈 〉
(2.18)
∫ ∫ ∫

Ou então,
14 Capítulo 2

∫ ∫ ∫
〈 〉 (2.19)
∫ ∫ ∫

Quando se deseja avaliar a função distribuição em função de uma única


variável, basta integrar a função para as demais variáveis ao longo do
domínio. Isso permite a obtenção de uma distribuição de probabilidades
dependente somente das variáveis de interesse. Tomando como exemplo
a função distribuição da equação (2.15) e desejando conhecer a função
distribuição dependente somente da variável , escreve-se,

∫ ∫ (2.20)

Outra propriedade da função distribuição é a dependência estatística


entre as variáveis. Caso elas sejam estatisticamente independentes, é
possível obter a função distribuição multidimensional pelo produto das
funções de distribuição unidimensionais, conforme o exemplo abaixo,

(2.21)

2.2.2 Conjunto

A concepção de conjunto trata-se de um esforço de imaginação


e tem como fim relacionar as propriedades termodinâmicas com
propriedades moleculares. Para definir o conjunto é necessário ter em
conta o sistema termodinâmico ao qual se deseja analisar. Neste, deve-
se conhecer e fixar o número mínimo de propriedades termodinâmicas
necessárias para estabelecer o estado do sistema. Com isso, sabe-se que
todas as demais propriedades têm um único valor bem definido. Mas na
escala molecular, existe um vasto número de configurações cujo
somatório resulta no valor médio observado macroscopicamente. Por
exemplo, a energia interna do sistema é função das posições e
quantidades de movimento das moléculas nele contidas. Para um dado
valor de energia, podem existir diversas configurações de posições e
velocidades do grupo de moléculas que resulte em tal estado.
Imaginando que fosse possível gerar réplicas do sistema real,
mantendo todas as propriedades macroscópicas, mas permitindo
independência para a configuração das moléculas, poder-se-ia observar
Mecânica Estatística e Termodinâmica 15

configurações distintas para os mesmos resultados macroscópicos


uma vez que o número de microestados possíveis tendesse ao infinito. A
coleção desses sistemas é o que se chama de conjunto. De fato,
pretende-se que para que todas as configurações internas
possíveis sejam contempladas a cada momento.
A caracterização de um conjunto é dada em função das
variáveis fixas. Dentre os diversos tipos de combinações possíveis para
a formação de um conjunto, citam-se três como sendo os mais
disseminados, com maior desenvolvimento matemático na literatura.
São eles o conjunto microcanônico ( ), o canônico ( )eo
grancanônico( ). Neste trabalho, as relações matemáticas entre a
mecânica estatística e a mecânica clássica serão estabelecidas em função
do conjunto canônico.
Uma configuração do grupo de moléculas que compõem o
sistema é chamada de ponto representativo ou um ponto de fase. Por
analogia, pode-se entender que os pontos de fase equivalem a pontos
distribuídos num gráfico. Tal gráfico seria o espaço de fase. No caso dos
sistemas replicados, como todos eles têm as mesmas propriedades
macroscópicas fixas, os pontos de fase, cada qual representando um
sistema, podem ser avaliados num mesmo espaço de fase, formando
assim uma nuvem de pontos no espaço de fase. Conforme o tempo
passa, cada ponto da nuvem segue sua trajetória independente, definida
pelas oscilações das propriedades dinâmicas de cada sistema.
Um exemplo de propriedade dinâmica é a pressão. Por definição,
a pressão pode ser entendida como o somatório das forças normais
incidentes numa superfície. Assim, a pressão que um fluido exerce sobre
uma parede num vaso de pressão, por exemplo, é o somatório das forças
exercidas por cada partícula que se choca com a parede do vaso. É claro
que se fosse avaliada em escalas de tempo suficientemente pequenas, a
força total e, consequentemente, a pressão oscilaria. Todavia, tais
oscilações não são perceptíveis para fins de engenharia, de modo que,
somente um valor médio é observado. Diz-se assim que a pressão é uma
variável dinâmica do sistema. Similarmente, a energia interna pode ser
uma variável dinâmica num sistema mantido a temperatura constante,
mas que não tenha restrição à troca de energia com as redondezas.
Num espaço de fase em que se contemplem todos os pontos
representativos distintos, é possível estabelecer uma função distribuição
normalizada, isto é, coincidente com a função densidade de
probabilidade, tal que . Assim
define a fração de pontos representativos contidos na porção do espaço
16 Capítulo 2

de fase . Já representa o número de pontos


contidos nessa mesma porção do espaço de fase.
Conforme exposto na seção anterior, através da equação (2.18), o
valor médio de uma variável dinâmica , função de e pode ser
obtida através da seguinte relação.

〈 〉 ∫∫ (2.22)

Tolman (1938) e Hill (1956) apresentam através do Teorema de


Liouville as diversas relações matemáticas para a função distribuição da
mecânica estatística que conduzem aos dois postulados dos conjuntos.
Os desenvolvimentos a partir deste teorema não serão contemplados no
presente trabalho, mas somente os postulados.
O primeiro postulado, de acordo com Hill (1956) e Hill (1960),
diz: a média temporal ̅ (de um longo período) de uma variável
dinâmica no sistema termodinâmico de interesse é igual à média
〈 〉, no limite em que , desde que os sistemas do conjunto
repliquem o estado termodinâmico e as condições de contorno do
sistema real de interesse. Matematicamente, isto pode ser representado
da seguinte forma:

̅ ∫ (2.23)

〈 〉 ∫∫ (2.24)

〈 〉 ̅ (2.25)

Este postulado parece sensato e decorrente do fato de que um sistema


em equilíbrio (representado por um ponto de fase) percorrerá todo o
espaço de fase num intervalo que tender ao infinito, conforme
apresentado na equação (2.23). Uma vez que 〈 〉, da equação (2.24),
contempla todo e espaço de fase num instante qualquer, estabelece-se
uma relação entre a média temporal e a média de espaço de fase através
da relação (2.25).
Mecânica Estatística e Termodinâmica 17

Para completar a base postulatória da mecânica estatística


clássica, é necessário definir a forma da função distribuição . Nesse
sentido, o segundo postulado diz que num sistema conservativo, todos
os pontos representativos possíveis têm a mesma probabilidade de
ocorrência. Em outras palavras, num conjunto microcanônico, é
verdadeira a seguinte relação:

(2.26)

(2.27)

sendo que . Este postulado é conhecido também como postulado


das probabilidades iguais a priori.
Num conjunto canônico, a função distribuição não é uma
constante, dado que o sistema não é conservativo por não se encontra
isolado, mas em equilíbrio de temperatura com as redondezas. Este fato
permite troca de energia por meio de pequenas flutuações entre o
sistema e o ambiente externo, de modo que a função distribuição se
torna,

(2.28)

Na equação acima, é uma constante. Este termo é definido através de


relações com a termodinâmica, sendo função da temperatura ,

(2.29)

O termo é a constante de Boltzmann. Esta constante representa a


energia térmica molecular por unidade de temperatura e pode ser obtida
pela razão entre a constante real dos gases perfeitos e o número de
Avogrado.
Devido ao fato de a função distribuição ser normalizada, é
possível obter o valor da constante. A condição de satisfação da
normalização, conforme a equação (2.16) é,
18 Capítulo 2

∫∫ (2.30)

(2.31)
∫∫

Definindo uma função , então,

∫∫ (2.32)

A função é denominada função partição canônica clássica. Por


derivar do conjunto canônico, esta função pode ser escrita em termos
das seguintes variáveis,

(2.33)

Posteriormente, será mostrado que a função partição canônica clássica


precisa ser corrigida por dois termos: um referente à incerteza quântica e
outro termo estatístico, necessário nas análises de partículas
indistinguíveis. Com (2.33), a equação (2.28) pode ser escrita da
seguinte forma,

(2.34)

Lembrando que é uma constante, nota-se através da função


distribuição que, num conjunto canônico, os menores estados de energia
são os mais prováveis.
A abordagem através dos dois postulados apresentados neste
tópico pode ser condensada em uma única teoria, nomeada Teoria
Ergódica. Para apreciação desta, vale consultar Hill (1956).
Mecânica Estatística e Termodinâmica 19

2.3 O Conjunto Canônico

O conjunto canônico foi definido anteriormente com o uso de


conceitos da mecânica clássica. Na mecânica quântica, a energia
associada a cada partícula assume um estado bem definido, num
conjunto discreto de possíveis estados. Assim, a energia não é uma
variável dinâmica contínua, mas discreta, de modo que a função partição
canônica é representada da seguinte forma:

( )
∑ (2.35)

Onde é um estado quântico de energia. A diferença entre o


estado de energia quântico e o estado de energia termodinâmico, numa
explicação superficial, é que o estado quântico carrega uma grandeza
vetorial enquanto que na termodinâmica, a energia se trata de uma
grandeza escalar. Contudo, na equação (2.35), somente o módulo do
estado quântico é considerado.
A condição para a validade do conjunto canônico clássico em
relação ao conjunto canônico “exato” obtido da teoria quântica é

( ) ( )
∑ ∫∫ (2.36)

