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Este projeto foi realizado com o apoio

do Programa de Governo e Sociedade Civil


da Fundação Ford, escritório do Brasil
Doação n0. 970-1968
ESTRATÉGIAS LOCAIS PARA REDUÇÃO DA

POBREZA
CONSTRUINDO A CIDADANIA
Organização: Ilka Camarotti e Peter Spink
ISBN: 85-87426-08-7

Copyright © 2003, Ilka Camarotti e Peter Spink


Direitos desta edição reservados ao
Programa Gestão Pública e Cidadania
Av. Nove de Julho, 2029 • Prédio da Biblioteca • 2o andar
01313-902 • São Paulo • Brasil
Tel.: (5511) 3281.7904/7905
Fax.: (5511) 287.5095
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http://inovando.fgvsp.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação,


desde que citada a fonte.

Produzido no Brasil
Segunda edição: setembro de 2003

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Karl A. Boedecker da Escola de


Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/
EAESP)

ESTRATÉGIAS locais para redução da pobreza: construindo a cidadania


Ilka Camarotti e Peter Spink, org./ 2a edição / São Paulo:
EAESP, 2003.

234 p.

ISBN: 85-87426-08-7

1. Pobreza - Brasil. 2. Políticas públicas - Brasil. 3. Desenvolvimento regional


- Brasil. 4. Projetos comunitários - Brasil. 5. Projetos de desenvolvimento - Brasil.
I. Spink, Peter. II. Camarotti, Ilka. III. Programa Gestão Pública e Cidadania
Coordenação Equipe
do projeto de apoio
Ilka Camarotti Fabiana Paschoal Sanches
Peter Spink Marlei de Oliveira

Equipe de Edição
trabalho Hélio Batista Barboza
Fernanda de Oliveira MTb 13065

Hélio Batista Barboza


Lilia Asuca
Luis Fujiwara Revisão
Nathalie Perret
Ricardo Meirelles
Paula Pedroti
Rafael Osório
Verena Pinto

Projeto Gráfico
Liria Okoda

Capa
Sarah Meconi
Introdução 09

Oficina 1 15

Provisão dos serviços urbanos - Rio de Janeiro/nov 98


17 Abertura
18 A noção da pobreza frente às desigualdades sociais
23 Pobreza e formas de ação coletiva
27 Debate
Experiências discutidas
33 Associação dos Catadores de Materiais Reaproveitáveis (Belo Horizonte, MG)
34 Programa Unidade de Triagem (Porto Alegre, RS)
35 Debate
Experiências discutidas
40 Meio Ambiente e cidadania (Olinda, PE)
41 Projeto Mutirão Reflorestamento (Rio de Janeiro, RJ)
43 Debate
Experiências discutidas
46 Ações Integradas e Bolsões de Pobreza (Ipatinga, MG)
47 Programa de Reassentamento de Famílias (Teresina, PI)
48 Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse
Social - PREZEIS (Recife, PE)
49 Debate
Experiências discutidas
56 Programa Médico da Família de Niterói (Niterói, RJ)
57 Programa Saúde da Família de Curitiba (Curitiba, PR)
58 Programa Saúde da Família de Mutirão do Serrotão (Campina Grande, PB)
59 Debate
63 Comentários finais
Sumário
Oficina 2 67
Ações integradas de desenvolvimento
socioeconômico - Recife/dez 98
69 Abertura
70 Resultados da oficina do Rio de Janeiro: questões levantadas
e indicação de elementos de análise
72 Um olhar cruzando a teoria e a prática: breve descrição
das experiências a serem discutidas
73 Debate
Experiências discutidas
78 Associação dos Pequenos Agricultores (Valente, BA)
79 Programa de Apoio ao Desenvolvimento Local (PE/RN/MA/CE/BA/PB)
80 Projeto São José (Ceará)
81 Debate
92 Síntese das discussões
93 Participação, alianças e contrução da cidadania
95 Pobreza e desenvolvimento regional
Experiências discutidas
98 Programa de Verticalização da Pequena Produção Rural (Distrito Federal)
99 Pólo Agroflorestal (Rio Branco, AC)
100 Projeto Couro Vegetal da Amazônia (Acre e Amazonas)
101 Debate
107 Comentários finais
111 Identificação das idéias-força

Oficina 3 113
Geração de emprego e renda - São Paulo/mar 99
Abertura 115
Resultados da oficina de Recife: questões levantadas e
indicação de elementos de análise 116
Um olhar cruzando a teoria e a prática: breve descrição das
experiências a serem discutidas 117
Debate 119
Experiências discutidas
Cooperativa Mista de Produção Alternativa de Birigüi (Birigüi, SP) 122
Projeto Cidadania e Ação Comunitária (São Paulo, SP) 123
Sistema CEAPE: Rede de Apoio aos Pequenos Produtores
(RN/MA/PE/SE/SP/GO/PB/PA/BA/PI/ES/DF) 124
Debate 125
Economia solidária e a nova centralidade do trabalho 130
Debate 133
Políticas sociais de combate à pobreza 139
Debate 141
Experiências discutidas
Bolsa-Escola: Programa Bolsa Familiar para Educação (D. Federal) 144
Câmara do Grande ABC (Santo André, SP) 145
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar - PRONAF (Pernambuco) 146
Debate 147
Identificação das idéias-força 153
Sumário
Oficina 4 155
Em busca de um consenso - Porto de Galinhas/abr 99
157 Abertura
158 Pobreza, desigualdade e inclusão social: questões
levantadas durante os diálogos regionais
162 Escolhendo os eixos de análise a serem discutidos nos
grupos de trabalho
165 Debate
Resultados dos grupos de trabalho
168 Grupo 1 - Provisão de Serviços Urbanos
169 Grupo 2 - Ações Integradas de Desenvolvimento Socioeconômico
171 Grupo 3 - Geração de Emprego e Renda
173 Debate
177 Caminhos de ação diante da pobreza e da desigualdade
179 Pobreza e cidadania: desafios
185 Debate

Conclusão 189
Apresentação do consenso
Pobreza: delimitando o seu campo 191
Conclusões iniciais a partir das oficinas setoriais 192
Lições específicas a partir das experiências discutidas 195
Em direção às conclusões possíveis 198

Building citizenship:
local strategies for poverty
reduction 201
Introduction
Workshops
206 The selected experiences discussed
208 Participants

Consensus presentation
213 Poverty: defining the field
214 Conclusions from the sector workshops
217 Lessons learned from the experiences discussed
220 New questions

Anexos 223
Lista de participantes
Lista de experiências
Introdução
Introdução
Sobre o Programa
Gestão Pública e Cidadania
É uma iniciativa da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e da Fundação
Ford, com o apoio do BNDES e tem por objetivo identificar, analisar, divulgar e
premiar experiências inovadoras de governos estaduais, municipais e de orga-
nizações indígenas. O Programa Gestão Pública e Cidadania se propõe também
a estimular o debate e a reflexão crítica sobre processos de transformação na
gestão pública subnacional no Brasil, com ênfase na articulação entre governos
e sociedade civil.

Sobre o Projeto Práticas


Públicas e Pobreza
11
É um projeto do Programa Gestão Pública e Cidadania que visa identificar,
analisar e disseminar práticas e conhecimentos voltados especificamente à
melhoria da qualidade de vida e à inclusão social das populações pobres.
Apoiado inicialmente pela Fundação Ford, conta hoje também com o apoio do
BNDES e da Fundação Hewlett.
As principais atividades do projeto são:
• Promoção de encontros temáticos nacionais e internacionais, envolvendo
atores oriundos de diferentes segmentos de ação e reflexão: das comunidades,
da academia, de organizações da sociedade e da área pública.
• Realização de estudos e pesquisas focalizando, nas suas diversas formas,
as práticas sociais e públicas emergentes, que vêm demonstrando ter um im-
pacto real e direto na qualidade de vida e na inclusão social das populações
empobrecidas.
• Desenvolver cursos de capacitação em ação social responsável para pro-
fissionais de prefeituras municipais, governos estaduais, instituições de desen-
volvimento, organizações não-governamentais e comunidades em geral.
• Produzir material escrito e audiovisual para fins de disseminação de sabe-
res e práticas, como também para uso didático.
Introdução
Introdução

Ilka Camarotti e Peter Spink


Em outubro de 1998, o Programa Gestão Pública cutir e argumentar, havendo um equilíbrio satisfa-
e Cidadania da Fundação Getulio Vargas de São Pau- tório entre as apresentações acadêmicas, os rela- 13
lo, com o apoio da Fundação Ford, realizou no Rio tos das experiências e as análises técnicas.
de Janeiro o primeiro de um ciclo de quatro semi- Quanto aos recortes temáticos dos encontros, o
nários voltados à análise e reflexão de estratégias primeiro focalizou a pobreza a partir da discussão
locais para redução da pobreza. Em cada encontro da provisão de serviços urbanos. O segundo, reali-
de dois dias, por volta de 30 pessoas de diferentes zado em Recife durante o mês de dezembro de 1998,
universos de ação (pesquisa acadêmica, organiza- debateu as ações integradas de desenvolvimento
ções comunitárias, ONGs, secretarias de governos socioeconômico, e o terceiro, aconteceu em São Paulo
municipal e estadual, banco de desenvolvimento e em março de 1999 e privilegiou a temática de gera-
instituições multilaterais) estiveram presentes para ção de emprego e renda. No final de abril do mesmo
debater o espaço possível de ação local no ano, organizou-se um quarto encontro em Porto de
enfrentamento da pobreza. Galinhas, Pernambuco, com o objetivo de comparti-
A questão inicial que desencadeou a série de lhar todo o conhecimento construído ao longo das
reuniões foi simples e direta: haveria um espaço oficinas, como também apontar possíveis conclusões
de ação de combate à pobreza entre as macropolí- em termos de pistas para uma ação efetiva de redu-
ticas nacionais e as ações desenvolvidas a partir ção da pobreza. Ao todo, 146 pessoas se envolveram
da sociedade civil? Se há, quais as conclusões pos- no trabalho de escuta, debate e confrontação.
síveis que sinalizam caminhos a seguir no terreno É importante ainda assinalar que diferentes lingua-
de médio alcance? gens, apreciações teóricas, visões de mundo e expe-
As regras dos encontros foram igualitárias. To- riências foram contempladas, favorecendo uma análi-
dos os participantes tiveram a oportunidade de dis- se sincera e fundamentada sobre possibilidades reais
de ação. O ambiente de cordialidade e respeito mútuo ram dos encontros, aceitando o desafio não somen-
permitiu também o confronto de posições e a escuta te de confrontar saberes e práticas, como também
de argumentos diversos. de tentar identificar os elementos de uma configu-
As experiências discutidas e analisadas foram ração melhor delineada em relação à pobreza e ao
escolhidas a partir do banco de dados das inscri- seu enfrentamento. Se há valor no resultado, e acre-
ções anuais do Programa Gestão Pública e Cidada- ditamos que sim, reside em grande parte no com-
nia, e complementadas por outros casos identifica- promisso e disposição assumidos por todas e todos
dos a partir de um estudo sobre o papel de alianças de encarar com honestidade a análise, a reflexão e
entre organizações públicas, não-governamentais e o diálogo como processo coletivo.
privadas na redução da pobreza, desenvolvido com Esta publicação está na sua segunda edição, gra-
o apoio do Banco Mundial. As experiências diversi- ças ao apoio da Fundação William and Flora Hewlett
ficaram-se quanto à jurisdição subnacional, área de e representa uma importante e atemporal contri-
atuação e impacto gerado. Durante os encontros, buição nas reflexões, formulações, avaliações e
os participantes tiveram também a oportunidade de monitoramentos de políticas, programas, projetos
trazer para o debate, iniciativas outras que vêm e intervenções sociais. Este documento torna-se
igualmente demonstrando respostas concretas de igualmente valioso por sinalizar possibilidades e
redução da pobreza. práticas de ação coletiva, valorizando e conjugando
Nesse relatório final, apresentamos uma breve realidades, cotidianos, tempos, saberes e conheci-
descrição das experiências analisadas ao longo das mentos bastante diversos, mas infinitamente com-
oficinas, os debates realizados e as principais con- plementares e transformadores.
clusões que emergiram naturalmente da reflexão e
do diálogo coletivos. Preservamos no texto certas
características próprias da linguagem oral.
14 Agradecemos a todas as pessoas que participa-
Oficina 1
Provisão dos serviços urbanos
RIO DE JANEIRO • NOVEMBRO, 1998
Participantes

Adauto Cardoso (IPPUR/UFRJ - Observatório Rio) • Ademir Margenti


Castro (Programa Unidades de Triagem/RS) • Adler do Couto (Escola
do Futuro/USP) • Ana Britto (PROURB/UFRJ - Observatório Rio ) •
Ana Christina Barbosa (BNDES/RJ) • Ana Clara Torres Ribeiro (FASE-
Nacional/IPPUR/UFRJ) • Berenice Ramos (Programa Mutirão do
Serrotão/PB) • Caio de Azevedo (BNDES/RJ) • Carlos Pontes (Centro
de Pesquisa Ageu Magalhães/Observatório Recife) • Celso Junius
Ferreira Santos (Projeto Mutirão Reflorestamento/RJ) • Elizabeth
Leeds (Fundação Ford) • Fábio Atanásio (Projeto Meio Ambiente e
Cidadania - UNICEF/Recife) • Grazia de Grazia (FASE-Nacional) • Iraci
Reis (PUC/SP) • Isabelle Wolff (Médicos Sem Fronteiras - missão
Bélgica) • Jacqueline Rosas Silva (Programa Bolsões de Pobreza/MG)
• Jan Bitoun (Observatório Recife - UFPE) • Kleber Montezuma
(Programa de Reassentamento de Famílias/PI) • Leda Maria
Albuquerque (Programa Saúde da Família de Curitiba) • Luiz César
Ribeiro (IPPUR/UFRJ - Observatório Rio) • Maria Magdalena Alves
(Ação da Cidadania/SP) • Marcos Formiga (UNB/FINEP) • Maria do
Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP) • Marilena Jamur (PUC/RJ) •
Marta Pordeus (Assessora do Fórum do PREZEIS/PE) • Marta
Prochnik (BNDES/RJ) • Neide Silva (ETAPAS/PE) • Nelson Duplat
(BNDES/RJ) • Nilson Costa (UFF/FIOCRUZ) • Orlando Júnior (FASE-
Nacional/IPPUR/UFRJ - Observatório Rio) • Pedro Jacobi (USP) •
Pedro Lima (Programa Médicos de Família de Niterói/ RJ) • Ricardo
Beltrão (FGV/SP) • Sônia Dias (Introdução do Catador no Mercado de
Reciclagem/BH) • Sônia Café (Secretaria Municipal de Trabalho/
Prefeitura do Rio de Janeiro).
Oficina 1
Provisão de serviços urbanos
Abertura

Peter Spink
A idéia deste trabalho, cujo conteúdo já havia sido para um cenário potencial de ação.
compartilhado entre a equipe do Programa Gestão A temática da pobreza é muito “escorregadia”, 17
Pública e Cidadania, nasceu em uma reunião no es- alguns usam a palavra, outros não, preferindo optar
critório da Fundação Ford no Rio de Janeiro, quando por exclusão, inclusão ou desigualdade social.
se questionava sobre o espaço que existe para a ação Até mesmo a dificuldade em mobilizar massa crí-
em âmbito local de redução da pobreza. tica para discutir a temática e as ações de redução
É possível pensar ou delinear um espaço viável da pobreza faz parte do nosso desafio. Por tudo que
de atuação, aberto para a implementação de políti- já foi apontado e discutido, o cenário continua ne-
cas contra a pobreza, mesmo levando em conside- buloso e sem definição. Mas o que fazer para avan-
ração fatores macroeconômicos desfavoráveis ou çar? Partimos da idéia de que é necessária a con-
até antagônicos? Quais são os caminhos para au- tribuição de diferentes pontos de vista e de diver-
mentar os impactos na redução da pobreza? sas inserções no terreno, num diálogo crítico e de
Não é preciso discutir números para justificar o confronto, entretanto, sempre sincero e bem-humo-
tema, esses dados já circulam. Igualmente, dis- rado. Algumas pessoas aqui trabalham na coleta de
cutíamos na reunião inicial com a Fundação Ford que dados, outras pessoas tratam da questão acadêmi-
não se trata aqui de fazer apenas mais uma pesquisa ca, alguns trabalham no terreno, algumas pessoas
descritiva ou um levantamento de dados estatísticos, militam nessa área, e outras, ainda, ocupam car-
tampouco não se trata de realizar grandes eventos gos executivos em governos. É no estabelecimento
abertos. A forma de avançar em relação a essa do diálogo entre a pesquisa e os dados, por um lado,
problemática é reunir algumas das pessoas ativas e as práticas correntes nesse campo, pelo outro,
no campo para debater nossas idéias, questionando que acreditamos poder avançar no sentido de con-
uns e outros e, assim, dar um contorno mais definido ferir maior nitidez ao debate.
A noção da pobreza frente
às desigualdades sociais
Expositoras: Marilena Jamur e Ana Clara Ribeiro

Marilena Jamur
Situarei minha fala tendo como eixo a noção da pobreza está norteando a ação? Na medida em
de pobreza frente ao debate sobre marginalidade que nós nos concentramos na análise de práticas, é
e desigualdade. interessante tentar buscar um discernimento sobre
Com relação ao documento introdutório desta qual abordagem é mais pertinente.
18 série de encontros que iniciamos hoje no Rio de A abordagem com foco no indivíduo, de cunho
Janeiro e que foi veiculado como eixo norteador do liberal, parte da premissa de que a superação da
projeto de pesquisa da Fundação Getulio Vargas pobreza depende, em maior medida, do próprio in-
destaco cinco pontos como fundamentais: 1) dife- divíduo. Assim, as tentativas de reduzir a pobreza a
rentes conjuntos de abordagens do fenômeno da partir da aplicação de recursos públicos são como
pobreza (as abordagens centradas no indivíduo, as “esvaziar o mar com um dedal”.
abordagens de cunho macroeconômico e as abor- Uma abordagem interativa é pertinente, pois
dagens interativas); 2) os diferentes conceitos e suas desenvolve programas que não deixam de dar aten-
matrizes referidos no documento como, por exem- ção ao indivíduo e consideram o peso específico de
plo, pobreza, desigualdade e exclusão social; 3) os cada ação, atentando para as possibilidades espe-
objetivos visados com o projeto de pesquisa; 4) as cíficas de enfrentamento da pobreza, porém com
responsabilidades e papéis dos agentes e diferen- enfoque em outras práticas.
tes atores envolvidos; 5) e a clara intenção de não A respeito dos diferentes conceitos presentes
estabelecer um modelo de “melhores práticas”. no documento de apresentação quanto à pobreza,
Um primeiro problema a ser considerado é o de três concepções já foram desenvolvidas neste sé-
que a pobreza é objeto de múltiplas representações culo: sobrevivência, necessidades básicas e priva-
sociais. Todos têm sua própria teoria sobre pobre- ção relativa.
za. É fundamental observar, no plano teórico, o peso O enfoque de sobrevivência, o mais restritivo,
específico que cada abordagem tem, sob pena de predominou no século passado e até a década de
se esvaziar a própria ação, que deve se pautar pelo 50. Teve origem no trabalho de nutricionistas ingle-
rigor e pelo método científico. Qual das abordagens sas, ou seja, a renda não era suficiente para a ma-
Oficina 1
nutenção do rendimento físico do indivíduo. Esta con- acarreta somente privação material. As privações
cepção foi adotada na Inglaterra e exerceu grande sofridas no trabalho determinarão o posicionamento
influência em toda a Europa, sendo usada mais tar- dos cidadãos nas outras esferas.
de pelo Banco Internacional para a Reconstrução e De acordo com essa conotação, ser pobre acar-
o Desenvolvimento (BIRD). Utilizando medidas es- reta marginalização. A crítica à existência de limi-
tatísticas formulou-se o primeiro modelo de prote- tes depende de prova científica, isto é, do uso de
ção social para o Estado de bem-estar, fundamen- múltiplos indicadores para demonstrar a não-parti-
tando políticas nacionais de assistência e alguns cipação de pessoas de baixa renda. Esse conceito
planos cujos objetivos eram limitar as exigências é mais sofisticado e abrangente, o que gera dificul-
de reformas sociais e a ênfase no individualismo dades de adoção. Tal abordagem traz diversos
compatível com o ideário liberal. A maior crítica que problemas, dada a necessidade de se definir a ex-
sofreu foi que, com ela, justificavam-se baixos índi- tensão e a severidade da não-participação das pes-
ces de assistência: bastava manter os indivíduos no soas que sofrem privação de recursos. É uma con-
nível da sobrevivência. cepção mais sofisticada, mas ao mesmo tempo
Num segundo momento, a partir de 1970, po- apresenta mais dificuldades de utilização.
breza tinha a conotação de necessidades básicas, De modo geral, no Brasil, tem-se utilizado dois
colocando novas exigências, como serviços de água métodos de mensuração da pobreza. O método di-
potável, saneamento básico, saúde, educação e cul- reto inclui entre os pobres aqueles cujo nível de
tura. Configurou-se o enfoque das necessidades bá- consumo ou acesso a bens e serviços está abaixo
sicas, apontando certas exigências de consumo bá- do mínimo desejável. Os determinantes da linha de
sico de uma família. Essa concepção passou a ser pobreza seriam basicamente o mercado de traba-
adotada pelos órgãos internacionais, sobretudo por lho, o patrimônio, o acesso à assistência pública, a
aqueles que integram a Organização das Nações obtenção de assistência em instituições privadas e 19
Unidas (ONU), representando uma ampliação da con- as relações interfamiliares. Ou seja, existem não
cepção de sobrevivência física pura e simples. Uma somente as rendas monetárias mas também ren-
crítica que se faz a esta concepção é a dificuldade das oriundas de órgãos públicos e instituições pri-
de critérios para a escolha daqueles que devem re- vadas que prestam assistência social. Considera-
ceber assistência. se, de modo geral, que o grau de pobreza de um
A partir de 1980, a pobreza passou a ser enten- indivíduo depende da forma como ele se insere no
dida como privação relativa, dando a esse conceito mercado de trabalho, de seu patrimônio, de sua ins-
um enfoque mais abrangente e rigoroso, buscando trução, de seu acesso à assistência pública ou pri-
uma formulação científica e comparações entre es- vada. Quanto mais precária for a inserção de um
tudos internacionais, enfatizando o aspecto social. indivíduo no mercado de trabalho, maior será sua
Dessa forma, sair da linha de pobreza significava dependência dos outros elementos.
obter: um regime alimentar adequado, um certo ní- O método indireto ou da renda utiliza a linha de
vel de conforto, o desenvolvimento de papéis e de pobreza associando-a a uma renda monetária abai-
comportamentos socialmente adequados. O enfo- xo da qual se encontram os pobres. A renda seria
que da privação relativa teve como um de seus prin- suficiente apenas para o acesso ou satisfação das
cipais formuladores Amartya Sen, um indiano, re- necessidades básicas.
centemente laureado pela Academia Sueca. Esse No Brasil, os estudos sobre pobreza têm enfa-
conceito é bem mais amplo e introduz variáveis mais tizado a família como núcleo de atenção e não o
amplas, de modo que as pessoas podem sofrer pri- indivíduo, já que a condição deste último depende
vações em diversas esferas da vida. Ser pobre não da situação de seu grupo familiar. Assim, metodo-
logicamente, a família deve constituir a unidade de ou na ausência de reivindicações organizadas por
básica de análise. parte das populações mais pobres. A exclusão tor-
Qualquer que seja o enfoque adotado, a aborda- nou-se um paradigma societal. O conceito chama a
gem da pobreza é apenas descritiva. Para uma abor- atenção para uma crise do laço social.
dagem explicativa é preciso que se adotem outros en- Para finalizar, cabe destacar que a respon-
foques, como o que leva em conta a questão social. sabilidade e os papéis desempenhados pelos agen-
A noção da desigualdade teria maior poder ex- tes e atores sociais devem ser estimulados.
plicativo do que a de pobreza. A desigualdade, que A intenção dos responsáveis pela oficina não é
é pressuposto do capitalismo, está na base do pro- estabelecer um modelo de best practices e sim es-
blema da pobreza. O conceito de desigualdade tem timular a pesquisa-ação coletiva. Não existem ins-
maior poder explicativo porque desigualdade é um trumentos quantitativos de mensuração de impac-
fator determinante da pobreza. O pauperismo é fru- tos sociais. Dentro da perspectiva de pesquisa-ação
to de um conjunto de fenômenos que se desenvol- coletiva devem ser estabelecidas duas frentes:
vem no bojo do sistema capitalista, mais precisa- desenvolvimento de indicadores qualitativos de im-
mente no sistema de produção, na relação capital- pactos sociais e desenvolvimento de padrões de
trabalho e na atuação estatal. avaliação de políticas públicas que envolvam indi-
Para os liberais, liberdade e igualdade são valo- cadores quantitativos e qualitativos.
res incompatíveis, pois a igualdade é um valor que
nunca será atingido e vai contra as premissas de Ana Clara Ribeiro
mercado, de competição e liberdade. No seminário Urban Poverty Workshop (encontro
Para os convencionalistas, a igualdade é um va- promovido pelo Banco Mundial nos dias 14, 15 e 16
20 lor complexo da sociedade moderna que incorpora de maio de 1998 no Rio de Janeiro), evidenciou-se
diversas esferas de produção que alocam bens con- que não é possível desconsiderar a magnitude do
forme seus próprios critérios. A pressão numa esfe- problema. Existe um processo de desenraizamento
ra de trabalho, por exemplo, pode ser compensada da questão da pobreza, pela padronização mundial
pelo prestígio obtido em outra, por exemplo: reco- do fenômeno, que é assim des-historicizado. Não
nhecimento social. A questão é: como conter a so- dá para isolar o social do econômico. Não se pode
breposição do poder econômico que se expande de aceitar a formalização descontextualizadora do fe-
uma esfera para outra? A forma possível ocorre pela nômeno da pobreza. O debate no Urban Poverty
atuação do Estado. A questão é: como ficamos pe- apresentou a consolidação de alguns posicionamen-
rante a crise fiscal e de legitimação que o Estado tos. O que ocorre é o ocultamento da questão cultu-
sofre atualmente? ral num olhar basicamente econômico.
Já a exclusão denota uma mudança de enfoque, Especificamente no que concerne à pobreza ur-
tornando-se um conceito dominante na Europa, prin- bana, a maneira como se realiza a intervenção pode
cipalmente na França. Utilizado também no Brasil, destruir mecanismos de sobrevivência e sobretudo
pode-se considerar que esse conceito, quando em- enfraquecer lideranças comunitárias. A responsa-
pregado com rigor, é pertinente para descrever pro- bilidade dos financiadores e dos governantes é im-
cessos de desqualificação pessoal e social, de forma portante para a forma como a sociedade se mobili-
dinâmica e multidimensional. Trata-se de sublinhar a za para participar. O campo de oportunidades aber-
existência de um processo que pode levar a uma rup- to pelas intervenções urbanas também é construí-
tura progressiva dos laços e da coesão sociais dian- do pela participação. É preciso observar o tipo de
te da reestruturação produtiva, fundado na fragilida- liderança popular que está sendo favorecido pelos
Oficina 1
financiamentos das intervenções urbanas, posto que e demonstra os limites das análises psicologizantes
a concessão de tais financiamentos pode compro- e assistencialistas do social.
meter a autonomia dessas lideranças populares. Outro gancho na questão da igualdade sendo vis-
Isso significa que temos um leque que nos obri- ta como um valor disputado, que desaparece e vol-
ga a um investimento melhor na questão do dese- ta, admite diversas explicações, desde igualdade
nho da intervenção no urbano. São novas as racio- para competir até igualdade nas condições de vida.
nalidades que precisam ser reconhecidas quando Como valor disputado, é um valor que admite diver-
atravessam o tecido da sociedade. A responsabili- sas interpretações. Muitas vezes, o viés da igualda-
dade dos financiadores e dos governantes e a for- de é uma diretriz “modernizadora”, pouco esclare-
ma como a sociedade se mobiliza para participar cedora sobre os interesses envolvidos.
também são pontos importantes. Parece que temos que fazer o caminho budista
Deve-se considerar o campo de oportunidades de andar pelas margens, com habilidades estraté-
abertas para a participação, nem sempre cons- gicas mais amplas, compreendendo que a encena-
truídos a partir de acordos da administração pú- ção da pobreza foi muito ampliada. Nós temos uma
blica. Conforme os documentos, a forma como consciência cada vez maior de que existe um novo
acontece a participação abre ou fecha oportunida- movimento, que se coloca numa idealização exis-
des. É fundamental ver que tipo de liderança popu- tente no sentido da igualdade de oportunidades, sem
lar está sendo favorecida, as qualificações são an- a homogeneização forçada e destruidora de cami-
tagônicas. A qualidade das lideranças tradicional- nhos de plenitude.
mente constituídas agrada mais às classes médias É preciso ser capaz de desenvolver habilidades
do que às populares. estratégicas para perceber que a representação da
Os limites da família no contexto urbano metro- pobreza foi muito ampliada. Existem olhares lança- 21
politano também mudaram. O elemento da manu- dos sobre a pobreza que são permanentemente re-
tenção do ideário da reforma urbana e de sua quali- construídos. Creio que sem olhares diversos lança-
ficação deve continuar existindo. Elementos direta- dos sobre a pobreza, estaremos tentando ter um olhar
mente responsáveis pelo aumento da pobreza, como totalizador que se confunde com um olhar globaliza-
a dinâmica da terra e do mercado imobiliário con- dor, trabalhando com indicadores cada vez mais sin-
forme estão sendo trabalhados pelo poder público téticos, pegando um número cada vez maior de va-
só pioram a situação. riáveis de significado tecnocrático. A ânsia de sinte-
Existem determinantes da estruturação urbana tizar e de falar do complexo de uma maneira simples
que estão diretamente ligados à pobreza. Elemen- é alguma coisa que desarticula a nossa percepção
tos de ampliação da pobreza são determinados por de pobreza como algo sobre o qual nós temos que
opções políticas. As determinações da pobreza não ampliar nosso conhecimento. É preciso voltar a ter
são definidas somente pela globalização, mas tam- contato direto com o fenômeno, para que se possa
bém por escolhas políticas do modelo de desenvol- entender do que se trata.
vimento adotado. Temos possibilidades de alcançar Ocorreram melhorias na infra-estrutura de algu-
dinâmicas sociais relativamente dependentes do mas cidades brasileiras, sem que tenha havido me-
modelo dominante. lhoria nos indicadores sociais. Não há surpresa nis-
Marginalidade é desigualdade. A marginalidade to, porque existem muitos outros processos que
tem um cunho estrutural, sendo decorrente de ques- acontecem simultaneamente aos investimentos em
tões não resolvidas na América Latina. A marginali- infra-estrutura, como, por exemplo: irregularidade
dade de cunho estrutural permite ganhos analíticos de abastecimento de água e de redes de esgoto;
crise do setor de saúde; desintegração familiar. Efe- de deve ser pensada em relação à cidadania a ser
tivamente, vemos que existem outros processos criada e aos limites dos direitos individuais latino ame-
correlatos aos de investimentos de infra-estrutura, ricanos, as conquistas de direitos individuais são cole-
como aumento da mortalidade, desintegração fami- tivas. Em relação à participação, devemos recriar o
liar, modernização de valores que não se inscrevem termo, que é muito desgastado, estimulando a parti-
em práticas adotadas, feminização da pobreza, “mo- cipação solidária culturalmente significativa e politi-
dernização” de valores, etc. O urbano não pode camente estimulada. Devem ser desenvolvidos crité-
ser pensado apenas a partir da infra-estrutura. rios para examinar e analisar as experiências. A arti-
Estamos num mundo onde a noção de estratégia culação deve ocorrer entre as velhas e as novas soli-
parece ganhar uma importância muito grande, maior dariedades para entender a relação entre ambas. O
do que outras formas de ação. Se todos resolverem fortalecimento dos atores coletivos deve ser esti-
agir estrategicamente, haverá uma exacerbação da mulado. A extensividade e as positividades que que-
competição. Estratégia está associada ao individua- remos passam necessariamente pela questão insti-
lismo. O termo estratégia pode ser associado tam- tucional. A solidariedade tem que ser discutida por
bém a fatores positivos de autogestão, mas existe o meio de alguns pontos. As conquistas de direitos in-
outro lado: se todos resolvermos ser estratégicos vai dividuais são coletivas. Não podemos admitir o apri-
ser difícil manter o cenário estabilizado. Estratégia sionamento a pequenas áreas e a pequenos grupos.
tem de ser relacionada ao protagonismo: a cidade Na questão da participação é preciso recriar o ter-
tem de ser protagonista. A ampliação da noção de mo. É preciso retomar o conteúdo mais pleno da par-
estratégia está associada à figura do protagonista, ticipação, especialmente a participação solidária, po-
justamente quando existe uma desarticulação do ce- liticamente motivada.
22 nário institucionalizado. Isso leva à idéia de ter de Propostas para analisar as experiências: articu-
trabalhar em contextos cada vez mais limitados, para lação entre as novas e as velhas formas de solidarie-
que haja espaço para o protagonista. dade; fortalecimento dos atores coletivos; extensi-
Não é possível procurar a modernização o tem- vidade das positividades (passando pela questão ins-
po todo. É preciso articular o novo com o novíssimo, titucional), coerência técnica. Este último ponto é
ou seja, o sujeito coletivo deve ser colocado lado ao importante: se estamos debatendo o urbano não po-
lado com o protagonista de algumas cenas. Temos demos deixar de lado a questão técnica.
de trabalhar em contextos cada vez mais limitados,
o pobre não pode ser visto de uma maneira genéri-
ca, existe uma redução da visão do sujeito em rela-
ção ao ator, o que significa uma redução de movi-
mentos sociais em relação à ação. Não podemos
ficar nos modernizando o tempo todo enquanto pe-
riferia do mundo. Isso significa que parece ser inte-
ressante traçarmos uma nova forma de ver o novo
em relação ao novíssimo, que trata de alguns valo-
res e algumas práticas que enxergam o sujeito co-
letivo como ator em determinadas cenas.
O debate gira em torno da questão da verdadeira
solidariedade, que não é doação, é identificação: a iden-
tidade seria o caminho para a igualdade. Solidarieda-
Oficina 1
Pobreza e formas de ação coletiva
Expositores: Nilson Costa e Pedro Jacobi