Note no lado esquerdo da equação que para altas temperaturas, os


estados discretos de energia se aproximam de uma função contínua,
permitindo a relação com as integrais do lado direito. Não obstante,
surge uma constante de integração , que é o termo que corrige as
negligências da teoria clássica. Neste parâmetro estão contidas duas
quantidades. Uma é a constante de Planck, , que está associada à
incerteza das posições e das quantidades de movimento, em cada grau
de liberdade , de cada uma das partículas. Esta constante surge do
princípio da incerteza de Heisenberg. O outro termo é necessário quando
as partículas são indistinguíveis. Partículas indistinguíveis são
moléculas ou átomos isótopos, por exemplo. Os quais não podem ser
distinguidos em sua natureza uns dos outros.
Se as partículas indistinguíveis pudessem, de algum modo, ser
distinguidas sem alterar sua natureza, um dos cenários possíveis seria ter
cada uma delas ocupando uma determinada posição com respectivas
quantidades de movimento e vetores de direção. As demais
20 Capítulo 2

possibilidades em que as partículas são permutadas entre si, mas


mantendo as mesmas posições de ocupação, as mesmas velocidades e
sentidos de deslocamento referente a cada ocupação não constituem
estados quânticos distintos. Daí a necessidade do segundo termo de
correção para descontar esta contabilização que é realizada dentro das
integrais da equação (2.36).
A equação da constante de integração, na avaliação de
substâncias puras, é representada conforme abaixo,

(2.37)

Considerando a possibilidade de misturas, a constante da equação (2.37)


assume a forma generalizada,

(2.38)

No limite de validade da mecânica clássica, a função partição


canônica pode ser escrita da seguinte forma:

(2.39)

( )
∫∫ (2.40)

E a função distribuição,

( )
(2.41)

Mecânica Estatística e Termodinâmica 21

2.4 Relações com a Termodinâmica

As primeiras propriedades termodinâmicas a serem relacionadas


são as mecânicas. De fato, estas propriedades caracterizam variáveis
dinâmicas no conjunto canônico. Como a função partição canônica é
função da energia, a primeira propriedade termodinâmica a ser
relacionada é, naturalmente, a energia.
Das relações (2.18) e (2.41),

〈 〉 ∫∫ (2.42)

Neste caso,

(2.43)

Mas,

( ) ∫∫ 〈 〉 (2.44)

Então

( ) (2.45)

A outra variável dinâmica a ser analisada é a pressão. Utilizando


o mesmo princípio aplicado à energia interna,

〈 〉 ∫∫ (2.46)

A relação da pressão com a energia mecânica é

( ) (2.47)
22 Capítulo 2

A validade da equação acima é para pequena expansão, sem alterar o


estado quântico do sistema. Assim,

〈 〉 ∫∫ ( ) (2.48)

Mas,

( ) ∫∫ ( )

Então,

〈 〉 ( ) (2.49)

Com as relações já obtidas para energia interna e pressão, além de


algumas manipulações algébricas e estatísticas, é possível obter uma
relação para a entropia:

〈 〉 (2.50)

Uma propriedade que vale a pena ser comentada é a energia livre


de Helmholtz. Através da relação termodinâmica

e das equações (2.45) e (2.50), estabelece-se a seguinte relação com a


mecânica estatística,

〈 〉 (2.51)

A energia livre de Helmholtz é convenientemente utilizada para a


obtenção das demais propriedades termodinâmicas pelo fato de que
estas podem ser representadas como derivações da energia livre de
Helmholtz no conjunto canônico. Lembrando-se das variáveis
Mecânica Estatística e Termodinâmica 23

independentes do conjunto canônico, apresentadas na equação (2.33) e


tendo em vista a equação a seguir,

∑ (2.52)

Torna-se fácil obter as seguintes relações:

( ) (2.53)

( ) (2.54)

( ) (2.55)

Por este motivo, a energia livre de Helmholtz é conhecida como função


geradora na mecânica estatística. As diversas propriedades
termodinâmicas, em termos da função partição canônica, encontram-se
na Tabela 2.1, em concordância com o exposto por Reed e Gubbins
(1973) e por McQuarrie (2000).
24 Capítulo 2

Tabela 2.1 – Propriedades termodinâmicas em termos da função partição


canônica.

∫∫ (2.56)

( ) (2.57)

( ) (2.58)

(2.59)

Entalpia
(2.60)
( ) ( )

(2.61)

( ) (2.62)

( ) (2.63)

( ) (2.64)

( ) (2.65)

2.5 Função Partição Canônica numa Abordagem Semiclássica

Conforme exposto no tópico anterior, é possível notar que a


ponte entre a mecânica quântica (incluindo o limite em que a mecânica
clássica se torna aplicável) e a termodinâmica se dá através da função
partição canônica. Deste modo, o sucesso nos resultados das
propriedades termodinâmicas está completamente vinculado à correta
abordagem e cálculo da função partição canônica, que varia conforme a
complexidade do sistema.
Foi exposto no tópico 2.1 que a energia das partículas pode ser
representada por duas parcelas: cinética e potencial. A contabilização de
Mecânica Estatística e Termodinâmica 25

somente estes dois termos é válida para compostos monoatômicos a


altas temperaturas (acima de 50K, por exemplo). Em se tratando de
moléculas poliatômicas, outras formas de energia podem ser
contempladas, como a energia de vibrações moleculares ou de
contribuições referentes a campos eletrônicos. Estes modos de energia
são obtidos através da teoria quântica e podem ser incluídos na equação
da energia (2.6) da seguinte forma:

(2.66)

sendo o modo de energia das contribuições quânticas (vibracional,


eletrônica, etc). Para dar seguimento ao desenvolvimento teórico, é
assumida a hipótese de que os modos de energia da mecânica clássica,
e , são independentes dos modos de energia quânticos (Reed e
Gubbins, 1973), dado que aqueles envolvem somente os graus de
liberdade referente ao centro de massa (translacional) enquanto estes,
somente os graus de liberdade intramoleculares (vibrações, rotações e
eletrônicos). É evidente que tal hipótese pode implicar em erros
consideráveis para algumas aplicações. Por exemplo, na análise de
moléculas poliseguimentadas, as colisões intermoleculares provenientes
da energia cinética translacional podem se converter em energia cinética
rotacional, que está incluída no terceiro termo da equação(2.66), e vice-
versa, invalidando a hipótese. No entanto, a inclusão destas interações
em soluções analíticas normalmente é inviável.
Assumindo

tem-se,

∫∫∫∫ (2.67)

Utilizando o recurso da equação (2.21),


26 Capítulo 2

∫∫ ∫∫ (2.68)

Isto implica na seguinte relação

(2.69)

Nota-se na equação (2.69) que a energia intramolecular depende


da estrutura interna da molécula e independe da densidade. De acordo
com Reed e Gubbins (1973), apesar de esta hipótese não ser exata para
fluidos reais, ela é exata no limite de gás ideal. Ela também é válida para
fluidos compostos de moléculas monoatômicas, como o argônio, o
criptônio e o xenônio, e para alguns sais fundidos, mesmo a altas
densidades.
Enquanto os estados internos são tratados quanticamente, em
muitos casos, os estados translacionais podem ser tratados à maneira
clássica. Este tratamento é válido geralmente à temperaturas acima de
50K, exceto hidrogênio líquido, hélio, neônio e sólidos a baixas
temperaturas. Retomando o operador hamiltoniano da equação (2.6), a
função partição do centro de massa pode ser escrita por:

∑ ∑
(2.70)
∫∫

do recurso da equação (2.21),

∑ ∑
(2.71)
∫ ∫

Com a solução da energia cinética, tem-se, para substância puras,

[ ] ∫ (2.72)

Ou
Mecânica Estatística e Termodinâmica 27

(2.73)

Onde,

( ) (2.74)

∫ (2.75)

O termo é a integral configuracional. Os limites de integração são as


dimensões geométricas que compõem o volume do sistema e, caso o
fluido não esteja sujeito a campos externos, ela será o resultado das
forças intermoleculares do fluido. No caso de gás ideal, e
. Para gases rarefeitos, gases densos e líquidos, modelos
empíricos são desenvolvidos para caracterizar a energia potencial
intermolecular. A integral configuracional é de suma importância para a
termodinâmica de líquidos. Grandes esforços têm sido despendidos na
elaboração de teorias capazes de fornecer bons resultados com esta
integral e alguns serão apresentados ao longo deste documento.
Retomando ao desenvolvimento anterior, tem-se a equação final
para a função partição canônica,

(2.76)

Esta equação é a base da termodinâmica estatística de fluidos


monoatômicos rarefeitos e densos.
28 Capítulo 2

2.6 Modelos de Energia Potencial

A energia potencial, presente na integral configuracional é a


função responsável pela estrutura do sistema termodinâmico. Esta
função pode ser expressa matematicamente como a soma de todas as
combinações de interações moleculares,

∑ ∑ ∑ (2.77)

Onde o primeiro termo à direita da equação representa todas as


interações dos pares de moléculas. O segundo, todas as interações entre
trios e assim por diante nas demais interações de ordem superior. As
interações aos pares constituem a parcela quantitativa de maior peso na
equação (2.77), permitindo que as interações triplas e superiores sejam
negligenciáveis em diversas situações, de modo que:

∑ (2.78)

Além da conveniência matemática, esta simplificação se faz necessária,


dado que ainda hoje não existe um conhecimento físico adequado
concernente a interações entre três ou mais corpos (Boublík, Nezbeda e
Hlavatý (1980). A hipótese que permite a simplificação da equação
(2.77) culminando em (2.78) é nomeada hipótese da aditividade aos
pares.
A energia potencial intermolecular manifesta-se através das
forças de campo de atração e repulsão entre as moléculas. Nos modos de
interações mais simples, consideram-se moléculas esféricas apolares.
Nesse tipo de molécula, a força de atração entre seus pares é devido à
flutuação mútua dos dipolos induzidos das moléculas, superando a força
repulsiva quando as moléculas se encontram suficientemente distantes.
A distâncias próximas ao diâmetro molecular, as forças repulsivas se
tornam impressionantemente relevante, aumentando com a aproximação
do par de moléculas. Este tipo de força é provocada pela repulsão
internuclear e sobreposição das camadas eletrônicas entre as moléculas
(Hill, 1960). A relação entre a força líquida e a energia potencial de um
par de moléculas obedece à seguinte relação:
Mecânica Estatística e Termodinâmica 29