Nilson Costa
Trago mais questões do que repostas. Com base implementação por organizações governamentais
em um trabalho de análise de alguns programas so- e não-governamentais.
ciais do governo, pretende-se fazer um estudo por Emergem como perguntas importantes: tais
amostra: a pesquisa Avaliação dos Processos de programas são substitutivos dos programas uni-
Implementação das Políticas Sociais (Brasil Crian- versalistas? A focalização ou seletividade amea-
ça Cidadã, Programa de Erradicação do Trabalho ça os programas sociais orientados para a inte-
Infantil, Programas de Agentes Comunitários de Saú- gralidade? A iniciativa local ou municipal prescin- 23
de e Programa Nacional de Fortalecimento da Agri- de do Estado nacional? O que é “nacional” nas
cultura Familiar). políticas nacionais?
Quais são as condições que favorecem ou en- Programas bem desenhados com clientelas po-
travam o processo de implementação de um dese- liticamente difusas: risco de alta vulnerabilidade às
nho de programa social? Quais são as organizações decisões de contingenciamento orçamentário. Bra-
ou entidades que levam adiante esses processos? sil Criança Cidadã, Programa de Erradicação do Tra-
Quais são as características altamente positivas? balho Infantil, Programa Nacional de Fortalecimen-
Quais são as inovações dos modelos de interven- to da Agricultura Familiar – Pronaf: orçamentação
ção? Como se dá a definição de clientelas específi- errática. A incerteza orçamentária gera crise de cre-
cas? Quais são os programas nacionais, quais são dibilidade e legitimação.
os de responsabilidade da esfera local? Apenas o Programa de Agentes Comunitários de
Características positivas: programas inova- Saúde, mais consolidado, parece escapar a essa re-
dores; definição de clientelas específicas; progra- gra. Observa-se importante aprendizado social na
mas nacionais; implementação e responsabilização organização de interesses: médicos / secretários
municipal ou local abrangentes em relação às ques- de saúde / estrutura de incentivos à reforma do
tões de saúde; alta mediação de comunidades téc- setor de saúde, alta sustentabilidade.
nicas e conselhos setoriais na implementação; alto Novos papéis ao gestor municipal: superagenda
grau de regulação do processo de seleção de pro- administrativa. Lições importantes de solidarieda-
jetos e escolha de clientelas; mobilização em es- de e respeito à condição humana. Processos de apro-
cala elevada de recursos locais e comunitários; fundamento de vínculos entre grupos.
Pedro Jacobi
Pobreza - e formas de ação coletiva - exigiria quadro, mas pró-ativa em relação às novas alterna-
uma manhã inteira para ser abordada, portanto se- tivas emergentes.
rão colocados alguns aspectos importantes em tor- A engenharia institucional deve ser, portanto, o
no de experiências concretas. O enorme desafio é local para pensarmos o público em relação com a
que temos de refletir sobre tipos de ação e projetos sociedade. A questão da pobreza e da exclusão so-
e também sobre formas de agir e de mudar. Então, cial são componentes estruturais, mas cada vez mais
uma primeira questão é a do enorme desafio que se existe a convicção de que pensar e agir em torno da
tem em um grupo como este, no sentido da dicoto- pobreza inclui aspectos éticos de democratização
mia entre o pensar/refletir e o fazer/agir/mudar. das relações sociais. O Movimento dos Sem-Terra
Portanto, é preciso refletir sobre alguns condi- (MST) demonstra que é possível fazer perguntas,
cionantes. Como herança da repercussão que têm mas os movimentos sociais não avançam, tanto por
as teorias administrativas, alguns fazem e não tem problemas internos como também pela lógica de se
tempo para pensar, outros pensam e não podem fazer políticas públicas. Uma engenharia institucio-
fazer. Toda política se confrontará com limites, e nal, para tornar-se legítima aos olhos da popula-
cada vez mais vivemos a dicotomia entre integrar e ção, deve ter uma perspectiva de eqüidade, deve
fragmentar, o que nos leva ao grande desafio de buscar a interlocução através de parcerias, que,
pensar igualdade, liberdade e democracia. no entanto, não podem ser substitutivas da ação
Toda política será confrontada por limites. Assim, do poder público, em especial em áreas estratégi-
ao pensar a ação coletiva, o componente-chave é cas. O tripé fundamental é: participação, solidarie-
como pensar o tecido social, em que as políticas pú- dade e cooperação.
blicas estimulam a “desresponsabilização”. O avan- Essas novas relações devem ser negociadas. Há
24 ço seria tornar a desresponsabilização a exceção e a espaço para pensar em estratégias que não sejam
co-responsabilização a regra. É disso que, essen- meramente tecnocráticas. O componente essencial
cialmente, se trata na democracia brasileira. Deve- é pensar o déficit de cidadania e o superávit de pa-
mos reforçar a formação de gestores que não vejam trimonialismo, sendo este último perverso e desa-
na tutela e na dependência sua oportunidade de re- gregador. Vale a pena pensar que estes condicio-
troalimentação política. nantes podem ser superados. Porto Alegre tem três
Que tipo de espaço existe na sociedade civil para gestões que apostam no mesmo projeto de demo-
a interação solidária e participativa com agências cratização e horizontalização da gestão social. Or-
do Estado? Cada vez mais fica explícito que, à medi- çamento participativo é típico exemplo de ruptura
da em que haja possibilidade de romper a lógica de da lógica tradicional.
tutela, cabe ao Estado tomar posição pró-ativa. O Que tipo de aspectos facilita a interação en-
poder público deve gerar os fatores indutivos dessa tre sociedade civil e órgãos locais? Cada vez mais
interação. Trata-se de romper lógicas de tutela e fica explícito que, ao se romper a lógica de tute-
dependência e reforçar o associativismo, o coopera- la e de dependência, devem surgir algumas mu-
tivismo, as relações na horizontalidade do tecido danças em relação à autonomia e a legitimidade
social. Novas relações devem ser construídas, ne- dos atores sociais.
gociadas, acordadas, pactuadas, mas horizontalmen- As experiências não acontecem no atacado, mas
te, e não verticalmente, com reprodução de subal- no varejo, com a noção de fortalecimento do espaço
ternidade. Se no nível nacional existem criticas, no social. Essas experiências nos permitem avançar no
nível local as coisas têm melhorado gradativamen- sentido de verificar que tipo de estratégias e dinâ-
te. Assim, minha visão é reativa em relação ao atual micas estão sendo estruturadas quando se leva em
Oficina 1
conta o papel dos interlocutores, sendo a maior difi- Concluindo, as palavras-chave, para lidar com
culdade em relação ao papel social do empresariado, pessoas que têm condição social subalterna, são:
que deve ser estimulado. Significa pensar relações que lógica solidária; laços de identidade e pertencimen-
implicam em um arranjo institucional que promova um to; superação da visão minimalista de participação;
novo significado. Há, efetivamente, uma reflexão para escolha de prioridades pela própria população. A
pensar as estratégias a partir de quem vai a campo responsabilização dos cidadãos sem culpar a víti-
conhecer a realidade. ma. Qualificação, auto-estima, educação, expecta-
A constituição do cidadão, pensando no déficit tiva, ainda que a própria idéia dos processos de
de cidadania, saindo da retórica e indo para a ação, mobilidade social esteja bloqueada.
só pode se consubstanciar a partir das relações Que desafios estão colocados nesse aspecto? A
entre o poder público e a população, na medida em criação de consciência é importante, assim como a
que os canais de comunicação existam e a abertura criação de condições para que as próprias pessoas
seja colocada pelo poder público dependendo do in- estabeleçam a articulação entre o macro e o micro.
sumo da sociedade para a participação. A idéia de mobilidade social está fragilizada e isso
A constituição de cidadãos como sujeitos sociais implica construir outras referências de integração
ativos só pode se dar a partir de mudanças das prá- e estimulação, sendo preciso construir e reforçar
ticas sociais, no que diz respeito à relação entre o as lógicas solidárias que necessitam do suporte de
Estado e a sociedade civil. Sempre é muito impor- sustentáculos adequados. Precisamos, acima de
tante lembrar a história política brasileira, na qual tudo, superar a visão minimalista de participação.
a participação não tem a mesma dimensão da lógi- O último tema é a responsabilização do cidadão.
ca comunitária de outros países. A criação de espa- O normal é observar que cada vez mais os adminis-
ços participativos está vinculada ao espaço público, tradores culpam a pessoas, pelo lixo, pelo desliza- 25
cuja existência no Brasil ainda é recente, dada a mento etc. Quais são os desafios colocados para
predominância histórica do espaço estatal. A vivên- criar espaços de coesão social? O grande desafio
cia comunitária e a prática comunitária são muito para pensar a forma de ação coletiva frente à po-
incipientes, a lógica comunitária nos EUA e na In- breza é permitir que as próprias pessoas andem por
glaterra tem uma outra dimensão. Essa construção conta própria.
passou por tantos anos de autoritarismo, em que
não foi rompida essa tutela, e está vinculada à no-
ção de espaço público, o qual é restrito na socieda-
de brasileira. A construção do público é muito re-
cente no Brasil, necessitando de espaços onde os
conflitos venham à tona e as diferenças que se
confrontam sejam aceitas. É fundamental a aceita-
ção das diferenças.
Neste sentido, busca-se construir um arranjo le-
gítimo aos olhos da população, que tem uma enor-
me dificuldade de se aproximar do poder público. O
desafio é achar novas formas de participação.
O papel das instituições da sociedade civil tem
se assentado no tripé cooperação, solidariedade
e participação.
Debate

Oficina 1
Debate

Jan Bitoun ] Só queria colocar alguns pontos podemos atentar para ter mais cuidado.
que relacionam questões concretas com discussões O terceiro ponto é a questão das novas racio-
e apresentações mais gerais feitas pela Marilena e nalidades que emergem. Eu queria chamar a aten-
pela Ana Clara. Em primeiro lugar, é importante con- ção para os programas de saúde. É importante pen-
28 siderar a magnitude e permanência da pobreza. Não sar a partir do caráter “territorializante” das políti-
se pode perder de vista o quadro maior pela via das cas de saúde e educação, emergindo atores que pas-
intervenções parciais. Outra questão séria é a da sam a ter um papel fundamental. Os agentes comuni-
des-historização pela adoção de padrões globais e tários de saúde passam a ser atores que têm uma
palavras padronizadas (por exemplo, favelas). Em dimensão cultural de um trabalho dignificante, pas-
terceiro lugar, as novas racionalidades que emer- sando a redesenhar as lideranças comunitárias.
gem, por exemplo, programas de saúde que deixam
de ser somente setoriais para adquirir característi-
cas especializantes. Berenice Ramos ] Eu achei muito interessan-
Em segundo lugar, deve-se levar em conta a per- te estarmos tentando ter tempo de pensar o concei-
manência da pobreza nas cidades. O levantamento to que temos intuitivamente da pobreza, da cidada-
das experiências está desconsiderando a questão nia e dos direitos. São questões que vemos na prá-
estratégica: volta-se a pensar na intervenção sobre tica e não temos tempo de pensar. O conceito intui-
o urbano como o embelezamento da cidade. Quero tivo em torno da questão da pobreza, que inclui a
dizer que no debate sobre o urbanismo a questão pobreza de cidadania, de horizontes, de afeto, ficou
da pobreza não é central. A desterritorialização e o confirmada pelas colocações teóricas. Saúde é mais
desenraizamento existem a partir da questão mun- do que ter ações curativas. A ação local precisa da
dial. Muitas vezes falamos de favela como se em ação do poder público nos três níveis: municipal,
todas as cidades fosse a mesma coisa, mas, na ver- estadual e federal. A articulação com outras áreas
dade, para restabelecer o contato com os morado- também é importante: geração de emprego e ren-
res, utilizam-se os termos do vocabulário pelo qual da, educação etc.
Oficina 1
Como atuamos na área de saúde, temos um con- trave, quem melhor descreve a pobreza são jorna-
ceito amplo. Vemos que não são só as ações medi- listas. Gostaria que tentássemos mesclar, sem
camentosas ambulatoriais que vão resolver estes sermos superficiais como jornalistas e sem ser-
problemas, é na participação da comunidade que mos complicados como cientistas. Essa busca é
devemos mexer em todos estes fatores que leva- essencial, remetendo ao antropólogo que suja as
rão a uma melhor qualidade de vida. Em relação mãos e se aproxima da realidade. É importante o
às ações mais locais e as que devem ser trabalha- cuidado com a linguagem para não excluir aqueles
das de forma diferente existindo aquelas peculia- que se pretende incluir. Há necessidade de se fa-
ridades locais, precisamos do apoio de entidades lar uma linguagem compreensível.
municipais, estaduais e nacionais. Trabalhando
mais as questões de prevenção e educação, fazer
visitas domiciliares leva mais tempo do que uma Magdalena Alves ] Estamos pensando em
consulta. As políticas estaduais e federais devem igualdade como ponto de partida ou como ponto de
acompanhar o nível local. chegada? Se estamos falando de pobreza falamos
de populações que têm uma descompensação, tra-
balhando eqüidade e igualdade.
Sônia Dias ] Uma das coisas que remetem Existem diferenças entre as ações locais e as
para o lado da prática são os grandes desafios em ações nacionais. Em municípios onde existe pro-
ver como a questão da solidificação das atividades ximidade com as redes sociais obtém-se maior
ocorre. Na medida em que a sociedade está cres- respaldo. O problema da continuidade de progra-
cendo, alguns indivíduos catadores vão ficando para ma também se coloca como forma de evitar que
trás, porque não conseguem acompanhar as exigên- programas sejam implantados a partir da empa- 29
cias da sofisticação do processo (disciplina, produ- tia de determinados governantes e depois se per-
tividade etc.), são indivíduos que não conseguem cam essas iniciativas. O desafio é como transfor-
alcançar as exigências mínimas. Como compatibili- mar a exceção em regra. Como operar a trans-
zar a necessidade de crescimento com a necessi- formação das políticas alternativas em uma nova
dade de manter redes de solidariedade em relação proposta de país?
a este indivíduo? Como manter uma rede de solida-
riedade em relação a estes indivíduos? Como fazer
a coleta seletiva se tornar um empreendimento sem Jacqueline Rosas Silva ] O grande desafio
abandonar os catadores que ficaram para trás? que temos em Ipatinga de implantar qualquer pro-
jeto é o de convencer nossos governantes de que
isto é possível fazer e pode dar certo. A conta que é
Marcos Formiga ] Julgo importante fazer- sempre feita é a de custo-benefício: ou fazemos isto
mos esta revisão com documentos prévios tendo o ou urbanizamos uma grande favela. A avaliação é
cuidado de falarmos uma linguagem que não ex- muito difícil, alguns problemas saem de dentro dos
clua aqueles que a gente quer defender, lembran- muros e vão de encontro às famílias, porque é mui-
do a dicotomia mencionada pelo Pedro Jacobi: o to melhor investir em prevenção do que em atendi-
dualismo entre o pensar e o agir, o qual estamos mento ambulatorial porque os custos são menores.
exercitando com muita competência. Há a neces- O grande desafio é convencer a equipe de governo
sidade de se falar uma linguagem que possa ser de que investir nessas áreas carentes vai ser me-
entendida. A terminologia especializada é um en- lhor do que atender a classe média, que gera divi-
dendos políticos. O grande desafio é convencer os çarmos nessa reflexão é preciso sair da idéia de ex-
governantes do retorno que novos projetos pode- periências ou práticas para pensar políticas. Preci-
rão lhes trazer. samos contextualizar essas alternativas. Seria inte-
Faz 12 anos que se começou a investir em fave- ressante se conseguíssemos avaliar melhor como
las, mas a votação do PT não é grande nas favelas, cada ação se constitui no âmbito global das políticas
e sim na classe média. Para os favelados, a institui- do município.
30 ção pública é o terceiro elemento em que eles mais
confiam – na visão deles, as igrejas são as institui-
ções que mais prestam serviços. Orlando Júnior ] Queria assumir a importân-
cia, neste primeiro momento, da dicotomia entre
pensar e agir, entre o teórico e o prático. O jornalis-
Adauto Cardoso ] Um passo importante é o de mo também cria e reproduz estigmas, é importante
superar a noção best practices e de experiências trabalhar melhor a linguagem.
exitosas para refletir sobre políticas. Acumular co- Em relação ao tema, fico pensando que, se o mu-
nhecimentos reflexões sobre o que acontece no país nicípio no Brasil é um campo de experimentação ge-
também é necessário. As práticas bem-sucedidas são ral, com que quadro de referências podemos olhar
muito localizadas e nelas se valoriza muito o que lhes tais experimentos? Entendo que o marco para pen-
é particular. É preciso avançar na contextualização sar a realidade brasileira é a desigualdade. Qual a
dessas práticas, avaliando melhor como elas se arti- relação entre a provisão de serviços vista nas expe-
culam com a política global. Mesmo analisando as pró- riências trazidas para análise e as estratégias de re-
prias experiências, cabe refletir sobre questões mais dução da pobreza? Qual a diferença entre política de
gerais, como, por exemplo, de que maneira são defini- provisão de serviços em geral e políticas de redução
das as prioridades, ou que relação existe entre uma da pobreza? Por que as experiências analisadas são
política setorial e as necessidades globais de determi- estratégicas? Qual a diferença entre a provisão, em
nada comunidade. O debate sobre as experiências bem- geral universalista, e políticas específicas para a re-
sucedidas tem a ver com os municípios, com a demo- dução da pobreza? Qual a diferença entre as ações
cratização e com a descentralização. Mas para avan- estratégicas e as não-estratégicas?
Oficina 1
Experiências
discutidas
Oficina 1
BELO HORIZONTE, MG

Associação dos Catadores


de Materiais Reaproveitáveis
Expositora: Sônia Dias

Buscando a inclusão social de populações que so- desde alfabetização até capacitação profissional
brevivem da catação de lixo para venda de materiais para a gestão da iniciativa, passando pelo acom-
recicláveis, o município de Belo Horizonte, terceiro panhamento escolar das crianças, aquisição coo-
maior centro urbano do país, com quase 2,1 milhões perativada de bens de primeira necessidade etc.
de habitantes, desenvolveu um programa cuja carac- A ASMARE funciona como cooperativa responsável
terística fundamental é o enfrentamento da pobreza pela recepção, processamento e venda do material
extrema por meio de ações no campo das políticas reciclável, que depois de recolhido é transportado para
públicas que cuidam do lixo urbano. três galpões localizados na região central da cidade.
A Introdução do Catador no Mercado da Reci- O transporte é realizado pelos catadores que traba-
clagem é parte de um conjunto de ações inovadoras lham nas ruas ou por caminhões da SLU. 33
desenvolvidas pela Superintendência de Limpeza Ur- Nos galpões, a Asmare realiza a triagem da ma-
bana – SLU, órgão municipal responsável pela lim- téria-prima e o pré-processamento, para venda, de
peza pública e pela coleta do lixo urbano. Trata-se mais de 400 toneladas de material reciclável por
de um convênio de cooperação técnica e financeira mês. Segundo levantamento socioeconômico reali-
estabelecido entre essa autarquia e a Associação zado em maio de 1998, dos mais de 500 catadores
dos Catadores de Papel e Materiais Reaproveitáveis de papel que trabalhavam por conta própria na re-
– ASMARE, fundada em 1990 a partir de trabalho gião central da cidade, 210 já estão inseridos na
desenvolvido pela Pastoral da População de Rua. cooperativa, dos quais 55% são mulheres. Do total
O convênio garante a cobertura dos custos de de associados, 54% recebem até dois salários mí-
administração e a assessoria necessária à viabili- nimos, 40%, de dois a quatro salários mínimos e
dade da iniciativa. Além disso, articula uma série de 6%, acima de cinco salários mínimos.
outras instituições governamentais, não-governa- A participação nos rendimentos é proporcional
mentais – com clara atuação no campo do associati- à produção de cada associado. Uma complexa es-
vismo e do cooperativismo – e uma entidade empre- trutura de gestão viabiliza o trabalho realizado pe-
sarial. A maioria das instituições não-governamen- los cooperativistas: o núcleo central, composto por
tais tem caráter religioso, sendo ligadas à Igreja um colegiado eleito por dois anos, é auxiliado por
Católica. Essas parcerias buscam não apenas viabi- sete comissões consultivas, responsáveis pela dis-
lizar a atividade propriamente dita, mas também cussão de temas e pelo desenvolvimento de ações
garantir a melhoria da qualidade de vida dos envol- em várias frentes, como religiosidade, saúde, edu-
vidos e de seus familiares, com ações que incluem cação e meio ambiente.
PORTO ALEGRE, RS

Programa Unidade de Triagem


Expositor: Ademir Castro

O Programa Unidade de Triagem nasceu como principalmente, evita-se que vivam em condições
iniciativa do Departamento Municipal de Limpeza de trabalho e saúde degradantes.
Urbana – DMLU, autarquia da Prefeitura de Porto Os primeiros galpões foram quase inteiramente
Alegre, importante capital do país, com quase 1,3 financiados por entidades religiosas. As unidades
milhão de habitantes. O Programa é uma das im- mais recentes foram construídas pela Prefeitura
portantes frentes de ação da política municipal de em áreas públicas. Em cada galpão, uma associa-
gestão dos resíduos sólidos, que tem sido referên- ção legalmente constituída é responsável pela ges-
cia no debate nacional sobre coleta seletiva e ges- tão e execução das atividades. Para isso, cada uma
tão ambiental. delas conta com apoio técnico do DMLU e de ou-
O primeiro aspecto a chamar a atenção diz res- tros órgãos públicos municipais. Tais órgãos aju-
peito à coleta seletiva, que é realizada porta-a- dam a capacitar os associados para a gestão da
34 porta e praticamente garante cobertura univer- iniciativa e articulam outras importantes parce-
sal (97% da população em 100% dos bairros da rias – na maior parte dos casos, ligadas à Igreja
cidade). O segundo elemento a destacar é o forte Católica –, que atuam também na mobilização po-
investimento na estrutura dos dois aterros sani- lítica, compra de equipamentos e em outras fren-
tários da cidade, que operam com tecnologia tes de ação.
ambiental de ponta e são controlados de forma a O programa já beneficia diretamente mais de
encorajar famílias em situação de pobreza a tra- 260 pessoas, das quais nada menos que 2/3 são
balharem com o lixo, mas de forma digna e sau- mulheres, obtendo rendimentos conforme o núme-
dável, retirando adultos e crianças do contato di- ro de dias trabalhados em cada mês.
reto com os resíduos nos aterros. A iniciativa enfrenta dois grandes desafios. O
As 53 toneladas de lixo seco recolhidas diaria- primeiro é a autonomização do processo de gestão
mente são distribuídas entre as oito unidades de da cooperativa ou das associações, em que pese o
triagem localizadas em diferentes bairros da cida- baixo grau de escolaridade da população envolvida
de. Essas unidades são galpões nos quais ex-cata- e os enormes limites de acesso à informação. O
dores, ex-papeleiros e moradores de comunidades segundo desafio é representado pela necessidade
pobres trabalham de forma associativa na separa- de aumentar a produtividade de forma a possibilitar
ção, enfardamento e pré-beneficiamento de papel, um incremento mais significativo da renda dos coo-
vidro, metais e plásticos para posterior comerciali- peradores ou associados, sem que isso resulte em
zação no mercado de reciclados. Ao evitar a figura competitividade no interior dos grupos e, conseqüen-
do atravessador, abre-se a perspectiva de que es- temente, no enfraquecimento da necessária solida-
ses trabalhadores melhorem seus rendimentos e, riedade entre os mesmos.
Debate

Oficina 1
Debate

Magdalena Alves ] Como trabalhar a ques- Os resultados da pesquisa indicam que 41% dos
tão da rotatividade dos catadores? Como resolver o catadores têm mais de cinco anos de associação.
36 problema da sazonalidade do preço do papel? O pa-
gamento é feito diariamente ou mensalmente? O ma- Ademir Castro ] Cada unidade possui uma
terial é revendido para depósitos ou existe uma pers- série de suplentes. Além disso, os índices de rotati-
pectiva de manipulação deste material? Pretendem vidade estão diminuindo. Em Porto Alegre os cata-
agregar valor ao reciclado? dores têm um fundo de reserva, que é utilizado tam-
bém para enfrentar as épocas de “vacas magras”.
Sônia Dias ] A rotatividade não é problema, A rotatividade é resolvida pela lista de suplentes de
pois o índice de permanência é bom. O que ocorre é cada associado (são 10 suplentes por associado).
um grande número de catadores com doenças, des-
de problemas de coluna até doentes terminais com Adler do Couto ] Há alguma articulação do
AIDS. A meta é aumentar o número de triadores, o programa de BH com a área de saúde, para enfren-
que levará a uma diminuição da rotatividade. tar os problemas de doença dos catadores ?
A sazonalidade do mercado de papel é com-
pensada pelo comportamento do mercado de ou- Sônia Dias ] Os catadores doentes são atendi-
tros materiais (plásticos e metais). Paralelamente dos de forma especial. A própria comissão de saú-
está sendo feito o estudo de viabilidade deste seg- de busca desenvolver uma sistemática que possibi-
mento para se obter subsídios para a resolução lite o acompanhamento e o auxílio a estas pessoas.
do problema.
O pagamento é feito semanalmente, menos o Pedro Jacobi ] No caso de BH, o poder públi-
bônus de produtividade de 20%, que é pago men- co tem um papel importante no apoio financeiro. Isso
salmente. demonstra que esse tipo de experiência exige apor-
Oficina 1
te financeiro do poder público para que possa ser Ademir Castro ] Este é um grande debate.
repetido em outras localidades. Não é possível com- Em Porto Alegre, há reivindicação dos catadores por
bater a pobreza sem subsídios. salários. A posição oficial é contrária. A prefeitura
reconhece o papel fundamental dos catadores, po-
Sônia Dias ] O reconhecimento do papel a ser rém acha que não deve pagar salários, pois isto pro-
desempenhado pelo poder público e pelos demais vocaria um estímulo ao não trabalho.
parceiros não se dá de forma suave, os conflitos
são inevitáveis, até porque os tempos políticos de Pedro Jacobi ] O argumento do Ademir é
cada um são diferentes. O que se fez foi buscar a pertinente, pois discute o componente ecológico que
implantação de um comando colegiado em que es- parece deixado meio de lado. O argumento do Cel-
ses diversos atores tivessem espaço. so é complicado porque é preciso discutir o compo-
nente ambiental da sustentabilidade, que não é ape-
Marcos Formiga ] A questão educacional pre- nas econômica.
ocupa em ambos programas apresentados, não no
sentido de educação básica, mas no sentido de pro- Celso Santos ] O fato de a prefeitura não
ver estes trabalhadores de condições para exercer estar catando o lixo promove um ganho financeiro
outras atividades. Existe algum estudo que demons- que poderia ser repassado aos catadores.
tre o valor agregado pela educação do grupo?
Ademir Castro ] Sob essa ótica, o empreen-
Sônia Dias ] BH não tem estudos sistemáticos dimento não seria viável, pois o aterro é mais bara-
sobre o impacto do processo de educação na vida to do que a reciclagem.
dos catadores, mas de qualquer forma tem-se ob-
servado o reflexo positivo do processo. Existe uma Sônia Dias ] BH reconhece que a economia 37
ênfase no processo de educação, passando pela in- mensal é de R$ 9.000,00 em aterros. A reciclagem
serção destes catadores na sociedade e pelo auto- de 50 quilos de papel salva uma árvore, informação
gerenciamento das atividades da ASMARE. A apos- esta amplamente divulgada junto aos catadores.
ta tem sido feita na geração mais jovem, por meio
da oficina de marcenaria, em que se prepara os fi- Grazia de Grazia ] A estratégia não ficou
lhos dos catadores para uma nova profissão. muito clara. A preocupação é gerar emprego e
renda ou promover uma nova política pública. Que
Ademir Castro ] Há iniciativas de qualificação mecanismos existem para garantir a continuida-
de mão-de-obra como, por exemplo, o treinamento de do trabalho?
de catadores para a indústria de plásticos. Porém, a
abordagem educacional ainda é muito incipiente. Carlos Pontes ] A sustentabilidade deve ser
olhada como um todo, pois a existência de recicla-
Celso Santos ] Todos os projetos buscam a gem não significa que não se necessitem de aterros.
auto-sustentabilidade econômica, porém o foco pri-
vilegiado nesta questão não é pertinente. Deve-se con- Jan Bitoun ] Existe um mercado da reciclagem.
tabilizar socialmente outros ganhos auferidos como, Na verdade, a prefeitura não deixa de recolher o lixo,
por exemplo, o fato de as prefeituras deixarem de ela intervém junto aos catadores privados para regular
recolher o lixo e deixarem de fazer aterros. Os pro- esse mercado. A força das experiências está no aspec-
jetos retiram da prefeitura um ônus, mas isso não é to cultural, atraindo os catadores para que escapem
creditado aos catadores. Como contabilizar? dos atravessadores.
38
Fábio Atanásio ] O trabalho dos recicladores dores, esvaziando suas atividades. O que se busca
promove um impacto junto ao gasto da municipali- é o máximo aproveitamento do lixo, de forma inova-
dade em relação à coleta de lixo. Esses recursos dora e criativa.
economizados poderiam ser utilizados para esti-
mular esse tipo de iniciativa. Sônia Dias ] As ações desenvolvidas se articu-
lam em torno do gerenciamento integrado de recur-
Ademir Castro ] A estratégia política já está sos sólidos, tentando maximizar o potencial de utili-
sendo delineada no fórum com os catadores, no qual zação e reciclagem, mas além disso existe um cará-
se discute, por exemplo, a criação de pequenas in- ter social de atendimento à população de rua. Aí
dústrias de beneficiamento de plásticos. O geren- está sua articulação. Na lei orgânica do município
ciamento integrado dos resíduos sólidos foi exem- foi incluída a norma segundo a qual a reciclagem
plificado pelo trabalho com os hospitais da cidade: deve ser feita por cooperativa de trabalhadores au-
lixo orgânico é pasteurizado e direcionado a suino- tônomos. Também se busca a auto-sustentabilida-
cultores; lixo seco é encaminhado às unidades de de do projeto, com a consciência de que os catado-
reciclagem etc. Outras formas de redução do lixo res estão prestando serviços públicos.
destinado a aterros estão sendo utilizadas ou pen-
sadas, inclusive cobrando a assunção da responsa-
bilidade das indústrias pelo que lhes cabe. Os gal-
pões fazem concorrência direta com os atravessa-
Oficina 1
Experiências
discutidas
OLINDA, PE

Meio Ambiente e Cidadania


Expositor: Fábio Atanásio

A experiência Meio Ambiente e Cidadania de Olin- manência na escola. Há um acompanhamento sema-


da, cidade localizada na Região Metropolitana de Re- nal, que permite mudanças graduais de hábitos e valo-
cife, com aproximadamente 350 mil habitantes, é uma rização das pessoas, do trabalho e da escola, dando
iniciativa conjunta do Unicef e da Prefeitura Municipal sustentabilidade e continuidade ao Projeto.
de Olinda, que tem como objetivo mais amplo promo- Entre seus resultados mais significativos, a ini-
ver a inclusão social das famílias que sobrevivem da ciativa conseguiu retirar do Lixão aproximadamente
catação no Lixão de Aguazinha. A iniciativa existe tam- 150 das 350 crianças que ali trabalhavam, reinse-
bém em outras localidades, como Manaus, no Amazo- rindo-as na escola e em atividades de lazer e de
nas, e Rio Branco, no Acre. Em Olinda, reúne parce- pré-profissionalização em horário complementar.
rias com o setor público estadual, organizações não- Houve ainda a instalação de 120 moradias na Vila
40
governamentais e instituições comunitárias locais na União; a instalação do aterro de Aguazinha; o início
articulação de um conjunto de intervenções. do processo de educação ambiental em quatro bair-
O Projeto trabalha com a noção de gestão do ros – buscando-se parcerias com comerciantes e
ambiente urbano, como um processo que envolve moradores – e a redução da morbi-mortalidade a
diversas variáveis – educação, meio ambiente, saú- partir de ações de atenção primária realizadas pelos
de pública, emprego e renda, habitação, garantia postos de saúde e por serviços de combate às
de direitos etc., situando essa noção em um contex- endemias. Outro resultado importante foi a criação
to mais amplo. Assim, a gestão ambiental passa a e legalização da “Associação Reciclar para Mudar a
ter um tratamento qualitativamente diferenciado em Vida”, que envolveu um longo processo de debates
relação ao padrão ainda predominante, que enten- com a comunidade, de modo a transformar a entida-
de a limpeza pública e a gestão de resíduos sólidos de em uma alternativa de geração de renda.
como questões “técnicas”, praticamente desvin- Um dos maiores desafios da experiência está
culadas do plano socioeconômico. relacionado à construção coletiva das ações para
A estratégia desenvolvida em Olinda tem como enfrentar a miséria da população local. Esse pro-
base duas palavras-chaves: integração e reinserção. cesso deve ter como eixos fundamentais a garantia
O trabalho integrado dos diversos parceiros e seto- de apoio financeiro por parte do poder público, a
res da Prefeitura está voltado para reinserir os reci- necessidade de mobilização social permanente para
cladores do lixão no sistema produtivo formal, asse- que as mudanças adquiram enraizamento na comu-
gurar a retirada de 350 crianças e jovens do lixão, nidade e a (re)educação como prioridade em todas
procurando garantir condições de acesso e de per- as atividades.
Oficina 1
RIO DE JANEIRO, RJ

Projeto Mutirão Reflorestamento


Expositor: Celso Junius

No município do Rio de Janeiro, segunda maior parcerias com as Associações de Moradores, tanto
área metropolitana do país, residem 5,5 milhões para a alocação da mão-de-obra, quanto para a dis-
de habitantes, dos quais aproximadamente 420 mil cussão e definição de prioridades, organização das
em áreas de risco de enchentes, deslizamentos e frentes de trabalho etc. O terceiro aspecto a desta-
acidentes geotécnicos. A preocupação com a redu- car é que, ao envolver os próprios moradores, a
ção dos riscos, a recuperação ambiental das áreas iniciativa estimula o aprendizado sobre as princi-
degradadas e a geração de trabalho para a popula- pais causas da degradação do meio ambiente.
ção residente nestas áreas levou a Secretaria Mu- Funcionando desde 1986, o Projeto reflorestou
nicipal do Meio Ambiente a desenvolver o Projeto 1000 hectares, plantou cerca de 2,1 milhões de mu-
Mutirão Reflorestamento. das e beneficiou 67 comunidades. Em junho de 1998,
41
A ação envolve parcerias entre o poder público e a iniciativa ocupava, em 42 frentes de ação, 550
as associações de moradores, cabendo ao órgão pú- trabalhadores, dos quais 82% eram desemprega-
blico o planejamento e elaboração dos projetos, o dos. Para 40% das famílias envolvidas, o Projeto
acompanhamento técnico, a concessão dos equipa- representava a única fonte de renda, pagando re-
mentos, o treinamento da mão-de-obra, a remune- muneração equivalente a 1,5 salário mínimo para
ração das equipes e as atividades de educação os serventes e a 3,4 salários mínimos para os encar-
ambiental. As associações de moradores recrutam regados das frentes de trabalho.
as equipes, escolhem os encarregados, fiscalizam o Finalmente, cabe ressaltar a considerável di-
andamento do trabalho, mobilizam a comunidade e minuição dos custos públicos, tanto do ponto de
promovem campanhas educativas e de esclarecimen- vista do gasto monetário, quanto do ponto de vista
to dos moradores. social, considerando-se os seguintes elementos:
O Projeto apresenta importantes vantagens se geração de renda, qualificação de mão-de-obra,
comparado às iniciativas tradicionalmente desenvol- melhoria do meio ambiente, incorporação de valo-
vidas nessa área, nas quais quase sempre grandes res relativos à educação e à preservação ambiental
empreiteiras ganham as licitações públicas, com (aí incluída a vigilância executada pelos próprios
elevadíssimos custos para os contribuintes. Em pri- moradores de áreas reflorestadas contra a ocu-
meiro lugar, cria frentes de trabalho organizadas na pação irregular das mesmas), e a prevenção de
forma de mutirões, empregando mão-de-obra local, acidentes geotécnicos, muitos dos quais resultam
propiciando qualificação e renda aos mais pobres. em catástrofes irreparáveis, sobretudo nos gran-
Além disso, incentiva o associativismo, ao construir des centros urbanos.
Debate

Oficina 1
Debate

Peter Spink: Quais concepções de pobreza mado ao conhecimento técnico é importante a atua-
estão permeando a discussão? Que temas estão ção das comunidades. Considero muito válidas as
emergindo tendo como foco essa questão? iniciativas expostas. Defendo que o conhecimento
técnico seja colocado à disposição dos cidadãos no
Marcos Formiga ] A importância de experi- nível micro.
ências efetivas é destacada. Neste último caso, o
destaque dado à educação merece ser enfatizado. Jan Bitoun ] A visão intersetorial é necessá-
44 Fico satisfeito com a visão sistêmica do projeto de ria para a integração do ambiente urbano. O impor-
Olinda, tendo a educação sido contemplada ade- tante é a atuação integrada do poder público com
quadamente. suas diversas agências. Ressalto a integração in-
tersetorial como absolutamente necessária para a
Magdalena Alves ] Políticas públicas estão gestão do ambiente urbano.
assentadas em iniciativas populares, como estraté-
gia de sobrevivência. Essa incorporação de deman- Ademir Castro ] A questão da educação é
das populares é fundamental para o sucesso destas pertinente, é o ideal, porém nem sempre é o possí-
políticas. No relato das quatro experiências, des- vel. A indústria também deve fazer sua parte,
taca-se que se trata de políticas públicas que dizem racionalizando o uso de materiais que geram lixo e
respeito a aspectos reais da vida das pessoas. são finitos.