(2.79)

Onde , ou simplesmente , é a distância entre o par de moléculas. O


negativo presente na equação está relacionado ao trabalho necessário
para separar as duas moléculas da distância até uma distância
infinita. Assim, é convencionado que a força de repulsão é positiva,
enquanto a de atração, negativa.
O modelo do par potencial mais simples é o de esferas duras (HS
– Hard Spheres), expresso da seguinte forma,

(HS)

(2.80)

Onde é o diâmetro da esfera dura. Este modelo contempla somente as


forças de repulsão e sugere choques perfeitamente elásticos entre as
partículas, consideradas corpos rígidos.
Dentre os modelos que consideram um potencial atrativo, o mais
simples é o potencial de poço quadrado (SW – Square Well). A parcela
atrativa do potencial é uma constante, presente num raio de ação
arbitrário com valor máximo de . Assim como no modelo HS, este
considera repulsão infinita na colisão das moléculas, respeitando a
seguinte equação:

(SW)

(2.81)

Vale notar que o modelo sugere o equilíbrio entre as forças de atração e


repulsão no intervalo , uma vez que aí a força líquida é nula.
Este modelo é amplamente utilizado, pois em diversas aplicações
garante bons resultados, apesar de não aparentar um comportamento
realístico da energia potencial, principalmente devido à descontinuidade
da função.
30 Capítulo 2

Em potenciais de energia mais realísticos, procura-se levar em


conta as parcelas de repulsão e atração numa equação contínua. Dentre
os modelos existentes, o padrão mais comum é do tipo:

(2.82)

Onde os termos , , e são constantes positivas e . Nesse


sentido, o potencial de Mie apresenta um arranjo genérico que tem como
informações o estado mínimo da energia potencial e o
diâmetro molecular , compondo a seguinte relação,

( ) (2.83)
[( ) ( ) ]

Através de alguns estudos, constatou-se que as forças atrativas


obedecem a uma proporção de e, portanto, a parcela atrativa do
potencial corresponde à proporção . Esta relação, provenientes de
resultados da mecânica quântica, é conhecida como a “dispersão de
London” ou “forças atrativas de van der Waals”. Com , tem-se da
equação de Mie (2.83),

( ) [( ) ( ) ] (2.84)

O cálculo teórico do termo de repulsão é praticamente impossível.


Assim, alguns autores ajustam o termo a resultados experimentais,
conseguindo obter equações precisas para o par potencial.
Uma alternativa para contornar a necessidade de dados experimentais é
a equação semi-empírica de Lennard-Jones (LJ). Este modelo é
amplamente utilizado na caracterização de propriedades termofísicas de
líquidos e considera na equação (2.84) resultando numa simples
relação,

(LJ)

[( ) ( ) ] (2.85)
Mecânica Estatística e Termodinâmica 31

Em alguns casos especiais, é possível simplificar o modelo LJ,


pelo modelo Lennard-Jones modificado (MLJ - Modified Lennard-
Jones), permitindo que, para uma dada distância intermolecular
arbitrária , o potencial resultante, de predominância atrativa,
seja infinito. Tal potencial é representado por:

(MLJ)

(2.86)
[( ) ( ) ]

Os quatro potenciais apresentados nesta seção encontram-se


esquematizados desde a Figura 2.2 até a Figura 2.5, respectivamente.
Como referência para consultar mais modelos de energia potencial, vale
recorrer a Prausnitz, Lichtenthaler e Azevedo, 1999.

u(r)

Figura 2.2 – Modelo de Esferas Duras (HS).


32 Capítulo 2

u(r)

Figura 2.3 – Modelo de Poço Quadrado (SW).

u(r)

Figura 2.4 – Modelo de Lennard Jones (LJ).


Mecânica Estatística e Termodinâmica 33

MLJ
u(r) LJ

Figura 2.5 – Modelo de Lennard Jones Modificado (MLJ) comparado ao


modelo Lennard-Jones (LJ).
3 Funções de Distribuição

Nas relações termodinâmicas concernentes aos gases, a equação


do virial desempenha um papel de suma importância para a equação de
estado. Esta equação se trata de uma expansão em série em torno da
densidade, sendo descrita da seguinte forma:

∑ (3.1)

Onde

( )
[ ] (3.2)

Cada termo do coeficiente do virial representa interações, na


sequência crescente de , entre dois corpos, entre três corpos e assim
sucessivamente. Por isso, ao contrário do que se possa parecer à
primeira vista, os coeficientes do virial não se tratam meramente de
ajustes empíricos, mas estão intrinsecamente relacionados ao potencial
de energia intermolecular. Sendo assim, a equação (3.1) se destaca entre
as equações de estado por sua rigorosa fundamentação teórica.
Entretanto, sua aplicação está limitada pelo raio de convergência
da densidade no qual é possível calcular valores realísticos de pressão.
O raio de convergência, naturalmente, inclui o limite de gás ideal e
abrange densidades típicas de gases rarefeitos. A inadequação da
equação do virial para densidades de gases densos e líquidos pode estar
relacionada ao fato de que nessas condições, as interações moleculares
já não podem ser tratadas em sequências de dois corpos, três corpos etc
(McQuarrie, 2000), fazendo-se necessário o desenvolvimento de teorias
mais diretas que envolvam tratamentos multicorpos.
Nas teorias de líquidos da mecânica estatística, a função
distribuição radial desempenha papel fundamental, podendo ser aplicada
diretamente na determinação das quantidades termodinâmicas ou
indiretamente, nas teorias de perturbação, que calculam a integral
36 Capítulo 3

configuracional e daí, as relações termodinâmicas. A chave para a


relevância desta função distribuição está relacionada à hipótese
simplificativa da aditividade aos pares na energia potencial
intermolecular.
A seguir, será apresentado o desenvolvimento estatístico que
culmina na função distribuição radial. A vantagem desta função fica
evidente na seção posterior, onde as propriedades termodinâmicas de
líquidos são relacionadas diretamente à função distribuição radial e à
energia potencial. Nas seções 3.3 e 3.4, são apresentadas as principais
teorias clássicas da função distribuição radial para fluidos puros e
misturas, respectivamente. Por fim, constam na seção 3.5 algumas
resoluções da função distribuição utilizando modelo de esferas duras.
Tais resoluções são particularmente úteis na aplicação às consolidadas
teorias de perturbação em líquidos, que serão apresentadas no próximo
capítulo.

3.1 Função Distribuição Radial

Conforme apresentado no capítulo anterior, na equação (2.15), é


possível definir a probabilidade de uma configuração espacial de
moléculas distinguíveis num sistema de conjunto canônico e com
coordenadas espaciais (vetoriais) , sendo o número que designa cada
molécula, da seguinte forma:

(3.3)
∫ ∫

Esta função representa a probabilidade de se observar a molécula


contida no volume , na posição e assim sucessivamente para as
demais moléculas, sendo dependente da energia potencial. A energia
potencial, por sua vez, é dada por . A equação (3.3)
está relacionada à integral configuracional, uma vez que, pela relação
(2.75), pode ser reescrita por:

(3.4)

No caso de moléculas indistinguíveis, a integral configuracional é


fracionada pelo termo “ ” resultando na seguinte probabilidade,
Funções de Distribuição 37

(3.5)

Quando se deseja avaliar um número de moléculas ,


independentemente das demais moléculas, aplica-se o recurso da
equação (2.20). A probabilidade de se observar um número de
moléculas indistinguíveis numa dada configuração é ,
sendo a densidade de probabilidades para as moléculas, definido
assim:

∫ ∫ (3.6)

A família de equações provenientes da densidade de


probabilidades é utilizada na determinação da configuração do
sistema. Particularmente, as densidades de probabilidade e
fornecem, respectivamente, a densidade do fluido e sua função
distribuição radial.
Assumindo na equação (3.6), tem-se a que a probabilidade
de se observar uma molécula no volume , na posição é,

∫ ∫ (3.7)

A partir desta equação, é possível chegar que a média volumétrica da


densidade de probabilidade é a própria densidade molecular do
fluido, procedendo conforme abaixo até a equação (3.9),

∫ ̅

∫ [∫ ∫ ]
(3.8)

Da propriedade (2.16), tem-se que,


38 Capítulo 3

̅ (3.9)

Retornando agora às relações gerais de densidade de


probabilidade, a equação (3.6) pode ser alternativamente representada
pela seguinte relação:

(3.10)

Esta equação deriva da consideração de que a probabilidade de uma


dada configuração de moléculas é proporcional à probabilidade da
configuração de cada uma das moléculas avaliada independentemente
das demais, ponderadas por um coeficiente de correlação ou função
correlação . Assim, se não houver interações
moleculares, e

(3.11)

Esta relação encontra-se em consonância com a equação (2.21), cuja


validade se dá quando as variáveis são estatisticamente independentes.
Na existência de interações moleculares, faz-se necessário o
conhecimento da função no domínio para a solução da
equação (3.10). Na condição de isotropia do meio fluido, a equação
(3.10) pode ser resumida por:

(3.12)

No caso específico de , depende somente da distância


relativa entre as moléculas e não das suas posições em si. Isso permite
representar a função correlação da seguinte forma:

(3.13)

Onde | | se trata de uma variável escala que indica


distância ou um raio de alcance.
Funções de Distribuição 39

Substituindo (3.13) na equação (3.12), para ,

(3.14)

A função correlação , ou simplesmente , é conhecida


como função distribuição radial. Esta função correlaciona a
probabilidade de encontrar moléculas, a partir de uma molécula
arbitrária, num raio de alcance . Integrando a equação (3.14) no
volume do sistema, tem-se:

∫∫ (3.15)

O lado direito da equação (3.14) é,

∫∫ ∫ (3.16)

Portanto,

∫ (3.17)

O que mostra que a probabilidade de se encontrar moléculas no volume


do sistema, a partir de uma molécula arbitrária, multiplicado pela
densidade do sistema é igual ao número total de moléculas , subtraída
a molécula tomada como referência. Essa integração reforça o
argumento do significado da função distribuição de segunda ordem.
Ademais, a função distribuição radial pode ser vinculada à
densidade local do sistema através da integração da equação (3.14) em
. Definindo a densidade local como,

∫ (3.18)
40 Capítulo 3

Então, tem-se a seguinte relação:

(3.19)

Figura 3.1 – Características gerais de , num determinado estado


termodinâmico de um fluido monoatômico simples. A linha contínua
representa um fluido denso; a linha tracejada representa um gás rarefeito.
(Reproduzido de Reed e Gubbins, 1973).

Na Figura 3.1, é possível observar qualitativamente o


comportamento da função distribuição radial dependente do raio de
ação. Nota-se, através da figura, que é necessário romper uma distância
mínima para que a função seja maior que zero. Isto ocorre porque a
distância avaliada é menor que o raio da molécula tomada como
referência. Assim, é natural que a probabilidade de se encontrar
moléculas em seu entorno seja nula nesta região. Além disso, no limite
em que , a função distribuição radial tende à unidade. Isso indica
a ausência de interação entre a molécula de referência e moléculas que
estejam dela muito distantes. Por fim, nota-se sensível diferença entre os
comportamento das funções aplicadas a líquido e a gás. Dado que a
densidade em líquidos é consideravelmente superior que em gases, as
vizinhanças de cada molécula são altamente povoadas por outras
moléculas nos líquidos, indicando composição estrutural ordenada num
Funções de Distribuição 41

raio de ação de curto alcance. Tal ordenamento é devido às forças


repulsivas intermoleculares. Já em gases, o comportamento da função
distribuição indica o estado caótico da configuração do fluido, visto que
a função rapidamente converge para a unidade.
Através da Figura 3.1, evidencia-se que a função distribuição
radial não depende somente da distância relativa entre moléculas, mas
também do estado termodinâmico do fluido, sendo mais precisamente
representada por .

3.2 Relação Direta com a Termodinâmica

A primeira relação a ser definida é a energia interna. Substituindo


a função partição canônica da equação (2.76) em (2.57) e derivando a
equação, tem-se

( ) (3.20)

Ou ainda,

∫ ∫ (3.21)

Da hipótese de aditividade aos pares, que permite a validade da equação


(2.78), o segundo termo da equação (3.21) pode ser escrito por,

∫ ∫ (3.22)

O somatório de todos os pares de energia potencial é equivalente a


vezes o par potencial das moléculas 1 e 2. A equação
(3.22) ainda pode ser manipulada da seguinte forma:

∫ ∫
∫ ∫ [ ]

Da equação (3.6), a equação acima pode ser representada por,


42 Capítulo 3

∫ ∫ (3.23)

Da hipótese de isotropia,

∫ ∫ ∫

Com isso, a equação da energia interna pode ser escrita da seguinte


forma:

∫ (3.24)

Pela equação (3.24) conclui-se que uma propriedade termodinâmica


pode ser relacionada diretamente com a função distribuição radial, além
da energia potencial. Com algumas manipulações algébricas e relações
termodinâmicas, é possível determinar as demais propriedades
termodinâmicas em função de e de . As equações da
pressão, da energia livre de Helmholtz e do potencial químico são,
respectivamente:

∫ (3.25)

[ ( ) ]
(3.26)
∫ [∫ ]
Funções de Distribuição 43

( )
(3.27)
[ ∫ [∫ ]]

Onde é a parcela da função partição canônica que contempla os


modos de energia intramoleculares por molécula num gás ideal. Esta
abordagem foi extraída do livro de Reed e Gubbins, 1973. Vale
consultar esta referência para maiores detalhes acerca da obtenção do
conjunto de relações termodinâmicas com a função distribuição radial.
Outras referências que trazem este tópico são McQuarrie (2000) e Hill
(1956).
Uma relação relevante na mecânica estatística é a da
compressibilidade isotérmica. Ela é obtida considerando as variáveis
independentes da função partição grancanônica, resultando em:

( ) ∫ [ ] (3.28)

É interessante observar nesta equação sua independência da


energia potencial. Pelo fato de dispensar modelos de energia potencial
para sua solução, ela é mais fundamental que a equação (3.25). Se
realmente a energia potencial de um fluido for aditiva aos pares, as
equações (3.28) e (3.25) são equivalentes. De fato, estas duas equações
são utilizadas como teste de consistência em teorias da função
distribuição radial. Outro ponto interessante desta equação é que dela
surge a função correlação total , dada por

(3.29)

Como característica, a função correlação total se aproxima de zero


quando o par de variáveis tende a ser estatisticamente independente, ou
seja, quando .
As relações diretas entre as propriedades termodinâmicas e as
duas propriedades microscópicas (função distribuição radial e a energia
potencial intermolecular) motivaram o desenvolvimento de teorias para
determinar a função distribuição radial em líquidos. De fato, a função
distribuição radial pode ser obtida por três vias distintas:
44 Capítulo 3

1. Analiticamente: por meio de teorias;


2. Numericamente: através de simulações de dinâmica
molecular ou pelo método de Monte Carlo;
3. Experimentalmente: por difração de raios X.

Naturalmente, as soluções analíticas destacam-se por sua


viabilidade e simplicidade de cálculo. Em contrapartida, geram
resultados menos precisos que aqueles obtidos numérica ou
experimentalmente.
A seguir, serão apresentadas as principais teorias clássicas da
função distribuição radial, com algumas comparações a resultados
numéricos e experimentais.

3.3 Teorias da Função Distribuição Radial

Dentre as teorias clássicas de função distribuição radial, podem-


se citar quatro bem conhecidas: a teoria de Yvon-Born-Green (YBG), a
da cadeia hiperpenetrada (HNC – Hypernetted Chain), a de Percus-
Yevick (PY) e a teoria de Rowlinson ou da autoconsistência (SC – Self-
Consistent). Serão apresentadas aqui as equações finais referentes a cada
teoria e as principais considerações. Os respectivos desenvolvimentos
são relativamente extensos e fogem do escopo do presente trabalho. Para
maiores detalhes teóricos vale consultar Reed e Gubbins (1973),
McQuarrie (2000) e Boublík, Nezbeda e Hlavatý(1980).
Funções de Distribuição 45

3.3.1 Teoria de Yvon-Born-Green (YBG)

A teoria YBG deriva de uma equação geral para a função


correlação . Esta é dada por:

( ) ( )
∑ ∫
(3.30)

A função distribuição radial consiste no caso específico em que ,

( )
∫ (3.31)

Vale notar nas duas equações acima que a função correlação de ordem
depende da função correlação de ordem superior ( ). Isso encerra
uma dificuldade na solução destas famílias de equações. No caso da
equação (3.31), a função distribuição radial depende da função
correlação tripla , a qual não é conhecida.
Kirkwood sugeriu uma aproximação simples para , nomeada
de aproximação da superposição. Esta estabelece que a probabilidade de
se observar uma configuração específica de três partículas ocupando as
posições 1, 2 e 3 é equivalente ao produto dos pares de ocupação. Esta
aproximação indica independência estatística na correlação tripla em
relação a correlações aos pares, permitindo a seguinte aproximação:

(3.32)

Com isso, a equação (3.31) pode ser desacoplada do termo de terceira


ordem, resultando na equação YBG, escrita em sua forma final:

(YBG)

(3.33)
( )

46 Capítulo 3

O fato de a aproximação de Kirkwood ser relativamente grosseira


e de a equação (3.33) ser sensível à correlação faz da teoria YBG
pouco precisa para a determinação da função distribuição radial.

3.3.2 Teorias da Cadeia Hiperpenetrada (HNC) e de Percus-


Yevick (PY)

As teorias HNC e PY têm como ponto de partida outra


abordagem, através da função correlação total . Esta é relacionada
a dois termos principais:

∫ (3.34)

O termo é a função correlação direta e relaciona a influência


direta da molécula 1 na molécula 2 e vice-versa. O segundo termo
relaciona todas as contribuições indiretas de interação entre as
moléculas 1 e 2 através de outras moléculas. Este termo pode ser
expandido numa série que relaciona somente funções correlação direta,


(3.35)

A função correlação direta, assim como a energia potencial entre um par


de moléculas, tende a zero conforme . Além disso, ambas as
funções são de curto alcance comparadas a . Isso permite que a
teoria resultante deste tratamento não seja tão sensível à acurácia das
aproximações envolvidas. Além disso, vale notar que em gases
rarefeitos a função correlação total tende à função correlação direta, uma
vez que as interações tendem a ser somente entre pares de moléculas.
Estas observações encontram-se ilustradas na Figura 3.2.
Funções de Distribuição 47

Figura 3.2 – Comparação do comportamento da função correlação direta e


da função distribuição radial. (Reproduzido de McQuarrie, 2000).