Pedro Jacobi ] Considero ser preciso dosar o Sônia Dias ] A associação entre educação e
entusiasmo da Magdalena, porque todas essas educação formal deve ser evitada. Há outros espa-
experiências contam com o apoio de entidades da ços e oportunidades educacionais. A questão do lixo
sociedade civil. Reintroduzo o tema da reengenharia não deve ser vista sob um enfoque puramente téc-
institucional. nico, é possível construir uma visão diferente a par-
tir dos órgãos de limpeza pública. É possível cons-
Marta Pordeus ] A dificuldade de determina- truir uma concepção diferente sobre limpeza públi-
ção dos limites da pobreza é patente, sendo um pro- ca no interior dos próprios órgãos públicos envolvi-
blema não só de recursos mas também social. So- dos com a matéria.
Oficina 1
Experiências
discutidas
IPATINGA, MG

Ação Integrada nos Bolsões de Pobreza


Expositora: Jacqueline Rosas Silva

Ipatinga, no Estado de Minas Gerais, é uma ci- É importante frisar que a participação popular não
dade de porte médio, com quase 200 mil habitantes. é vista pelo Programa como mecanismo de redução
Com uma economia fortemente dinamizada pelo fato dos custos para a construção das casas. Atualmente,
de ser a sede da Usiminas, uma das maiores side- o índice de utilização da mão-de-obra dos mutirantes
rúrgicas do país, a cidade vem enfrentando na últi- corresponde, aproximadamente, a apenas 1/4 do tra-
ma década as conseqüências de um crescimento balho empregado. O restante é feito por profissio-
desequilibrado entre as dimensões econômica e nais remunerados. O incentivo à participação popu-
social, gerando impactos consideráveis no que se lar visa principalmente à construção de elos comuni-
refere à problemática urbana. O programa de Ação tários para discussão e mobilização. Pretende-se tam-
Integrada nos Bolsões de Pobreza Urbanos procura bém criar mecanismos para que os movimentos so-
46
modificar essa realidade buscando transformações ciais organizados protagonizem o processo de deci-
com base na concepção do patrimônio familiar como são em questões como a gestão dos recursos e a
acervo de bens do qual a família pode se valer para seleção dos beneficiários.
enfrentar momentos de crise e garantir sua segu- O programa tem no pós-assentamento uma de
rança, incluindo trabalho, moradia, saúde, educação, suas características básicas. Realiza também inter-
universo relacional, capital social etc. venções em educação e saúde, ações complemen-
Partindo da constatação de que a construção tares relativas ao meio ambiente e, principalmente,
de moradias não constitui, por si só, estratégia de geração de trabalho e renda, garantindo excelentes
combate à pobreza, a equipe profissional envolvi- resultados. Outro aspecto a destacar é o trabalho
da na gestão do Programa procura intervir de for- de titulação dos imóveis, estimulando a conservação
ma a promover a mobilidade social das populações e melhoria das residências, ao tornar a família pro-
de baixa renda por meio de uma abordagem inter- prietária de sua casa.
disciplinar. Coordenada por um grupo que envolve Do ponto de vista das diversas políticas públicas
representantes de vários órgãos públicos munici- setoriais, o foco é deslocado da “atenção aos po-
pais, além de parcerias com o Movimento Orga- bres” para a “garantia dos direitos”, introduzindo
nizado dos Sem Casa e outras instituições públi- novas formas de atenção. O acesso a serviços pú-
cas e privadas, objetiva, a partir da construção de blicos (como a educação) não ocorre sob a justifica-
moradias em regime de mutirão, consolidar as tiva de que a população-alvo encontra-se em situa-
demais ações de suporte indispensáveis para uma ção de pobreza, mas simplesmente por ser um di-
efetiva construção da cidadania. reito de todo e qualquer cidadão.
Oficina 1
TERESINA, PI

Programa de Reassentamento de Famílias


Expositor: Kleber Montezuma

Localizada no Estado do Piauí, um dos mais po- rizadas de acordo com sua situação de risco e com a
bres do país, Teresina foi a capital brasileira que situação socioeconômica das famílias. A partir da se-
mais cresceu em termos populacionais nos anos 80. leção das famílias, realizam-se reuniões com as lide-
Com status de centro urbano regional, acaba atrain- ranças comunitárias e as famílias beneficiárias, para
do importante fluxo migratório das cidades próxi- discussão da implementação das ações. A edificação
mas, de menor porte, tanto do próprio Piauí quanto das moradias ocorre em regime de mutirão. Final-
dos estados vizinhos. A seca na zona rural intensifi- mente, ocorre o reassentamento das famílias e a titu-
cou essa migração. lação dos imóveis e terrenos.
Nesse cenário de escassez generalizada de re- Até 1999, o Programa já havia beneficiado 4.977
cursos, a questão habitacional é apenas um dos de- famílias (aproximadamente 25 mil pessoas) com a
47
safios postos pela realidade socioeconômica para a construção de moradias e a realização de 14 assen-
redução da pobreza, e também aqui os números não tamentos. Já foram beneficiadas 10.597 famílias com
deixam margem para dúvidas quanto à dimensão do a regularização de lotes e 12.330 famílias com a
problema: aproximadamente 100 mil pessoas resi- implantação de unidades sanitárias. O desenvol-
dem em condições precárias nas áreas de risco, as vimento de ações intersetoriais traz importantes re-
chamadas vilas, muitas das quais em regiões alaga- sultados para a melhoria da qualidade de vida em
diças. É nessa realidade que o Programa de Reas- áreas como educação e saúde, conforme demonstra
sentamento de Famílias atua. a queda significativa da mortalidade infantil.
Desenvolvido desde 1993 pela Secretaria Mu- Outro fator importante é a vitalidade dos movi-
nicipal de Habitação e Urbanismo, o Programa opera mentos sociais organizados em torno da questão
basicamente em duas frentes: 1) mutirão para a cons- da moradia. Essa vitalidade pode ser observada na
trução de moradias, e 2) melhoria das condições de mobilização popular gerada em cada ação de reas-
habitação. Em ambas tem como premissa a manuten- sentamento, na interlocução com os conselhos co-
ção e o reforço dos laços comunitários envolvidos nas munitários e associações de moradores e na atua-
relações de vizinhança. Nas intervenções anteriores ção das federações que representam o movimento
isso não era considerado, resultando na desmontagem habitacional. Um dos importantes avanços foi a cria-
das redes de solidariedade construídas como forma ção, em 1997, do Fundo Municipal de Habitação, cu-
mais imediata de relação com o mundo social e até jos recursos são geridos pelo Conselho Municipal de
mesmo como estratégia de sobrevivência. Habitação, composto por representação paritária do
Para a construção de moradias, as áreas são prio- poder público e da sociedade civil.
RECIFE, PE

Plano de Regularização das Zonas


Especiais de Interesse Social - PREZEIS
Expositoras: Neide Silva e Marta Pordeus

Recife, capital de Pernambuco, com quase 1,35 urbanização e regularização fundiária são alocados
milhão de pessoas, é o centro de uma das maiores em um fundo específico, cuja aplicação é definida de
regiões metropolitanas do país e, como tal, vem forma participativa. Cada uma das áreas deve consti-
enfrentando em escala crescente os problemas so- tuir uma Comissão de Urbanização e Legalização –
ciais relacionados ao quadro de rápida expansão. COMUL, que discute e delibera sobre os processos
Tanto nos anos 30 quanto nos 70, dois períodos de específicos de urbanização e legalização e indicam
acelerado inchamento da cidade, grande parte des- representação para o Fórum do PREZEIS, instância
ses problemas foi “resolvida” com a expulsão da superior com poder deliberativo sobre a utilização
população pobre das áreas urbanas, resultando na dos recursos. Das 65 áreas, 34 já possuem as CO-
48 periferização da cidade. MULS instaladas e 31 ZEIS já vêm recebendo algum
Evidência dessa herança histórica é a ausência tipo de intervenção, beneficiando 95 mil pessoas. Em
de reconhecimento pelo órgão público de planejamen- cinco áreas, o processo de regularização fundiária
to, até o início dos anos 80, das áreas de ocupação de todas as moradias já está em andamento, atingin-
irregular, que apareciam como simples “manchas” do 4,5 mil pessoas.
nos mapas da cidade. O reconhecimento oficial de A regularização fundiária e as melhorias urba-
tais áreas pelo aparato público é marcado pela legis- nas e habitacionais ainda apresentam resultados
lação que possibilitou a criação, nos anos 80, das bastante acanhados frente às dimensões do proble-
chamadas ZEIS, ou Zonas Especiais de Interesse ma. O destaque da iniciativa fica por conta, princi-
Social. Elas totalizam 65 áreas, nas quais estão apro- palmente, do processo de mobilização social e polí-
ximadamente 200 favelas e 280 mil pessoas. tica que vem sendo desencadeado.
O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Um dos desafios está na necessidade de ampli-
Interesse Social – PREZEIS, tem por objetivo central ar a iniciativa, tarefa difícil no quadro de escassez
a inclusão, no planejamento urbano, de áreas pobres, de recursos locais frente à magnitude da realidade
as chamadas “cidades informais”, que crescem e de exclusão social. Há também dificuldade de arti-
se desenvolvem às margens do planejamento oficial. cular ações que permitam uma visão mais integra-
Funciona por meio de parceria entre o poder público da da problemática social existente nestas áreas
municipal, organizações não-governamentais e as as- da cidade, de forma a coordenar as diversas políti-
sociações de moradores, realizando atividades de pla- cas públicas para que o tratamento das questões
nejamento, elaboração de projetos e execução de habitacional e urbanística não seja realizado de for-
obras de urbanização nessas áreas. Os recursos para ma isolada.
Debate

Oficina 1
Debate

Maria do Carmo Brant ] Muitas vezes, tra, um trabalho de avaliação de políticas públicas,
limpeza urbana, meio ambiente e pobreza são iso- que articulasse indicadores quantitativos e qualitati-
ladas. No entanto, isso não deve ocorrer na ges- vos. É preciso resgatar a dimensão da solidariedade
tão da cidade. As questões da limpeza urbana, do como princípio estruturador do sistema de prote-
50 meio ambiente e da pobreza não podem ser des- ção social.
coladas na gestão das cidades. Trabalhar a ques-
tão da limpeza sob um outro enfoque é a questão, Fábio Atanásio ] No Lixão da Aguazinha a
buscando a incorporação dos pobres na gestão e mortalidade caiu de 175 por mil para 35 por mil.
operação dos programas.
Celso Junius ] O projeto Mutirão Refloresta-
Ricardo Beltrão ] A grande dificuldade des- mento, como outros do gênero, cria oportunidades
sas políticas públicas é justamente a gestão autô- de ocupação para segmentos da população que se
noma, o que tem muito a ver com educação, no sen- encontram em situação absolutamente crítica. Dos
tido de aprendizado coletivo. 600 incorporados ao Projeto, 82% estavam desem-
Os quatro casos analisados se inserem num con- pregados. Há necessidade de flexibilizar as formas
texto de políticas públicas setoriais mais amplas, o de contratação dessas pessoas.
que indica uma sensibilização sobre a questão da
pobreza. Há modelos sistêmicos que apontam para Fábio Atanásio ] Qual a razão para a baixa
a pobreza em áreas que, tradicionalmente, não rotatividade dos moradores dos conjuntos de
enfocavam a questão da pobreza. Ipatinga?

Marilena Jamur ] Há resultados de nature- Jacqueline Rosas Silva ] A baixa rotativida-


zas diferentes. Proponho, assim, o desenvolvimento de está restrita aos conjuntos implantados por mu-
de duas frentes de trabalho: uma seria o desenvol- tirão. Portanto, trata-se de população que tem ori-
vimento de novos indicadores qualitativos; a ou- gem em movimentos sociais organizados. Estes
Oficina 1
movimentos reivindicam a autogestão e os proble- balho é feito por profissionais. Dos 40% de mão-
mas decorrentes da rotatividade ainda não estão de-obra, somente 10% são realizados pelos mu-
bem explicitados. tirantes, os outros 30% por profissionais, o intui-
to é que, no trabalho de fim de semana, esses
Pedro Jacobi ] Diante das três apresenta- moradores sejam incorporados em programas so-
ções, proponho maior reflexão sobre a noção de po- ciais. A participação dos moradores acaba funcio-
breza, que está por trás das políticas desenvolvi- nando como estratégia para inserir outras discus-
das. Há dois outros componentes importantes: exclu- sões. Se só eles trabalham no final de semana, não
são e desigualdade. Qual é o tipo de noção mais querem parar para discutir nada, querem fazer a
adequada para pensar políticas de combate a po- obra andar, é claro. A novidade é o gerenciamento
breza e a exclusão em relação às desigualdades? pela Associação.

Ana Christina Barbosa ] Entendo que as Kleber Montezuma ] A construção da mora-


situações de pobreza são diferentes em função da dia por intermédio da população não por questões
realidade local. Deve se reconhecer as diferenças técnicas. Em Teresina, a prefeitura entra com o ter-
e buscar uma solução específica para problemas reno, com o financiamento dos materiais de cons-
específicos. trução e com a infra-estrutura. Cada família é
responsável pela construção da sua moradia.
Pedro Jacobi ] A palavra pobreza pode ser
reducionista. As diferentes iniciativas apresentadas Iraci Reis ] Pensar programas de combate à
configuram um esforço governamental de integrar pobreza no Brasil significa pensar experiências e
ações. Isso reforça a importância da engenharia ações com o intuito de alcançar melhor efetivida-
institucional. As diferentes ações aqui apresenta- de dessas políticas. Deve-se adotar programas di- 51
das configuram a possibilidade de existir um posi- ferentes para atender a populações diferentes.
cionamento governamental que integre diversas As especificidades de cada local têm que ser le-
ações. A existência de aspectos educativos colo- vadas em consideração. Quais são os indicado-
ca-se como essencial para a problemática de en- res utilizados para avaliação de políticas de com-
frentamento da pobreza. bate à pobreza? Como incorporar traços culturais,
relações sociais e indicadores subjetivos? São es-
Magdalena Alves ] Na construção das casas ses indicadores que estimulam a participação, de
em Ipatinga são incorporados trabalhadores semanais forma concreta.
e sazonais, oriundos da comunidade. Como se dá essa
interação? O que é autoconstrução assistida? Maria do Carmo Brant ] Relatórios feitos
por instituições multilaterais abordam mais resul-
Jacqueline Rosas Silva ] Mutirão não é tados, enquanto ONGs preocupam-se mais com pro-
propriamente uma novidade. A visão anterior era cessos. Essas duas dimensões precisam dialogar
um tanto quanto romântica (trabalhando juntos num mais. Todos os programas tem de ser multisseto-
período, todos ficarão unidos e felizes no final). riais se realmente existe a preocupação do comba-
Não é bem assim: quando termina, o cara quer mais te à pobreza. A descontinuidade de políticas tam-
é fechar a porta e não ver a cara de ninguém por bém é um problema sério a ser considerado.
um tempo. Na autoconstrução assistida é um pou-
co diferente. Não é somente o trabalho que vai pos- Marcos Formiga ] Entendo que desenvolvi-
sibilitar a integração das pessoas. O grosso do tra- mento social tem na educação um multiplicador, mas
a educação não acontece isoladamente. Deve-se de e ainda integra os processos que levam à po-
considerá-la como um dos componentes em proces- breza. Alguns não tem propriedade alguma, patri-
sos de desenvolvimento social. Há necessidade de mônio algum, apenas sua força de trabalho, cujo
cruzar processos e resultados. Levar experiências valor está sendo dilapidado rapidamente nos nos-
de uma localidade para outra faz sentido. Existe uma sos dias. Cabe um trabalho de aprimoramento para
preocupação com a visão segmentada da atuação demonstrar que efeitos têm as experiências apre-
pública. Há necessidade de cruzamentos e comple- sentadas. Ressalto a importância dos indicadores
mentaridades entre processos e resultados. quantitativos e qualitativos, com um aprimoramento
para conferir maior visibilidade à importância de
Jan Bitoun ] É significativo que se fale em diferentes experiências.
52 favela de forma indiscriminada, sem considerar a
forma como a população designa o local onde vive. Kleber Montezuma ] Considero que as expe-
A forma como a pessoa chama o lugar onde mora riências apresentadas têm relação próxima com as
tem significado. Não pode ser desprezada. preocupações quanto a resultados. No caso de Tere-
sina, o dado qualitativo mais importante é a redução
Grazia de Grazia ] O enfrentamento da po- da mortalidade infantil. Outros resultados interes-
breza não se dá apenas com implantação de infra- santes estão na área da educação. Tem sido percebi-
estrutura. O que está sendo gerado com os proces- do o nível de melhoria de vida das populações bene-
sos de participação e como se está valorizando a ficiadas. Após seis ou sete anos de trabalho, a quali-
organização da população? Gostaria de saber se es- dade de vida mudou por meio do acesso a progra-
tão sendo valorizados apenas os protagonistas. mas de saúde, a equipamentos de educação, às for-
malidades de registro civil, a oportunidades de orga-
Marilena Jamur ] Volto ao ponto de que o nização comunitária etc. Já foram atendidas 20.000
conceito de pobreza tem um valor descritivo. Não pessoas por mutirão habitacional; 34.640 pessoas
tem qualquer poder explicativo. Algumas concep- foram beneficiadas pelas regularização de lotes;
ções de pobreza podem ser importantes para a le- 48.000 pessoas foram beneficiadas pela construção
gitimação de ações políticas e de políticas públi- de fossas sépticas. Duas coisas são fundamentais:
cas. Por outro lado, o conceito de desigualdade é continuidade administrativa e abertura para a orga-
fundamental, porque a origem da pobreza está aí. nização comunitária. O Censo de Vilas e Favelas está
O conceito de exclusão é muito mais útil, na medi- na sua terceira edição, em 99. Foram feitos outros
da em que ele não nega o conceito de desigualda- em 93 e 96, permitindo acompanhar a evolução.
Oficina 1
Jacqueline Rosas Silva ] Não tenho dados portante destacar a qualificação da população para
sobre o déficit habitacional em Ipatinga. Tenho ape- a discussão de certos temas, como urbanização, uso
nas uma estimativa baseada no movimento social or- do solo urbano, fiscalização etc. Como indicadores
ganizado: 3.000 moradias. O projeto de Ipatinga está importantes, destaco o processo de gestão compar-
mais preocupado com o processo. Demora-se 1,5 ano tilhada, a qualidade dos serviços, os recursos dis-
para a construção de 200 casas, quando se poderia poníveis, a escolarização de jovens e adolescentes
construí-las em seis meses. Prefere-se demorar mais, (mas ainda com muita repetência).
para que se possa realizar o trabalho social, que pre-
para a população para valorizar o novo patrimônio. Os Ana Christina Barboza ] Para o BNDES,
indicadores devem servir para avaliar o desenho dos qualquer projeto começa com a identificação do pro-
projetos e para avaliar os resultados. Para avaliar os blema. Assim, na análise é fundamental que o pro- 53
projetos, uma das formas é o modelo de gestão (que blema esteja bem definido. O banco exige participa-
deve ser integrado pela participação multissetorial e ção comunitária e valoriza a articulação de ações. É
deve prever canais para a participação popular). Um importantíssimo que o projeto tenha uma unidade
dos pontos positivos na experiência de Ipatinga foi o gestora, que faça a integração com todos os envol-
fato de o BIRD ter exigido gerenciamento integrado vidos. O monitoramento, para o banco, é tanto uma
quando financiou um dos conjuntos habitacionais. Isso ferramenta de avaliação do projeto, como de ava-
evita o duplo, triplo gasto do fundo público. liação das metas. Para o BNDES, é fundamental que
se pense na forma como o projeto terá continuida-
Marta Pordeus ] Os recursos orçamentários de. O projeto deve ter potencialidade para induzir
de Recife para atender as necessidades presentes transformações.
são insignificantes. O fundamental é ter o mecanis-
mo do PREZEIS já montado. Há o exemplo da ZEIS Carlos Pontes ] Na estrutura de gestão do
Modelo “João de Barros”, onde foram diversas as PREZEIS, os canais institucionalizados na prefeitu-
conquistas da população. Os resultados materiais ra têm problemas que são próprios da instituição,
concretos são pequenos em Recife. Mas do ponto cuja cultura não é a de integração das ações.
de vista de capacitação de lideranças, de cidadania
etc., o processo está criado.

Neide Silva ] De fato, somente uma área foi


regularizada em Recife. Mas, por outro lado, é im-
Oficina 1
Experiências
discutidas
NITERÓI, RJ

Programa Médico de Família de Niterói


Expositor: Pedro Lima

Situada na Região Metropolitana do Rio de Ja- prestam atendimento de maior complexidade.


neiro, a cidade de Niterói é considerada um dos mu- A partir do cadastramento das famílias, cada
nicípios brasileiros melhor posicionados quanto à equipe faz um levantamento de informações bá-
qualidade de vida. Apesar disso, estima-se que a sicas sobre as condições socioeconômicas e higiê-
população em situação de risco social totalize apro- nico-sanitárias, elaborando um diagnóstico de saú-
ximadamente 120 mil dos seus pouco mais de 450 de do setor sob sua responsabilidade e identifican-
mil habitantes. do grupos prioritários.
Em 1992, a Fundação Municipal de Saúde, órgão Com relação ao modelo de gestão, a grande ino-
municipal gestor das políticas públicas de saúde, im- vação fica por conta do papel desempenhado pelas
plementou o primeiro módulo do Programa Médico associações de moradores, com as quais a Fundação
56 de Família, com o objetivo de melhorar a qualidade estabelece convênio. A Fundação Municipal de Saú-
dos serviços nessa área. O Programa focalizava de é responsável pela coordenação geral do Progra-
principalmente as regiões da cidade com maiores ma, pela seleção de pessoal, compra de material etc.
índices de pobreza. Baseado no sistema cubano de Cada associação conveniada, por sua vez, adminis-
atendimento em saúde, a implementação da inicia- tra a contratação e demissão dos profissionais das
tiva foi pioneira no Brasil e acabou, em alguma me- equipes e faz a gestão dos recursos financeiros des-
dida, influenciando a proposta federal na área de tinados ao pagamento desses profissionais. Com a
saúde da família, formulada apenas em 1993. experiência já consolidada, o Programa tende a se
Em novembro de 1998, o Programa já tinha tornar o elemento mobilizador em torno do qual a
implementado 13 módulos, em 12 comunidades, comunidade pode se organizar, não apenas para
sendo que cada módulo é composto por quatro ou viabilizar sua implementação, mas também para a
cinco equipes. Cada comunidade escolhida é divi- conquista de outras melhorias na oferta de serviços
dida em setores de 200 a 250 famílias, que devem públicos e de infra-estrutura urbana.
ser atendidas por uma dessas equipes, cada uma Em relação à melhoria na qualidade do aten-
delas composta por um médico e um auxiliar de dimento surgem, entre outros, os seguintes resul-
enfermagem. Ambos devem morar na própria co- tados: maior cobertura a gestantes e crianças re-
munidade, atuando nos mesmos moldes de um agen- cém-nascidas, diminuição do número de cesarianas
te comunitário de saúde. Cada módulo possui ainda e de cirurgias para esterilização feminina, queda
uma equipe multiprofissional, que presta apoio e acentuada da subnutrição infantil, queda do núme-
supervisiona o trabalho de campo. O Programa conta ro de atendimentos de urgência e maior controle de
também com seis Policlínicas Comunitárias, que doenças crônico-degenerativas.
Oficina 1
CURITIBA, PR

Programa Saúde da Família de Curitiba


Expositora: Leda Albuquerque

Com quase 1,5 milhão de habitantes, a cidade de de enfermagem, dentistas, técnicos de higiene den-
Curitiba é a sexta mais populosa do Brasil. Capital do tal, auxiliares de consultório dentário, além de pes-
Estado do Paraná, desde a segunda metade dos anos soal de apoio e chefia local. As equipes buscam o
70 vem se destacando no cenário nacional pelas solu- reconhecimento da família como espaço de vivên-
ções inovadoras nos campos urbanístico e admi- cia e como co-responsável na defesa da saúde.
nistrativo. Apesar do seu rápido crescimento popula- Embora a figura do agente comunitário de saúde
cional no período recente, Curitiba permanece com esteja se incorporando apenas recentemente ao
bons indicadores de qualidade de vida, comparativa- Programa, já estava presente em outras ações mu-
mente ao restante do país. O município se organiza nicipais vinculadas.
administrativamente em regionais, que buscam inten- Alguns resultados já se fazem sentir, tais como
sificar ações em rede entre as diversas políticas pú- universalização da cobertura vacinal e aumento de 57
blicas em cada área geográfica da cidade. mais de 100% nas visitas domiciliares a recém-nas-
Inserido na estratégia do Sistema Único de Saú- cidos. O Programa, que vem atuando nas regiões
de (SUS) para os grandes centros urbanos, o Pro- mais pobres do município, apresenta, em compara-
grama Saúde da Família de Curitiba está sendo gra- ção ao modelo tradicional, índices mais significati-
dativamente implementado desde 1995, adotando- vos de cobertura em áreas como pré-natal, hiper-
se os seguintes critérios para escolha das áreas: tensão, prevenção de câncer do colo uterino etc.
risco social, indicadores epidemiológicos desfavo- O grande desafio enfrentado é a resistência das
ráveis, dificulda-de de acesso da população a servi- estruturas em se adaptar às demandas e neces-
ços de saúde, dificuldade de lotação/fixação dos sidades dessa nova proposta, o que acaba sendo
profissionais nas unidades e participação e interes- reforçado por uma cultura institucional que ainda
se da comunidade na implantação do programa. reluta em aceitar um trabalho em moldes mais
As unidades de saúde do programa são res- interativos com a comunidade. O Programa está
ponsáveis por um território definido, onde realizam atento à necessidade de investir na mudança de
um mapeamento que possibilita a identificação das mentalidade do corpo profissional, procurando es-
famílias e das situações-problema, bem como o pla- tabelecer um sentimento de coesão comunitária. A
nejamento de ações. Atualmente, garante-se a co- apropriação de novas habilidades para os profissio-
bertura de aproximadamente 350 mil pessoas resi- nais de saúde, como o estabelecimento de maior
dentes nestas áreas. Cada equipe trabalha, em mé- comunicação com os cidadãos, permanece como a
dia, com mil famílias. As equipes multiprofissionais urgência mais evidente para viabilizar um avanço
são compostas por médico, enfermeiros, auxiliares mais expressivo do Programa.
CAMPINA GRANDE, PB

Programa Saúde da Família


de Mutirão do Serrotão
Expositora: Berenice Ramos

Campina Grande, com quase 350 mil habitantes, reio etc. Esse processo de mobilização, implusiona-
é a segunda maior cidade do Estado da Paraíba. Di- do pelo trabalho dos agentes comunitários de saúde,
ferindo pouco do quadro geral de pobreza encon- continua se intensificando, ao desencadear ações
trado na maior parte das grandes cidades da região como a busca de alternativas de geração de empre-
Nordeste, Campina Grande é um dos 1870 municí- go e renda, um dos maiores desafios, pois 70% da
pios brasileiros que vem desenvolvendo o Progra- população local sobrevive sem salário fixo.
ma Saúde da Família, a partir de recursos do Minis- No campo específico da saúde, a primeira con-
tério da Saúde. O Programa atua em três dos bair- quista foi a implantação da unidade de saúde, que
ros mais pobres de Campina Grande, que apresen- inicialmente funcionou na sede da Associação de Mo-
58 tam graves indicadores epidemiológicos. radores. Até então não existia qualquer serviço de
No bairro Mutirão do Serrotão – escolhido por- saúde nessa região, distante 10 km do centro de
que apresentava, além dos piores indicadores sa- Campina Grande. Para o atendimento das famílias, a
nitários da cidade, um quadro de forte apatia e de- equipe profissional é composta por médico, enfer-
sorganização social – o Programa Saúde da Família meira e auxiliar de enfermagem, agentes comuni-
foi implementado pela Secretaria Municipal da Saú- tários de saúde e assistente social, além de estagiá-
de em 1994. O Programa busca trabalhar um novo rios de medicina e de serviço social.
modelo de saúde, que desloca o foco de atenção do O Programa possibilita o contato direto das fa-
plano da cura para o da prevenção, mobilizando a mílias com médicos em seu próprio bairro, criando
comunidade local para o enfrentamento dos proble- um relacionamento mais próximo. O levantamento
mas socioeconômicos. feito com a comunidade permite o estabelecimento
O trabalho iniciou-se com o cadastramento das de prioridades, que no caso de Mutirão do Serrotão
famílias residentes no bairro para a construção de eram a atenção pré-natal e a atenção aos menores
um diagnóstico médico-sanitário, identificando as ne- de um ano. A queda da taxa de mortalidade infantil
cessidades não apenas no campo específico da saú- está entre os resultados mais impressionantes do
de. A partir desse levantamento, procurou-se articu- Programa: a taxa caiu de 136 para 30 mortes por
lar as várias instituições públicas responsáveis, por mil nascidos vivos entre 1993 e 1998.
meio da mobilização comunitária, para a conquista O Programa vem se tornando referência e a equi-
de algumas melhorias e serviços urbanos, tais como pe por ele responsável tem sido constantemente con-
instalação de um posto policial, aumento do número vidada para assessorar outros municípios que procu-
de telefones públicos, coleta de lixo, serviços de cor- ram implementar iniciativas semelhantes.
Debate

Oficina 1
Debate

Jan Bitoun ] Nenhuma das apresentações fez qual os agentes de saúde geram uma demanda que
referência aos agentes comunitários de saúde, que pressiona os serviços de saúde tradicionais.
60 são anteriores aos programas de saúde da família.
Os municípios, na realidade, enfatizam pontos já ofe- Ricardo Beltrão ] Como está a convivência da
recidos pela macro política nacional. Existe uma po- máquina pública com os dois modelos de saúde? Qual
lítica nacional, que oferece um cardápio, e os muni- é o papel dos conselhos de saúde em programas de
cípios vão ou não dar ênfase a alguns dos elemen- ponta? Qual é o papel efetivo dos conselhos sob o
tos deste cardápio. O fato é que a política federal ponto de vista decisório? Em Niterói, como se dá o
impulsiona a ação local. Do ponto de vista histórico, conflito entre o corpo médico e os líderes comunitá-
passou-se de um modelo de universalidade para um rios? Quanto custa? Qual é o gasto do programa?
modelo no qual a saúde pública especializou-se no
atendimento à população mais pobre. Houve uma Maria do Carmo Brant ] Deve se destacar
universalização seletiva (acesso dos mais pobres). a questão de custos, mas não nos moldes tradicio-
Ao se municipalizar o programa, ele se diferencia nais e sim incorporando aspectos mais amplos,
de acordo com a situação pré-existente. A classe como a redução de custos de internação e da rea-
média fugiu do sistema público de saúde procuran- lização de curativos. Esses programas são mode-
do abrigo em planos de saúde. Nessa emergência los novos que eliminam o custo dos equipamentos.
de políticas destinadas à população pobre há um Na realidade, Curitiba tem a missão de ver o reba-
conflito, inclusive dentro da máquina pública, levan- timento do programa na redução de internações e
do à reformulação desta última. No seminário não de outras ações curativas. Convivem muito bem
apareceram esses conflitos. A dependência de or- uma política pública e programas diferenciados.
ganizações comunitárias nem sempre é positiva. Há Acredito que se caminha para uma diversidade
um conflito dentro da máquina pública por meio do muito rica de programas.
Oficina 1
Nilson Costa ] O local tem um peso muito essa disputa já foi resolvida sob o ponto de vista
grande na configuração do nacional. Quem é o mé- da legislação federal, com a aprovação de pro-
dico de família? É jovem? Oferece resistências a gramas similares ao PSF. Tenta-se fugir dessa
esse modelo? Qual é o grau de adesão do médico configuração de um programa de pobres para
de família ao programa? Qual o grau de satisfação pobres, deve-se respeitar as características lo-
do usuário? Qual a principal razão para o êxito cais. Porém, a partir do momento em que os re-
dos programas (se é que são exitosos)? A conti- passes de verba são feitos com base na popula-
nuidade administrativa facilita a aplicação des- ção, ocorre um movimento desenfreado de implan-
ses programas? tação do programa como forma de aumentar os
recursos. Para resolver isso, o Ministério da Saú-
Magdalena Alves ] Questiono a garantia de de implantou programas de capacitação perma-
retaguarda, considerando que mais de 900 municí- nentes. Preocupo-me com o aparecimento de pro-
pios têm o programa implantado . Como se coloca a gramas em certos municípios apenas como for-
questão de um mesmo programa com especi- ma de garantir novas fontes de financiamento do
ficidades diferentes? A continuidade desses progra- setor da saúde. Há necessidade de redefinir os
mas, como fica em função de descontinuidades ad- papéis das secretarias estaduais de saúde e do
ministrativas e em função dos outros modelos exis- Ministério da Saúde. O conflito entre o modelo
tentes? Quanto à continuidade, levanto os fatores vigente e o emergente, em Niterói, tem sido re-
políticos e o lobby dos médicos. solvido pela criação das policlínicas, resultantes
da reorientação das unidades já existentes, que
Pedro Jacobi ] Os relatos indicam ser pos- atendam à demanda não atendida pelo Programa
sível consolidar novas propostas de gestão insti- Médico de Família.
tucional, o que reduzirá a descontinuidade políti- 61
ca. Se os programas estiverem sedimentados, a Leda Albuquerque ] Curitiba também não
descontinuidade pode significar um posicionamen- tem agentes comunitários de saúde, mas está pres-
to político errado. Reforço a questão relativa ao tes a ter. Houve conflitos entre unidades básicas e
modelo conceitual na área da saúde, que se con- unidades do programa. A assessoria da Universida-
solida mais rapidamente que outros modelos em de de Toronto ajudou a superar esse conflito, ao
outras áreas. Os exemplos da saúde podem ter mesmo tempo em que as pessoas passaram a ter
importância pedagógica para outras áreas temá- maior compreensão sobre as diferenças de proces-
ticas. A questão pedagógica desse tipo de inicia- so entre os dois sistemas.
tiva deve ser ressaltada, incorporando a busca Um ponto central é o da formação do médico,
da coesão e da cidadania. que não é adequada ao mercado, pois não é uma
formação terminal, mas está sempre voltada à es-
Pedro Lima ] Os agentes comunitários com pecialização. A habilidade clínica do médico e sua
certeza têm um papel relevante nesses progra- capacidade de comunicação são essenciais. Na
mas. Niterói não trabalha com agentes de saúde, realidade, as diretrizes de programas de saúde da
mas com auxiliares de enfermagem, que moram família e as do SUS são as mesmas, o que muda
na própria comunidade. À medida que os municí- são os processos, principalmente em relação aos
pios ganhavam autonomia, a implantação do PSF médicos, que saíram do consultório, entraram nas
“engessava” a ação local. Niterói assumiu posi- casas e tiveram de dividir, compartilhar seu saber
ção de resistência à orientação federal, o que com outros profissionais da equipe.
gerou enorme disputa. Não é possível dizer se Essa modificação está sendo trabalhada junto
à Universidade, que atualmente forma médicos para realmente existem. Deve-se destacar as críticas
desenvolver, além das habilidades clínicas, também acerca do processo de treinamento e de coopta-
62 habilidades de comunicação. ção dos agentes comunitários de saúde. Os confli-
Este é o momento de crescimento e conso- tos realmente existem, são poucos profissionais
lidação das equipes implantadas. O programa re- que já pertenciam à rede de saúde. Além disso,
presenta um incremento de custos dos serviços de existem problemas salariais. A seleção dos profis-
saúde, se a análise for apenas nominal. Há, no en- sionais do programa foi feita especialmente para
tanto, vantagens associadas, que advêm da con- ele e as contratações foram feitas por associações
cepção do programa (redução da rotatividade de de moradores.
médicos, acompanhamento do caso, redução das
internações, mudanças de comportamento). Em Pedro Lima ] Confirmo que entre a associa-
relação aos custos nominais, o crescimento é ime- ção de moradores e os médicos existem conflitos,
diato, porém, numa análise mais ampla, os ganhos resolvidos, de certo modo, pelas equipes de super-
são pertinentes em relação aos benefícios auferi- visão. Existem conflitos com as comunidades que
dos. Além disso, existe a expectativa de diminui- assumem papéis de liderança, mas que, apesar
ção de AVCs, de internações etc., o que causaria disso, mantém uma relação respeitosa com o pro-
uma diminuição dos custos. fissional médico.
No princípio, havia grande rotatividade de pro-
Berenice Ramos ] A equipe é formada por fissionais. Hoje, essa rotatividade está reduzida. A
médico, enfermeiro, três agentes comunitários de maioria dos profissionais são antigos (30-40 anos),
saúde e assistente social. Pretendem incluir o odon- embora também haja recém-formados. A maior par-
tólogo. Em Campina Grande, questiona-se a forma te dos profissionais passou por práticas alternati-
de seleção dos agentes comunitários. Os conflitos vas, como a homeopatia.
Oficina 1
Comentários
Finais