É possível demonstrar matematicamente, através das equações


(3.34) e (3.28), que,

( ) ∫ (3.36)

Conhecendo o comportamento da função correlação total por meio de


resultados experimentais, foi possível propor expressões aproximadas
para a função correlação direta. As aproximações HNC e PY são
contempladas, respectivamente:

(HNC)
(3.37)
48 Capítulo 3

(PY)

( ) (3.38)

Substituindo (3.37) e (3.29) em (3.34), tem-se a equação da


cadeia hiperpenetrada:

(HNC)

(3.39)
∫[ ][ ]

Outrossim, através da aproximação (3.38),

(PY)

∫[ ] [ ] (3.40)

De acordo com Reed e Gubbins, 1973, algumas conclusões podem ser


tiradas acerca de testes comparativos das teorias aqui apresentadas:

1. As teorias funcionam bem para baixas e moderadas densidades,


mas falham quantitativamente na concordância de resultados a
altas densidades, sobretudo no estado líquido;
2. As discrepâncias a altas densidades são particularmente
perceptíveis no cálculo da pressão, que depende sensivelmente
da função ;
3. As teorias PY e HNC são distintamente superiores à YBG
(exceto na previsão de transição de fase). Sob a maioria das
condições, a teoria PY é superior à HNC. Entretanto, a HNC
aparenta superioridade a baixas temperaturas e moderadas
densidades.
Funções de Distribuição 49

3.3.3 Teoria da Autoconsistência

No desenvolvimento da teoria da autoconsistência, Rowlinson


considerou que, dada a validade da hipótese da aditividade aos pares, os
resultados de pressão obtidos pela equação da pressão (3.25) e da
compressibilidade isotérmica (3.28) devem ser iguais se for exato.

Figura 3.3 – Equação de estado como função da densidade reduzida


para um fluido de esferas duras. (Reproduzido de Reed e Gubbins, 1973).

Na Figura 3.3, comparando resultados de equação de estado,


obtidas com o auxílio de teorias da função distribuição radial, nota-se
que as teorias HNC e PY são as que mais se aproximam do resultado
50 Capítulo 3

exato, formando como que limites superior e inferior, respectivamente.


Sendo assim, o autor sugeriu uma equação ponderada para a função
correlação direta da seguinte forma:

(3.41)

Onde é a função correlação direta de Percus-Yevick (3.38) e é


dado por:

[ ] (3.42)

A função é um termo de ajuste para igualar os resultados de


pressão obtidos pelas duas equações distintas. Este termo pode variar
entre 0 e 1. Se for 0, a função correlação direta é igual à de PY. Caso
seja 1, é igual à HNC (3.37). A Tabela 3.1 apresenta os resultados
obtidos até o quinto termo da equação do virial para esferas duras,
considerando as diversas teorias apresentadas neste trabalho, além do
resultado exato de simulação computacional.

Tabela 3.1 – Coeficientes do Virial calculados considerando modelo de


esferas duras para a energia potencial e diversas teorias para a função
distribuição radial. (Reproduzido de McQuarrie, 2000, e de Reed e Gubbins,
1973).

Coeficiente
Exato YBG HNC PY SC
do Virial*

*coeficientes reduzidos pelo segundo coeficiente do virial para esferas


duras .
Funções de Distribuição 51

Em suma, conforme exposto por Reed e Gubbins (1973), as


teorias PY, HNC e SC garantem resultados satisfatórios de propriedades
de fluidos simples numa faixa de densidades desde o limite de gás ideal
até valores próximos à densidade crítica. Mas no ponto crítico, as
discrepâncias são consideráveis.
Algumas propriedades termodinâmicas, como a entropia e a
energia interna, são relativamente insensíveis a e, portanto,
admitem uma faixa de densidade relativamente ampla na qual seja
possível calculá-las com boa precisão. Por outro lado, a pressão é
altamente sensível a , de modo que as teorias garantem somente a
ordem de magnitude da pressão de líquidos. Essa dificuldade é natural,
visto que as isotermas observadas no diagrama PV são muito íngremes
na região líquida. Já o cálculo inverso da densidade, conhecendo-se
pressão e temperatura do líquido pode ser realizado com sucesso através
das teorias aqui apresentadas.

3.4 Extensão à Misturas

As equações apresentadas neste capítulo, desenvolvidas para


fluidos puros, podem ser estendidas a misturas num modo direto.
Considerando a existência de uma mistura de substâncias num
sistema, deverá existir funções distribuição radial
, onde e designam cada um dos pares de componentes da
mistura. Assim, as equações da função correlação total e da função
correlação direta na teoria PY podem ser escritos, respectivamente, por:

∑ ∫ (3.43)

( ) (3.44)

3.5 Funções de Distribuição Aplicadas a Esferas Duras

As teorias de função distribuição radial apresentadas até aqui são


adequadamente aplicáveis a fluidos a baixa e moderada densidades,
deixando ainda uma lacuna teórica para boa representação de líquidos.
Sabe-se, porém, que a configuração intermolecular de líquidos é
determinada pelas forças repulsivas. Esta afirmação é evidenciada nos
52 Capítulo 3

testes apresentados na Figura 3.4, em que a função distribuição radial é


obtida através de dois resultados de simulação computacional e de um
terceiro resultado de solução analítica. No caso da simulação
computacional, as abordagens diferem na escolha dos modelos de
energia potencial: Um deles considera potencial Lennard-Jones,
enquanto o outro, potencial Lennard-Jones com cut-off (raio de alcance
até) ao final da região repulsiva. A solução exata é considerada a da
simulação com potencial LJ. Na Figura 3.4, é possível observar que
ambos os resultados de simulação apresentaram-se concordantes,
mostrando justamente que as forças repulsivas são determinantes na
configuração do fluido. Por outro lado, a solução analítica apresenta
pouca precisão na determinação da função distribuição.

Figura 3.4 – Cálculos para um sistema hipotético de argônio a


, , ⁄ , . A linha
contínua representa cálculos com potencial LJ a ; os pontos
esféricos representam o potencial LJ com cut-off a à ;
os pontos em “X” representam resultados da teoria PY. (Reproduzido de
Tiepel, 1971).

Se por um lado as forças repulsivas são responsáveis pela


estrutura do fluido, por outro, as forças atrativas determinam sua
densidade. Assim, uma vez conhecida a densidade, os modelos de
energia potencial que consideram somente forças repulsivas podem ser
Funções de Distribuição 53

suficientes para gerar bons resultados. Isso é importante, pois modelos


desse tipo têm custo computacional consideravelmente inferior a
modelos de longo alcance. Estes precisam ser integrados dentro de uma
distância razoável, enquanto modelos repulsivos podem ser integrados
numa região pequena, como no modelo LJ com cut-off ou simplesmente
resolvidos num ponto, como nos modelos de esferas duras.
De fato, o modelo de esferas duras distingue-se como o potencial
mais simples para caracterização de líquidos e tornaram-se muito úteis
aplicados às teorias de função distribuição radial e estas, por sua vez,
aplicadas às teorias de perturbação. Este procedimento de uso da função
distribuição radial em outra teoria que leva à determinação da função
partição canônica e, assim, às propriedades termodinâmicas permite
maior tolerância a eventuais imprecisões na função distribuição radial
em relação à sua utilização direta na obtenção das propriedades
macroscópicas, conforme exposto na seção 3.2.
De acordo com Reed e Gubbins (1973), as principais
características das teorias de função distribuição radial aplicadas a
esferas duras são:

1. A função partição, e similarmente , depende


somente de e e independe de . Isso torna o
diagrama de fases muito simplificado;
2. Devido à ausência de forças de atração, a única transição
de fases é fluido-sólido (não há a transição gás-líquido);
3. As propriedades termodinâmicas de esferas duras
dependem de somente no ponto de contato .
Assim, ;
4. Diversas expressões teóricas e empíricas de estão
disponíveis na literatura para modelos de esferas duras.
Particularmente, as teorias PY e da Partícula Escalada
(SPT) fornecem equações analíticas simples para ,
precisas até altas densidades;
5. Resultados de máquina estão disponíveis para e
para equação de estado em ampla faixa de condições de
estados;
6. Fluidos reais se comportam como fluidos de esferas
duras no limite de altas temperaturas;
54 Capítulo 3

7. A hipótese de aditividade aos pares é exata para fluidos


de esferas duras.