Orlando Júnior ] Devemos retomar a ques- tos dessas “estratégias” podem ser replicados? A
tão central: que impacto as políticas estão tendo no avaliação de qualquer experiência pode ser feita de
enfrentamento da pobreza? Essa pergunta foi res- diversos pontos de vista, um deles é de seus impac- 63
pondida ou não? tos sobre a pobreza. As estratégias locais parecem
Outras questões: o que constitui uma estraté- incorporar diversos agentes, existindo disputas en-
gia? O que diferencia uma estratégia de outra ação? tre esses atores.
Qual a relação entre pobreza e cidadania? Que temas devem ser privilegiados na oficina
Em que medida se produziu a articulação entre de Recife? Os relatos poderiam estar orientados
os referenciais teóricos e as experiências? (Anteci- para a questão central da oficina. Há a incorpora-
po a resposta de que não foi bem-sucedida tal articu- ção de estratégias locais de redução da pobreza?
lação.) Que elementos das experiências poderiam Qual é a base social de legitimidade dessas estra-
constituir-se em linhas de uma estratégia local de tégias? Alguns critérios devem ser levados em con-
redução da pobreza? As “estratégias locais” para sideração: a importância do aspecto histórico, o for-
redução da pobreza são objeto de disputa entre os talecimento dos atores coletivos, a abrangência e
atores envolvidos? os aspectos técnicos.
Julgo ter havido um erro metodológico na prepa- Por último, chamo a atenção sobre alguns crité-
ração do relato da experiência, por privilegiar-se o rios, apontados por Ana Clara Ribeiro, ao se traba-
aspecto setorial em detrimento das estratégias mais lhar a temática de pobreza: velhas e novas solidarie-
gerais de redução da pobreza. Há experiências mui- dades, fortalecimento de agentes coletivos, coerên-
to diferenciadas, que não podem ser colocadas no cia técnica, abrangência, entre outros.
mesmo nível.
As experiências relatadas têm impacto setorial, Luiz César Ribeiro ] O que qualifica uma
mas em relação à redução da pobreza. Que elemen- determinada prática como estratégia? Não houve
uma referência conceitual ao longo do seminário. resultados. Ao falar de impactos, é necessário pen-
Julgo importante que se faça uma referência ao sar qual é a magnitude da pobreza que se enfrenta.
modo de se entender a relação entre cidadania e Durante a exposição das experiências, faltou verifi-
redução da pobreza. Como a pobreza reduz as car o que foi mal-sucedido e a razão para o fracas-
possibilidades de construção da cidadania e como so, principalmente para as experiências que sequer
a cidadania se torna um meio de enfrentar o pro- se constituíram como exemplos de alguma coisa.
blema da pobreza? Comparo as áreas de saúde e de habitação, desta-
Para pensar estratégias, dois aspectos são fun- cando suas características específicas: a saúde tem
damentais: só existe estratégia a serviço de um uma dimensão nacional, a discussão do médico de
projeto (proposta de intencionalidade); só existe família tem de ser completada pelos programas já
estratégia se a sustentabilidade é pensada, tanto existentes, ao passo que a habitação não possi-
no campo institucional e administrativo, como no bilita o surgimento de impactos sociais mais am-
aspecto financeiro e na dimensão social. Como, plos. Estratégias locais para a redução da pobreza
em cada um dos casos, postula-se a questão dos possuem limites, devendo estar contextualizadas
conceitos de pobreza? Ao pensar estratégia, de- sob o conceito distributivo. É preciso não esque-
vemos pensar em termos de projeto, o que signi- cer os aspectos redistributivos.
fica intencionalidades.
Chamou-me a atenção, por exemplo, a dimen- Nilson Costa ] As experiências apresentadas
são territorial de iniciativas como PREZEIS e Saúde surgem como uma luz no fim do túnel, o que deve
da Família, em que uma iniciativa localizada pode ser procurado é a socialização dessas experiências.
servir para a ampliação da proposta. Por outro lado, Sugiro um diálogo sobre os projetos, considerando
64 o zoneamento pode constituir uma forma de criar suas novas visões da realidade, sua reinterpreta-
parcerias. Os relatos demonstram reduzida ampli- ção dos papéis institucionais e tecnologias associa-
tude das intervenções. Assim, considero importan- das. Proponho uma maior discussão sobre que grau
te discutir as dificuldades para a ampliação das ex- de impacto torna o resultado legítimo. Uma boa ino-
periências promissoras. O conceito de susten- vação em pequena escala pode ser um bom exem-
tabilidade é fundamental, por prover às estratégias plo. Para algumas políticas, pequena amplitude é o
a possibilidade de continuidade, no campo nível ótimo (por exemplo, 10% para o Programa de
institucional e administrativo, no campo financeiro Saúde da Família - PSF). Uma boa política pode ser
e também no campo social. Pensar intervenções em um bom exemplo independentemente de tamanho,
função da territorialidade, como uma perspectiva de percentual da clientela atendida.
de criação de clientelas futuras. O zoneamento de
interesse social, com possibilidade de intervenção, Fábio Atanásio ] Não concordando com Or-
favorece a mobilização da comunidade. lando Júnior e Luiz César, julgo que todos os ele-
Por que essas políticas não podem ser amplia- mentos foram trazidos para a discussão, faltou tem-
das incorporando clientelas maiores? As experiên- po para aprofundá-los. Os elementos de discussão
cias, embora qualitativamente adequadas, não são sobre a pobreza foram colocados, o que poderia
ainda quantitativamente adequadas, devendo bus- ser evitado é o desfile de experiências. A discus-
car maior universalidade. são acerca da saúde aborda diversos elementos,
como a municipalização da saúde, a redefinição do
Adauto Cardoso ] Considero importante pre- papel dos governos estaduais etc. A discussão da
cisar melhor o que se fala, distinguindo impactos e saúde foi exemplar.
Oficina 1
Pedro Jacobi ] Devemos pensar sobre os cesso de vocalização de demandas e incorporação
alcances e limites da ação pública. É pertinente a destas demandas na agenda social dos governos?
questão acerca do que significa estratégias. Traba- Não se constrói cidadania sem fortalecimento
lhar a questão metodológica pode gerar confusões emancipatório (esse ponto não foi suficientemente
em um grupo tão heterogêneo. É importante ressal- aprofundado). Pareceu-me excessivo o número de
tar a idéia desta oficina, de discutir aspectos subje- experiências apresentadas. Faltou focalizar as es-
tivos, em busca de maior legitimidade, de maior tratégias das políticas de redução da pobreza.
coesão social. Devemos pensar políticas públicas de Ao se trabalhar a pobreza de forma progressi-
uma forma diferente da tradicional. A chave é o res- va, é importante não reproduzirmos a dependência
peito ao usuário. das populações carentes. Quais são os focos es-
Ouvir 13 apresentações significou buscar certos tratégicos das políticas no combate à pobreza?
eixos de aprofundamento e fortalecer certas premis-
sas, nas quais se apóia a escolha das experiências Jan Bitoun ] Todas as experiências demonstram
selecionadas. Tende-se a pensar mais sobre quais a variedade de abordagens na operação de políticas
temas devem ser privilegiados no futuro. Vejo a im- para a população pobre. Ana Clara Ribeiro colocou al-
portância de destacar as idéias-força, que aglutinam guns pontos que devem ser considerados. O primeiro
iniciativas de construção da cidadania, sem a preocu- é o da coerência técnica, que é fundamental para a
pação de se compararem dados quantitativos. Os pro- garantia da efetividade. No seminário, despontaram
gramas sociais precisam de uma legitimidade que se a intersetorialidade (e interdisciplinariedade), assim
dá dos dois lados do processo (de quem está à frente como a necessidade de indicadores como elementos
do processo e de quem é destinatário). Nada do que importantes para a coerência técnica, para garantir
foi apresentado é novo, mas traduz novas atitudes uma efetividade adequada. Como trabalhar este ponto 65
em termos de relações sociais. em relação à intersetorialidade e como desenvolver
indicadores adequados?
Jacqueline Rosas Silva ] Ficou claro que O problema da extensividade e da institu-
não há um elo entre a prática e os referenciais cionalização também estava presente nas questões
teóricos. O oficina pode servir para a construção sobre os limites e alcance da dimensão local. Em
desse elo. Porém, isso ainda não foi possível nes- relação ao fortalecimento dos atores coletivos, até
tes dois dias. Daí, identifica-se uma falha metodo- que ponto os segmentos sociais alcançados pelos
lógica. Um dos poucos consensos foi o da multisse- projetos expostos se fortaleceram como agentes co-
torialidade das iniciativas, como condição para o su- letivos? Não é porque uma política não alcança muita
cesso. Foram apresentadas diversas experiências gente que ela não é adequada. As políticas são defi-
que incluem participação popular, multidisciplinarie- nidas a partir dos municípios. Pareceu-me que mui-
dade, gestão integrada etc. tos dos projetos apresentados são mais de redução
dos riscos do que de redução de pobreza. A articu-
Maria do Carmo Brant ] Pareceu-me que o lação entre novas e velhas solidariedades implica a
guarda-chuva teórico não estava nos cobrindo. Valo- contextualização histórica dos projetos, nos níveis
rizo a amplitude das zonas de influência dos proje- local e nacional. A solidariedade atual é muito mais
tos, que podem correr o risco de não serem efetivos fragmentada do que no passado, mas tem, como
na vocalização de demandas e de sua introdução na aspecto positivo, a possibilidade de diferentes ar-
agenda de políticas públicas. Até que ponto o proces- ranjos institucionais. A articulação entre a solida-
so de mobilização comunitária é efetivo para um pro- riedade pretérita e a atual deve ser implantada. Os
projetos nascem a partir de uma conjuntura local. importância estratégica. A questão de amplitude não
Hoje, a solidariedade é muito mais fragmentada do pode ser vista apenas sob o ponto de vista do núme-
que no passado, permitindo mais autonomia, mas ro de beneficiários diretos. Devemos tentar destrin-
ao mesmo tempo perdemos o referencial. Os proje- char mais os elementos dessas experiências que po-
tos possuem relações de conflito devido à existên- dem ser importantes para o enfrentamento dessa
cia de políticas públicas mais amplas. questão. Deve-se ressaltar a importância de desen-
volver indicadores objetivos sobre amplitude e im-
Luiz César Ribeiro ] No mundo de hoje é pactos. Como os que estão realizando vão enriquecer
difícil encontrar pessoas dispostas a trabalhar com suas experiências a partir da discussão teórica?
a temática da pobreza. A cobrança é em relação à
dinâmica da oficina: quais são os limites dessas ex- Marilena Jamur ] Não se pode esperar que
periências? Estes programas com certeza reduzi- as teorias possam dar conta dos problemas reais
ram a pobreza, mas será que construíram uma cida- da pobreza. O enfrentamento tem de ser feito na
dania? De maneira nenhuma desconsidero a impor- “macropolítica”, para que as soluções encontra-
tância ou a relevância dos projetos apresentados. A das não acabem naufragando. Entendo que nesta
cobrança é quanto à dinâmica da oficina, que não primeira oficina se desencadeou um processo de
deixou espaço para que os participantes trouxessem construção coletiva do saber. O que se fez foi bus-
os limites das experiências (Reduziram a pobre- car um saber coletivo com base numa metodologia
za? Construíram cidadania?). Que intencionalidade de pesquissa-ação.
está por trás de cada um dos projetos?
A discussão conceitual-teórica é importante, prin-
66 cipalmente do ponto de vista ideológico. É diferente
falar de redução de pobreza e falar de redução das
desigualdades. Ao mesmo tempo em que pensamos
soluções micro, devemos pensar em soluções ma-
cro. Considero que a discussão conceitual-teórica
feita no início tem enorme importância, em especial
sob o ponto de vista ideológico. Na sociedade brasi-
leira, há duas questões em disputa: a) macro (econo-
mia) e micro (problemas sociais) – essa dicotomia
tem que ser recusada para que se possa pensar
efetivamente em estratégias; b) troca da desigual-
dade pela pobreza, o que traz conseqüências. Con-
deno a substituição da temática da desigualdade pela
temática da pobreza na agenda política. As inter-
venções locais têm limites, pois implicam proble-
mas distributivos. Desigualdade é diferente de po-
breza. Discutir pobreza não fornece subsídios para
que se resolva essa questão.

Sônia Dias ] Julgo importante destacar quais


elementos das experiências apresentadas têm
Oficina 2
Ações integradas
de desenvolvimento
socioeconômico
RECIFE • DEZEMBRO, 1998
Participantes

Ademar de Oliveira Marques (Frente das ONGs de Pernambuco) • André


Monteiro Costa (NESC/CPqAM) • Armando Mendes (UFPA) • Beatriz
Saldanha (Projeto Couro Vegetal da Amazônia) • Carlos Osório (Progra-
ma de Apoio ao Desenvolvimento Local BN/PNUD) • Carlos Pontes
(Observatório Recife) • Eduardo Homem (Centro Luiz Freire - TV VIVA/
Olinda) • Fernanda Costa (Observatório Recife) • Franklin Coelho (UFF/
Secretaria Estadual de Planejamento/RJ) • Ismael Ferreira de Oliveira
(APAEB- Valente/BA) • Jan Bitoun (Observatório Recife/UFPE) • João Luiz
Homem de Carvalho (PROVE/DF) • Josias Farias Neto (Projeto São José/
CE) • Lívia Miranda (Observatório Recife) • Luiz de La Mora (UFPE) •
Maria da Luz Magalhães (Promoção Social do Governo de Angola) •
Maria do Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP) • Marilena Jamur (PUC/RJ)
• Marília Andrade (Instituto de Serviço Social de Lisboa) • Mirna
Pimentel (UFPE) • Neide Silva (ETAPAS/PE) • Nilson Costa (UFF/
FIOCRUZ) • Pablo Sidersky (AS-PTA Regional Nordeste) • Paulo
Henrique Martins (UFPE) • Pedro Jacobi (USP) • Ricardo Beltrão (FGV/
SP) • Serafim Ferraz (Banco do Nordeste) • Sueli Guimarães (Fundação
Joaquim Nabuco/PE) •Suely Maria Ribeiro Leal (UFPE) • Teresa Lima
(Banco do Nordeste) • Vando Nogueira (Consultor Independente/PE) •
Vânia Ribeiro (Projeto Pólo Agroflorestal/AC)
Oficina 2
Ações Integradas de
Desenvolvimento Socioeconômico
Abertura

69

Peter Spink
Ao realizarmos esses seminários técnicos, es- caminhos apontar na busca de ações mais eficazes
tamos caminhando em direção à elaboração de uma para o seu enfrentamento, pelo menos teremos tido
declaração conjunta, fruto de observações e de li- a oportunidade de criar espaços de discussão, como
ções tiradas ao longo desses nossos encontros por também de produzir um documento que faça avan-
diversos atores sociais envolvidos e convidados a par- çar ações já em movimento, identificando mecanis-
ticipar. Nesse sentido, lembro que na primeira ofici- mos e instrumentos de inserção social.
na aprendemos muito juntos, não só sobre como pôr Agradeço a colaboração de todos os envolvidos
em debate nossas idéias, mas também sobre como no processo e, em especial, ao Observatório de Po-
direcionar os trabalhos, balanceando teoria/exposi- líticas Públicas e Práticas Socioambientais de
ção de experiências/diálogo. Dessa forma, se não Pernambuco (FASE-NE/CMG-UFPE/NESCCPqAM),
chegarmos a uma posição definida sobre o deli- cujo empenho em colaborar tem sido extremamen-
neamento futuro da temática de pobreza e sobre que te positivo.
Resultados da oficina do
Rio de Janeiro: questões levantadas e
indicação de elementos de análise
70 Relatores: Nilson Costa e Marilena Jamur

Nilson Costa
Sobre a discussão em relação à estratégia e às venção igualmente satisfatória em termos de alavan-
experiências exitosas discutidas na última oficina, camento de recursos decisórios, permitindo que es-
entendo que um fato inegável hoje é que a gestão sas iniciativas sejam pensadas como estratégias.
social se deslocou para o nível local, e o que está O que vêm a ser, afinal, experiências exitosas?
emergindo é um padrão de relações cooperativas, Uma crítica interessante ocorreu em relação à
de confiança e de responsabilidade, que explica por sustentabilidade e ao êxito dessas experiências: o
que os casos são bem-sucedidos. E isso tudo revela que move o poder local? Reconhecimento, dividen-
uma nova institucionalização da questão social no dos políticos etc. São questões institucionais que
nível local, em que novas variáveis aparecem como devem estar no centro da discussão, devido à gran-
cenário. Nesse raciocínio, os relatos se inserem na- de complexidade dos governos locais. Na verdade,
turalmente numa cadeia de inovações. Trata-se de os relatos se inserem em cadeias de inovações que
experiências que respondem de forma bastante vêm de décadas. Essas micro soluções podem ser
satisfatória à busca de soluções para a redução da soluções interessantes que devem ser disseminadas
pobreza, porque mostram uma capacidade de inter- para um público maior.
Oficina 2
Marilena Jamur
O caráter multidisciplinar é fundamental no pro- versos atores envolvidos, é preciso uma
cesso de construção coletiva de conhecimento em redefinição da noção de público e privado, exami-
torno da questão da pobreza. É extremamente im- nando o papel que o Estado tem no enfrentamento
portante o envolvimento de diversos atores sociais, da questão social, ainda mais neste momento em
com a devida interação entre os que pensam e os que se está buscando redefinir o que é público e 71
que atuam na linha de frente. Dessa forma, pode- o que é privado, além do papel principal desem-
mos tentar a superação do modelo segundo o qual penhado pelo Estado.
os que agem não têm tempo de pensar, e os que A questão do uso do termo solidariedade: existe
pensam não têm oportunidade de agir. má utilização da palavra, uma utilização ideológica
São diferenciadas as noções de redução, enfren- que afasta a noção da realidade. Quando falamos
tamento e erradicação da pobreza. Precisamos apro- em Estado de bem-estar social, devemos lembrar
fundar o debate em torno das diferenças contidas que esse sistema está baseado na noção de solida-
nessas idéias. Necessariamente, precisamos avali- riedade – todos contribuem na sociedade, então to-
ar o impacto dessas experiências para ver se efeti- dos têm direito de desfrutar de uma estrutura soci-
vamente estamos caminhando em direção à erradi- al. Essa noção não é adequada para enfrentar a
cação da pobreza. É importante saber avaliar qual o questão da pobreza da forma em que se apresenta
impacto dessas experiências para que possamos ve- no Brasil. Ao se fazer um mau uso, um uso ideológi-
rificar se efetivamente buscam a erradicação da po- co, estamos nos afastando da noção de solidarieda-
breza, ou se estamos trabalhando mais em termos de consolidada pelo Estado de bem-estar social como
de enfrentamento ou de redução. um sistema complexo que distribui a riqueza produ-
Existem diversas críticas em relação à fragmenta- zida. Todo o sistema se estruturou com base no prin-
ção, à falta de coordenação, que nos remetem a desa- cípio de solidariedade e está sendo desmontado, a
fios imensos para tentar a superação desse proble- noção de solidariedade atual é pré-moderna, sem-
ma. Isso envolve a integração dos meios utilizados. pre existiu e não é adequada para o enfrentamento
Quanto às responsabilidades e papéis dos di- da pobreza.
Um olhar cruzando a teoria e a
prática: breve descrição das
experiências a serem discutidas
Comentadora: Maria do Carmo Brant

As seis experiências que serão objeto de análi- mo de três anos de implantação, o que nos permite
se e de reflexão ao longo deste seminário trazem levantar algumas questões. São elas: que saberes a
uma série de indagações. Em primeiro lugar cabe população pobre e excluída conquistou nesse perío-
destacar que, ao contrário do que predominou no do? Quem é o público-alvo? Quem é o público efeti-
seminário do Rio, essas experiências não estão mais vamente beneficiado? Como é o seu cotodiano? Que
agindo apenas na esfera municipal, mas começan- saberes/habilidades possuem? Que canais de inter-
do a olhar a ação regional, pensando a microrre- locução/mobilização já foram construídos para ins-
gião em sua vocação econômica (por exemplo: si- trumentalizar suas demandas e necessidades?
sal, borracha etc.). O que se pensa é no desenvolvi- Em geral, fala-se muito em nome da população
mento local centrado em um âmbito regional, volta- (ONGs, governos etc.), reproduzindo, assim, uma
do à vocação econômica da região. Estamos partin- dependência, uma tutela. É importante perguntar até
do da idéia de um desenvolvimento socioeconômico que ponto é a ONG quem está falando pela popula-
72 integrado e sustentável. ção ou se é realmente a população que está tendo
Em segundo lugar, estamos transitando do seto- espaço para falar por si mesma? Não devemos per-
rial/focal, isolado, para o integrado. E esse trânsito der de vista que a construção da cidadania passa
é fundamental, pois estamos caminhando na dire- pela existência de canais de expressão nos quais
ção de uma multissetorialidade. Ou seja, ao tratar- as demandas dessas populações ganharão visibili-
mos da questão da pobreza, é importante observar dade. Igualmente, pode-se falar no risco de se re-
se as experiências contempladas envolvem um “kit” produzir a tutela por meio de novos discursos, pois
de ações para alterar as bases sociais onde o qua- muitas vezes o novo reproduz o velho, sem romper,
dro de pobreza é muito presente. Para isso é funda- no entanto, o ranço da dependência.
mental pensar em termos de multissetorialidade ou Dito isto, pensemos em uma série de questiona-
de transetorialidade. Assim, parece claro que no se- mentos: até que ponto estamos fazendo projetos ou
minário de Recife teremos que aprofundar essa programas emancipatórios? Será que estamos dei-
questão, já que muitos programas não criam políti- xando que esta população marginalizada se emanci-
cas públicas nem ações efetivas para a inclusão pe, construa espaços de expressão, fortaleça-se na
social. Além do que a tônica precisa estar na plura- busca e construção de espaços para defesa de seus
lidade: projetos que criam parcerias, contando com próprios interesses? Até que ponto temos meramen-
múltiplos recursos, visando a efetiva auto-susten- te reproduzido a tutela? Qual é a intencionalidade
tação da população. escondida nessas experiências? Como conceber um
Em terceiro lugar, as experiências que serão dis- desenvolvimento socioeconômico: com o retorno e a
cutidas durante a oficina tiveram o seu início entre manuntenção da tutela e da dependência, ou com a
os anos de 1980 e 1995, perfazendo um tempo míni- criação de um processo de emancipação?
Debate

Oficina 2
Debate

Franklin Coelho ] Por que não pensar em territorial. Na globalização, as fronteiras nacionais
termos de territorialidade para essas experiências e regionais devem ser quebradas. Por que a SU-
que serão apresentadas e discutidas aqui em Reci- DENE começa a falar em desenvolvimento local? É
fe? Essa abordagem nos permitirá notar a dimen- importante contextualizar e repensar o local histo-
são do envolvimento dos atores nas ações desen- ricamente. O processo de desenvolvimento inclui
volvidas. Na oficina do Rio de Janeiro, o local foi o iniciativas exitosas ou simplesmente as exclui?
74 urbano e aqui no Recife, é o rural. Dessa forma, não podemos entender essas expe-
riências desvinculadas de um processo mais am-
Carlos Osório ] Há todo um processo de plo de desenvolvimento. A experiência é um fato
mobilidade conceitual em torno da questão da po- significativo em si, mas não pode ser analisada fora
breza como estratégia de erradicação, de enfren- de uma esfera mais ampla.
tamento. São relevantes os aspectos da macroeco-
nomia e da reforma do Estado. Todos querem dis- Maria do Carmo Brant ] Só o aspecto eco-
cutir a reforma fiscal, tributária etc., sem nenhum nômico não vai resolver o problema da exclusão so-
enfoque na problemática de pobreza, que continua cial. Por isso, é importante pensar nas outras di-
crescendo (pode até ter diminuído a velocidade do mensões. No resumo das experiências que serão
seu crescimento nos últimos anos, mas continua debatidas aqui nessa oficina, o aspecto social não
crescendo a olhos vistos). Esse aspecto continua foi suficientemente evidenciado. Faltam-nos infor-
ignorado nos debates. Além disso, estamos falan- mações a respeito.
do de soluções ou apenas fazendo um “enfren-
tamento” da pobreza? Nilson Costa ] A desresponsabilização do
Estado ocorre de forma contraditória, pois ao mes-
Vando Nogueira ] Qual é o papel do Esta- mo tempo em que se redefine o próprio papel do
do? A desresponsabilização do Estado passa pela Estado, há um processo de formação de novos ato-
questão da responsabilidade compartilhada com res. O gestor local, por exemplo, é inovador e radi-
outros setores. Não dá para desvincular o local, o cal, por força da modernização dos partidos e da
Oficina 2
busca do reconhecimento político, configurando um para o macro, pois quando ela começou do macro,
espaço de manobra política interessante. É preciso nada mudou no micro, mantendo as condições de
pensar o singular, o restrito, como parte de um pro- reprodução e sustentação do antigo status quo.
blema maior. Deve-se tirar o usuário de serviços de O economista e ex-deputado federal Roberto
sua condição de tutela. Por conseguinte, vamos ten- Campos fala-nos de pobreza, não de exclusão, por-
tar “copiar casos de sucesso”. Os resultados já al- que interessa apenas descrever, não compreen-
cançados em termos da luta antimanicomial seriam der o quadro. O conceito de pobreza supera o de
75
um bom exemplo de sucesso em termos de ações carência e entramos numa dimensão mais ampla:
implementadas a partir de uma luta que começou a pobreza surge no econômico, ou mais, viabiliza-
um tanto quanto tímida, sem espaço, e que alcan- se no econômico, no produtivo. Assim, devemos
çou grande vocalização. partir dos conceitos e ir avançando até a dimen-
são política que é, na verdade, a relação de poder
Luis de La Mora ] Vou procurar vislumbrar que se estabelece entre os pobres, o Estado e as
um eixo central para esta discussão. Se o conceito ONGs. A sustentabilidade depende do conceito que
de pobreza supera o de carência, deixa de ser eco- temos de pobreza.
nômico, vira político: questão do acesso. Não dá para
começar de cima, tem que ser de baixo para cima:
começar com saúde, luta por direitos em um setor,
depois outro, espalhar até virar uma luta política.
Não podemos abandonar ou esquecer a dimensão
política ao falarmos da pobreza. O micro prepara
para o macro, de baixo para cima. É fundamental
mudar as relações a partir do micro. Se começar-
mos do micro para depois abordar o todo, consegui-
remos mudar e sustentar a mudança. Nossa nova
revolução deve começar pelo micro, expandindo-se
Oficina 2
Experiências
discutidas
VALENTE, BA

Associação dos Pequenos Agricultores


Expositor: Ismael Ferreira de Oliveira

Criadas em 1980, as Associações de Pequenos várias outras iniciativas, entre as quais podem ser
Agricultores (APAEBs) estão presentes em 14 mu- destacadas: 1) criação de um supermercado, ga-
nicípios do sertão da Bahia, nos quais residem rantindo a comercializa-ção dos produtos de peque-
aproximadamente 420 mil pessoas, 75% na zona nos agricultores; 2) criação de programas voltados
rural. As APAEBs vêm procurando, por meio do à capacitação do pequeno produtor; 3) implantação
estímulo ao associativismo entre os pequenos pro- do terminal da cidadania, que informa a população
dutores rurais, criar alternativas de geração de sobre ações dos poderes executivo e legislativo; 4)
renda, reduzir a pobreza e contribuir para a am- estímulo e busca de alternativas para a adoção da
pliação da cidadania. energia solar como fonte energética na região; e 5)
A Associação dos Pequenos Agricultores do Mu- criação de uma Escola Agrícola Familiar, que adota
78 nicípio de Valente está localizada em uma região com a pedagogia de alternância, ou seja, as crianças al-
alta concentração de propriedade fundiária, condi- ternam períodos na escola – regime de internato –
ções climáticas bastante desfavoráveis – chuvas ir- e períodos em casa.
regulares e longos períodos de seca – e com mais Em sua origem, as APAEBs se estruturavam de
de 65% dos moradores em situação de indigência. forma centralizada. Com o tempo, verificou-se que
O sisal é o principal produto da região. Até a se deveria buscar maior autonomia. Sustentada com
criação da APAEB de Valente, toda a fibra produzi- recursos próprios, e com a cooperação de algumas
da era vendida para os intermediários. A APAEB- ONGs e fundações internacionais, na ordem de 5% a
Valente tem beneficiado a produção de seus deri- 10% do total das receitas, a APAEB-Valente funciona
vados, atuando na cadeia produtiva e combatendo com quatro departamentos – agropecuário, comer-
a ação dos intermediários. A associação tem bus- cial, educativo e industrial – e com 350 associados.
cado, também, a construção de alternativas para a Atualmente, são 790 empregados diretos, o que re-
diversificação produtiva dos seus associados, tor- presenta 2,5 mil famílias diretamente beneficiadas
nando a economia da região progressivamente pelas atividades desenvolvidas. São 550 toneladas
menos dependente do sisal. de fibra de sisal beneficiadas e comercializadas men-
A associação é constituída por três projetos in- salmente. Em 1997, essa iniciativa viabilizou a comer-
terligados: a Batedeira Comunitária do Sisal (usina cialização de 6,5% de toda a produção baiana de fi-
de beneficiamento do sisal), a Cooperativa de Cré- bras, o que representa 85% da produção nacional. O
dito (funciona como um banco) e a Industrialização Brasil é o maior produtor mundial de fibras de sisal e
do Sisal (fábrica de tapetes e carpetes). Ao longo a APAEB-Valente ocupa o quarto lugar entre os 11
dos seus 20 anos, a APAEB-Valente desenvolveu exportadores brasileiros do produto.
Oficina 2
PE/RN/MA/CE/BA/PB

Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Local
Expositores: Teresa Lima e Carlos Osório

Desenvolvendo ações em nove municípios da Ceará (Tejuçuoca) e em Pernambuco (Catende e


Região Nordeste, o Programa de Apoio ao Desen- Timbaúba), ampliando-se recentemente para ou-
volvimento Local é uma iniciativa do Banco do Nor- tras localidades.
deste do Brasil – BNB –, em parceria com o Progra- Em cada localidade, a implementação do Progra-
ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento – ma começa com uma oficina, na qual se realiza um
PNUD. O Programa objetiva, através da conciliação diagnóstico social, identificando-se as potencialida-
entre a oferta de crédito e as ações de capacitação des econômicas e a presença dos atores e deman-
de massa, estruturar as cadeias produtivas, esti- das sociais locais. A partir daí, inicia-se um processo
mular a cidadania e o protagonismo social dos indi- de capacitação institucional, começando pelas pre-
víduos. Dois eixos principais norteiam sua ação: o feituras. Há todo um trabalho de articulação dos ato-
trabalho de capacitação da população e a atuação res e de consolidação de parcerias junto às organi- 79
dos agentes de desenvolvimento. zações governamentais e não-governamentais,
Os agentes locais de desenvolvimento são for- abrangendo desde os órgãos públicos municipais até
mados com base no interesse em promover o desen- associações de moradores, instituições religiosas,
volvimento auto-sustentável, a partir da interação sindicatos etc. É a partir do processo interativo en-
entre lideranças, associações, sindicatos, organiza- tre as lideranças que a comunidade começa a se
ções comunitárias, o nível local de governo e repre- fortalecer, pois o processo permite a identificação
sentantes de órgãos estaduais e agências. de interesses comuns e a emergência das alterna-
A parceria BNB/PNUD abriu possibilidades de tivas a serem adotadas, definindo-se papéis e es-
expandir o trabalho do Banco. Juntas, as duas insti- paços de atuação.
tuições traçaram uma estratégia de ação. Partiram Ainda não há uma avaliação efetiva em rela-
de uma concepção multidimensional, na qual os pla- ção aos microempreendimentos gerados e ao
nos econômico, político, cultural, institucional e combate à pobreza no plano local, sendo este o
ambiental são vistos de forma integral. Para isso, grande desafio do Programa. Contudo, alguns re-
adotaram a metodologia GESPAR – Gestão Partici- sultados são visíveis: já se percebe uma inser-
pativa para o Desenvolvimento Local. Essa metodo- ção na dinâmica econômica local; os atores lo-
logia é utilizada para o desenvolvimento de organi- cais, microempreendimentos e associações en-
zações de pequenos produtores rurais. contram mais facilidade de acesso a instituições
O programa busca promover mudanças sociais, antes fechadas; os processos de elaboração de
por meio de ações de sensibilização e de mobiliza- projetos e solicitação de crédito têm se mostra-
ção. Iniciou-se com algumas experiências-piloto no do mais sólidos e qualificados.
CEARÁ

Projeto São José


Expositor: Josias Farias Neto

No Estado do Ceará, 49,4% da população vive à SEPLAN-CE para análise de viabilidade financeira
com renda familiar per capita inferior à da linha de e liberação dos recursos. A segunda linha de finan-
pobreza, correspondente a 1/2 salário mínimo por ciamento é o Programa de Apoio Comunitário – PAC,
mês. No meio rural esse percentual chega a 75%. que segue fluxograma similar, substituindo a figura
Excetuando apenas os municípios que compõem a das CCSJ pelos escritórios regionais da SEPLAN-CE
Região Metropolitana de Fortaleza, o Projeto São onde as comissões não estão formadas.
José abrange os demais 176 municípios do Ceará, A comunidade participa das fases de seleção de
financiando projetos nas áreas produtiva, social e demandas, elaboração da proposta, implementação
de infra-estrutura a partir de propostas formula- das ações, operação e manutenção das iniciativas,
80 das por organizações comunitárias. bem como do processo de avaliação dos resultados
Coordenado pela Secretaria de Desenvolvi- alcançados. A capacitação continuada é um ele-
mento Rural, o Projeto tem 75% dos seus recur- mento importante, assim como a assistência técni-
sos financiados pelo Banco Mundial, 15% prove- ca extensiva.
nientes da receita estadual, e os demais 10% dos Implementado em 1995, o Projeto liberou re-
custos cobertos pelas próprias comunidades be- cursos, até novembro de 1998, para 4.897 proje-
neficiadas, geralmente na forma de fornecimento tos, com valores médios em torno de R$33 mil,
de mão-de-obra. totalizando financiamentos da ordem de R$141 mi-
O Projeto atua por meio de duas linhas de finan- lhões. A maior parte dos recursos liberados foi para
ciamento. A primeira é o Fundo Municipal de Apoio projetos de eletrificação rural e de saneamento bá-
Comunitário – FUMAC. Para obter recursos desse sico. Estima-se que, como conseqüência desse pro-
fundo, as associações comunitárias encaminham cesso, mais de 50% dos domicílios rurais já te-
propostas aos Conselhos Municipais de Desenvol- nham acesso à energia elétrica. Antes do início do
vimento Sustentável por intermédio da Comissão Co- Projeto o índice era inferior a 10%. Foram tam-
munitária São José – CCSJ (majoritariamente com- bém viabilizadas iniciativas diretamente ligadas à
posta pela sociedade civil, com membros da comu- geração de emprego e renda, na forma de coope-
nidade beneficiada). Após aprovação, as propostas rativas ou de empreendimentos comunitários nos
são encaminhadas aos órgãos do governo estadual mais diversos ramos de produção. Por meio da
co-participantes ou às ONGs, para elaboração de “Reforma Agrária Solidária”, o Projeto também
subprojetos nas suas respectivas áreas de compe- tem possibilitado a compra de terras para o as-
tência, com aprovação técnica e encaminhamento sentamento de famílias no campo.
Debate

Oficina 2
Debate

Franklin Coelho ] E as relações com as pre- mo. Gostariam, claro, de utilizar a APAEB como for-
feituras? Qual a relação com as prefeituras? ma de obter dividendos políticos. Obviamente, as
relações variam muito em cada caso, mas é ponto
82 Pablo Sidersky ] Como é o tecido social de pacífico que não subimos em palanque, pois isso di-
Valente? Qual a relação da APAEB com o tecido ficultaria muito nossas ações.
social? O que diferencia Valente dos outros muni- Sobre nossa ligação com outros programas: tem
cípios onde há atuação da APAEB? O que diferen- alguma ação conjunta, sim. Tem também uma rela-
cia a APAEB de Valente das outras? Como está a ção bastante amigável com as associações das
questão da descentralização? municipalidades, como as de moradores, de igre-
jas. Especificamente sobre o programa Comunida-
Serafim Ferraz ] Qual a dispersão geográfica de Solidária, a APAEB não tem nenhum tipo de liga-
em termos de participação dos associados? ção, pois esse programa não possui uma atuação
emblemática na região. O que parece que vai come-
Maria do Carmo Brant ] Como é a relação çar agora são cursos de capacitação para trabalhar
com outros programas, por exemplo, com o Comu- com curtumes.
nidade Solidária? A APAEB começou com uma matriz e várias filiais
– era complicado, pois cada uma tem uma realidade
Nilson Costa ] De onde veio a confiança ne- diferente e pensa de forma diferente, então foi deci-
cessária para este Projeto? Como ela foi conquista- dido centralizar cada uma em seu município. Quanto
da ou construída? à dispersão geográfica de recursos, a idéia é montar
várias experiências iniciais e trabalhar a partir daí –
Ismael Ferreira de Oliveira ] Quanto à seria muito difícil “cuidar” dos problemas de uma
relação com as prefeituras: elas não dizem que não região tão grande. Além do mais, a APAEB depende
apóiam, mas na prática, não há muito apoio mes- da ação de sindicatos, associações etc.
Oficina 2
As outras entidades possuem maior interação, vel, mas difícil de medir. Não conseguimos até hoje
existem divergências principalmente em relação à desenvolver, na prática, um mecanismo de aferir
interação entre o econômico e o social. As APAEBs impactos. No ano passado, foi feito um ensaio junto
antigamente eram hierarquizadas, com a matriz e aos participantes do programa de crédito: 35%
diversas filiais, depois criaram-se as APAEBs muni- colocaram filhos na escola, 71% disseram que a vida
cipais descentralizadas. melhorou, a capacitação trouxe benefícios, não exis-
No que concerne aos recursos e à amplitude geo- tem mais dívidas, não trabalham mais para patrões.
gráfica, a idéia é criar, em cada município, pequenas Outras famílias disseram que não melhorou muito a
experiências-piloto para depois serem ampliadas. A situação. Porém, 77% adquiriram algum tipo de bem:
APAEB foi financiada pelo Banco do Nordeste e por cisterna, fogão, bicicleta, moto, sofá etc.
duas ONGs internacionais que financiaram as nos- Sobre a relação com as universidades, as dificul-
sas atividades até que pudesse ser gerada a renda dades são grandes, pois há uma resistência da par-
necessária para a sustentação econômica. Até ago- te delas em se envolver na área de pesquisa que a
ra, foram investidos cerca de R$ 7 milhões. APAEB tanto necessita. Por exemplo: energia solar,
Na APAEB, são realizadas reuniões mensais em eletrificação da cerca e o reaproveitamento do sisal
que os agricultores tomam as decisões principais. A (usar o “lixo” do sisal para alimentação de animais,
APAEB tem 350 associados e a cooperativa de crédi- entre outras finalidades). Já buscamos uma aproxi-
to, 1.200 famílias. No geral, aproximadamente 1.800 mação com as universidades, porém nunca tivemos
famílias estão envolvidas. A confiança vem de um tra- uma resposta concreta em termos de colaboração.
balho desenvolvido ao longo de 18 anos com estímu- Quanto à formação de lideranças: são poucos
lo à participação e ao desenvolvimento pessoal. os remanescentes do período de criação da APAEB,
muitos entraram depois. Nas suas origens, havia
Maria do Carmo Brant ] Qual é o compor- muita gente de fora, agrônomos, administradores 83
tamento do agricultor? Como ele se relaciona com etc., mas, como estavam lá somente pelo salário,
a organização, que tipo de melhorias ocorreram em foi preferível capacitar as pessoas dos municípios,
relação à sua qualidade de vida? Houve alguma ava- que já têm todo um envolvimento com o local.
liação desse tipo? O econômico e o social convivem porque o au-
mento dos empregos diretos e de ganho são distri-
Ilka Camarotti ] E as dificuldades na relação buídos, além de existir uma margem de investimen-
com a universidade? to para a área social, que banca pequenas iniciati-
vas comunitárias.
Beatriz Saldanha ] Quantas pessoas, com o
perfil de “empreendedor” como o de Ismael, es- Peter Spink ] São muito presentes as ONGs
tão participando do Projeto? Quantas são qualifica- internacionais. Isso tem alguma relação com a difi-
das? São diversas as atividades inseridas e a im- culdade de encontrar apoio junto às instituições na-
portância da capacitação é grande. Como funciona cionais?
isso na prática? Como se formam essas lideranças?
Ismael Ferreira de Oliveira ] O apoio vem
Franklin Coelho ] Qual a relação entre o principalmente de organismos internacionais não-
econômico e o social? Como resolver esse dilema? governamentais. Do total de gastos, 15% vem de
ONGs internacionais e o restante é conseqüência
Ismael Ferreira de Oliveira ] É muito difícil das nossas atividades produtivas, demonstrando a
medir em números o impacto dos programas; é visí- auto-sustentabilidade da APAEB de Valente.
A formação de lideranças é um trabalho de lon- provando que é possível realizar. Após essas inicia-
go prazo: desde 1980 até hoje existem muitas pes- tivas pioneiras, o crédito tradicional começou a apa-
soas com o mesmo nível que eu, o maior número de recer. As primeiras iniciativas foram totalmente
ações foi implementado de 8, 10 anos para cá. Pes- financiadas por ONGs internacionais.
soas de fora não tinham o compromisso necessá-
rio, por isso buscou-se a capacitação de pessoas da Pablo Sidersky ] A experiência da APAEB de
região para não depender de pessoas de fora. Valente é única, poucos chegaram onde vocês che-
garam. Qual a razão? Porque somente a APAEB de
Mirna Pimentel ] O sisal é o principal produto Valente, porque não se reproduzem APAEBs “mo-
da região. Até então, a fibra era produzida e vendida delo APAEB de Valente” pelo Nordeste afora?
para o intermediário, e a população local nem sabia
para onde ia. A idéia da APAEB era tentar eliminar o Ismael Ferreira de Oliveira ] Há um des-
intermediário, foi um difícil trabalho para a APAEB se crédito em relação ao cooperativismo no Nordeste.
tornar conhecida e aceita pelo mercado. Depois ha- Também tem a questão de trabalhar os recursos do
via o problema do tamanho da produção, foi preciso município: o que temos – temos sisal? Então, va-
ampliar para concorrer com o mercado externo. Como mos trabalhar o sisal. Trabalhar as atividades viá-
vocês conseguem prescindir da infra-estrutura do go- veis para a localidade, e não tentar sofisticar de-
verno local para viabilizar o Projeto? Como se conse- mais, senão acaba desvirtuando. Existiria uma mis-
gue prescindir das prefeituras? tura de associação e cooperativismo com a política
partidária. Além disso, a questão gerencial é negli-
Ismael Ferreira de Oliveira ] É como uma genciada, o que gera descrédito em relação ao coo-
escada, você dá um passo e aparece outro degrau. perativismo. O trabalho enfatizado no município tam-
84 Surgem sempre novas idéias e oportunidades. A bém foi importante: não adianta ficar esperando pela
cooperação internacional entra no financiamento chuva, tem de se buscar soluções viáveis para a
de um ou outro projeto pequeno, que então serve região, para funcionar como carro-chefe, mas tem
de exemplo para conseguir financiamento para de se diversificar, identificar a realidade e todo o
outro pequeno projeto, e assim por diante. Foram seu potencial.
18 anos de trabalho para se chegar à condição
atual, procuramos mostrar que é possível fazer Ademar Marques ] No que se refere à pro-
com a força da comunidade, para não ficar depen- dução, a APAEB enfrentou alguma dificuldade jun-
dendo somente do poder público. Quanto à rota- to ao poder público? Como aproveitar para contri-
tividade, não acontece muito, acontecia somente buir no resgate e no fortalecimento da cultura lo-
no início. A rotatividade não é grande, foi somente cal, aproveitando o enorme potencial de mobili-
no início, depois se corrigiu o rumo, passou-se a zação que vocês desenvolveram? A questão da ci-
exigir um compromisso maior dos associados, o dadania parece mais ampla do que a mera sobre-
que diminuiu a rotatividade. vivência, certo? Não é apenas a produção que im-
porta. Como resgatar isso?
Peter Spink ] Gostaria de conhecer mais
detalhes sobre o tipo de apoio oriundo da coopera- Vânia Ribeiro ] Sei que há dificuldade de
ção internacional não-governamental. avaliar a melhoria de vida da população local. Mas
como está a questão do êxodo rural? Os filhos des-
Ismael Ferreira de Oliveira ] A cooperação ses produtores rurais estão indo para as cidades?
internacional financia pequenos empreendimentos, O êxodo rural se estabilizou?
Oficina 2
Ismael Ferreira de Oliveira ] Com a capa- presa. Até que ponto não corre o risco de perder
citação e a geração de renda, a melhoria geral da eficácia por ter também uma série de outras ati-
vida diminui o êxodo. Também ocorre um resgate vidades, um leque amplo de atuação? Tenho a im-
de valores culturais (música, festivais etc.) que “se- pressão de que muitas ONGs tentam trabalhar em
guram” a comunidade, fortalecendo os laços com muitas áreas de uma vez e são menos efetivas do
o campo. Temos, por exemplo, a iniciativa de uma que poderiam vir a ser. De certa forma, a carac-
rádio comunitária, com resultados bastante inte- terística de uma cooperativa com cara de ONG é
ressantes. A questão cultural tem sido fruto de um a militância política, que deve gerar conflitos com
esforço pelo qual se resgata a cultura tradicional o poder público instalado. Na realidade, nestes
da região, até mesmo um CD foi gravado com can- 18 anos de existência, vocês foram criando uma
tigas locais. vocação própria, tendo a cara de uma empresa
Todo nosso trabalho está voltado para a melhoria “charmosa”. Até que ponto a multiplicidade de
da qualidade de vida, principalmente nos municípios atividades sociais não se coloca como risco para
próximos de Valente. A APAEB oferece treinamento essa empresa?
para a instalação de programas similares.
O êxodo não pode ser exatamente medido, mas Beatriz Saldanha ] A demanda do mercado é
com certeza 520 pessoas estão trabalhando no cam- maior que a capacidade de produção ou não?
po, numa população de 20.000 pessoas, o que con-
tribui para a diminuição do êxodo rural. Ismael Ferreira de Oliveira ] Sobre a pre-
feitura: há um certo respeito em relação à APAEB,
Nilson Costa ] Com relação a outros muni- mas pouco interesse de ajuda real. Da nossa parte,
cípios, o que Valente tem de diferente? Qual o existe um respeito em relação às prefeituras, mas
segredo? Valente é uma região diferente em re- não há maior expectativa, o que a APAEB busca fa- 85
lação ao resto da Bahia? Qual é o segredo desta zer é despertar na comunidade uma conscientiza-
associação? ção maior. Gostaríamos que o poder público esti-
vesse mais à disposição para construir uma verda-
Ismael Ferreira de Oliveira ] Não deveria deira cidadania e capacitar o cidadão.
ter diferença, a produção é a mesma, a região tam- A administração de conflitos ocorre naturalmente.
bém. Só que os outros municípios não são Valente. Hoje nos faltam recursos para produzir. Mercado nós
Não há grandes diferenças, a distribuição da terra temos: 78% da produção vai para o exterior (Alema-
é a mesma, não tem nada diferente, só o pessoal de nha e Itália, por exemplo), mas trabalha-se a amplia-
lá “é valente”. ção do mercado interno para pequenos clientes. Existe
capacidade ociosa. A APAEB é uma empresa mesmo
Mirna Pimentel ] Como a APAEB vê estes e é administrada como tal, até como forma de sus-
dois poderes: o governamental e o da associação? tentar as outras atividades.
É possível viver negando o governamental? Qual é
o retorno no âmbito da institucionalidade demo- Vânia Ribeiro ] Como funciona o planeja-
crática? Como enxergar a convivência entre a pre- mento orçamentário? A verba vai sendo liberada
feitura e uma associação deste porte? É possível assim que necessário? Isso não é complicado?
essa convivência? Sabemos que o processo orçamentário é definido
no ano anterior: como fica? Os subprojetos são
Maria do Carmo Brant ] A APAEB foi analisados ao longo do ano ou são aprovados para
criando uma identidade própria, muito mais de em- o ano subseqüente?
Fernanda Costa ] No Projeto São José, como ção à proposta de capacitação. Como todo proces-
se dá a escolha dos representantes dos conselhos? so social, no começo existe resistência. Quanto ao
Qual a origem dos recursos? Cada município tem custo da capacitação, a comunidade não precisa
seu conselho? O conselho pode liberar recursos para gastar recursos.
fins não previstos no orçamento? Cada conselho tem
liberdade para alocar esses recursos? São 176 mu- Josias Farias Neto ] As dificuldades ocorrem
nicípios, todos têm seu conselho? Qual é a ordem por causa da estiagem, que levou a terceirizar a ela-
de prioridade? Como se distribuem os recursos en- boração de projetos e a assistência técnica. Mesmo
tre os 176 municípios? Os recursos são a fundo per- assim, existe uma certa ressalva em relação ao tra-
dido? Os projetos de infra-estrutura são repassa- balho de ONGs e de empresas privadas. Houve a
dos para entidades, e a manutenção posterior como decisão de terceirizar assistência técnica, abrindo
fica? Quais são as políticas para manter as popula- espaço para a participação das ONGs.
ções nas terras adquiridas? Há uma dificuldade no acompanhamento técni-
co dos trabalhos, devido ao número de projetos;
Pablo Sidersky ] O circuito de montagem de acaba sendo por amostragem, o que não é ideal.
projetos parece o fundo municipal do Banco Mun- Outra dificuldade é trabalhar/conviver com pro-
dial? Destes R$120 milhões, quantos foram para gramas assistencialistas. Eles acabam atrapalhan-
eletrificação e água? No município de Tauá existe do a evolução dos projetos.
algum projeto? Sobre a participação do Banco Mundial. Metas:
tem horizonte até o ano 2000; são fixadas metas
Neide Silva ] Sobre o programa do BN/PNUD, anuais para cada Estado. O Banco entra com uma
86 quais são as dificuldades e os resultados alcança- parte da verba, o Estado com outra e o resto é com
dos em relação às diversas fases do Programa? a comunidade. Os projetos vão sendo liberados de
Como funciona a questão do crédito e da capacita- acordo com as prioridades (de acordo com a época
ção? Quais são as expectativas da população? Exis- do ano etc.). Cada município tem direito a uma cota
te inadimplência? Existe alguma avaliação? de verba, mas também não se pode penalizar um
município que está engajado, com projetos bem-su-
Beatriz Saldanha ] No programa do Banco cedidos, para atender outras localidades que estão
do Nordeste, qual o custo para a comunidade deste mais lentas. A escolha dos representantes dos con-
trabalho de capacitação? Quem paga a capacitação? selhos é feita inicialmente por uma ONG (Instituto
Ela está atrelada ao crédito? Participação), que tem grande experiência nessa
área metodológica.
Carlos Osório ] As maiores dificuldades estão Depois, os candidatos passam um tempo no muni-
na parte institucional: como construir os sistemas, cípio e a escolha final dos representantes é feita pelos
as parcerias etc. As maiores dificuldades são pro- próprios municípios. A distribuição da verba mudou: o
ver o arranjo institucional, tanto em relação às di- Banco Mundial entrava com 59%, o Estado do Ceará
retorias como também em relação ao trabalho em com 26% e o resto era coberto pela comunidade. De-
parcerias. Também existem muitas dificuldades no vido à quantidade de projetos, o Banco Mundial au-
trabalho com as prefeituras, há muita rejeição. As mentou a participação para 75%, ficando 15% para o
prefeituras nem sempre estão dispostas a trabalhar, Estado e 10% para a comunidade. Os projetos são
o que dificulta a ampliação de parcerias. Já as comu- estudados de forma a criar uma priorização.
nidades possuem uma resposta fantástica em rela- Quanto à manutenção de projetos de infra-es-
Oficina 2
trutura: o papel dos técnicos das secretarias está Luis de La Mora ] Existe uma preocupação
em assessorar as lideranças comunitárias a fim de quanto à sustentabilidade e à inserção da comu-
garantir à população a possibilidade de influenciar nidade no Projeto. Também a questão do nível da
as escolhas relativas ao fornecimento de serviços participação: tende a haver um afunilamento –
públicos importantes (projetos de habitação, eletri- embaixo, todos podem participar, mas em cima
cidade, água etc.). são poucos que mandam. O que me interessa e me
Os critérios são o populacional e o de pobreza, preocupa é a sustentabilidade em relação à inser-
por meio deum indicador desenvolvido pela Secre- ção plena da comunidade. O Projeto São José vem
taria de Planejamento. Assim, são estabelecidas com uma certa verticalidade fundamental, mesmo
cotas para cada município. que crie no município um conselho, a decisão é ver-
Em 1996, os municípios mais pobres tinham me- ticalizada. No caso da experiência da APAEB, pare-
nos projetos devido à falta de organização comunitá- ce que a decisão é mais horizontal. Até que ponto o
ria, decorrente da ação de oligarquias. Nestes muni- primeiro é um projeto do Estado ou responde ape-
cípios foi estimulada a organização comunitária. nas aos critérios do Banco Mundial? A sustentabili-
Os representantes do conselho são escolhidos dade será mais presente quando estiver diretamen-
pelos próprios atores representados. Uma ONG te ligada ao processo decisório. Até porque a mu-
“Instituto Participação”, que possui uma estraté- dança de governo pode fazer com que seja mero
gia metodológica, identifica os segmentos mais im- instrumento de controle.
portantes no município.
Em todo pleito, os conselhos são ouvidos de forma Serafim Ferraz ] A continuidade é importan-
a determinar as prioridades municipais. Para o futuro, te. Tivemos três experiências distintas, na qual de-
busca-se a institucionalização dos conselhos, que pos- vemos discutir o papel do Estado e até mesmo a 87
teriormente serão responsáveis pelos recursos. necessidade de seu envolvimento nessas ações.
A manutenção dos projetos de infra-estrutura é feita
por carta-convite (licitação), que conta com o trabalho Peter Spink ] Sobre a experiência da APAEB,
da assessoria técnica. Todo projeto é discutido com a o Estado está ou não presente? Ou está presente
comunidade, com a presença do promotor. por estar ausente?
A aquisição de terras possui diversos projetos
de infra-estrutura, para que os novos assentados Vando Nogueira ] Parece que todos traba-
tenham melhores condições. Porém, ainda faltam lham com a pobreza. No Brasil, são cerca de 4 mi-
políticas de saúde e de educação. Esses imóveis são lhões de crianças que trabalham. Como generali-
beneficiados pelo PROCER. A maioria dos financia- zar projetos governamentais que são bem-sucedi-
mentos é do PAC - Programa de Apoio Comunitário dos? A experiência da Bahia também é bem-suce-
(160), o FUMAC - Fundo Municipal de Apoio Comuni- dida, como generalizar? Se pensamos projetos pi-
tário é minoria (16). Do total liberado, 60% é para lotos e experiências bem-sucedidas, é importante
eletrificação, a água está em torno de 10%. saber como generalizar. Cada um dos atores têm
O plano de desenvolvimento municipal é impor- limites, quanto mais alto o nível de generalização
tante para integrar as ações do Projeto São José e mais o compromisso se relaciona às vantagens
as dos demais programas de governo. Mas o Proje- comparativas nas quais os governos centrais colo-
to tem potencial apenas para amenizar. Se não hou- cam sua ênfase. Como articular politicamente es-
ver ações contra a pobreza no plano nacional, nada sas iniciativas para que o processo de desenvolvi-
feito. O quadro só vai se agravar. mento absorva isso?
Pedro Jacobi ] Quando ouvimos as apresen- um novo tipo de empresa. Será que é a ausência do
tações, ficamos com o gosto amargo na boca, com- Estado que faz a APAEB assumir o papel de gestor
parando iniciativas macro e micro, que possuem público? A ausência de Estado faz com que a APAEB
articulações e práticas distintas. O que deve se le- assuma funções sociais. Parece que é importante
var em conta é a necessidade de, a partir dessas trabalhar essa alteração das relações de poder e
experiências, renegar as regras do mainstream como isso se dá nas diversas experiências.
econômico. Existem outras formas de se pensar a Há que se louvar o papel do Banco do Nordeste,
gestão social. a lógica interna do banco coloca barreiras para que
Se a capacitação não estiver diretamente ligada a missão do Projeto tenha limites. Existe uma dis-
aos recursos de crédito, não irá muito longe, como tinção entre governo, mercado e o campo das rela-
também não terá nenhuma confiabilidade. O volu- ções de poder.
me de recursos disponíveis para investimentos em
ações de governo para gerar emprego e renda é Ismael Ferreira de Oliveira ] Escutando o
irrisório frente ao montante total. Dessa forma, va- relato sobre a experiência do Ceará, vemos o des-
mos sempre ficar no paliativo. Como romper o pira- colamento entre as normas técnicas e a viabilidade
midal e pensar o empowerment? O Orçamento Par- econômica, a justificação de comissões mal forma-
ticipativo mostra que é possível democratizar a ges- das acaba sendo pura e simplesmente o cumprimen-
tão de recursos, o que é uma questão fundamental, to de exigências do Banco Mundial. Projetos de ele-
fazendo avançar propostas que realmente rompam trificação são mais implantados porque geram vo-
o ciclo vicioso. tos. A quem concretamente interessa a mudança da
Se, por um lado, a questão da capacitação é fun- realidade? De que forma se pode canalizar a série
88 damental numa sociedade tão desigual, por outro, de programas existentes? A existência de comis-
pode-se gerar uma quebra de legitimidade. Ou seja, sões não garante a qualidade do projeto. As infor-
capacitar para quê? É importante capacitar, mas para mações devem ser democratizadas. Dinheiro não
que fim? É preciso que se assuma uma certa postura falta, falta alterar decisões. “Quero dinheiro para
não tecnocrática, para introduzir questões que real- criar cabras”. “Não tem, mas tem para implantar
mente rompam o ciclo. Ou seja, sustentabilidade: uma casa de farinha”. “Não, mas não planto nada
capacitar, mas depois a pessoa deve realmente con- aqui, mas posso criar cabras”. “Mas não tem di-
seguir inserir-se na sociedade, senão fica a capaci- nheiro, você precisa é de uma casa de farinha, o
tação pela capacitação. dinheiro está aqui, é só você querer”. E assim vai,
assim as coisas são financiadas e o dinheiro jogado
Franklin Coelho ] Alguns dilemas estão fora. Vamos discutir: como o recurso chega onde
presentes. Política pública e mercado. A experiên- deve chegar?
cia da APAEB é interessante, é uma ONG que vira
empresa. Estamos trabalhando no campo do mer- Pablo Sidersky ] A discussão que deve ser
cado ou das políticas públicas? E como misturar am- colocada é sobre o papel do Estado em um quadro de
bos? Precisamos romper a visão neoclássica de que desenvolvimento rural diferenciado. Há uma série de
mercados são relações de oferta e demanda, exis- funções do Estado que estão em xeque, por exemplo:
tem relações de poder nesse meio. o papel da extensão rural. É difícil comparar os exem-
O campo de pactuação de atores em ação estra- plos da APAEB e do Projeto São José. São atores di-
tégica deve ser distinto para uma economia solidá- ferentes, âmbitos de governo igualmente distintos e
ria. Como combinar os elementos? É um novo ator, em ambos vejo um potencial de complementaridade.
Oficina 2
O índice de 77% de indigentes no Ceará não surge Beatriz Saldanha ] Questão da complementa-
por acaso. Qual é o papel da extensão rural? Per- ridade: é preciso que os elementos se encaixem. Há
nambuco está caindo aos pedaços, Alagoas não exis- a necessidade de que as experiências sejam ouvidas
te. Transpareceu que as soluções técnicas estão dis- e divididas e que se complementem. Que haja um
poníveis, mas isso não é verídico. encaixe entre as associações, as instituições de go-
Nesse sentido, o Projeto São José se coloca como verno, enfim, entre os diversos atores envolvidos. Na
uma coisa rígida, centrada na máquina do Estado. hora em que você buscar financiamento, por exem-
Flexibilização é, portanto, uma palavra importante plo, para o sisal, é importante não haver a rigidez. As
na busca de novas formas de agir, o que ocorre tam- redes elétricas são básicas, mas o que vai surgir a
bém no Banco do Nordeste. partir desta infra-estrutura?
Enfim, existe um problema de rigidez. Voltando à
complementaridade teórica, o Projeto São José vem Tereza Lima ] A complementaridade é um pro-
desenvolvendo, sobretudo, obras de infra-estrutura cesso dinâmico, os atores estão se movendo e isso
básica e é difícil que esse tipo de projeto facilite inicia- apresenta uma certo grau de dificuldade de encaixe.
tivas como a da APAEB. São basicamente projetos de
infra-estrutura, no futuro podem ser programas mais Pedro Jacobi ] É importante estar refletindo
consistentes de potencialização de iniciativas. sobre onde estão ocorrendo as mudanças de para-
digmas. Por um lado, não se pode esperar tanto do
Peter Spink ] Uma série de questões emergem. governo, pois ele está sendo enxugado. Temos que
Por exemplo: o dinheiro do Banco Mundial é empres- apostar cada vez mais em convencer as elites do
tado, não é dado para o Projeto São José, e isso impli- país a participar do processo social, ou seja, traba-
ca a decisão de alguém de se endividar em relação a lhar a redistribuição de renda. 89
um determinado modelo de desenvolvimento. Gostaria de tocar no assunto relativo à mudan-
ça do paradigma para se pensar a questão da
Serafim Ferraz ] O Estado deixa um espaço a complementaridade. Sem dúvida alguma, o grande
ser ocupado. No caso da APAEB e do Projeto São desafio é enfrentar o viés tecnocrático, que é a mar-
José, estamos falando de protótipos de experiências ca da rigidez. Essa discussão hoje é fundamental.
que deram certo e merecem ser expandidas. É com- As demandas da sociedade vêm da comunidade lo-
plicado ficar numa reflexão que nos leve ao imobilis- cal e nesse sentido é importante refletir sobre o
mo, privilegiando o lado negativo dessas iniciativas, que significa a mudança de paradigma em relação
sem aproveitar o que elas podem estar apontando ao modelo de desenvolvimento. Estamos vivendo
de melhoria da qualidade de vida da população po- um momento em que não se pode esperar tanto do
bre. Em suma, devemos considerá-las como experiên- Estado, que está mudando sua dinâmica de ges-
cias que estão inseridas dentro de um processo evo- tão. Ele está sendo enxugado e isso é um dado con-
lutivo da sociedade e que, portanto, devem ser en- creto. Por outro lado, as elites deste país devem
tendidas como exemplos. ter um comportamento mais orientado para a dis-
tribuição de renda, o setor privado deve fazer sua
Peter Spink ] É importante aprofundar a linha parte. A escala de atuação das ONGs é limitada.
da complementaridade. O governo do Ceará nunca será Para uma mudança qualitativa deve se pensar o
a APAEB, o Banco do Nordeste nunca será governo paradigma de desenvolvimento: como se alocam
estadual e tampouco será a APAEB. Assim, qual seria recursos e como a sociedade deve pressionar para
o espaço para aumentar a complementaridade? se mudar essa lógica?
Carlos Osório ] Não vejo complementaridade É preciso buscar desenvolver projetos como o
entre essas experiências. Um aspecto importante é São José, que estejam dentro da realidade local.
o técnico-econômico, o fator político também é im- Também é preciso evitar a imposição de projetos
portante, o aspecto ambiental é importante e o cul- que não podem ser sustentados pela população lo-
tural também, pois incorpora os anteriores. cal, seja quanto à capacitação, manutenção etc.
Como fazer para visualizar todas essas expe- (exemplo dos postes de luz que surgem “milagro-
riências? Como construir a sustentabilidade em um samente” na época das eleições).
mundo no qual o setor financeiro gerou uma mega-
organização, que influi de forma relevante na atua- Peter Spink ] O desafio do Ceará é procurar
ção social? A sociedade deve pensar em si agora. criar um mecanismo de coordenação setorial de bai-
Este é um fator importante. A sociedade deve espe- xo custo administrativo. A complementaridade deve
rar por uma mudança política ou deve ela mesmo ser construída, mas, confrontando as experiências,
fazer esta mudança? vemos que, colocando os mecanismos de filtragem
próximos à população, a atuação multidisciplinar foi
Josias Farias Neto ] Não temos ainda conse- realmente implantada. Agora, uma pergunta se im-
lhos municipais que trabalham efetivamente sobre põe: como se lida com a construção social que as
as demandas da comunidade. A participação efeti- pessoas fazem?
va das comunidades no processo é a linha que deve
ser perseguida e fortalecida. Apesar de persistir a Luis de La Mora ] O Estado e a sociedade
dúvida, o rumo parece que está correto. Avança- civil são abstrações, na realidade o que temos são
mos ao permitir que as comunidades decidam, os pessoas que se organizam. Assim, nós devemos nos
conselhos ainda não estão suficientemente organi- capacitar para repensar a busca de saídas. Todos
90 zados. Este é um processo que vai avançando con- aqui são otimistas, tentando juntar experiências para
forme a sociedade vai evoluindo; mesmo dentro do analisar e debater. A dialética é complexa: assisti-
espaço governamental há condições de se avançar. mos aqui três casos imperfeitos e, aliás, vimos como
O que pode ser feito para fortalecer os aspectos também é imperfeita a nossa realidade.
positivos? Dentro do espaço governamental, ape- Os três projetos são, claro, imperfeitos, como
sar das restrições e contradições, nós temos avan- tudo é. Mas podemos aprender muito com essas
çado. No caso do Ceará, de cada dez residências, experiências. Atualmente, de um lado, existe uma
apenas uma tinha luz. Com o Projeto São José, me- articulação sem crítica, por outro, uma crítica sem
tade dessas residências hoje têm energia. As pró- articulação. Precisamos de uma articulação críti-
prias comunidades exigem a luz, o Ceará não aceita ca, sem ser promíscua e sem também ser, por
imposições do Banco Mundial, porque é a socieda- outro lado, aquela crítica ferrenha que acaba por
de do Ceará que vai pagar os empréstimos. Quem não fazer nada com medo de se sujar. É preciso
conhece a realidade do campo sabe que a demanda criar mecanismos para isso, para aproximar os
é por água e por eletrificação. Além da complemen- lados e encorajar uma colaboração crítica. Há pos-
taridade, deve se discutir as práticas internas do sibilidade de uma colaboração crítica assim, com
poder público: as secretarias trabalham como se maior dignidade e continuidade. Mas é preciso
fossem ilhas. Será que nesse ambiente poderemos uma vigilância permanente, um mecanismo soci-
implantar a complementaridade? al de controle.
Mas é preciso existir o otimismo de que, mesmo Cabe a cada um se aproximar, se integrar, con-
sendo governamental, a iniciativa pode funcionar. centrar idéias e esforços, pois existem recursos que
Está havendo avanço, sim! se perdem, a sociedade deve ter acesso ao Estado
Oficina 2
e o mesmo não deve ser corrupto. O que tem de mo, mas há movimento na capacidade de debater, e
bom deve ser retido, sintetizado e generalizado, honestidade na capacidade de aceitar que, às vezes,
porém eliminando o que é ruim. não temos as respostas. Entretanto, não podemos
nos esquecer da educação. É importante a gente se
Pablo Sidersky ] A sensação que a exposi- lembrar da escola agrícola da APAEB – precisamos
ção do Ismael (APAEB) passou diz respeito ao po- de mais escolas assim, inseridas na realidade social
tencial de complementaridade, há uma grande di- de seu público-alvo.
ficuldade para que as iniciativas da sociedade civil
encontrem eco na atuação do Estado. Haveria, por-
tanto, uma necessidade real de que as iniciativas
emanadas da sociedade civil pudessem ser gene-
ralizadas em programas de governo e, também, em
outros programas da sociedade civil, numa lógica
de soma de esforços.

Maria do Carmo Brant ] Nós já estamos


vivendo a mudança de paradigma, talvez não quei-
ramos reconhecer isto. É possível analisar expe-
riências inovadoras como as que estamos discutin-
do aqui, porém é importante que essas mesmas ini-
ciativas possuam indicadores de impacto. Deve se
fazer marketing de resultados. Existe pouco enfo-
que em programas mais “discretos”, que estão cui- 91
dando, por exemplo, de escolaridade, emprego e
renda etc. A questão do marketing é extremamente
necessária na “venda” de projetos.

Neide Silva ] Concordo com a necessidade


da mudança de paradigmas, mas a pobreza nunca
esteve tão presente. E, diante desse quadro, qual
é a nossa capacidade de resolver os problemas? E
quanto ao aprofundamento da crise, quais as pers-
pectivas para um trabalho efetivo de combate à
pobreza? Este evento configura uma mudança de
paradigma, mas por outro lado ainda não aban-
dona o realismo de que estamos vendendo a idéia
do caos. A magnitude da pobreza frente à nossa
incapacidade de encontrar soluções continua mui-
to presente.

Peter Spink ] A situação é caótica, mas temos


coisas acontecendo, embora sejam ainda imperfeitas.
É preciso fazer o balanço entre otimismo e pessimis-
Síntese das discussões
Comentador: Franklin Coelho

Esta síntese é um desafio. O espírito final deve ser Há também as questões do setorial, da concep-
ressaltado: não estamos avaliando experiências. É um ção de desenvolvimento, dos atores ou clientes, da
processo de aprendizado coletivo, ninguém é perfei- relação entre política pública e mercado, da lógica
to, nenhuma experiência é perfeita. Não há nenhuma de promoção versus lógica econômica, dos impac-
visão pessimista em olhar fracassos e aprender com tos, dos dados (que tipo de dados, porque não se
92 estes fracassos. constrói?), do campo de governabilidade e de com-
A questão da pobreza já foi suficientemente dis- plementaridade.
cutida, inclusive historicamente, se compararmos Resumindo alguns pontos aqui discutidos:
com o momento presente, o debate e o olhar sobre 1 - conceitual – historicidade;
a pobreza é outro, mais ligado à questão da 2 - mudança do paradigma de desenvolvimento;
globalização e da mudança de paradigmas. Tem 3 - marco legal;
também a questão da relação entre o macro e o 4- se não há modelos, dada a especificidade de cada
micro. A questão da pobreza ainda não ficou bem caso, então, o que podemos extrair dessas experi-
clara, há uma territorialização da pobreza. ências?;
Quanto à dimensão da replicabilidade, muitas 5 - metropolitano X cidade pequena e média;
experiências são muito específicas em relação à sua 6 - concepção de desenvolvimento;
localidade - como replicá-las? 7 - atores, sujeitos, clientela, tutela, fortalecimento,
Qual é o marco legal destas experiências? base econômica... quem está ausente?;
Existe um certo contraste entre as ações locais 8 - política pública X mercado, promoção social X
e o modelo de desenvolvimento. Em alguns momen- lógica econômica;
tos se procura formatar pela especificidade do ter- 9 - impactos, dados, cultura dos projetos;
ritório. Será que a separação entre urbano e rural 10- dimensão do campo de governabilidade;
deve ser feita com base nas metrópoles e cidades 11- avaliação: por que não temos uma base para
pequenas e médias? operar a avaliação?;
A relação entre local, municipal e regional deve 12- política/paradigma/transição/oportunidades e
ser repensada. Muito do local é igual ao municipal. ameaças.
Oficina 2
Participação, alianças
e construção da cidadania
Expositor: Pedro Jacobi

Nosso foco deve estar centrado na questão de globalização, do desemprego tecnológico etc. Hoje,
ampliar a cidadania de forma abrangente. Gran- a palavra neoliberal está em discussão. Existe um
de parte do que se faz mostra que efetivamente caldo de cultura na sociedade que está questionan-
existe um compromisso com a transformação da do as práticas neoliberais. E esse modelo neoliberal
sociedade brasileira. E aí temos como central a já está “balançando” na Europa. Então: qual o novo
questão educativa. desenho de Estado que deverá emergir? O 93
Do que estamos falando? Porque nos reunimos paradigma do Estado mínimo já está sendo forte-
aqui? O que significa pensar essa dinâmica? Cada mente questionado. Quais as novas configurações
vez mais, verificamos que muitas experiências são do Estado?
bem-sucedidas ou que existem todas as condições Do ponto de vista da nossa realidade, temos um
para que isso ocorra. Devemos ampliar práticas com Estado que nunca foi provedor, e que está se fragili-
a perspectiva de que elas pertencem à sociedade, zando cada vez mais. Então, quem vai ser o prove-
pois visam ampliar a cidadania e fortalecer a rela- dor? O Estado está diminuindo sua intencionalidade
ção entre direitos e deveres, além, é claro, de te- de provedor. A APAEB, por exemplo, busca uma re-
rem condições de se multiplicar. O importante é distribuição de renda no plano local, a questão é que
buscar ampliar as práticas sem dar relevância a o Estado se fragiliza nesse papel e daí, quem será o
quem pertencem estas iniciativas, não importa provedor? Mas, mesmo os setores mais progressis-
“quem é dono do quê”. tas não estão conseguindo formular respostas às re-
Na Europa, parte do neoliberalismo está sendo formas que estão ocorrendo no Estado.
substituída pela terceira via. Dessa forma, temos aí Surge, então, a necessidade de multiplicar prá-
a referência de que a sociedade está se posicionando ticas solidárias e participativas. O que significa
neste sentido. O que está sendo colocado é a ques- reinventar? Na verdade, não é nem reinventar, mas
tão de qual vai ser o desenho desse Estado. É preci- inventar mesmo. Está sendo colocada uma busca
so que ele se relacione com a sociedade civil e essa de respostas para a falta de compromisso, uma bus-
nova concepção será híbrida, condicionada por um ca de compromisso. Para nós é inventar, e aí é inte-
quadro complexo de incertezas decorrentes da ressante verificar que, em ambas as apresentações
dos gestores públicos aqui presentes, ficou claro tor como um ator representativo, como regulador
que há um interesse de se buscar respostas para a social. O papel da comunidade precisa crescer cada
diminuição da crise social. vez mais e devem ser superados os elementos
Estão em curso reformas, algumas sendo em- constrangedores e inibidores dessa atuação.
purradas “goela abaixo” e que, em alguns casos, É preciso abrir espaço para muita experimen-
aglutinam resistências. De fato, o que nós verifi- tação, visando a transformação das relações so-
camos é que não têm havido condições de contra- ciais, que devem ser desenhadas de forma a não
por reformas que sempre são permeadas pela de- inibir, a não restringir. É também necessário en-
fesa de interesses corporativos. A inadimplência frentar as resistências e os constrangimentos de
do próprio Estado mostra que é necessário outro ordem burocrática. É preciso se indignar em re-
tipo de financiamento. lação ao status quo vigente.
Quando falamos de parcerias, precisamos le- Assim, estamos diante do desafio de que a ad-
var em conta as dimensões. Como, a partir dessas ministração pública consiga avançar e romper a
transformações, podemos contrapor uma propos- lógica mercantil no nível do desenvolvimento lo-
ta de provisão? O desafio parece ser construir um cal, principalmente no pequeno município, onde as
diálogo mais franco e aberto com aqueles que es- pessoas estão engajadas no universo agrário. Eu
tão à frente das mudanças, aqueles que estão à vejo que alguns desenhos são fundamentais: a edu-
frente das grandes organizações estatais, multila- cação, a formação, a capacitação, a criação de la-
terais, de cooperação etc., unindo gestores e ou- ços de identidade, o resgate da auto-estima, a aber-
tros atores na busca de novas alternativas. Como tura de possibilidades para que as pessoas se tor-
flexibilizar as formas de pensar a gestão pública? nem cada vez mais confiantes na definição e ges-
É possível que os órgãos de gestão tenham jogo de tão de projetos. Daí a importância de uma atitude
94 cintura? Além disso, a maior parte das parcerias muito mais democrática. Além do voluntarismo das
não são compromissos de transformação, mas ape- ONGs, é preciso mudar a relação que o Estado tem
nas jogos de cena. A dimensão que está reunida com a cidadania.
nesta mesa é de multiplicar práticas solidárias e O outro lado desafiador é a necessidade de tra-
participativas. A palavra reinvenção é pertinente, balhar com experiências que reforçam práticas soli-
mas neste sentido. dárias. A parceria reforça as diferenças e a busca de
De que forma se pode reforçar a autonomia e a objetivos comuns. Que condições podem ser criadas
legitimidade de atores sociais que funcionam den- para a administração pública no sentido de mudar as
tro de outra lógica? De que forma se sensibilizam relações com a sociedade? Ninguém vai substituir o
atores sociais que muito pouca cidadania possuem? Estado, porque temos uma relação cada vez mais com-
De que maneira se reverte o pensamento da renta- plexa que se amplia, órgãos que se multiplicam. De-
bilidade do financiamento e se complementa com vemos sair da lógica de tutela e gerar mudanças cul-
impacto social esse tipo de locação de recursos? turais que reforcem a cidadania.
Esta é a grande questão.
O que significa parceria e o que significa coo-
peração? É algo novo frente à filantropia tradicional
do empresariado, existe o compromisso de não ter
somente um caráter substitutivo. Afinal, como re-
solver o problema da desigualdade? Neste senti-
do, é cada vez mais importante repensar as enge-
nharias institucionais que entendem o terceiro se-
Oficina 2
Pobreza e desenvolvimento regional
Expositor: Armando Mendes