O argumento da independência da função distribuição radial em


relação à temperatura pode ser comprovado através de manipulação das
equações (3.20) e (3.21). Nota-se que a diferenciação da integral
configuracional pela temperatura é dada por:

( ) ∫ ∫ (3.45)

Do modelo de esferas duras para a energia potencial, tem-se:

(3.46)

Isso leva o resultado da equação (3.45) a zero, mostrando a


independência da integral configuracional com a temperatura.
Consequentemente, a função distribuição radial também é independente
da temperatura.
Dentre as teorias clássicas de função distribuição radial aplicadas
a esferas duras, destacam-se a da autoconsistência (SC) e a de Percus-
Yevick (PY). A função (função distribuição radial de esferas
duras) de SC apresenta resultados superiores à de PY, quando
confrontados a resultados de simulação computacional pelo método de
Monte Carlo. Os desvios máximos na teoria SC são da ordem de 2,5%
(Reed e Gubbins, 1973). No entanto, a teoria SC não pode ser expressa
analiticamente, mas através de resultados tabulados . Já a teoria
PY tem como resultado de integração da equação (3.40) uma solução
exata, expressa da seguinte forma:

( ) (3.47)
( )

Onde,
Funções de Distribuição 55

∑ (3.48)

Carnahan e Starling, através de resultados exatos de dinâmica


molecular para esferas duras, propuseram uma equação empírica para a
função distribuição radial em misturas:

( )
( )
(3.49)
( )
( )

Vale notar que a equação (3.49) difere da (3.47) somente no fato de


conter um termo adicional ao lado direito da equação. A teoria CS está
em melhor concordância com os resultados computacionais que a PY.
No entanto, esta aproximação só considera a função distribuição no
contato intermolecular .
Quando aplicada às teorias de perturbação, a função distribuição
radial deve ser definida, não somente no contato ( ), mas em todo
. Por isso, em diversos trabalhos disponíveis na literatura, opta-se pela
solução analítica PY e por resultados computacionais do método de
Monte Carlo.
4 Teorias de Perturbação

As teorias apresentadas no capítulo anterior para caracterização


da função distribuição radial e, em última análise, da integral
configuracional, demonstraram-se bastante limitadas. Apesar dos bons
resultados obtidos para gases rarefeitos, manifestaram-se pouco precisas
para gases densos e líquidos.
Boublík, Nezbeda e Hlavaty (1980) comentam que a ausência de
técnicas analíticas e os altos custos computacionais para solução
numérica das equações integrais e integrodiferenciais limitam as
aplicações dos métodos discutidos na seção anterior à descrição do
comportamento de sistemas termodinâmicos muito simples. Inclusive
utilizando modelos de energia potencial intermolecular não realísticos.
Esta situação coloca à frente as teorias de perturbação em fluidos,
que permitem (pelo menos, em princípio) descrever o comportamento
de gases reais e líquidos de sistemas com interações intermoleculares
relativamente complicadas, tendo como referência sistemas
termodinâmicos e funções de distribuição mais simples.
Neste capítulo serão contempladas três teorias de perturbação: a
de Barker-Henderson para potencial repulsivo de esferas duras, a de
Barker-Henderson para esferas macias e a de Weeks-Chandler-
Andersen, para esferas macias. Dentre as teorias clássicas, talvez essas
possam ser consideradas as principais para aplicações em líquidos de
moléculas simples. Sua exposição é precedida por algumas
considerações fundamentais acerca das teorias de perturbação.
Resultados de propriedades termodinâmicas e de função distribuição
radial usando as três teorias são apresentados para avaliação dos
respectivos desempenhos, comparados com dados assertivos obtidos
numérica e experimentalmente.

4.1 Teoria de Perturbação e Expansão em Série Simples

Conforme observado no capítulo anterior, a parcela da energia


potencial predominante na configuração espacial das moléculas de
líquidos está relacionada às forças repulsivas. Este conhecimento prévio
do comportamento dos líquidos sugere potencias de referência que
contenham a parcela repulsiva da energia.
58 Capítulo 4

Na teoria de perturbação, a energia potencial entre um par de


moléculas é então escrita como a composição de duas parcelas: o
potencial de referência e o potencial de perturbação ,
resultando na equação a seguir,

(4.1)

O potencial de referência contempla parcial ou plenamente a


energia resultante das forças intermoleculares repulsivas, enquanto que
o potencial de perturbação contém predominantemente a energia
referente às forças atrativas.
Esta abordagem permite manipulação matemática da integral
configuracional de modo a representá-la através de expansão em série
de Taylor. Numa expansão simples, utiliza-se um parâmetro de
perturbação tal que a equação (4.1) é escrita por,

(4.2)

Onde . De fato, quando , tem-se a energia potencial


igual à energia de referência e quando , recupera-se a equação
(4.1) da energia total.
A integral configuracional pode ser escrita por:

∫ ∫ (4.3)

No caso de , . Assim, para a expansão em torno do


potencial de referência, tem-se:

( ) ( ) (4.4)

O subíndice indica o valor da derivada para . Além disso, nas


derivações parciais, todas as propriedades termodinâmicas encontram-se
fixas. Fazendo , tem-se a equação da integral configuracional
contendo toda a energia potencial, tal que:
Teorias de Perturbação 59

( ) ( ) (4.5)

A derivada de primeira ordem da equação acima pode ser


manipulada da seguinte forma,

( ) ( )

∫ ∫
(4.6)

Da hipótese de aditividade aos pares, (4.6) pode ser ainda escrito,

∫ ∫

[∫ ∫ ]

∫ ∫


(4.7)

Tomando na equação (4.7) tem-se e a forma


final da derivada de primeira ordem é escrita por,

( ) ∫ (4.8)

De fato, o parâmetro é um mero artifício para a expansão da série. Na


manipulação matemática das diversas derivadas da equação (4.5), pode-
se perceber que a expansão é, na realidade, expressa em potências de .
Se equação (4.5) for truncada no termo de primeira ordem, e tomando
, então a equação da integral configuracional pode ser
representada por,
60 Capítulo 4


(4.9)

A manipulação da derivada de segunda ordem da equação (4.5)


toma como ponto de partida a derivada primeira ordem, na forma da
equação (4.7), resultando em,

( ) ∫ ∫

[ ]
∫ ∫

∫ ∫
(4.10)

A solução de é dada utilizando a função partição


gran-canônica, cujo desenvolvimento pode ser encontrado em Reed e
Gubbins (1973). A equação (4.5), truncada no termo de segunda ordem,
é escrita na forma final dada por,

∫ ∫

∫ ∫ [ ]

∫∭ [

( ) { [ ∫ ∫ ]}
(4.11)
Teorias de Perturbação 61

4.2 Teoria de Barker e Henderson para Esferas Duras

Barker e Henderson (1967) propuseram uma teoria de


perturbação para modelo de energia potencial do tipo poço quadrado. A
equação da energia potencial do par no contexto de perturbação é do
tipo:

(4.12)

O termo determina o raio de alcance do mínimo de energia. Os autores


utilizaram uma aproximação definida por aproximação pela
compressibilidade macroscópica, de modo que a equação (4.11) seja
escrita por:

∫ ∫

∫ ∫ [ ] ( )

(4.13)

Na verdade, essa aproximação incide sobre a derivada de segunda


ordem da equação (4.5), em que os autores substituem os diversos
termos resultantes desta derivida, presentes na equação (4.11), por uma
única relação de integrais que contempla a função distribuição radial, a
energia potencial de perturbação e a compressibilidade isotérmica. Além
disso, os termos que contêm funções de distribuição de terceira e quarta
ordem são forçosamente negligenciados, dada a inexistência de
aproximações satisfatórias para tais funções.
Escrevendo a equação (4.13) em termos da energia livre de
Helmholtz, tem-se,
62 Capítulo 4

∫ [ ] ( )
(4.14)

Os autores ainda acreditam que a equação da energia livre pode ser mais
bem representada se, ao invés da consideração da compressibilidade
macroscópica, for utilizada a hipótese da compressibilidade local. Isso
significa substituir por ( ) na equação
(4.14), resultando em:

∫ [ ] ( )
(4.15)

Resultados de equação de estado foram obtidos através de


relações termodinâmicas a partir de (4.15) e confrontados com dados da
literatura de simulação pelos métodos de Monte Carlo (Figura 4.1) e
dinâmica molecular (Figura 4.2). Nas figuras, o eixo das abcissas é dado
por uma razão de volumes, onde representa o volume do sistema
termodinâmico, enquanto , um volume de empacotamento fechado
dado por √ . Além disso, o raio de ação da energia potencial de
perturbação é considerado . Nota-se que a altas temperaturas, a
teoria de Barker e Henderson funciona muito bem, conforme se pode
observar na Figura 4.1 e, principalmente, na Figura 4.2. Para
temperaturas mais baixas e a altas densidades, a teoria tende a perder
precisão, conforme se observa na Figura 4.1.
Por fim, os autores compararam as constantes críticas utilizando a
própria teoria com resultados de dinâmica molecular da literatura. Estes
se encontram na Tabela 4.1 e apresentam-se bastante precisos.
Teorias de Perturbação 63

Tabela 4.1 – Constantes críticas do potencial de poço quadrado.

Simulação
Teoria de BH
DM
1,32 1,28
~ 0,22 0,235
0,076 0,072

𝑃
𝜌𝜅𝑇

𝑉
𝑉
Figura 4.1 – Equação de estado para potencial de poço quadrado. Os pontos
são resultados de vários cálculos pelo método de Monte Carlo. As curvas
são isotermas calculadas pela equação (4.15). Os números em cada isoterma
são representados por . (Reproduzido de Barker e Henderson, 1967).
64 Capítulo 4

𝑃
𝜌𝜅𝑇

𝑉
𝑉
Figura 4.2 – Equação de estado para potencial de poço quadrado. Os pontos
são resultados de vários cálculos pelo método de dinâmica molecular. As
curvas são isotermas calculadas pela equação (4.15). Os números em cada
isoterma são representados por . (Reproduzido de Barker e Henderson,
1967).
Teorias de Perturbação 65

4.3 Teoria de Barker e Henderson para Esferas Macias1

Apesar de a escolha de um sistema de referência de esferas duras


ser bem adequada a fluidos de poço quadrado, ela não é completamente
satisfatória para sistemas compostos de moléculas com potenciais
repulsivos finitos. Quando aplicados a tais sistemas, a teoria da
perturbação usando esferas duras como estado de referência se torna
muito sensível à escolha do diâmetro de esferas duras. Um caminho para
superar esta dificuldade é introduzindo um segundo parâmetro de
perturbação, que permita expansão dupla e um potencial repulsivo de
declividade finita. Nesse sentido, Barker e Henderson definiram um
potencial de energia da seguinte forma:

( )

(4.16)

A energia potencial pode ser escrita ainda da seguinte forma:

[ ( )] ( )
(4.17)

Onde,

(4.18)

Assim, a expansão dupla em série de Taylor da integral configuracional


em função dos parâmetros de perturbação e é dada por:

1
Tradução livre de Soft Spheres.
66 Capítulo 4

( ) ( )

[ ( ) ( ) ( ) ]

(4.19)

Fazendo , recupera-se a equação da integral


configuracional obtendo,

( ) ( )

[( ) ( ) ( ) ]
(4.20)

Vale notar que o parâmetro de perturbação na equação (4.16)


desempenha a mesma função que o parâmetro de perturbação de (4.2).
Assim, as derivadas de primeira e segunda ordem de (4.20) em termos
de são equivalentes às desenvolvidas a partir de (4.5), culminando
em (4.11). A derivada de primeira ordem em termos de resulta em:

( ) { ∫ ( ) } (4.21)

De fato, para , a energia potencial independe de .