Trabalharei alguns pontos para situar a proble- tentado sob o ponto de vista ecológico, a susten-
mática da Amazônia dentro de uma visão macro. tabilidade econômica e a sustentabilidade ecumênica
1) Conceito de desenvolvimento: discussão de das populações humanas situadas em um territó-
soluções concretas de desenvolvimento local. É um rio, enfim, da humanidade em sua dimensão maior.
processo de respeito ao futuro. Que fim propomos Sustentabilidade ECO-ECO-ECU: ecológico, econômi-
para este processo? É preciso um eixo de desen- co e ecumênico.
volvimento que permita atualizar as potencialida- 3) A preservação do meio ambiente não é um
des. O conceito de desenvolvimento é um proces- valor em si, é um processo com determinados fins
so social de crescimento econômico sem fim, ou que significam a busca de respostas visando à sa-
um processo humano que tem o intuito de atingir tisfação das necessidades humanas, não apenas as
determinados fins? Que fins propomos para este necessidades biológicas, mas também as outras, de 95
processo? O homem é um ser natural, isso pode aprimoramento cultural do ser humano. Não se tra-
parecer supérfluo, mas vai nos orientar para uma ta somente de mantê-lo vivo e sim de aprimorá-lo
série de distinções. O desenvolvimento é o que nos do ponto de vista intelectual, espiritual, cultural,
permite tornar atuais as potencialidades do ser emocional. O que diferencia o homem das formigas
humano, não apenas físicas, mas morais, espiri- é o fato de que no formigueiro não vamos encontrar
tuais, culturais etc. O conceito de desenvolvimento violinista, orquestra e estátuas de formigas céle-
deve ser visto com relação aos seus fins, como um bres. Há algumas décadas atrás, difundiu-se a idéia
processo humano, que visa ao homem, ao desen- de investimento de antecipação e se imaginava que,
volvimento do homem. realizados estes investimentos, o resto viria por
2) A sustentabilidade, por sua vez, tem relação acréscimo. Não é assim. O meio ambiente passa a
com a preservação do ambiente natural, de tal ma- ser visto como algo que é fútil, porque não respon-
neira que as gerações futuras possam utilizar a na- de a uma preocupação econômica, a beleza da na-
tureza. Estamos tratando da responsabilidade da tureza é gratuita. Ainda podemos desfrutar do luar
geração atual com gerações que não existem, tra- sem pagar impostos, o meio ambiente tem um valor
ta-se de um compromisso que devemos assumir. O intrínseco superior ao valor de troca.
que quero sublinhar é o fato de que discutir susten- 4) Ao se falar em sustentabilidade econômica,
tabilidade é discutir a sustentabilidade em várias é importante pensar em termos de sociedade sus-
dimensões e aspectos: sustentabilidade ética, esté- tentável, o que significa dar condições para que o
tica e profética, destacando o fato em três dimen- progresso científico e técnico continue. O impor-
sões de natureza prática: o desenvolvimento sus- tante é que isso seja enquadrado dentro de uma
perspectiva que extrapole essa condição. Trata-se, vos, tendo como conseqüência políticas consis-
no caso da Amazônia, de criar as condições e as tentes, definições de rumo no sentido de conduzir
bases para um sistema produtivo com marca pró- a sociedade ou parte dela para determinados re-
pria, que considere a vocação específica da região. sultados, determinadas propostas. É preciso cons-
Não se trata de resgatar o extrativismo, porque o tituir uma agenda. Com ações coordenadas, racio-
extrativismo não tem condições de acompanhar as nalmente organizadas e encadeadas.
escalas de demandas, não é racional nem economi- 7) Decisões políticas estão em falta. Falo de deci-
camente viável. Tampouco algo como a Zona Fran- são política como decisão da pólis, não dos políticos,
ca de Manaus. Trata-se de conferir uma marca re- mas da sociedade em seu conjunto. Enquanto a pró-
gistrada da Amazônia: enfim, consolidar empreen- pria sociedade não assumir essa postura, não será o
dimentos que se imbriquem com outros empreen- governante quem irá resolver os problemas. É preci-
dimentos, que precisem de matérias-primas e in- so definir os fins comuns que estimulam o cresci-
sumos encontrados ali mesmo, e só ali, de forma a mento e o desenvolvimento. O Estado é um meio de
gerar produtos com base em mercados sustentá- regulação. O Estado tem, sim, um papel a desempe-
veis. A proposta de uma organização produtiva in- nhar: o papel de regulação, não necessariamente de
serida no mercado é sustentável, não se pode de- concorrência ao setor produtivo e privado, mas sem
pender de iniciativas aleatórias. a regulação do Estado, muitas coisas não se reali-
5) O aspecto econômico nem sempre está mui- zam, não se produzem. O papel do Estado é o de re-
to presente. Alguns tentam reduzir o meio ambien- gular e viabilizar a agenda.
te sustentável à manutenção da floresta. O econô-
mico é base para qualquer proposta de desenvol-
vimento sustentável, não é o fim em si, mas é algo
96 que não pode ser ignorado. Uma economia susten-
tável é o ponto de partida fundamental. A maioria
dos projetos se esgotavam no âmbito do município.
Claro, podemos pensar que há uma produção exces-
siva, mas não vi nenhuma referência a projetos as-
sociando município e produtores e nem uma refe-
rência clara sobre para qual mercado se direcione
aquela produção. A organização produtiva deve
estar inserida em mercados sustentáveis e há mer-
cado para esse produto. É uma reabilitação da Lei
de Say: a oferta cria sua própria demanda. É o que
vale no caso da Amazônia. Quem conhecia, até pou-
co tempo atrás, o açaí e o cupuaçú? Imaginem a
quantidade de frutas saborosas e cheirosas exis-
tentes na Amazônia. A Amazônia possui sabores
próprios, originais.
6) Como combinar a ação do Estado com a so-
ciedade? Como juntar o micro ao macro? É im-
portamte reconhecer a necessidade de se aplicar
ações integradas, ações coordenadas, articuladas
entre si, com os mesmos fins, os mesmos objeti-
Oficina 2
Experiências
discutidas
DISTRITO FEDERAL

Programa de Verticalização da
Pequena Produção Rural
Expositor: João Luiz Homem de Carvalho

Implementado em 1995 como iniciativa da Secre- forma a contemplar os requisitos de vigilância sanitá-
taria de Agricultura do Distrito Federal, o PROVE – ria, permitindo a construção de agroindústrias em tor-
Programa de Verticalização da Pequena Produção Ru- no de 32 m2; 4) orientação para a instalação das
ral* objetiva manter a produção do campo e diminuir agroindústrias pré-moldadas; 5) treinamento e
o êxodo rural, viabilizando a inserção dos pequenos capacitação dos agricultores; 6) viabilização do acesso
produtores no processo econômico. Dos aproximada- às embalagens, que são compradas e repassadas para
mente 12 mil produtores rurais existentes no Distrito os produtores ao preço de custo; 7) preparação do
Federal, estima-se que 40% estejam situados em uma marketing, com etiquetas personalizadas preparadas por
faixa de renda bastante baixa, constituindo-se no pú- técnicos do programa e adquiridas pelos produtores; 8)
blico-alvo do PROVE. O Distrito Federal, com pouco convênio com empresa para obtenção de código inter-
98 mais de 1,8 milhão de habitantes, enfrenta problemas nacional de barras; 9) comercialização propriamente
sociais resultantes da extrema desigualdade. dita, articulando esforço de inserção dos produtos nas
A concepção e forma de operação do PROVE está grandes redes distribuidoras; 10) rígida fiscalização, de
sustentada nas premissas de que a agroindústria forma a garantir a manutenção das condições de pro-
familiar é tida como uma saída econômica, social e dução e dos padrões de qualidade.
politicamente viável, de que a geração de renda é O Programa já apresentava, no final de 1998, os
possibilitada pela agregação de valor ao produto e, seguintes resultados: criação de 118 agroindústri-
finalmente, de que cabe ao Estado protagonizar as as, com outras 14 em processo de construção, be-
ações de suporte a essa população. neficiando diretamente 178 famílias, abertura de 712
O Programa intervém em várias frentes, de forma a postos de trabalho.
garantir todo o suporte necessário para que seus pro- Além de proporcionar um aumento do nível de ren-
dutos agreguem valor na cadeia produtiva e possam da das famílias selecionadas, o PROVE tem obtido
competir no mercado. A atuação do PROVE divide-se sucesso na inserção social dos excluídos e no resga-
entre as seguintes atividades: 1) estímulo aos peque- te da cidadania. Iniciativas da mesma natureza já
nos produtores, com palestras e visitas a locais em que foram implementadas em mais de 28 municípios bra-
a experiência já está em execução; 2) facilitação do sileiros e em alguns países da África, como Angola e
acesso ao financiamento junto ao Banco de Brasília – Cabo Verde.
BRB (até R$ 5 mil para equipamento individual e R$ 16
mil para equipamento coletivo, com juros de 6% ao ano, * Até 1998, o PROVE era um projeto da Secretaria de Agricultura do
Distrito Federal. Com a mudança de governo, o programa foi extinto
um ano e meio de carência e prazos de quatro a seis pela nova administração, formando-se uma Organização Não-
anos para pagamento); 3) adaptação da legislação de Governamental, denominada APROVE.
Oficina 2
RIO BRANCO, AC

Pólo Agroflorestal
Expositora: Vânia Ribeiro

Capital do Acre, a cidade de Rio Branco concen- trução das moradias, da sede administrativa do pro-
tra mais da metade da população do Estado. Cerca jeto e dos galpões para o beneficiamento e armaze-
de 77% de seus quase 230 mil habitantes são de nagem foi feita em regime de mutirão, sendo que a
origem rural. A cidade viveu nas duas últimas déca- prefeitura forneceu material de construção e pres-
das um acentuado crescimento populacional, resul- tou assistência técnica.
tado do declínio do extrativismo de borracha e da A prefeitura, além de ter se responsabilizado pelo
castanha-do-brasil. Também contribuiu para o au- preparo do solo, distribuiu, para cada família, fer-
mento da população a política de ocupação da Ama- ramentas, sementes, mudas e animais, tendo os
zônia nos anos 70, quando os migrantes eram ins- agricultores se comprometido a devolver o valor
talados sem nenhum apoio, chegando a morrer de desses investimentos em equivalente de produção
doenças como a malária e a febre amarela. O re- no futuro. 99
sultado foi o inchamento de algumas cidades, ocu- As famílias criaram a Associação dos Produ-
padas por uma população cuja experiência de vida tores do Pólo Agroflorestal e algumas tarefas es-
está intimamente ligada à agricultura ou ao traba- tão sendo transferidas para a entidade. A prefei-
lho nos seringais. tura se encarregou de construção de escolas, for-
A Secretaria Municipal de Agricultura e Abas- necimento de água, saneamento, fortalecimento do
tecimento, em ação conjunta com as Secretarias solo, atendimento médico e odontológico, constru-
de Planejamento e do Bem-Estar Social, elaborou o ção de açudes, implantação de um programa de
Programa Pólo Municipal de Produção Agroflores- agricultura orgânica e fornecimento de cursos pro-
tal, que consiste no assentamento de famílias de fissionalizantes. Estes últimos foram oferecidos por
ex-seringueiros e ex-agricultores, na periferia da meio de parcerias com a Empresa de Assistência
cidade, para a plantação de hortaliças, árvores fru- Técnica e Extensão Rural – EMATER, o Serviço Bra-
tíferas e a criação de animais. A implantação de um sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –
sistema agroflorestal possibilita a recuperação de SEBRAE e o Serviço Nacional de Aprendizagem In-
áreas degradadas e a utilização racional de recur- dustrial – SENAI.
sos naturais. No final de 1998, com três Pólos instalados, 133
A Prefeitura comprou uma fazenda, fez levanta- famílias já haviam sido beneficiadas, prevendo-se o
mento topográfico, implantou sistema viário, de ele- assentamento de mais 55 no próximo Pólo. Os cus-
trificação e de telefonia rural e distribuiu lotes (3,5 tos estavam situados, no mesmo período, em torno
a 5 hectares) para as famílias, mediante a assina- de R$ 7,8 mil por família assentada, mais R$ 96 mil
tura do Termo de Concessão de Uso do Solo. A cons- de custeio ao ano.
ACRE E AMAZONAS

Projeto Couro Vegetal da Amazônia


Expositora: Beatriz Saldanha

Diversas áreas do Norte do Brasil se caracte- ao meio ambiente. O ano de 1994 marca a criação
rizam pelo desmatamento crescente, concentração da Couro Vegetal da Amazônia S/A, a partir de um
de propriedade e conflitos pela posse da terra. A crédito cedido pelo Banco Nacional de Desen-
atividade mais comum na zona rural é a extração volvimento Econômico e Social – BNDES e da
da borracha. Porém, os seringueiros são obrigados formalização da parceria com as associações de
a vender toda a produção para intermediários, a seringueiros. Em 1998, um contrato entre a Couro
preços baixos. Vegetal da Amazônia S/A e a Hermès de Paris –
O Projeto Couro Vegetal da Amazônia, criado em viabilizou mais um ano de investimento em pesqui-
1991, tem como propostas desenvolver, produzir e sa e a compra de couro vegetal para a produção de
comercializar o couro vegetal – tecido emborracha- pastas masculinas e estojos femininos.
do com látex natural extraído da seringueira –, nos Além das instituições já mencionadas, a produ-
estados do Acre e do Amazonas, criando alternati- ção, pesquisa e comercialização do couro vegetal
vas econômicas para os seringueiros. Envolve envolve parcerias diversas, como as que existem
100 aproximadamente 100 famílias de forma direta e com organizações próprias dos povos indígenas
mais 150 de forma indireta, com impacto significa- (ASKARJ - Associação dos Seringueiros Kaxinawá
tivo em três áreas produtivas: Reserva Extrativista do Rio Jordão), associações de seringueiros
do Alto Juruá, Terra Indígena Kaxinawá do Rio Jor- (ASAREAJ - Associação dos Seringueiros e Agricul-
dão e a Floresta Nacional Mapiá-Inauini. Nelas es- tores da Reserva Extrativista do Alto Juruá e APAS
tão localizadas 33 unidades produtivas, nas quais - Associação dos Produtores de Artefatos da Serin-
residem 8 mil famílias. ga) e o Instituto Nawa para o Desenvolvimento do
As pessoas envolvidas recebem treinamento em Extrativismo Sustentável na Amazônia (ONG).
técnicas de produção, capacitação gerencial e ad- A Couro Vegetal da Amazônia S/A garante a
ministrativa, controle de qualidade e manejo flores- compra e paga aos produtores, pelo par de lâminas
tal de produção. A Couro Vegetal da Amazônia S/A de couro vegetal produzido, entre R$ 6,00 e R$ 10,00
leva os insumos (tecido e mistura química) para as (valores do ano 2000).
áreas de produção. A população local é responsá-
vel pela produção das lâminas, pelo gerenciamento
do processo produtivo, por parte do controle de
qualidade e pelo envio do material até Rio Branco,
capital do Acre.
A idéia nasceu pouco antes da ECO 92* , com a
criação da Ecomercado, empresa voltada a
comercialização de produtos cujos processos de
* Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
manufatura e distribuição não fossem agressivos Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992.
Debate

Oficina 2
Debate

Franklin Coelho ] Foi feita alguma pesquisa João Luiz Carvalho ] Quanto aos necessita-
de mercado? dos, é difícil medir. E preciso ir atrás mesmo, visitar
as famílias.
João Luiz Carvalho ] Sim, foi realizada pes- A cooperação e as iniciativas produtivas coleti-
quisa de mercado em todos os aspectos do produ- vizadas surgem a partir do interesse dos participan-
to. Por meio dessa pesquisa de mercado, consta- tes. Não se força nada, inclusive porque a única ini-
tou-se a alta aceitação dos produtos do PROVE. ciativa em que forçamos a barra para o coletivo não
Muitas pessoas já estão pegando, inclusive, carona deu certo.
102 com os produtos do PROVE.
Suely Guimarães ] Qual é o grau de continuida-
Maria do Carmo Brant ] Quais os números de desse programa quando terminar o governo?
de mercado, produção e de empregos gerados?
João Luiz Carvalho ] 50% das agroindústrias
João Luiz Carvalho ] R$ 100 mil por mês estão funcionando plenamente.
para 1000 empregos. São 118 agroindústrias exis-
tentes, 14 em construção, R$ 873 mil financiados, Beatriz Saldanha ] Há algum incentivo
178 famílias beneficiadas, 712 postos de trabalho e fiscal?
mais de 100 novos produtos. Cada empresa gera
seis empregos e custa R$ 700. João Luiz Carvalho ] O Estado nem isto
A comercialização é feita pelo Estado. Quando o facilita para o indivíduo. As agroindústrias estão no
produtor começa a receber, ele compra um carro e Sistema Simples: 1% de ICMS e 3% de impostos
começa a fazer a entrega e vender por conta pró- federais. O CNPq disponibiliza bolsistas para o PRO-
pria. Dentre os produtores, 50% não têm problema VE. O PROVE é mantido por sindicatos da EMBRAPA
em vender por conta própria, 30% estão mais ou e por bolsas do CNPq. De forma alguma poderá subs-
menos e 20% ainda dependem do Estado. tituir o Estado.

Josias Farias Neto ] Como vocês fazem para Jan Bitoun ] Quem foi atrás para buscar o
realmente chegar aos mais necessitados? E quanto público? Os engenheiros agrônomos da Secretaria
ao trabalho coletivo, tem incentivo? ou os funcionários do serviço social?
Oficina 2
Fernanda Costa ] O PROVE vai também atrás APAEB tivesse insumos institucionais, teria menos
de pessoas que já têm alguma atividade econômi- problemas. Quem tem dinheiro são as agências, o
ca, ou há também o treinamento a partir do zero? governo deve criar uma forma de gestão que inclui,
Existem ações de qualificação? Quais são os dados além do econômico, do social e do ambiental, tam-
de sobrevivência das agroindústrias? bém o político. Se o projeto do PROVE fosse gerido
por uma cooperativa, teria mais condições de ma-
João Luiz Carvalho ] Os próprios engenhei- nutenção na mudança de governo.
ros e eu pessoalmente vamos atrás das pessoas.
Mas, é claro que, atualmente, já temos muitos fun- Ismael Ferreira de Oliveira ] Estes 3,5
cionários ligados ao serviço social, gente da ONG hectares do Pólo Agroflorestal são realmente sufi-
FASE, por exemplo. cientes para sustentar a família inteira?
Treinamentos nunca realizamos, mas aprovei-
tamos as atividades existentes: se a pessoa já tra- Jan Bitoun ] As duas experiências desenham
balha com frangos, partimos disto. uma relação cidade-campo. No caso de Brasília, é
A continuidade será difícil, pois os que vão che- uma questão de como os produtores rurais têm aces-
gar são ligados à grande propriedade da terra. A re- so ao escoamento de produção nas cidades. No Acre,
gra é saber se é posseiro, se tem direito de uso. é como encorajar o retorno ao campo e evitar a mi-
gração para a cidade. Os discursos são distintos. Em
Maria do Carmo Brant ] A questão da sele- Brasília, é como fazer para que os produtores rurais
ção do público-alvo: em geral, escolhemos o mais possam invadir as gôndolas, no Acre, como fazer com
pobre entre os pobres. Até que ponto este critério é que eles saiam da cidade. A motivação do Projeto é
o mais adequado? Devemos considerar que, neste barrar a migração para as cidades.
caso, o investimento e o tempo gastos para resul- Outra observação: é perigoso dizermos que o 103
tar em inclusão social é muito maior. Por que não crescimento desordenado gera os problemas so-
misturar os pobres mais pobres com pobres que ciais. É uma inversão, porque na realidade são os
tenham um mínimo de condição? Isso não teria um problemas sociais que geram o crescimento de-
efeito multiplicador mais interessante? sordenado.

Fernanda Costa ] A respeito do Projeto Pólo Vânia Ribeiro ] Quanto ao trabalho com o
Agroflorestal, no Acre, que produtos são produzi- “pobre mais pobre”, foi necessário fazer um tra-
dos? Que tipo de orientação existe? E a questão fun- balho de educação: davam-se animais para criar e
diária? Existe participação do público na definição as famílias comiam. Para isso, ajuda mesclar o “po-
das ações? Quais são as perspectivas de viabili- bre lascado” com o menos pobre.
dade? Os produtores assumem algum custo? A gente sempre escolhe o pobre mais pobre. A
Em Brasília, parece que se quer ensinar o cami- questão da continuidade é preocupante: este Proje-
nho das pedras. No Acre, parece que o tom é mais to foi pego em funcionamento e foi redirecionado.
assistencialista. Na questão da participação, foram realizadas reu-
niões de assentados com a prefeitura para que pu-
Luis de La Mora ] O paradigma da relação desse acontecer um trabalho conjunto, dirigido pe-
entre o Estado e a sociedade é central. Essas expe- las necessidades reais da população dos Pólos.
riências são transetoriais e a relação Estado-socie- A produção dos Pólos é variada: frutas da região,
dade parece híbrida. Devemos caminhar para hortaliças, grãos (arroz, feijão etc.), criação de ani-
programas interinstitucionais. Se a experiência da mais. A área de 3,5 hectares é pequena, mas é o
suficiente para viver e para se ter um pequeno exce- alvo, mas de constituição de interlocutores, se-
dente. Existe o problema do solo da Amazônia, muito não não há cidadania.
pobre. Então, está sendo feito também um trabalho
de recuperação do solo (nutrientes etc.). Mirna Pimentel ] Sinto um certo estranha-
Foi preciso injetar muitos recursos no início, mento com o modelo de Estado que sobrou para a
devido ao grau de miséria existente. Só mais tarde gente. Da redemocratização para cá, perdemos um
é que as famílias conseguem atingir reais condições pouco as pernas. Estamos um pouco atordoados.
de se manter. No Estado brasileiro, tudo ainda está no plano do
Por enquanto, o programa realmente é assisten- provisório. Não existem programas com o nome
cialista, devido à miséria extrema. de Política. Questão de estranhamento institucio-
O programa procura incentivar a atitude empre- nal: ainda não temos intimidade com as institui-
sarial, ou seja, o assentado entende sua proprieda- ções que criamos. Está em discussão um novo for-
de como uma empresa. Há, quanto a isso, um tra- mato de Estado em que as ações não são provisó-
balho com a comunidade para que eles possam, aos rias, continuam vivas mesmo que mudem seus ato-
poucos, assumir sua independência, sem ter que res. De repente, da redemocratização para cá, não
depender do governo para interferir em disputas e sabemos onde somos Estado, onde somos militan-
tomar decisões. tes etc. Além disso, após qualquer ação, os resul-
A continuidade é importante, busca-se reforçar tados sempre aparecem na avaliação como satisfa-
o cooperativismo e o associativismo. O SEBRAE, in- tórios para aqueles que foram objeto da ação, já
clusive, dá apoio, fazendo com que as famílias ve- que anteriormente o que havia era uma não-ação.
jam as propriedades como empresa. Todos aqui construímos de um certo modo essa
institucionalidade e agora está em discussão um
104 João Luiz Carvalho ] Há mesmo uma opção novo formato de Estado que elimine o caráter pro-
pelos mais pobres e o PROVE não abre mão dessa visório de programas e projetos, em busca de uma
posição. Claro que é mais fácil trabalhar com os me- política permanente.
nos pobres, é difícil o trabalho de treinamento e edu-
cação dos mais pobres (e menos educados). A op- Peter Spink ] É importante examinarmos
ção foi pelo mais pobre, porque nossa sociedade quando é que um programa vira política, em que
não é cidadã. A prioridade é o pobre. A questão prá- patamar isso ocorre. Como institucionalizar es-
tica é terrível. A mescla acontece naturalmente, por- sas práticas?
que quando atendo o mais pobre, tem um efeito de-
monstração, indutivo, pois se revela a viabilidade. Eduardo Homem ] Atualmente, só se trata
O sujeito pensa assim: bom, se aquele cara conse- do econômico. A pessoa no supermercado olha só o
guiu, é possível fazer, eu posso conseguir também. Se preço, não pára pra pensar “este produto é do
começarmos a operar para cima, formos atendendo PROVE, ou do Pólo, seria bom comprá-lo”. Em que
os que estão mais para cima na escala social, aí re- medida os dois programas têm uma preocupação
produzimos a exclusão daqueles que estão no ponto com a informação, de forma que seus aspectos so-
mais baixo da pirâmide. ciais e políticos possam ser mostrados para a co-
munidade? Tudo o que é ressaltado é o econômico.
Maria do Carmo Brant ] É fundamental Como desvendar o social dentro do núcleo duro da
que se coloque a questão para a totalidade des- economia? Falta o político, que talvez solidificasse
sas experiências: houve interlocução política para mais a institucionalização desses programas. Como
gerar inclusão social? Não se trata de público- a comunidade se integra?
Oficina 2
Ademar Marques ] Não aparece, nas inicia- Vando Nogueira ] E o mercado potencial?
tivas, uma articulação com outros programas ou com Existe algum estudo técnico sobre o mercado, a via-
ONGs, por exemplo. A impressão que fica é que o bilidade? Existem redes internacionais ambientalis-
governo vai lá, manda, e não procura colaborações. tas: vocês têm contatos?
Sente-se uma fragilidade no aspecto associativo,
especialmente no PROVE. Existe uma desarticula- Beatriz Saldanha ] O empréstimo do BN-
ção entre as diversas ações dos programas em re- DES tinha carência de dois anos, para pagamento
lação a outras iniciativas. em cinco anos. Caso contrário, a firma seria con-
vertida em ações e vendida no mercado. Mas logo
João Luiz Carvalho ] Respondendo à ques- o BNDES percebeu que não ia dar certo, o Projeto
tão do Eduardo Homem sobre a questão social: o tinha um perfil muito diferente dos projetos nor-
PROVE é um programa muito bem visto no DF e malmente negociados. O Projeto conseguiu, então,
existe muito envolvimento social (sai no jornal, tem renegociar o prazo de pagamento para 10 anos,
grande visibilidade etc.). O consumidor sabe quan- com três anos de carência e juros de 1o ao ano.
do está comprando um produto do PROVE. Tam- Alongamos a dívida em condições bem melhores e
bém muita gente “pega carona” no programa, ven- ainda dá para melhorar mais. Depois de um ano e
dendo produtos artesanais ou de pequenas agro- meio assinamos contrato.
indústrias independentes do PROVE nos “Quios- Hoje temos mais capacidade de produção do que
ques do Produtor”, que o programa montou em mercado. O mercado ainda se encontra latente. Exis-
supermercados. Existe a necessidade de se implan- tem redes ecológicas e devemos retomar as ativi-
tar ONG, também se necessita que haja o engaja- dades de comercialização da empresa de forma mais
mento político e a transformação de programas em ampla. A participação das associações ocorreu a par-
políticas. A questão social foi pensada e o PROVE tir de nosso convite a uma sociedade. As associa- 105
é, de certa forma, charmoso, por isso existe o en- ções não quiseram porque assumiriam os riscos.
volvimento da sociedade. O ganho social tem que No final deste mês de dezembro, ocorrerá o primei-
ser pensado a partir da necessidade de implanta- ro encontro de produtores, quando serão revistos
ção de políticas no curto prazo. os contratos.
As patentes existem: são as do aprimoramento
Ismael Ferreira de Oliveira ] O apoio foi de simplificação da vulcanização. As associações
a fundo perdido ou foi empréstimo? Qual a por- também são proprietárias da patente.
centagem de participação das associações? Tudo Está surgindo uma nova parceria com uma coo-
o que essas 100 famílias envolvidas produzem é perativa de Franca (São Paulo) e há a possibilidade
vendido? Poderia ser aumentado o número de fa- de, no futuro, a manufatura do couro vegetal ser
mílias? Todo produto que sai para o exterior vai feita lá. Por enquanto, a parte de costura etc., é
com anti-derrapante? feita no Rio. Eu mesmo faço o design da peça e de-
pois contrato uma firma de costura para a fabrica-
Eduardo Homem ] A tecnologia é registrada ção das peças, que são comercializadas sob o nome
no Instituto Nacional de Propriedade Industrial de “TreeTap”). A saúde da empresa ficou melhor
(INPI)? Tem planos de outras formas de aplicação após a renegociação junto ao BNDES. As safras es-
da tecnologia? tão sendo financiadas pelo Programa de Apoio ao
Desenvolvimento do Extrativismo (PRODEX), porém
Maria do Carmo Brant ] Como vai a saúde a FUNAI não assina a carta de anuência necessária
da empresa? para a produção.
Existem pesquisas de mercado, que é promis- Foi o que nos aconteceu quando buscamos financia-
sor. Outra parceria foi com a Conservation Interna- mento do BNDES. Mas num projeto de cunho social
tional, que mostrou como é promissor o mercado assim, acho que o governo precisava bancar alguma
para esses produtos. coisa, dar algum incentivo fiscal. Concordo com as
regras do jogo, provando que fazer negócio ambien-
Vânia Ribeiro ] E a possibilidade de instalar tal e social é legal, só que no final não dá certo. O
uma fábrica de manufatura no Acre? Assim o traba- que nós procuramos fazer é passar para o Estado as
lho social do Projeto ficaria mais completo, pois os suas responsabilidades.
recursos do produto reverteriam para a economia
da região. Maria do Carmo Brant ] A questão aqui é
que nós estamos discutindo micro empreendimen-
Beatriz Saldanha ] Seria muito difícil, a não ser tos, devemos pensar a taxação possível para esse
que já existisse uma associação de costureiras ou uma tipo de empreendimento.
indústria no Acre para quem pudéssemos passar o tra-
balho. O Projeto já está “enforcado” no aspecto social! Pedro Jacobi ] Quanto aos objetivos do Pro-
Além disso, é mais prático para a gente que as peças jeto, acredito ser completamente normal haver um
sejam feitas perto do consumidor, facilita cumprir da- diferencial, e qual é o problema disto ser feito com
tas de entrega de pedidos. Afinal, é um trabalho com dinheiro público?
um aspecto social, mas que precisa ser comercialmente
viável para se manter. O posicionamento no Rio é es- Mirna Pimentel ] Queremos um Estado eficiente.
tratégico, devido à proximidade do mercado. Mas se Por trás da isenção tem alguém que banca.
chegar uma empresa de costureiras, estou aberta a
conversar. Já estamos começando a ter problemas Marilena Jamur ] Endosso a posição do Pedro
106 com a receita estadual no Acre. O produto não vai mais Jacobi: estamos pagando um adicional sobre o preço
sair como artesanal, portanto serão cobrados impos- do álcool (combustível) para sustentar o setor, por que
tos. Problema do incentivo fiscal: deveriam existir mais não pagar um adicional sobre o preço da borracha, por
incentivos para produções desse tipo e não ameaça exemplo, para ajudar um projeto como este? A questão
de taxação. Por que seringueiros não podem ter isen- de fundo é: como distribuir melhor as provisões? A ques-
ção de impostos, se petróleo tem, alumínio tem, in- tão é o modelo de financiamento do Estado.
dústria automobilística tem etc.?
Beatriz Saldanha ] Tem que regar, mimar um
Mirna Pimentel ] É claro que não concordo que pouco a muda se não ela não vinga. Depois, tudo bem.
uma empresa dessa natureza seja taxada como as Mas no início tem que regar! Temos que criar um am-
demais empresas, mas ela deve ser taxada. A institu- biente favorável para que essas iniciativas floresçam.
cionalidade da legislação ambiental é bastante discu-
tível, mas deixa de dar uma contribuição maior que é Peter Spink ] Parte do papel do Estado é
ir lá e pagar o preço da institucionalidade. É duro não intervir economicamente. Não estamos questionan-
ter incentivo fiscal para um projeto como este mas, do a noção de tutela ou linha de ação para sempre,
por outro lado, tem que se pagar o preço da institucio- mas sim da lógica da incubadora. De um lado, ve-
nalidade. O Estado não tem mais esse dinheiro, nem mos programas bem trabalhados com dificuldade
esse dever de bancar os incentivos. de dar partida no associativismo e estamos ven-
do, no associativismo, a dificuldade de se chegar
Beatriz Saldanha ] É jogar as regras do jogo. ao Estado.
Oficina 2
Comentários
Finais

Paulo Henrique Martins ] Queria rapida- A universidade está condenada. Assim, até que ponto
mente fazer um comentário sobre as exposições da a universidade pode estar mais diretamente envol-
Beatriz Saldanha e do Armando Mendes. O merca- vida com o processo de capacitação? 107
do é o lugar do ganho, mas também da inventivida-
de. Isso permite repensar o mercado como exercí- Armando Mendes ] Quanto ao profético de
cio prático de emancipar novas situações de cida- que falei, é profético em um sentido muito específi-
dania. Na verdade, as fronteiras são muito mais co. Profeta é quem anuncia o futuro em nome de
fluidas. Portanto, deixando de lado uma visão mani- algo. Que conduz, que educa. Que leva e que sinali-
queísta sobre o mercado, começamos a avançar muito za. O profético são as pessoas, os grupos sociais
mais sobre novas políticas e novas estratégias. Em que representam um grupo maior, que são capazes
princípio, eu achei que a temática aqui trabalhada foi de conduzir este grupo, falar por ele.
extremamente interessante e também muito ampla. O ético está fora de discussão, sobretudo quan-
Esta amplitude foi observada, as experiências são in- do se trata de choque de interesses econômicos.
teressantes, mas enfatizam muito a produção. Acre- O estético, que é o belo, o bem, o justo, que define
dito que um dos elementos fundamentais é a ques- o universo do homem, se o desprezarmos sere-
tão da capacitação. mos formiguinhas e os píncaros da cultura, da ci-
Assim, pergunto: qual a inserção dos univer- vilização seriam atingidos. O ser humano é o único
sitários em relação ao trabalho de capacitação e que tem consciência e que tem consciência de que
assessoria? Pode a universidade ter alguma impor- tem consciência.
tância direta na capacitação, por intermédio de pro- Existem três diretrizes a considerar: reorien-
fessores-assessores? A academia é imutável, está tação do crescimento econômico, integração inter-
bloqueada no passado! No meu caso, por exemplo, na e externa, e valorização do elemento humano.
presto um serviço de assessoria fora da academia. Em termos de agenda, Amazônia 21 não é ainda
uma agenda, mas estabelece as bases para que de- pre enquadrar as coisas dentro de conceitos puros, e
pois se elabore uma verdadeira agenda 21 para a na verdade existe uma circulação. Tradicionalmente,
Amazônia. O que acontece com a Amazônia é que é vamos colocar os atores civis e os públicos, há tam-
a única região que possui um Ministério, que res- bém uma circulação quando pensamos em associa-
ponde a uma preocupação do governo em estabele- ção, em ONG, em confecção de projetos.
cer rumos, políticas para a região. A Amazônia é
definida por lei para efeitos de planejamento e pro- Maria do Carmo Brant ] As tarefas estão
moção de ações de desenvolvimento da região. meio deslocadas, meio confusas. Projetos do gover-
no ou da iniciativa privada estão atuando como
Marilena Jamur ] Gostaria de colocar quatro ONGs. As ações estão híbridas e o que vimos aqui
pontos em discussão: foi o Estado e a iniciativa privada se apresentando
1) Relação de compatibilidade ou de oposição como híbridos.
entre experiências macro e micro. Em que medida
existe esta compatibilidade ou esta oposição? Tam- Jan Bitoun ] Os atores precisam de um movi-
bém tem que ser assinalada a falta de políticas na- mento, de uma circulação, para que as ações não
cionais que possam respaldar as políticas micro. fiquem estagnadas, estáveis, num sentido negativo.
2) Questão da igualdade e da desigualdade que Os projetos se movem, são movimentos de recuo e
existe na pobreza, mas transborda para outras es- de avanço, a circulação tem que ser resgatada, ao
feras e existe hoje em todos os setores. Em que invés de uma posição estagnada.
medida a discriminação positiva e seletiva é válida
e deve ser estimulada? Carlos Osório ] Uma coisa é circular: o con-
3) Como dimensionar o resultado desses proje- ceito de híbrido parece muito forte!
108
tos para ter uma visão mais completa dos impac-
tos? Em que medida esses resultados econômicos Peter Spink ] Até que ponto, nessas situa-
têm gerado renda para a população, podendo ser ções, se começa a ver mais claramente esse deslo-
um estímulo para o desenvolvimento da cidadania? camento, esse ator híbrido?
4) Qual a potencialidade e a perspectiva de con-
tinuidade dos projetos? Que medidas existem para Beatriz Saldanha ] Estamos vendo um início
generalizar e multiplicar as experiências? Dar visi- de coisas novas e como todo início, é caótico devido
bilidade basta, ou estamos condenados a esbarrar a essa multiplicidade de funções e papéis. Daí a vi-
sempre na burocracia política? são do híbrido, essa circulação e essas fusões, fa-
zem parte de uma situação um pouco caótica, de
Carlos Osório ] Seria interessante mudar o múltiplas funções e atividades.
conceito do ator, apresentando o conceito do ator
híbrido. Questiono essa idéia do híbrido, como está Pedro Jacobi ] Não podemos querer explicar
sendo colocada aqui. tudo, ao invés de procurar definir um fator unifica-
dor. É importante que encontremos algum denomi-
Jan Bitoun>>> Quando pensamos em asso- nador comum, alguns vetores estratégicos, para que
ciações ou em certas ONGs, temos a ação de diver- possamos sair daqui pensando no que podemos fa-
sos atores que estão circulando entre as diversas zer com aquilo que ouvimos. Estou um pouco preocu-
esferas. Por que não partirmos dos híbridos, ao in- pado com a lista que o Franklin Coelho apresentou,
vés de partirmos de modelos puros? Queremos sem- porque aí novamente caímos em um território em que
Oficina 2
queremos explicar tudo, não fazemos escolhas. Acho volve a gestão democrática é a transparência de
que um grande desafio é fazer estas escolhas como informações. Quanto a ser projeto de inclusão ou
um momento pedagógico: o que de fato importa? Que de combate à pobreza etc., acredito que o impor-
resultados mensuráveis de cada trabalho, de cada tante é ser projeto de melhoria de vida para a popu-
caso analisado, podemos extrair? É importante en- lação e ponto final! O resto não interessa. É preciso
contrar algum denominador comum e reduzir nossa acordar a população para o exercício da cidadania,
ansiedade de querer explicar tudo. Cada vez mais me para que deixem de ver aquele local onde vivem
convenço sobre o que significa o alcance de práticas apenas como município, moradia, e assumam intei-
que geram renda, têm um processo pedagógico e me- ramente o papel de cidadãos, vendo o local como
lhoram a qualidade de vida das pessoas. Neste senti- arena para demandas e reivindicações.
do, vou retomar a questão de multiplicadores e ge-
neralizadores, de forma que nossas convicções pos- Luis de La Mora ] O que faz diferenciar as
sam ser multiplicadas e generalizadas. estratégias é a atitude quanto ao trabalho a ser feito.
A experiência de renda mínima, por exemplo, veio Pode-se simplesmente dizer: está ruim, não vai fun-
de uma iniciativa isolada e está procurando se tornar cionar, não tem jeito. Mas, mesmo na pobreza abso-
mais generalizada. Mas tem que mexer no cofre. Se luta, se acreditamos que se pode começar a cami-
essa mexida é irrisória, como vem sendo, é impossí- nhar, então devemos ajudar, seja empresa, ONG ou
vel. Será que as iniciativas são generalizáveis, ou ape- governo. Se não acreditamos que esta população pode
nas possíveis de multiplicação? O que pode re- andar com suas próprias pernas, é melhor pararmos
presentar quando um governo assume um programa de brincar aqui. Não é mais possível ouvir essas coi-
de desenvolvimento sustentável no Amapá, em que sas, de que os pobres estão condenados a permane-
50% da merenda é feita em fornos simples e primiti- cer na pobreza porque não têm condições de cami-
109
vos em lugares que ficam a 200, 300 km? Nem tudo nhar com suas próprias pernas. O mais importante é
deve ser pensado pela lógica do FMI e do Banco Mun- a vontade coletiva de ver como se vai fazer. Somos
dial: a sustentabilidade deve ser pensada em termos nós que temos que nos educar!
sociais, econômicos e ambientais.
Josias Farias Neto ] A impressão é de que
Maria do Carmo Brant ] Parece que nestas estes dois dias nos deram a oportunidade de refle-
duas primeiras oficinas privilegiamos muito as es- tir sobre a nossa prática. As discussões buscaram
tratégias inovadoras. E quanto às estratégias que vários pontos em comum. O caso da APAEB mos-
trabalham com educação etc., que podem ter pro- trou a viabilidade de se empreender uma ação eco-
cessos inovadores embora não sejam projetos ino- nômica associativista e comunitária. O PROVE, em
vadores em si? Brasília, foi mais individual, mas com o ponto forte
Quanto à questão da gestão centralizada e da ges- no aspecto econômico. Quanto ao BNB/PNUD, a vi-
tão participativa, o que envolvem? Estamos deixando são do âmbito municipal é positiva, bem como a
de ser defensivos e reativos e estamos começando a questão da capacitação. É preciso expandir estas
nos tornar pró-ativos. Isso é muito bom! experiências. No Acre, o trabalho que vem sendo
desenvolvido por meio do Projeto Pólo Agroflores-
Ismael Ferreira de Oliveira ] A gestão tal, é necessário, apesar do perfil assistencialista.
partilhada entre as três esferas de governo está ba- O PROVE mostrou como é possível, mesmo dentro
seada em princípios de complementaridade de que da pequena produção, se inserir no mercado da glo-
tanto falamos, mas que não priorizamos. O que en- balização, porém existe a preocupação com o per-
sonalismo. Em relação ao Ceará, ao Projeto São questão da renda é mesmo fundamental. A questão
José, saio com a convicção de que mesmo com os econômica é mesmo a principal, outros tipos de evolu-
limites da abrangência, com o esforço da participa- ção e melhoria partem da melhoria econômica. Temos
ção, existe a necessidade de integrar essas ações. mesmo que ter um foco econômico!
Para o próximo encontro, a oficina de São Paulo,
deveriam ser aprofundados determinados temas, Beatriz Saldanha ] Em relação aos cami-
como a capacitação, questões do tipo “como de- nhos para a redução da pobreza e a construção da
senvolver”? A participação é consensual, mas em cidadania, acho que tem que partir de uma mistura.
110 que termos? Como chegar a abranger o processo Falamos do híbrido e eu falei do caos. Aqui estamos
decisório? A multiplicação, difundir como? Como dar misturando o poder público com o privado e com a
maior visibilidade? Como promover na prática a academia. Esta mistura é muito rica, mesmo se é
complementaridade, se as administrações são tão um pouco caótica!
estanques e departamentalizadas? Agora, há a ne-
cessidade de integrar essas ações sobre as quais Carlos Osório ] Eu vivenciei, durante estes
ouvimos. O dimensionamento de resultados é difí- dois dias de seminário, vários momentos interessan-
cil, na realidade não existe. Temos que ter indica- tes. Todas as experiências podem agregar muitas coi-
dores e avaliações sucessivas. Para corrigir os ru- sas para a atuação do Programa das Nações Unidas
mos, isso deve ser aprofundado. Quais os indicado- para o Desenvolvimento (PNUD). Um momento inte-
res a usar na prática, no dia-a-dia, para ajudar as ressante foi quando o professor Armando Mendes
experiências a irem para frente? A criatividade para explicou que não devemos perder a perspectiva da
entrar no mercado é fundamental para inserir a pe- história e isso me obrigou a pensar a esfera social,
quena produção, com eficiência e participação do ambiental e econômica, enfim, uma sustentabilidade
pequeno proprietário. Como flexibilizar o modelo de ecumênica. O interessante é examinar todo o aspec-
Estado? Como podemos fazer para promover na prá- to positivo das experiências. Também é importante
tica a complementaridade? mergulhar mais no papel do Estado. Dá a impressão
de que ninguém quer tocar no assunto. Foi colocado
Vânia Ribeiro ] Quanto a este dimensionamen- aqui uma visão de um Estado fraco, e o surgimento
to, podemos ver resultados palpáveis, reais. E a vida do ator híbrido, mas discordo deste conceito do hí-
dessas pessoas está melhor do que antes. Então, essa brido, acho que o Estado tem o seu papel.
Oficina 2
Identificação das idéias-força
Comentador: Jan Bitoun

Duas perguntas interessantes foram feitas aqui ra da decisão para ela ser desconcentrada. Outro
nessa oficina: 1) como multiplicar estes projetos? ponto é a questão da intersetorialidade, que está
2) como generalizar os projetos? A primeira é como ligada à capacitação. Há uma questão fundamental
fazer nascer em outros lugares. A segunda é como que é a famosa capacitação, não a capacitação pro-
o projeto pode se tornar uma política mais univer- fissional técnica, que é importante, mas a capacita-
sal. Acho importante estabelecermos esta diferen- ção como processo cultural do público-alvo e dos
ciação, são coisas bem diferentes. Há uma diferen- atores que estão nisso. O que está em jogo é como
ça de escala, bastante significativa. capacitar a parceria e isto implica em ser parte de
Uma outra questão fundamental é a capacita- um contrato, negociar dos dois lados, o lado que se 111
ção: como multiplicar um processo de capacitação? acostumou a comandar e o lado que não se consi-
O que está em jogo nesta capacitação é a parce- dera. Para poder firmar um contrato, devem existir
ria, como capacitar uma parceria? Não é fácil ne- duas personalidades bem claras. A questão da ca-
gociar contratos. pacidade de expressão de cultura: isto remete à ca-
Como multiplicar: tem que ter uma intenção bem tegoria de lugar. O territorial implica ser um lugar
firme, pois não basta só reduzir a pobreza, mas tam- interessante: “sou da Amazônia com muita honra!”
bém reduzir a desigualdade. Alguns dos projetos aqui Sem essa atitude, não se capacita para uma parce-
apresentados visam a inclusão, isto é, fazer com ria e aí é importante para multiplicar tudo isso! Eu
que algumas pessoas que não conseguem nem ba- fico extremamente chateado pela forma como no
ter na porta passem a abrir, mas daí eu pergunto: Nordeste nós nos apresentamos... Sempre há uma
como vão abrir esta porta, parados? tendência a se diminuir, a se desvalorizar... Outro
Categoria do lugar: questão do territorial, mas ponto da capacitação é a questão da intersetoriali-
ligado à identidade local. Sem essa atitude, fica di- dade, que remete à formação e eu acho que quem
fícil se capacitar para uma parceria. forma tem muita culpa (a universidade etc.). Nossa
Tornar essas atividades concorrenciais é tam- incapacidade de lidar com a intersetorialidade é uma
bém um ponto importante a ser considerado e, para questão que se coloca nas universidades.
isso, foi muito boa a colocação de João Luiz Carva- Como generalizar? Eu diria que se a gente clas-
lho, do PROVE, de dar vantagem senão eles vão se sificar a situação das políticas, hoje em dia, exis-
perder e bater na porta para ser incluídos, para ter tem políticas que não estão formuladas. Políticas
acesso à decisão, no campo político, acesso à esfe- de habitação, por exemplo, acabam perdendo le-
112

gitimidade e o PREZEIS (Plano de Regularização Outra situação ocorre quando você tem uma po-
das Zonas Especiais de Interesse Social) acaba lítica formulada e programas locais se enquadram
sendo apresentado como uma política habitacional dentro de uma política nacional que oferece um car-
que perde a legitimidade porque não é, na verda- dápio, cabendo aos atores locais definirem contra-
de, uma política habitacional. Todos esses proje- tualmente quais são as ações que vão realizar. Até
tos que foram apresentados nesta oficina de Reci- que ponto o local poderá realizar essas escolhas?
fe não tem nenhum respaldo, nenhuma referência Aqui no NE se tem a sensação de que não há mais
numa política. Servem às vezes de substitutos ou políticas setoriais. Elas estão mal formuladas e po-
de falsos substitutos de uma política. Precisamos demos ter uma política territorial se estas mesmas
classificar, pois tem projetos que não têm respal- políticas estiverem em via de formulação com agre-
do em nenhuma política, então substituem estas gação de diversas políticas locais.
políticas. Também há projetos que se encaixam em
políticas existentes, então cabe aos atores locais
decidir quais as ações que serão realizadas. Há
projetos apoiados em uma política existente. Há
uma agregação de projetos a políticas locais?
Oficina 3
Geração de emprego e renda
SÃO PAULO • MARÇO, 1999
Participantes

Antônio Ibañez Ruiz (Bolsa-Escola/DF) • Betânia Ávila (SOS-CORPO/


PE) • Brian Wampler (Universidade do Texas) • Caio Silveira
(NAPP/RJ) • Celso Mendes (Web-Brazil Internet Design/SP) • Cunca
Bocayuva (FASE-Nacional/RJ) • Elizabeth Leeds (Fundação Ford) •
Franklin Coelho (UFF - Secretaria Estadual de Planejamento/RJ) •
Grazia de Grazia (FASE-Nacional/RJ) • Iracema Barbosa (Cooperativa
de Costureiras do Jardim Horizonte Azul/SP) • Iraci Reis (PUC/SP) •
Jan Bitoun (Observatório Recife - UFPE) • Joana Coutinho (Projeto
Cidadania e Ação Comunitária - CENPEC/SP) • José Carlos Vaz
(POLIS/SP) • Ladislau Dowbor (PUC/SP) • Lílian Martins (Universida-
de Metodista de Piracicaba/SP) • Marcos Formiga (UNB/FINEP) •
Marcus Melo (UFPE) • Maria do Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP)
• Maria do Carmo Meirelles (CEPAM - Fundação Prefeito Faria Lima/
SP) • Maria Magdalena Alves (Ação da Cidadania/SP) • Mariangela
Belfiore Wanderley (IEE-PUC/SP) • Marilena Jamur (PUC/RJ) • Marta
Ferreira Santos Farah (FGV/SP) • Mauro Martins da Silva (Cooperati-
va Mista de Birigüi/SP) • Mirna Pimentel (UFPE) • Nádia Somekh
(Prefeitura de Santo André/FAU - Mackenzie/SP) • Nilson Costa
(UFF/FIOCRUZ) • Osmil Galindo (Fundação Joaquim Nabuco/PE) •
Paul Singer (USP) • Pedro Jacobi (USP) • Ricardo Beltrão (FGV/SP)
• Roseni Reigota (CENPEC/SP) • Silvio Caccia Bava (POLIS/SP) •
Sônia Café (Secret. Mun. do Trabalho/Prefeitura do Rio de Janeiro) •
Tânia Zapata (BN/PNUD) • Valdi Dantas (Sistema Ceape)
Oficina 3
Geração de emprego e renda
Abertura

Peter Spink
No aumento da pobreza e da desigualdade há mente gerados e disponíveis. Nossa visão é a de
uma tendência ao surgimento de visões polariza- que há necessidade de juntar pessoas com inser-
das entre os planos micro e macro. Mas é recente- ções diferentes, que enxergam o fenômeno sob
mente que começa a se configurar de forma mais ângulos diferentes, cada uma usando sua lingua-
clara a noção de que há ações locais, ou de médio gem, para que se reflita sobre estas questões. To-
alcance, com amplas possibilidades de resultados dos têm direito de falar em sua própria linguagem
e impactos. (acadêmicos, militantes, técnicos e gestores). Pro-
De uma forma geral, praticamente desde os anos cura-se abordar a pobreza a partir de eixos dife-
50 as ciências sociais vêm discutindo os grandes rentes, buscando delinear melhores contornos ao
115
temas nesse campo, operando mais ou menos com tema e às ações possíveis.
as mesmas categorias e ferramentas analíticas. Neste processo de pesquisa-ação, a abordagem
Relendo outro dia um estudioso e militante de en- reúne pessoas diferentes, com experiências dife-
tão, o Saul Alinsky, recordei que ele já dizia mais ou rentes, que olham o tema sob ângulos também di-
menos o seguinte: “(…) se perguntarmos a qual- ferentes. Depois das oficinas do Rio de Janeiro e
quer um se um cidadão negro, morador do de Recife, chegou a vez de discutir geração de em-
Mississipi, que tenha casa própria com razoáveis prego e renda aqui em São Paulo. Esta ordem foi
condições de habitabilidade, um emprego relativa- proposital. Queríamos deixar claro que, embora tão
mente estável, e seja possuidor de um carro, é po- importante, a questão do enfrentamento da pobre-
bre, certamente a grande maioria das pessoas res- za não pode ser resumida na ótica do emprego e
ponderá que não. Mas, considerando a forma como renda. Sabe-se que a pobreza é muito mais ampla,
estão dadas as relações sociais e o brutal isolamento muito mais complexa do que isso.
e desigualdade no acesso aos bens públicos a que É de fundamental importância buscar abrir os sig-
as populações negras são submetidas naquela so- nificados, “desempacotando” a palavra pobreza para
ciedade, nossa resposta a esta questão deveria ser olhá-la sob a temática da cidadania. É importante con-
sim.” (Alinsky, 1965). ceber pobreza em termos de cidadania, incluindo as
A pobreza não se resume à renda monetária e problemáticas de desigualdade e de exclusão social
ao que pode ser adquirido com ela no mercado, não apenas em termos de renda monetária, mas de
mas envolve necessariamente as dimensões polí- acesso a serviços e políticas públicas e aos centros
ticas e de acesso aos benefícios sociais coletiva- decisórios do processo político.
Resultados da oficina do Recife:
questões levantadas e indicação de
elementos de análise
Relator: Jan Bitoun

A questão do relacionamento entre o ambiente impérios da Superintendência para o Desenvolvimen-


macroeconômico e as situações concretas em aná- to da Amazônia (SUDAM), da Superintendência para
lise remete-nos a uma questão mais geral. Ao dizer o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Su-
isso, tomo por base um livro lançado em 1998, inti- perintendência para o Desenvolvimento da Pesca (SU-
tulado “L’Insoutenable Misère du Monde”, que re- DEPE). A proposta dessas entidades era reduzir as
úne textos de sociólogos e economistas e que foi desigualdades de desenvolvimento por meio de polí-
organizado por Richard Poulin e Pierre Salama, no ticas macroeconômicas. A maioria era de projetos
qual se apontam as causas globais para o aumento em zonas rurais de pequenos municípios.
da pobreza. Há mais ou menos 50 anos, desde o fim A zona rural do Nordeste e do Norte são os maio-
da II Grande Guerra, os fatores que mais pesam no res bolsões da pobreza. Partindo da noção de pobre-
aumento ou na diminuição da pobreza permanecem za estrutural, nessas regiões a falta de infra-estru-
praticamente os mesmos, em termos gerais, a sa- tura é marcante. São regiões onde as carências
ber: 1) a inflação, elevada ou reduzida; 2) o cresci- físicas (água etc.) são muito fortes. A pobreza da
116
mento econômico, presente ou ausente; 3) a inexis- população é ligada à da região. Mas os pobres em
tência ou a eficácia de políticas redistributivas de muitas dessas regiões não são estigmatizados e
renda na direção dos mais desprovidos; 4) a redu- considerados indignos, fazem parte de um conjun-
ção ou o aumento das despesas em saúde e educa- to e não são excluídos do âmbito das relações so-
ção, especialmente no ensino básico; 5) a desa- ciais, ao contrário do que acontece nas grandes
gregação dos laços comunitários ou, ao contrário, cidades. Neste sentido, chama a atenção o fato de
ações que consolidem esses laços. que, olhando-se de uma perspectiva socioespacial
Embora os números indiquem redução no núme- ou regional, o problema da pobreza assume carac-
ro de pobres nos últimos 20 anos, após o final do que terísticas diferenciadas, bastante específicas mes-
os franceses costumam chamar de período de 30 anos mo, conforme o caso.
de ouro, as desigualdades vêm aumentando, e não Nas áreas rurais dessas regiões, onde a maior
apenas no Brasil, mas como tendência geral, em qua- parte dos municípios são pequenos, o processo
se todos os países, e de forma contínua a partir do de esgarçamento das relações sociais e comu-
final dos anos 70. Não parece que os projetos anali- nitárias não se verifica. Os pobres ali não estão
sados durante a oficina de Recife estejam combaten- isolados, excluídos de relações societárias. No seu
do a pobreza, mas sim apenas regulando a pobreza e ambiente, onde todos ou quase todos são muito
gerindo as desigualdades. pobres, eles não estão isolados. Do ponto de vis-
Os programas e projetos apresentados no Recife ta sociopolítico, e falando de forma muito rápida,
são localizados basicamente no Norte e Nordeste, o Norte é sinônimo de risco e isolamento, e o Nor-
regiões historicamente ditas periféricas. Eram os deste, de clientelismo.
Oficina 3
Um olhar cruzando a teoria e a
prática: breve descrição das
experiências a serem discutidas
Comentador: Marcus Melo

Apresento algumas questões de ordem geral tingente de empregados em situação de pobreza. 117
relacionadas à temática do encontro, questões so- Assim, a questão central é a geração de renda e de
bre a exclusão, pobreza e desigualdade. Há dois te- acesso a bens públicos.
mas na ordem do dia: emprego e exclusão. Já há O desemprego no Brasil e nos países europeus
algum tempo, na Europa, o tema do desemprego está é enfrentado de formas diferentes. Nos países avan-
na agenda pública. No Brasil, o tema é tardio. O çados, foram basicamente três as formas tradicio-
debate aqui é mais recente, porque as políticas nais de combate ao desemprego. A primeira, inserida
macroeconômicas de estabilização monetária, do no campo das políticas macroeconômicas da era
tipo Plano Real, apenas em anos mais recentes apre- keynesiana, foi a de “pleno emprego”. É coisa do
sentaram resultados entre nós. No contexto brasi- passado, da era dourada do capitalismo. Uma se-
leiro existem grandes diferenças: o emprego no gunda forma de enfrentamento do desemprego são
Brasil não garante bem-estar e inclusão, como na as políticas setoriais (educação, saúde etc.). Em ter-
Europa, por exemplo. Por outro lado, grande parte ceiro lugar, as políticas ativas de mercado de tra-
dos desempregados não são necessariamente po- balho, voltadas a ajustar oferta e demanda de tra-
bres, ainda que não tenham proteção dos direitos balho (por exemplo, requalificação de empregados
trabalhistas. A pobreza no Brasil parece estar mais que perdem seus empregos em indústrias que se
ligada à insuficiência de renda e de acesso a servi- tornam obsoletas). Políticas ativas de mercado de
ços, e menos a ter ou não um emprego. Trata-se de trabalho: qualificação e requalificação, muito pre-
melhorar a renda, monetária ou não. No caso euro- sentes na Alemanha, por exemplo. No caso brasilei-
peu, estar desempregado é estar pobre. No Brasil, ro, a primeira forma jamais chegou a ser posta em
o emprego não garante inclusão. Há um grande con- prática. No quadro brasileiro, há um desemprego
estrutural massivo. As duas outras formas (políti- cooperação? Ou seja, a questão da governança, nes-
cas setoriais e políticas ativas de mercado de tra- ses projetos, merece reflexão. Uma quinta forma é
balho) são ainda muito incipientes. a chamada “renda mínima”, que anula a relação
A quarta forma de combate ao desemprego as- entre renda e trabalho, em muitos casos sob a con-
sume a característica de apoio a pequenas empre- dição da requalificação profissional. Uma das res-
sas, articuladas em rede e voltadas a nichos de postas construídas pelos países europeus é a de
mercado. No caso brasileiro, há uma clara relação renda mínima. O indivíduo tem o direito a uma ren-
de continuidade entre a última forma de combate da mínima com sua condição de cidadão. Na Fran-
ao desemprego e as experiências da FENAPE (Fe- ça, por exemplo, esta renda mínima está condicio-
deração Nacional de Apoio aos Pequenos Empreen- nada à participação em programas de capacitação.
dimentos), da COMPAB (Cooperativa Mista de Pro- No Brasil, a renda mínima foi associada à educação
dução Alternativa de Birigüi), da COOPEC (Coopera- fundamental, tornando-se um programa exitoso, já
tiva de Costureiras do Jardim Ângela) e do PRONAF adotado por mais de cem municípios, e o Programa
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricul- Bolsa-Escola é o exemplo que analisaremos aqui.
tura Familiar), este último em larga escala, nacio- Cabe ressaltar novamente que, de qualquer forma,
nal, e que vem sendo apontado como a mais exitosa nossa problemática tem contornos muito específi-
experiência por parte dos avaliadores, dentro do cos, pois o emprego não garante inclusão social,
conjunto de políticas do “Brasil em Ação”. A mi- não é garantia de bem-estar.
crorregião do ABC paulista é a única que apresenta
problemas semelhantes aos dos países de capita-
lismo avançado. O tema central é: como coordenar
os atores de forma virtuosa, de modo a produzir

118
Debate

Oficina 3
Debate

120

Marcos Formiga: Chamo a atenção sobre a ta-se da garantia dos direitos. Emprego formal,
necessidade de atribuir maior relevância ao tema com carteira assinada foi, sem dúvida, ao me-
da educação. nos a porta de entrada para uma cidadania rela-
tiva, ainda que não tenha resolvido o problema
Cunca Bocayuva: Embora concordando da pobreza. Direito ao trabalho, direito à renda.
com as afirmações de Marcus Melo no tocante à Será que já podemos questionar a centralidade
renda vis-à-vis ao emprego, senti a ausência do do trabalho?
tema relacionado à garantia dos direitos. Qual a
significação do tema dos direitos? Qual a cen- Ladislau Dowbor: A questão do desempre-
tralidade dos direitos no mundo do trabalho? A go no Brasil é um problema de ordem estrutural
abordagem do direito. Mais do que a forma de da economia, de difícil solução dentro da lógica
gestão, ou da própria natureza das políticas, tra- capitalista.
Oficina 3
Experiências
discutidas
BIRIGÜI, SP

Cooperativa Mista de Produção


Alternativa de Birigüi
Expositor: Mauro Martins da Silva

O setor calçadista é um dos mais importantes na mútuo. Além disso, tornou-se um modo alternativo
economia de Birigüi, município do interior paulista, para a divisão de tarefas. Cada grupo funciona como
com aproximadamente 85 mil habitantes. A liberali- empresa independente, atribuindo-se à COMPABI
zação do comércio internacional iniciada nos anos papéis mais complexos, como o desenvolvimento
90 e a sobrevalorização da moeda nacional a partir de novos produtos, a compra de matéria-prima a
do Plano Real resultou em quebra de empresas, au- preços vantajosos e a organização de cursos de for-
mento do desemprego e precarização das condições mação e aperfeiçoamento profissional.
de trabalho na cidade. A Cooperativa Mista de Pro- Nos primeiros anos de existência da COMPABI,
dução Alternativa de Birigüi (COMPABI) foi criada todos os participantes tinham a mesma remu-
em 1997, reunindo pequenas empresas que funcio- neração. Com o tempo, foram introduzidas diferen-
122 nam como associações comunitárias ou cooperativas ciações salariais, para estimular a ascensão pro-
de produção, formadas por trabalhadores com ex- fissional. A remuneração não é elevada, mas supe-
periência no ramo. ra a do setor calçadista na região. A experiência
A primeira destas cooperativas nasceu em 1992, envolve diretamente 160 pessoas e, indiretamente,
reunindo oito pessoas. Este primeiro grupo ampliou- 40 pessoas.
se para 12 componentes e logo surgiram outros gru- A COMPABI é filiada ao sindicato patronal (pro-
pos. A fim de garantir uma administração socia- dutores de calçados) e, ao mesmo tempo, ao sindi-
lizada, sem hierarquia, a incorporação de novos cato dos trabalhadores do setor. Esta dupla inser-
componentes tem resultado na criação de novos ção tem sido um elemento determinante do seu pró-
grupos, uma vez atingido o limite máximo de 15 prio papel. Nem mesmo o apoio dado pela Coopera-
pessoas em cada grupo. A composição de cada novo tiva a uma greve de trabalhadores causou proble-
grupo tem sido marcada também pelo remaneja- mas significativos junto a qualquer dos lados envol-
mento de pessoal, de forma a garantir em cada nova vidos no movimento.
iniciativa a participação de pessoas com experiência. As dificuldades para a colocação dos produtos
O apoio dos grupos já consolidados à criação de ou- no mercado externo e a instabilidade gerada pela
tros tem sido realizado também por intermédio do dependência das exportações apontam para a ne-
empréstimo de recursos financeiros, máquinas, equi- cessidade de ampliar as vendas no mercado inter-
pamentos e espaços. Atualmente, há cinco grupos no. Os maiores obstáculos para se atingir tal objeti-
consolidados e dois em estruturação. vo são a falta de políticas públicas que sirvam de
A cooperativa surgiu da necessidade de formali- suporte a esse tipo de iniciativa e as dificuldades
zar o compartilhamento de experiências e o apoio na obtenção de crédito.
Oficina 3
SÃO PAULO, SP

Projeto Cidadania e Ação Comunitária


Expositoras: Iracema Barboza e Joana Coutinho

Iniciado em 1997, o Projeto Cidadania e Ação mento indutor da experiência, que objetiva, além
Comunitária é a experiência da formação de uma da geração de renda, propiciar às participantes a
cooperativa de costureiras, a COOPEC, que tem vivência grupal e a criação de um espaço para a
como seu principal articulador o Centro de Estudos discussão de suas dificuldades no âmbito familiar,
e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comuni- possibilitando a construção coletiva de um novo
tária (CENPEC), uma organização não-governamen- saber em torno do papel da mulher na sociedade e
tal voltada à melhoria da escola pública no Brasil. A na família. Aí reside um dos aspectos emancipató-
partir desta experiência, o Centro incluiu em seu rios que os primeiros resultados obtidos com esta
universo de atuação a busca de alternativas de in- experiência têm revelado.
clusão social de comunidades em condição de Outra importante parceria, que viabilizou eco-
vulnerabilidade social. nomicamente a estruturação da COOPEC, foi reali- 123
O novo campo de ação encontrou possibilida- zada com a Natura Cosméticos, que financiou a com-
de de se efetivar após o contato com um grupo pra de equipamentos, os primeiros meses de alu-
de mulheres residentes no Jardim Horizonte Azul, guel do espaço para funcionamento, e a assessoria
bairro localizado no distrito do Jardim Ângela, jurídica para a formalização legal da Cooperativa.
zona sul de São Paulo. A região apresenta alar- O apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Co-
mantes índices de violência e indicadores sociais mercial (SENAC) tornou possível a participação das
situados entre os de pior desempenho na cidade. mulheres em cursos profissionalizantes que tal ins-
Parte deste grupo já vinha discutindo, junto à tituição oferece.
Cáritas Diocesana, a idéia de montar uma coope- A COOPEC permite conciliar as atividades pro-
rativa, mas se deparava com falta de recursos fissionais com os afazeres domésticos e os cuida-
financeiros para a iniciativa. dos com os filhos – já que não existem, na região,
Diferentemente da experiência de Birigüi, que equipamentos públicos de educação infantil que
nasce com a auto-organização de trabalhadores permitam liberar a mulher para o trabalho fora de
com experiência profissional em determinado casa. Isso é possibilitado pela jornada de meio pe-
ramo de produção, apenas algumas das 22 mu- ríodo de trabalho ou pela localização da unidade
lheres que fazem parte da COOPEC tinham uma produtiva no próprio bairro.
pequena experiência como costureiras. A maio- Uma das dificuldades testemunhadas pelas
ria nunca havia trabalhado fora do espaço domés- mulheres diz respeito à resistência que os mari-
tico. Neste sentido, o suporte humano e técnico dos oferecem ao engajamento de suas esposas
oferecido pelo CENPEC tem sido o principal ele- na iniciativa.
RN/MA/PE/SE/SP/GO/PB/PA/BA/PI/ES/DF

Sistema CEAPE: Rede de Apoio


aos Pequenos Produtores
Expositor: Valdir Dantas

O Sistema de Centros de Apoio a Pequenos Em- esta experiência é de grande importância pois ofe-
preendedores (CEAPE) nasceu a partir de uma expe- rece crédito a uma parcela da população que en-
riência pioneira, realizada em três bairros da cida- contra enormes dificuldades de obtê-lo nos moldes
de de Porto Alegre, em 1987. Duas organizações in- tradicionais, junto ao sistema bancário convencio-
ternacionais – o Fundo das Nações Unidas para In- nal. Alguns números relativos ao ano de 1998 são
fância (UNICEF) – e Acction Internacional protago- demonstrativos da envergadura e do potencial da
nizaram esta iniciativa, que deu bons resultados e iniciativa. Naquele ano, a Rede CEAPE foi responsá-
expandiu-se, criando outros Centros em vários Es- vel pela concessão de mais de 44 mil créditos, de
tados brasileiros, a saber: Rio Grande do Norte (Na- valores médios de aproximadamente R$ 900,00, si-
124 tal), Maranhão (São Luis), Pernambuco (Recife), Ser- tuados entre R$ 100,00 e R$ 8 mil. A taxa de juros –
gipe (Aracaju), São Paulo (São Paulo), Goiás (Aná- 6% em 1998 – bastante inferior a do mercado, per-
polis), Paraíba (Campina Grande), Pará (Belém), mite a sustentabilidade da iniciativa. A taxa de
Bahia (Feira de Santana), Piauí (Teresina), Espírito inadimplência média de 3,5% permite caracterizar
Santo (Vitória) e Distrito Federal, com empreendi- a concessão do crédito a esta parcela da população
mentos financiados em 145 cidades brasileiras. como um negócio de baixo risco.
O objetivo da iniciativa é a melhoria da qualida- Para a FENAPE, a concessão do microcrédito
de de vida dos pequenos empreendedores, por meio caracteriza-se pelos seguintes aspectos: 1) deve
do acesso ao crédito orientado. A rápida expansão ser uma linha de crédito de longo prazo, consti-
da experiência apontou para a necessidade de uma tuída de várias pequenas concessões; 2) deve for-
coordenação de âmbito nacional, criando-se então a necer orientação gerencial ao cliente; 3) deve mar-
Federação Nacional de Apoio aos Pequenos car claramente sua presença na comunidade, bus-
Empreendimentos (FENAPE), em 1990, que congre- cando a clientela nos locais de trabalho e de mo-
ga todos os CEAPE existentes no país, ambas orga- radia, utilizando agentes de crédito e abrindo pos-
nizadas como associações civis sem fins lucrativos. tos de atendimento em locais de fácil acesso; 4)
A partir de março de 2000, a FENAPE passou a se deve disseminar e estimular a prática do aval soli-
chamar CEAPE Nacional, constituindo-se posterior- dário, melhorando a qualidade de utilização do cré-
mente no Sistema CEAPE. dito e baixando os índices de inadimplência; 5) deve
Além de ser uma das primeiras experiências na fomentar a abertura de linha de crédito específica
área de microcrédito no Brasil, tendo sido a pionei- para clientes em processo de crescimento do em-
ra na utilização da metodologia do Grupo Solidário, preendimento.
Debate

Oficina 3
Debate

Sílvio Caccia Brava ] Há lucro? Qual a sua se deu esse processo de construção coletiva, de uma
destinação? E os preços dos produtos? nova cultura? Quais os conflitos gerados?