Isto significa que este termo pode ser arbitrado. Assim, uma equação
conveniente para o diâmetro efetivo é

∫ ( ) (4.22)

Nota-se através desta equação que se trata de um diâmetro efetivo de


esferas duras dependente da temperatura. No entanto, este termo é
independente da densidade e é menor ou igual ao diâmetro molecular .
Com a escolha do diâmetro efetivo pela equação (4.22), Barker e
Henderson (1967a) identificaram que a derivada de segunda ordem de
e a derivada cruzada de e resultam em valores desprezíveis
Teorias de Perturbação 67

diante dos demais termos de até segunda ordem. Tudo isso, permitiu a
que forma final da equação, incluindo a aproximação da
compressibilidade local, seja de acordo com,

( )
( ) [ ∫ [ ] ]
(4.23)

Aqui, o estado de referência é de esferas duras com diâmetro efetivo .

𝑑
𝜎

𝜅𝑇
𝜖
Figura 4.3 – Diâmetro efetivo molecular em função da temperatura.
(Reproduzido de Barker e Henderson, 1967a).
68 Capítulo 4

𝑃
𝜌𝜅𝑇

𝜌𝜎

Figura 4.4 – Equação de estado para o potencial LJ de BH. As curvas são as


isotermas calculadas por (4.23) e são rotuladas pela temperatura específica,
dada por . Os diversos pontos são resultados de máquina e
experimentais disponíveis na literatura. (Reproduzido de Barker e
Henderson, 1967a).
Teorias de Perturbação 69

𝜌𝜎

𝜅𝑇
𝜖
Figura 4.5 – Densidade de coexistência de fases para o potencial LJ. As
curvas são resultados da equação (4.23). Os diversos pontos são resultados
de máquina e experimentais disponíveis na literatura de argônio líquido e
sólido. (Reproduzido de Barker e Henderson, 1967a).
70 Capítulo 4

𝑈𝑖
𝑁𝜖

𝜌𝜎

Figura 4.6 – Energia interna para o potencial LJ. As curvas são as isotermas
calculadas por (4.23) e são rotuladas pela temperatura específica, dada por
. Os diversos pontos são resultados de máquina e experimentais
disponíveis na literatura. (Reproduzido de Barker e Henderson, 1967a).
Teorias de Perturbação 71

Na Figura 4.3, é possível observar a sensibilidade do diâmetro


efetivo à variação da temperatura. Esta sensibilidade é muito vantajosa,
pois torna mais robusto o equivalente do modelo de esferas duras que,
por sua vez, é bem estabelecido e contém diversos resultados na
literatura. Na Figura 4.4 é apresentada uma comparação de valores da
equação de estado em função da densidade reduzida. A concordância
dos resultados obtidos a partir da equação (4.23) com dados da literatura
são excelentes para temperaturas acima da crítica e bons até
temperaturas relativamente baixas. Na Figura 4.5 é apresentada a
densidade de líquido à determinadas pressões de vapor e na Figura 4.6, a
energia interna do sistema. Mais uma vez fica evidente a precisão de
cálculos a partir desta teoria sem a necessidade de nenhum elemento
empírico. Em resumo, constata-se que a teoria de Barker Henderson
para esferas macias provê excelentes resultados até temperaturas que
não sejam muito baixas.

4.4 Teoria de Weeks-Chandler-Anderson

A teoria de Weeks-Chandler-Anderson surgiu apoiada em


trabalhos predecessores que analisaram empiricamente a configuração
de sistemas líquidos. Dentre estes, o trabalho de Verlet (1968) se destaca
com a constatação, através de dados experimentais e de máquina, de que
o comportamento de líquidos é predominantemente determinado por
forças repulsivas. Ademais, o comportamento dos líquidos se aproxima
de um comportamento de esferas duras. Antes de entrar na teoria de
WCA, vale conhecer melhor suas motivações através do trabalho de
Verlet (1968).
A análise de configuração de sistemas pode ser realizada
conhecendo-se o comportamento da função distribuição radial ou da
função correlação total, além das relações que delas derivam. Uma
relação bastante útil é o fator de estrutura. Este se caracteriza por uma
transformada de Fourier da função correlação total, dada pela seguinte
relação:

̃ ∫ (4.24)

Esta relação é conveniente, pois o fator de estrutura pode ser calculado


diretamente através de medição de espalhamento de raios X em líquidos.
Assim, Verlet (1968) obteve resultados experimentais, por difração de
72 Capítulo 4

nêutrons, e numéricos, por dinâmica molecular, de ̃ e comparou-os


com um modelo de esferas duras de diâmetro efetivo para duas
condições distintas: (a) temperatura reduzida de 1,326 e densidade
reduzida de 0,5426 e (b) temperatura reduzida de 0,827 e densidade
reduzida de 0,75. Estes resultados encontram-se na Figura 4.7. Um
ponto importante a ser notado na figura é que a altas densidades o fator
de estrutura do fluido real (líquido de Lennard-Jones) tende a se
comportar como um fluido de esferas duras.
Nesse sentido, Weeks, Chandler e Anderson (1971) inferiram as
seguintes hipóteses para líquidos ( ):

 Nos vetores de onda intermediários e grandes ( ),


o comportamento quantitativo de ̃ é dominado por
forças repulsivas (as forças atrativas manifestam-se
principalmente nos pequenos vetores de onda);
 A altas densidades ( ), o comportamento de
̃ , mesmo a vetores de onda pequenos, é
determinado, ao menos qualitativamente, pelas forças
repulsivas.

Esse entendimento do fator de estrutura levou os autores a crer que uma


teoria de perturbação fisicamente consistente e útil pode se dar pela
separação do potencial de interação entre uma parte contendo todas as
forças repulsivas (potencial de referência) e outra contendo todas as
forças atrativas (potencial de perturbação). Ela difere da teoria anterior,
dado que Barker e Henderson consideraram como referência o potencial
positivo. Ou seja, a referência se dá somente a partir do choque entre
moléculas. No entanto, as forças repulsivas se dão antes disso, a partir
do estado de mínima energia. Foi exatamente essa consideração tomada
por WCA.
Teorias de Perturbação 73

(a)

(b)

Figura 4.7 – Fator de estrutural ̃ em função do vetor de onda. A linha


sólida é um modelo de esferas duras com diâmetro efetivo. Os pontos são
resultados numéricos de dinâmica molecular, e as cruzes são resultados
experimentais de difração de nêutrons. (a) temperatura reduzida de 1,326 e
densidade reduzida de 0,5426; (b) temperatura reduzida de 0,827 e
densidade reduzida de 0,75. (Reproduzido de Verlet, 1968).
74 Capítulo 4

O potencial de energia intermolecular proposto por WCA pode


ser representado pela seguinte relação:

(4.25)

Onde é o modelo de energia potencial de Lennard-Jones, dado


pela equação (2.85).
Os autores chegaram a uma relação de expansão em série para a
energia livre de Helmholtz em excesso similar às anteriores, obtendo
desvios máximos da ordem de 10%, para baixas densidades. No entanto,
a altas densidades a equação apresentou elevada acurácia.
O potencial de referência utilizado exige custos computacionais
relativamente altos para obtenção dos resultados na expansão em série.
Além disso, não se encontram disponíveis na literatura relações
termodinâmicas para potencial de referência do tipo da equação (4.25).
Assim, optou-se por relacionar o fator de estrutura de LJ com um fator
de estrutura de esferas duras equivalente com um diâmetro efetivo. Isso
permitiria calcular todas as propriedades termodinâmicas com base num
potencial de esferas duras de referência equivalente ao potencial de LJ
de referência. Tal procedimento permite redução drástica de custos
computacionais. Para tal, eles utilizaram a hipótese de que o fator de
estrutura é determinado pelas forças repulsivas, haja vista os resultados
de Verlet (1968) e as hipóteses inferidas. Além disso, eles introduziram
uma função , definida pela seguinte relação:

(4.26)

Fisicamente, permite correlações que existem no sistema de


referência além da faixa de referência das interações. Com isso, foi
proposta a seguinte relação:

̃ ̃ (4.27)
Teorias de Perturbação 75

Isso significa que,

∫( ) ∫( ) (4.28)

Onde denota o potencial repulsivo de esferas duras de diâmetro .


Com a equação da compressibilidade (3.28), o critério dado pela
equação (4.28) aproxima a termodinâmica do sistema de referência com
a termodinâmica do sistema de esferas duras. Esta relação resulta num
valor único de como função da densidade e da temperatura, ou seja,
. O comportamento de , obtido numericamente através da
teoria de WCA é apresentado na Figura 4.8

Figura 4.8 – Diâmetro efetivo de esferas duras obtido por WCA para
algumas isocóricas. (Reproduzido de Weeks, Chandler e Anderson, 1971).
76 Capítulo 4

Um aspecto interessante é que as curvas do diâmetro efetivo de esferas


duras da Figura 4.8 se assemelham consideravelmente às curvas
empíricas de diâmetro efetivo determinadas por Verlet (1968). A Figura
4.9 apresenta resultados comparativos para a função distribuição radial.
Fica evidente a precisão da teoria WCA pela concordância com
resultados de máquina da literatura. Também fica clara a superioridade
desta teoria em relação à PY.

Figura 4.9 – Função distribuição radial a alta densidade: temperatura


reduzida de 0,88 e densidade reduzida de 0,85. A linha representa a equação
(4.28); os círculos são resultados de dinâmica molecular da literatura e a
linha tracejada é a equação PY com potencial LJ. (Reproduzido de Weeks,
Chandler e Anderson, 1971).

Os autores calcularam a energia livre de Helmholtz em excesso através


de uma relação similar à equação (4.15), mas truncada na derivada de
primeira ordem. Essa relação para a energia livre difere daquela
inicialmente proposta pelos autores no fato de que a referência agora é o
potencial de esferas duras, enquanto antes era o potencial Lennard-
Jones. A equação final é:
Teorias de Perturbação 77

∫ (4.29)

Tabela 4.2 – Resultados comparativos de energia livre em excesso


utilizando as teorias WCA, BH (LJ) e resultados computacionais.
(Reproduzido de Weeks, Chandler e Andersen, 1971).

Resultados
WCA de máquina BH (LJ)
78 Capítulo 4

A aproximação da energia livre em excesso da equação (4.29) é


calculada para diversas condições de densidade e temperatura e
confrontada com resultados “exatos” computacionais e com resultados
da solução de Barker-Henderson para esferas macias utilizando o
modelo potencial de Lennard-Jones, BH (LJ). Estes resultados são
apresentados na Tabela 4.2.
A aproximação de WCA apresenta desvios máximos da ordem de
10% nos casos mais críticos para a teoria, caracterizados por baixa
densidade. Entretanto, a teoria demonstra-se cada vez mais precisa, à
medida que a densidade aumenta. Por outro lado, a aproximação pelo
método de BH (LJ) apresentou desvios da ordem de 10% em toda a
faixa de densidades. Para que a aproximação a altas temperaturas seja
precisa, a estrutura do sistema de referência deve se assemelhar à
estrutura do sistema de Lennard-Jones total. O sistema de referência de
Barker-Henderson não satisfaz esta condição nas temperaturas típicas de
líquidos. Já a separação proposta por WCA em forças repulsivas e
atrativas satisfazem a condição quando a densidade é suficientemente
alta, obtendo valores virtualmente indistinguíveis dos resultados de
máquina para .
Com o diâmetro equivalente de esferas duras, os autores
identificaram a possibilidade de se obter as propriedades
termodinâmicas de diferentes formas utilizando o potencial de esferas
duras. Uma delas é a obtenção direta através das relações
termodinâmicas com a energia potencial e a função distribuição radial,
apresentadas no capítulo 1. Outra forma pode se dar através da
derivação da energia livre de modo a se obter as demais relações,
apresentado no capítulo 2. A pressão é um parâmetro muito sensível à
função distribuição radial. Assim, no trabalho de Weeks, Chandler e
Andersen (1971) ela foi calculada através da relação (3.25). Já em
trabalho posterior, Andersen, Weeks e Chandler (1971) obtiveram a
pressão através de derivação da energia livre, conforme a equação
(2.54). Os resultados desses cálculos encontram-se apresentados na
Tabela 4.3 e na Tabela 4.4, respectivamente. Nota-se que a pressão
obtida através da derivação da energia livre permite resultados mais
precisos. De fato, os desvios entre a teoria e o resultado de Monte Carlo
na Tabela 4.4 são insignificantes, dado que a incerteza no método de
Monte Carlo é de 1%, da mesma ordem dos desvios comparativos. O
mesmo não é observado na Tabela 4.3, onde é possível encontrar
resultados muito distantes dos dados reais.
Teorias de Perturbação 79

Tabela 4.3 – Resultados comparativos de pressão obtidos pela teoria WCA


aplicada à equação (3.25) e numericamente pelo método de Dinâmica
Molecular. (Reproduzido de Weeks, Chandler e Andersen, 1971).

Dinâmica
WCA
Molecular
80 Capítulo 4

Tabela 4.4 – Resultados comparativos de pressão obtidos pela teoria WCA


aplicada à equação (2.54) e numericamente pelo método de Dinâmica
Molecular. (Reproduzido de Andersen, Weeks e Chandler, 1971).

Monte Carlo WCA

De fato, no trabalho de Andersen, Weeks e Chandler (1971)


procurou-se dar uma justificativa física para o sucesso da teoria WCA.
Alternativamente ao trabalho anterior, os autores conseguiram obter o
diâmetro efetivo de esferas duras partindo da ideia clássica de uma
expansão em série em torno da energia livre. Isso foi possível com a
consideração de que os parâmetros de referência e de perturbação não
deveriam ser a energia potencial em si, mas sim um parâmetro do tipo
. Com isso, o termo de derivada de primeira ordem
carrega uma função denominada função blip, sendo do tipo,

∫ ( ) (4.30)

Vale notar que esta relação é similar à (4.28). O valor do diâmetro


equivalente pode ser arbitrado, pois a expansão não depende dele, assim
como na teoria de Barker e Henderson para esferas macias. Portanto,
procura-se obter um diâmetro efetivo que leve a função blip a zero.
Além disso, os autores optaram por truncar a equação na derivada de
primeira ordem, dado que na derivada de segunda ordem, existem
funções de distribuição de interação entre três e mais corpos que não
podem ser definidas exatamente. O sucesso da teoria ficou claro na
análise do resíduo de truncamento da expansão. Normalmente, em
truncamentos de primeira ordem, os resíduos obtidos são elevados à
Teorias de Perturbação 81

segunda potência. Entretanto, nas condições colocadas por WCA, o


resíduo de truncamento ficou elevado à quarta potência. Isso mostra a
alta capacidade de convergência da teoria, dado o peso considerável do
termo de referência. Como comparação, a teoria BH (LJ) apresenta
resíduo de truncamento elevado à segunda potência.
Por fim, McQuarrie (2000) resume que em discussões acerca dos
méritos das teorias de BH e de WCA, não se pode dizer que tais teorias
sejam concorrentes, mas sim, complementares. Elas apresentam
diferentes bases de compromisso, tendo cada uma seus méritos e
inconvenientes. A teoria BH utiliza um estado de referência bem
definido, mas inclui termos de segunda ordem em . Já a teoria WCA,
por outro lado, é de suficientemente rápida convergência, podendo
desconsiderar os termos de segunda ordem, mas o estado de referência
não é universal, como no caso de teorias de perturbação baseadas em
esferas duras. Independentemente disso, ambas as teorias são muito bem
sucedidas e mostram que a aproximação da teoria da perturbação para o
estado líquido não é somente fisicamente apelativo, mas também
numericamente satisfatório.
5 Considerações Finais

Este trabalho considera um estudo introdutório de mecânica


estatística com ênfase de aplicação à termodinâmica de líquidos. Para
fins de simplificação teórica, é assumida a hipótese de moléculas
monoatômicas, apolares, a temperaturas elevadas (acima de 50K) no
limite em que a mecânica quântica pode ser simplificada por conceitos
da mecânica clássica de Newton.
Inicialmente, é demonstrado que as diversas moléculas contidas
num sistema termodinâmico podem ser modeladas como estando
sujeitas às relações da mecânica clássica. Ademais, as médias das
diversas interações moleculares podem ser relacionadas com a
termodinâmica através da função partição canônica.
Posteriormente, com o uso de algumas hipóteses de
simplificação, incluindo a da aditividade aos pares, é possível
desmembrar a função partição canônica e relacionar a termodinâmica
com a mecânica estatística através de dois parâmetros: a energia
potencial intermolecular e a função distribuição radial. Uma vez que a
energia potencial intermolecular é modelada através de equações
simples, resta obter teorias capazes de determinar a função distribuição
radial. As teorias clássicas mais famosas são apresentadas e, com elas,
alguns resultados de aplicação a líquidos. Por meio dos resultados, nota-
se que algumas variáveis termodinâmicas, como a pressão, são
altamente sensíveis à função distribuição radial. Assim, qualquer desvio
nas funções de distribuição pode acarretar erros consideráveis nas
propriedades macroscópicas. Isso torna essa abordagem direta
praticamente inviável a líquidos reais.
No sentido de suprir a lacuna teórica, surgem as teorias de
perturbação em líquidos. A ideia central da teoria é assumir que a
função partição canônica (ou a energia livre de Helmholtz) pode ser
calculada a partir de um estado de referência bem definido, acrescido de
um termo de perturbação. Esse conceito apresentou-se bem sucedido,
pois o fluido de referência é relacionado com o fluido de esferas duras,
que por sua vez, pode ser facilmente calculado com alta precisão. Com
isso, as teorias de perturbação em líquidos atendem aos requisitos de
consistência física e de precisão satisfatória.
Com o conteúdo adquirido nesta disciplina, pretende-se trabalhar
com a caracterização teórica de propriedades termodinâmicas e de
84 Capítulo 5

transporte em misturas líquidas de óleos e CO2, utilizando com maior


segurança e familiaridade modelos disponíveis na literatura que utilizam
princípios de mecânica estatística.
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86 Referências

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