Mauro Martins da Silva ] Existe lucro, que Mauro Martins da Silva ] Para que se
é investido nas próprias empresas, na sua amplia- chegasse aos sete grupos, houve a necessidade de
126 ção, equipamentos etc. O preço dos produtos acom- envolver muitas pessoas, das quais apenas algumas
panha os da concorrência. se mantêm. Alguns quiseram entrar, pois viam esse
empreendimento como um bom retorno financeiro,
Sônia Café ] A prefeitura do Rio de Janeiro um bom negócio, outros entraram por necessidade
enfrenta um grande desafio com cooperativas de mesmo, outros ainda por convicção, inspiração, por
trabalho, que é o desenvolvimento de políticas de acreditar ideologicamente. Quanto à relação entre
mercado. Como é o acesso ao mercado? Como mon- sócio e funcionário, não existe uma coisa de cima
taram a cadeia produtiva? para baixo, todos estão envolvidos na produção, às
vezes o funcionário e o sócio estão lado a lado na
Mauro Martins da Silva ] Nós buscamos mesma máquina, ou seja, os sócios também estão
o mercado por intermédio de representantes comer- envolvidos na produção ao lado dos empregados.
ciais, como em qualquer indústria. São represen-
tantes comerciais autônomos, que saem vendendo Marta Farah ] Como surgiu a COMPABI?
as amostras. São vendedores autônomos, que re- Birigüi é região de produção de calçados? E a ques-
cebem comissão pela venda. Os fornecedores são tão do desemprego em Birigüi? Como a crise afetou
de todo o país. Tentamos acompanhar a qualidade o setor? Como a crise atinge a cooperativa? Como
dos concorrentes, com preços melhores, como for- ela vem sendo enfrentada?
ma de ampliar as vendas.
Mauro Martins da Silva ] O surgimento da
Franklin Coelho ] Gostaria de entender idéia deveu-se em parte à falta de emprego, porém,
melhor a relação entre sócio e empregado. Como por outro lado, havia o desejo de crescimento pes-
Oficina 3
soal, de autonomia em relação ao patrão. A crise é igreja. É bom ouvir alguém de fora, traz idéias no-
amenizada pela filosofia da economia solidária. vas. Porém, não há qualquer tipo de interferência
Quando necessário, alguns membros do grupo rea- da igreja no nosso cotidiano.
lizaram outras atividades e os recursos assim obti-
dos foram destinados ao caixa comum. Quanto à Ladislau Dowbor ] Gostaria de conhecer
crise, a produção em Birigüi como um todo decaiu, mais detalhes sobre a dinâmica financeira dos gru-
muitas firmas não agüentaram a entrada dos pro- pos. Quero saber também sobre os projetos de di-
dutos importados. A cooperativa em si cresceu, mas versificação e sobre o potencial exportador.
teve apoio de sócios que foram trabalhar fora e que
contribuem para o caixa comum. Mauro Martins da Silva ] O mercado
externo não é prioritário. Há muita complicação, ain-
Pedro Jacobi ] Como é o processo da coope- da não temos condições. Temos priorizado a busca
rativa no cotidiano? Qual a visão que você tem de do crescimento com base no potencial do mercado
cooperativa? Um processo de construção coletiva? interno. Além disso, o mercado externo sofre fortes
Gostaria que você explorasse isso um pouco mais. oscilações, o que nos colocaria em situação perigo-
sa. Muitas empresas nesse ramo quebraram por
Mauro Martins da Silva ] Tivemos muitas conta disso. Alguns grupos podem comprar insumos
dificuldades, muitos conflitos. Um dos fatores que independentemente da cooperativa, outros usam a
ajudou a manter o grupo coeso foi a convivência cooperativa. Para financiarem suas operações, ain-
com a igreja. Mas aprendemos também a brigar nas da usam o desconto de duplicatas ou cheques com
reuniões, discutir o que precisa e depois deixar de empresas de factoring. A injetora recém-comprada
lado as discussões e tocar a vida para frente. Tem foi financiada pelo próprio vendedor em 24 meses,
que saber respeitar a parte espiritual, física e pes- com 1% de juros ao mês. As dificuldades para aces- 127
soal de cada um. Nas reuniões, as colocações pes- so ao crédito são bastante grandes, devido princi-
soais são feitas com muita sinceridade, mas não se palmente às exigências do de garantias por parte
transferem para o dia seguinte. Houve também do mercado financeiro.
muitos cursos e palestras.
Em termos de funcionamento, cada grupo é uma Caio Silveira ] Com relação à capacitação
empresa independente. A COMPABI surgiu para fa- (conhecimento sobre o aspecto produtivo), ao crédito
cilitar a compra de matéria-prima, troca de mate- (acesso ao capital) e ao mercado (comercialização):
riais, de máquinas etc. Enfim, a COMPABI veio for- qual a base de conhecimento inicial do grupo e como
malizar uma situação de colaboração pré-existen- ela se ampliou? Pelo que entendi, alguns dos sócios
te. Cada grupo é registrado com razão social como originais tinham alguns conhecimentos no ramo de cal-
microempresa, embora a COMPABI seja registra- çados. Mas como este conhecimento foi ampliado?
da como cooperativa. Buscaram-se cursos? E com relação aos conhecimen-
tos necessários na área de gerenciamento?
Pedro Jacobi ] Existe alguma liderança na
igreja que ajudou vocês? Ou você fala do apoio da Mauro Martins da Silva ] Os doze mem-
igreja de uma forma genérica? bros do grupo inicial já trabalhavam em fábricas de
calçados, o que facilitou bastante. Quando neces-
Mauro Martins da Silva ] A igreja entra na sário, iam buscar informações junto a amigos de
nossa história mais como uma fonte de inspiração. outras empresas. Tivemos também apoio de outras
Quando a idéia nasceu, nós já nos conhecíamos da pequenas fábricas e fomos fazendo cursos por meio
de parcerias com o SEBRAE, com sindicatos etc. Jun- com os sindicatos e qual a forma de contrato de
tando o conhecimento que tínhamos e correndo atrás trabalho? Poderia explicar melhor a organização
do que não sabíamos. Esses conhecimentos vão sen- dessas empresas? O modelo é de uma federação
do repassados a cada novo grupo que aparece. de pequenas indútrias familiares?

Nilson Costa ] Como chegaram à modela- Mauro Martins da Silva ] Quanto mais
gem (ou seja, ao design) dos calçados? grupos forem os que tiverem destaque, tanto melhor.
A idéia é ter uma cooperativa que possa estar a ser-
Mauro Martins da Silva ] Foi evoluindo. viço dos grupos. A cooperativa também presta servi-
Hoje o sindicato fornece revistas internacionais, as- ços a outras empresas, que não as dos grupos. Esta-
sinamos outras, participamos de feiras de calçados mos ligados aos dois sindicatos. Com o sindicato dos
e, claro, saímos pelas ruas olhando para baixo, para trabalhadores, a relação é bem aberta. Com o sindi-
os pés das pessoas, pois as tendências da moda cato patronal, a relação é boa, mas já chegamos a
também estão nas ruas. Os representantes trazem apoiar uma greve de empregados. Mas não houve
idéias, o que os lojistas gostam, o que eles não que- maior conflito com o sindicato patronal. Com relação
rem. Temos que tentar acompanhar a moda, rapi- ao modelo de gestão, não queremos que a federação
damente. Quanto ao desenho, os primeiros mode- tenha um caráter assistencialista, paternalista, até
los foram desenhados a mão, hoje projetamos no porque não temos condições financeiras. É uma op-
computador, que sai mais barato do que o concebido ção de trabalho, de enfrentar o mercado. Por isso,
no papel. esse formato de criação de novos grupos e da coo-
perativa. A cooperativa está a serviço do grupo, e
José Carlos Vaz ] Como são tomadas as não o grupo à mercê da cooperativa. Como já falei,
decisões? O que é decidido pelo grupo? O que fica a somos ligados a dois sindicatos: o dos trabalhado-
128
cargo de cada cooperativa? res, em cuja presença desenvolvemos todas as ações,
e o patronal, com quem nossa relação também é boa,
Mauro Martins da Silva ] Cada grupo tem e por intermédio de quem mantemos boas relações
uma maneira própria de decidir os assuntos de in- também com as outras empresas do ramo.
teresse próprio, de organização interna do trabalho
etc. As decisões que têm repercussões mais am- Pedro Jacobi ] A parceria com a Natura Cos-
plas, que afetam os demais grupos, são tomadas méticos viabilizou a conquista de um espaço físico e a
em reuniões gerais com todos os sócios. compra dos equipamentos, o que foi essencial para a
atividade da COOPEC. A constituição formal (estatuto
Maria do Carmo Meirelles ] Há participa- legalizado etc.) da cooperativa demorou sete meses,
ção na Comissão Municipal de Emprego? Como tem em razão dos entraves burocráticos. Existe a possibili-
sido esta participação? dade de se obterem apoios, inclusive internacionais,
desde que haja divulgação da experiência.
Mauro Martins da Silva ] Estiveram reu-
nidos com a Comissão Municipal de Emprego e com Cunca Bocayuva ] As cooperadas dedicam-
representantes do Banco do Brasil. Chegaram a plei- se a outras atividades ou o trabalho absorve todo o
tear a implantação de um minidistrito industrial. Não seu tempo? As costureiras dependem exclusiva-
obtiveram nenhum apoio concreto. mente do trabalho na cooperativa ou têm outras fon-
tes de renda? São pessoas que não podem sair do
Cunca Bocayuva ] Como tem sido a relação bairro por terem crianças?
Oficina 3
Iracema Barbosa ] Apenas três delas têm em funcionamento, gostaria de saber sobre o capi-
outros trabalhos. As demais, cuidam de suas crian- tal de giro e sobre o caráter institucional.
ças porque não há creches suficientes no bairro. Valdi Dantas ] Existem dois fatores. O ativo
Outro problema é a distância do bairro em relação fixo em um pequeno empreendimento é pequeno,
aos locais nos quais se pode encontrar trabalho. Elas então o giro é o mais importante e imediato. Aten-
têm muita dificuldade com os maridos, porque eles demos ao giro (tempo médio de quatro meses). O
resistem à atividade profissional das mulheres, mui- giro tem um crédito menor, mas é mais rápido. O
tas vezes não concordam com a atividade econômi- fixo é um crédito maior, porém mais complicado.
ca delas. Os turnos de trabalho são de quatro ho- Com relação ao caráter institucional, nós só faze-
ras, das 8 às 12h ou das 13 às 17h. A produção ain- mos um lado da operação, não captamos depósitos
da é baixa, temos dificuldade de mercado. etc. Em conseqüência, não somos considerados ins-
tituição financeira.
Elizabeth Leeds ] O que se faz em termos de
capacitação das cooperadas? O que está sendo feito Jan Bitoun ] Você toma emprestado do BIRD
em termos de marketing para garantir a indepen- e do BNDES, como é isso?
dência do grupo?
Valdi Dantas ] Do BNDES é um empréstimo,
Iracema Barbosa ] O CENPEC e a Natura mas em relação ao BIRD é praticamente uma doa-
Cosméticos trouxeram assessorias externas como, ção, juros altamente subsidiados.
por exemplo, o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), além das próprias pessoas Ladislau Dowbor ] Sobre o custo operacio-
disponibilizadas por estas instituições. nal: quanto custa a máquina operacional da engre-
nagem toda, qual o custo do dinheiro?
129
Jan Bitoun ] Quais os avanços? Qual a renda
das cooperadas? Valdi Dantas ] R$ 15mil/R$ 20 mil por mês
para custos operacionais.
Joana Coutinho ] Há um avanço, porque as
cooperadas antes não tinham renda. O piso é de um
salário mínimo, o que ainda não está sendo possível
manter. Mas este não é o aspecto principal, pois a
renda ainda é muito baixa, sendo que em alguns ca-
sos (como o de Iracema) a renda familiar diminuiu. O
ideal é chegar a um salário mínimo por mês para
cada uma das cooperadas. Mas os outros aspectos
não podem ser reduzidos à questão monetária: o res-
gate da auto-estima, a capacitação para o trabalho,
a ampliação das possibilidades de inserção na vida
social e econômica e o fortalecimento das relações
comunitárias são certamente importantes avanços a
serem considerados nessa experiência.

Franklin Coelho ] Sabendo que esta expe-


riência é uma referência, pelo tempo em que está
Economia solidária e a nova
centralidade do trabalho
Expositor: Paul Singer

Na realidade, o trabalho continua tão central quan- gerando o que podemos denominar de “crescimen-
to sempre foi. Não há uma crise do trabalho. Há, sim, to-fobia”. Uma evidência disso é o movimento das
130 uma crise do trabalho assalariado, o que leva a um bolsas de valores: ao contrário do que a lógica
enorme desemprego. Há um desassalariamento. A econômica determina, se observarmos o que tem
produtividade não vem crescendo em ritmo superi- é a queda das bolsas, ou seja, do investimento pro-
or ao daquele verificado nos 30 anos pós-guerra. dutivo, quando o desemprego cai, pois a expecta-
Mas a economia mundial não cresce, o mercado não tiva de aumento da demanda gera expectativa de
se amplia, a demanda agregada também não. Nun- inflação como resultante do crescimento econô-
ca houve tanto desemprego como temos hoje no mico, o que gera expectativa de adoção de políti-
Brasil. As razões da crise não são tecnológicas. A cas anti-inflacionárias, de forma que os agentes
variável-chave é o crescimento econômico. comportam-se desinvestindo.
O aumento da produtividade permite que se pro- Quando surgiu a terrível crise do “desassala-
duza mais, desde que haja aumento da demanda e riamento”, com enorme perda de postos de traba-
que diminua o processo de concentração de ren- lho, a primeira reação foi a de tentar reverter o
da, ao contrário do que vem ocorrendo. Sem am- quadro. Hoje, a esperança de voltar ao modelo que
pliação do mercado consumidor, não há como ab- prevaleceu até os anos 70 é muito pequena, porque
sorver a produção excedente, gera-se desempre- têm havido transformações profundas junto às gran-
go (pelo aumento da produtividade e pela falta de des empresas. De um lado, houve uma violenta cen-
demanda). A partir dos anos 80, todas as lições do tralização financeira, o que leva a uma quase unifi-
keynesianismo foram jogadas fora e surgiu um pa- cação das decisões estratégicas em termos de ge-
vor pela inflação. Tornaram-se hegemônicas pelo opolítica. Por outro lado, há uma descentralização
mundo afora políticas macroeconômicas orienta- das decisões operacionais, o que corresponde ao
das para o combate à inflação a qualquer custo, modelo da terceirização.
Oficina 3
Muito se tem falado no apoio às microempresas tamente profissionalizadas, chamando para integrá-
como saída para a crise. De fato, esta é uma impor- las engenheiros, administradores etc., que se encon-
tante área de ação, mas é claro que, também aí, existe tram desempregados. 131
um limite. O excessivo número de pequenas empre- Um bom exemplo de cooperativa é a incubadora
sas acaba gerando um excesso trágico de oferta, for- onde a primeira experiência aconteceu no Rio de Ja-
çadas pela extrema concorrência a que estão sujei- neiro, na FIOCRUZ. Surgiu, então, a primeira coope-
tas, gerando novamente desemprego etc. Poucas rativa de serviços (“o que vié, nóis traça”). Hoje, há
resistem. Cada vez mais as empresas contratam ser- mais de trinta cooperativas desse gênero em mais
viços externos em todos os níveis, não só na execu- de vinte favelas do Rio de Janeiro. A experiência das
ção de tarefas básicas. Neste mundo, a reinserção incubadoras é de um potencial incrível. Há uma na
de trabalhadores excluídos faz mais sentido por meio USP, coordenada por mim mesmo.
da constituição de organizações autônomas. Dentro Nas universidades, em que as incubadoras assu-
dessa lógica, ter trabalhadores organizados autono- mem um papel importante, os próprios alunos se in-
mamente faz sentido, é uma alternativa que está teressam em formar cooperativas. Estamos
acontecendo em todos os níveis. Faz então mais reaprendendo, reinventando a pólvora. Trata-se do
sentido organizações de trabalhadores autônomos, enfrentamento de lógicas às quais ainda não estamos
como cooperativas, do que microempreendimentos. acostumados, há um processo e um percurso longo
As cooperativas de trabalhadores aparecem como de aprendizado: quebram-se hierarquias, pois nin-
uma resposta efetivamente positiva. Quando grupos guém manda em ninguém. Uma coisa é clara: em
de pessoas se organizam para produzir qualquer coi- todas as grandes crises do capitalismo, as coopera-
sa, não há limitação. O trabalho de cooperativas tem tivas foram a resposta. É uma história de altos e bai-
viabilidade. A economia solidária é uma resposta co- xos. Surgem e vão sumindo. Então, é preciso
letiva. Defendo a idéia de constituir cooperativas al- reaprender a trabalhar com cooperativas.
Debate

Oficina 3
Debate

Mirna Pimentel ] Qual o cunho social de Valdi Dantas ] Porque o Sistema CEAPE já
134 uma experiência como a da FENAPE, se os juros são não mais existiria, na medida em que o dinheiro de
os de mercado? graça está acabando no mundo.

Valdi Dantas ] Trata-se de uma organização Ladislau Dowbor ] É impressionante a


que está voltada para dar o acesso ao crédito para expansão do microcrédito no mundo.
pessoas que estavam excluídas dele. Assim, você
permite uma promoção social e econômica das fa- Peter Spink ] Você tem conhecimento dos
mílias que procuram o crédito. Ou estas pessoas valores envolvidos ao redor do mundo?
têm crédito com agiotas a 15% ao mês, ou não têm
crédito nenhum. Então o crédito é um elemento im- Ladislau Dowbor ] Não sei o número
portante de inclusão social. exato, mas a expansão tem sido muito rápida,
certamente já podemos falar em cifras de bilhão
Paul Singer ] Há muitos programas de micro- de dólares.
crédito subsidiados, com juros baixos ou inexistentes,
mas nunca passam do plano piloto, favorecendo um Sílvio Caccia Bava ] Tomei conhecimento
mínimo de pessoas. Um programa mais amplo não tem de que 25% da força de trabalho no Uruguai está
como sobreviver sem cobrar juros de mercado, e 6% organizada na forma de cooperativas. É preciso exis-
é bem baixo pelos padrões atuais de mercado. tir um arcabouço institucional que permita que esse
tipo de organização se desenvolva no Brasil, um
Marta Farah ] Com recursos subsidiados, marco regulatório capaz de estimular esse tipo de
por que o benefício não é repassado ao tomador? iniciativas no Brasil.
Oficina 3
Marcus Melo ] Sobre a cooperativa de para conseguir essa penetração de mercado), sem
calçados, gostaria de perguntar a Mauro que fato- esquecer do aspecto da solidariedade como subs-
res ele julga responsáveis pelo sucesso de sua ex- trato ideológico que dá base à ação; d) é preciso ter
periência, e que fatores ele conhece que podem ser rigor metodológico no que diz respeito ao financei-
responsáveis pela falência de outras iniciativas? E ro (se você não segue certas pautas, não obedece
o CENPEC/COOPEC? E o CEAPE? Porque algumas os quadros, os prazos, você pode fracassar).
experiências dão certo e outras não? Quais os fato-
res de sucesso? O que resulta em fracassos? Caio Silveira ] A questão do trabalho e
renda diferencia-se de emprego e renda, por ser
Mauro Martins da Silva ] Vimos algumas um conceito amplo e mais abrangente. O trabalho
cooperativas em Birigüi que não funcionaram. Conos- pode incluir emprego, mas não se resume a ele, pode
co, tivemos vantagem por iniciar a experiência com incluir outras formas de trabalho, alternativas. O
um grupo que já possuía conhecimento técnico bási- eixo tem sido o trabalho não-assalariado, o que leva
co, e tivemos sorte com as vendas desde o princípio. à questão do crédito, à da capacitação e à do mer-
Os outros grupos da cooperativa tiveram o apoio do cado (vínculos das unidades de produção com ou-
primeiro grupo, inclusive financeiro. O grupo que está tros agentes sociais). As ações de trabalho e renda
melhor estruturado dá o apoio aos grupos novos. pouco se articulam entre si e com outras políticas
sociais. Em relação ao crédito, é interessante situar
Maria Magdalena Alves ] A solidariedade a questão no Brasil. Lacunas no microcrédito: a) ris-
estendeu-se a outros grupos, como os de beneficia- cos significam menos ousadia, o que leva a menor
mento de arroz em certa época. Já tiveram a expe- capacidade de apoiar novos investimentos produti-
riência de uma cooperativa socorrer a outra. vos; b) pequeno apoio a grupos associativos.
135
Joana Coutinho ] Os dois fatores que Paul Singer ] Gostaria de saber sobre as
ajudaram a organização da cooperativa das costu- linhas específicas para cooperativas.
reiras foram o apoio da Natura e o papel da coo-
perativa como ponto de encontro, no qual as mu- Caio Silveira ] O PROGER tem uma vertente
lheres podem discutir outras questões, mantendo- de apoio às associações e cooperativas. Havia a in-
se o grupo coeso. tenção semelhante do PORTOSOL.

Valdi Dantas ] Algumas variáveis responsá- Nilson Costa ] Nas experiências de Birigüi e
veis pelo fracasso de organizações voltadas ao mi- das costureiras há um processo de socialização de
crocrédito são: a) falta de foco no negócio (organi- conhecimentos técnicos. No caso da FIOCRUZ, a
zações que têm tentado fazer outras coisas além do relação solidária entre a contratante e a cooperativa
microcrédito em geral tem fracassado, inclusive com (contratada) garantiu o sucesso desta última, que
projetos muito ligados, como a capacitação); b) fal- só agora vai em busca de mercados alternativos.
ta de visão estratégica, tanto no que diz respeito ao Outra coisa que chamou a atenção é uma variável
alcance (massificação do atendimento) quanto à nova no que diz respeito a alavancagem da empre-
auto-sustentação, seu horizonte tem que ser a mas- sa. Relação mais solidária desde o início. Quem são
sificação, chegar à grande penetração no mercado, os clientes, no caso da FENAPE?
adquirir escala; c) há necessidade de investir na ca-
pacitação de gestores (grande necessidade de tra- Valdi Dantas ] O indivíduo, a família e o
balhar a capacitação dos gerentes e intermediários pequeno empreendedor familiar.
Jan Bitoun ] Tendo acompanhado os três de constituição desta rede solidária a que ele se
seminários, refleti sobre o seguinte: as experiências referiu, apontando para os caminhos de consolida-
de Birigüi e das costureiras não têm impacto sobre ção de uma economia solidária. Como sair das nos-
as estatísticas de pobreza, o que leva a um lapso sas 20 famílias e ampliar, perante este enorme de-
entre os indicadores de pobreza e o surgimento das safio da pobreza no país?
iniciativas. A agregação de renda é pequena ou qua-
se inexistente. Os que estão abaixo da linha de po- Pedro Jacobi ] Ressalto a engenharia insti-
breza nela permanecem, em sua grande maioria. tucional, que une o CENPEC, a Natura e a comunida-
Há outros ganhos importantes, é claro. Mas, de. O trabalho da psicóloga foi muito importante,
estatisticamente, não muda o quadro social. O tra- porque foram questionadas as relações de poder. É
balho não produz só renda. Há outras experiências difícil construir a noção da solidariedade, quando a
que trazem subprodutos pessoais para os envol- geração de renda é muito escassa.
vidos, embora não sejam cooperativas. Sobre a
COOPEC, no Rio, foi feita uma exposição sobre os Sônia Café ] No Rio de Janeiro, está sendo
indicadores da linha de pobreza. Agora, nem a coo- difícil colocar na rua os programas de políticas de
perativa de costureiras, nem a de Birigüi vai ter um emprego e renda, assim como articulá-los. A inte-
efeito estatístico sobre a linha de pobreza. Não muda gração das políticas públicas é um desafio. Dificul-
muito a situação, especialmente em Birigüi. Diria dades de conquistar mercado. Trabalhando separa-
que o trabalho não produz só renda, isto ficou mui- damente, sem integração, as cooperativas não con-
to claro aqui hoje. O trabalho faz com que as pes- seguem vencer licitações, não têm crédito.
soas se reúnam, criem um laço social, e que te-
136 nham a possibilidade de se inserir em alguma coi- Peter Spink ] A questão das licitações é um
sa, com mudanças nas relações familiares etc. Mas, grande desafio, sabemos que os pequenos empreende-
e a preocupação com mudanças mais significativas, dores nunca vencem, não têm condições de atender
de maior impacto? as exigências. O mercado de licitações no Brasil é, de
fato, um “monopólio” das grandes empresas.
Joana Coutinho ] Estas questões são muito
pertinentes, mas difíceis de serem respondidas. No Tânia Zapata ] O Banco do Nordeste tem
caso da Natura Cosméticos, existe uma parceria linha de crédito específica para associações e co-
estabelecida com a COOPEC, embora ainda não de operativas. O teto é de R$ 400 mil. Existe já há
compra do produto. A COOPEC não é fruto de uma cinco anos, com resultados bastante interessan-
organização comunitária. Não existia nenhum grupo tes. Incentiva-se a participação da sociedade ci-
de mulheres, nenhuma história de luta no bairro. En- vil em comitês, que são os que analisam os pro-
tão, a partir do trabalho, começa-se a organizar um jetos. Só aqueles aprovados pelos comitês são en-
movimento comunitário, e de gênero, que extrapola caminhados ao banco. Em relação aos temas tra-
a relação familiar. São mulheres que nunca tiveram tados, tenho uma preocupação, que acho que é
oportunidade de falar e de serem ouvidas. geral, acho fundamental a procura do caráter de
sustentabilidade e de replicabilidade nos progra-
Roseni Reigota ] Sugiro que a discussão mas. Temos sempre planos-piloto, ações-piloto,
seja levada para além das experiências locais, con- que logo morrem. É preciso criar escala, ter en-
siderando a fala do professor Paul Singer. Gostaria vergadura, é importante replicar e manter. Ter
de propor, como eixo de discussão, a possibilidade estratégias de intervenção que sejam compatíveis.
Oficina 3
Fóruns como este são fundamentais para a troca de se construírem redes mais sólidas de cooperati-
idéias, para compartilhar experiências. É preciso ter vas. É preciso criar vínculos organizacionais e co-
estratégias e tecnologias de intervenção que sejam merciais entre as cooperativas.
“macroabrangentes”.
Maria do Carmo Meirelles ] As experiên-
Franklin Coelho ] O que é economia solidá- cias de Birigüi e das costureiras passam ao largo do
ria como conceito, e como se diferencia da antiga- poder público. Gostaria, assim, de discutir como en-
mente chamada economia popular? Como se traba- volver o poder público nessas experiências, de como
lha com isto? Como são as mudanças na mediação o poder público está discutindo o crédito. Com rela-
do poder? Como trabalharmos como projeto políti- ção às novas formas do público-privado: os municípi-
co, podermos ir além do mero economicismo? Pa- os já apresentam uma média de 10 Conselhos, mas
rece que existe justamente uma enorme riqueza a falta investigar: o que está, de fato, mudando?
ser explorada na diversidade das formas econômi-
cas presentes, com atores em processo de constru- Maria Magdalena Alves ] Considero pre-
ção etc. ocupante o fato de o presidente da Comissão de Em-
pregos ter afirmado que a Comissão só atende a
Paul Singer ] Economia popular é bem quem tenha obtido aprovação do crédito solicitado
diferente de economia solidária. Na economia po- ao Banco do Brasil.
pular, não é uma questão de ajudar a erradicar a
pobreza, para os pobres saírem da pobreza, mas Nilson Costa ] Creio que é tema de agenda
apenas de ajudar os pobres. Eles vão continuar a articulação entre os direitos básicos do emprega-
pobres, isto na economia popular é fundamental, do e o mundo das cooperativas. 137
mas recebem ajuda. Os efeitos comunitários que
foram hoje mencionados são ótimos, contanto que Cunca Bocayuva ] Três ordens de ques-
haja geração de renda, e que os pobres deixem tões: 1) as que abriram o debate; 2) as experiências
de ser pobres. O êxito econômico é essencial. Ha- concretas apresentadas e debatidas; 3) os proble-
vendo fracasso econômico, todas as virtudes so- mas conceituais que surgiram. Com relação às ques-
ciais sucumbem também. O êxito econômico é in- tões que abriram o encontro, surgiram temas
grediente essencial. E há pleno potencial desse relacionados às políticas focalizadas, ao combate à
êxito, é só olhar o exemplo de Birigüi. Apoio eco- desigualdade, às relações e possibilidades de rela-
nômico ou de outro tipo é ótimo, mas precisa ter cionamentos entre políticas públicas e experimen-
um limite, depois de um tempo o grupo tem que tações da sociedade, ao potencial de combate à po-
andar sozinho. Cada cooperativa é uma incuba- breza presente nestas experimentações, à gover-
dora. Estamos construindo, hoje, redes mais sóli- nança, ao acesso à renda, à crise do trabalho, da
das de solidariedade, mas estamos apenas no iní- ocupação e do assalariamento, à problemática vivi-
cio. Tem que haver vínculos comerciais também da pela periferia industrial, capitalista, à escala dos
entre as cooperativas, senão não vão sobreviver, experimentos, a localização territorial (local, muni-
em termos de potencializar cadeias produtivas. cipal, regional etc.) dos experimentos, à descontinui-
Considero absolutamente essencial o apoio exter- dade dos experimentos. Aqui, a pergunta era: qual
no às cooperativas, porque sem esse apoio elas o potencial das ações voltadas à geração de ocupa-
fracassam. A solidariedade intercooperativas é ção e renda em termos de combate à pobreza? O
princípio do cooperativismo, daí a importância de que resolvem? O que não resolvem? Qual o seu po-
tencial? Experiências variadas, diversas, de tipos di- Franklin Coelho ] Creio que as questões
ferentes, atuando na área do fomento (microcrédi- levantadas hoje cruzam-se com as de Recife, ha-
to orientado), no campo produtivo (cooperativas), vendo diferenças de qualidade. Há 13 pontos a des-
particularmente no complexo industrial calçadista, tacar: 1) a presença de Paul Singer coloca a ques-
todas partindo de um campo da solidariedade. As tão das forças sociais e dos projetos em jogo, que
duas “vão ao lugar”, ao fazer. Fornecem bases para articulam pressupostos e orientam ações. De algum
um terceiro projeto. Como construir um jardim em modo, as discussões de melhores práticas têm di-
um Jardim que não é um jardim? mensões políticas, que devem aflorar, trabalharmos
Parte-se, de qualquer forma, do pressuposto de para além da eficiência técnica, as questões da sus-
que sempre há alguém fazendo, sempre há atores, o tentabilidade e replicabilidade; 2) a necessidade de
problema é o fomento às condições para a realiza- recuperar as piores práticas envolve saber como
ção. Há a necessidade de que as escolhas confluam as melhores práticas incorporaram as questões sus-
para que ganhem escala, como nos trouxe o profes- citadas pelas primeiras; 3) a relação macro-micro
sor Singer, na confluência para uma macroestratégia, em torno do emprego, os desafios frente à implo-
em um contexto de direitos, reorientando a econo- são do modelo keynesiano europeu; 4) relação dual
mia em um sentido cidadão. entre cooperação e competitividade em um campo
Afinal, qual é a densidade ética do que temos dis- de ação solidária; 5) retomada da relação entre lo-
cutido? O que é a economia social? O que é a econo- cal e territorial (concepção de um território socio-
mia popular? Quais as suas diferenças? De qualquer espacial), à capacidade de construção social dos
forma, é bastante difícil extrair de políticas muito tó- atores locais; 6) governabilidade e capacidade de
picas, como as que discutimos aqui hoje, uma dimen- ação articulada com uma visão de projeto; 7) diver-
são utópica. De qualquer forma, é necessário inda- sidade das formas econômicas e a discussão da pró-
138 gar: será possível compatibilizar estratégias de mais pria cooperativa; 8) o papel das políticas públicas
longo prazo com necessidades imediatas de sobrevi- na construção do território, possibilitando a supe-
vência? O consenso que vem de Recife é que nenhu- ração do economicismo; 9) a questão do microcré-
ma ação tem sentido se não puder combater a dito, envolvendo escala, capacitação ou não, aces-
desigualdade, a não ser que sejamos adeptos de sibilidade, tecnologias creditícias, novos conceitos,
ações minimalistas, o que não é o caso de ninguém participação das cooperativas no acesso ao crédi-
aqui. Embora com valor, ações tópicas não permitem to; 10) a discussão sobre a relação entre economia
que pensemos em estratégias utópicas. solidária e economia popular e como esses concei-
Encerro, retomando o que já apontei anteriormente: tos se inserem em um projeto de transformação
falta-nos um marco ético normativo, com a implosão social; 11) trata-se só de trabalho e renda ou estão
do campo dos direitos conquistada com a Constituição envolvidos outros fatores nas discussões do grupo?
de 1988, que reconhecia direitos etc. O Brasil não re- Temos que trabalhar de forma mais ampla trabalho
sistirá até 2004 com tantas crises, em várias dimen- e renda?; 12) indicadores de impacto, resultados;
sões, com cabeças tão diferentes etc., diversidades 13) que ação é esta que leva à extrapolação dos
regionais, extremas desigualdades, problemas dos muros da cooperativa? Superar o caráter tópico da
quais a atual crise do pacto federativo é apenas a pon- cooperativa, isolada.
ta do iceberg. O que temos discutido poderá auxiliar
na constituição, instituição ou sei lá o que de um novo
pacto? Talvez. Talvez a economia solidária hoje, o co-
operativismo ajude, talvez ajudem a criar novos ar-
ranjos no campo dos direitos e da cidadania.
Oficina 3
Políticas sociais de combate à pobreza
Expositores: Sílvio Caccia Bava e Ladislau Dowbor

Sílvio Caccia Bava


Essas discussões são muito oportunas, em es- não em termos de erradicação da pobreza. Parece
pecial neste momento, quando a crise certamente que ainda se está a trabalhar com uma noção de po-
levará ao agravamento do quadro de pobreza, em breza muita marcada pelo aspecto econômico. Pre-
especial no meio urbano. Tomando por base os re- cisamos fazer o trânsito de uma certa visão “huma-
sultados realizados recentemente pelo Instituto Pó- nista” da pobreza para o campo dos direitos, da ci-
lis, levanto algumas questões: a primeira é saber dadania. É importante situar as ações em termos do
de que pobreza se fala. Afinal, de que pobreza esta- estabelecimento e construção de mecanismos que
mos falando? Parece que esta questão ainda está possibilitem a extensão universal de direitos. Pare-
no ar. Pelo que posso perceber das discussões de ce-me que estamos trabalhando ainda com uma no-
ontem, não se está falando sobre as pessoas que ção de pobreza muito atrelada ao econômico. Res- 139
estão abaixo da linha de pobreza. Nos estudos so- salta que, como apontou a Organização Internacio-
bre os programas de renda mínima (Campinas e Dis- nal do Trabalho (OIT), a pobreza não é uma escolha
trito Federal), verificou-se que aqueles que estão individual, mas o resultado das políticas públicas ado-
abaixo da linha de pobreza têm dificuldades até de tadas. Ontem, nossas discussões foram mais forte-
acesso aos cursos profissionalizantes. mente marcadas pela dimensão econômica das
Segundo o Professor Bernardo Kliksberg, logo te- ações. E as políticas sociais? Qual centralidade do
remos, no Brasil, nada menos que 70% da popula- papel do Estado nessa questão? Destaco que o per-
ção abaixo da linha de pobreza. Tem a recente obra centual de 1% das receitas municipais destinadas
de Michael Lipton sobre a erradicação da pobreza: aos programas de renda mínima não tem qualquer
no meio rural, ainda é possível encontrar certas ini- apoio técnico. Foi 1% simplesmente porque este foi
ciativas com razoável sucesso, que podem causar cer- o percentual em torno do qual se deu o consenso,
to impacto na qualidade de vida das populações po- mas poderia ter sido, por exemplo, 4%, o que gera-
bres que aí vivem. Mas e no meio urbano? Estão sur- ria um impacto muito mais importante em termos de
gindo poucas respostas, e bem menos significativas combate à pobreza. Haveria alguma perda ou sacri-
em termos de efetivos resultados. Assim, me preo- fício para os não diretamente beneficiados? Alguém,
cupa bastante o fato de que no meio urbano, ao con- até agora, perdeu alguma coisa com estas ações?
trário do meio rural, é difícil encontrar programas Claro que não.
que realmente fazem impacto, mudando alguma coi- Antigo estudo do BIRD mostra que somente 10
sa de forma mais significativa. Certos programas, unidades de valor, das 100 utilizadas em uma políti-
como o de renda mínima, têm impactos positivos, mas ca pública, chegam até o beneficiário final. Há ne-
cessidade de se alargar o entendimento sobre po- conseguindo. Temos o insumo e o capital humano,
breza, lembrando que alguém já definiu que pobre é ou seja, os fatores de produção essenciais. As mas-
aquele que não pode decidir sobre sua vida. Tam- sas urbanas sem perspectivas de emprego, os tra-
bém no âmbito da ação local existem coisas que não balhadores do campo reivindicando terra, e terra
são necessariamente políticas de combate à pobre- ociosa, muita terra ociosa, concentrada nas mãos
za, mas que, de uma certa maneira, são medidas de poucos. Há as necessidades de habitação, sane-
efetivas de combate à pobreza. Programas como or- amento etc., para cuja satisfação haveria necessi-
çamento participativo são bons indicadores, estas dade de gerar muitos empregos. É preciso rearticu-
experiências de gestão local são exemplos de re- lar políticas de emprego.
forma administrativa. A nova importância do social muda as referências.
No EUA, 14% do Produto Interno Bruto corresponde
ao sistema de saúde. Rapidamente, saúde, educação
Ladislau Dowbor e cultura estão se tornando os três maiores setores
É a cultura que conduz muitos dos processos eco- da economia, o que instaura novas dimensões e pa-
nômicos. A dimensão cultural é muito mais determi- péis no campo econômico, mudando as lógicas e flu-
nante do que se costuma pensar. Questionado sobre xos até então prevalecentes. Na verdade, há uma
a venda de pares de tênis, que têm um custo de pro- coincidência entre a necessidade de organizar a so-
dução inferior a US$ 10, por US$ 130, um executivo ciedade e a necessidade de gerir as políticas sociais.
da empresa Nike respondeu que não vende calçados Pode-se recuperar o papel central das cidades para
e sim sonhos. Para quebrarmos esta lógica perver- o desenvolvimento.
sa, é fundamental resgatar a essência das pessoas, É preciso lutar por uma política nacional de de-
de modo que não se pode pensar apenas na geração senvolvimento local. Lembro do exemplo do siste-
140 de riquezas econômicas. Como a Iracema falou on- ma financeiro, citando o caso de Bertioga, onde 92%
tem, é importante resgatar algo que está dentro das dos depósitos nos bancos locais são aplicados fora
pessoas, estamos falando de um resgate, de uma da cidade. É preciso criar uma economia em dois
auto-valorização das pessoas e isto é uma questão tempos: certos setores seguirão a orientação glo-
central. Não podemos ficar só na questão material. bal de máxima eficiência, outros serão intensivos
Concordo com o Singer que a gente tem que garantir em mão-de-obra, como o trabalho no campo. A in-
o conforto material, mas acho que esta revaloriza- fra-estrutura local é uma grande avenida de gera-
ção cultural também é fundamental. ção de trabalho. Se não há base organizativa no pla-
Tivemos uma urbanização violenta e criamos su- no local, você não pode mudar as esferas centrais
búrbios sem crescimento da oferta de empregos no de poder, os macro-sistemas de decisão. É o “ma-
mesmo ritmo do crescimento populacional. Na área cro do local”, digamos assim. Como fazer para ra-
do social não temos paradigmas organizacionais. O cionalizar e potencializar capitais e recursos já dis-
antigo paradigma estatal não serve. Então, o que se poníveis? Investir poupanças onde elas são gera-
faz? Se privatiza tudo, só isso. Na África do Sul tem das, e não nos grandes fundos de pensão. Não se
uma política muito interessante: também estão com pode exportar poupança, temos que resgatar o lo-
problemas de crise, entrando violentamente com no- cal. Vejam as oportunidades geradas pelas novas
vas tecnologias (robotização) para acompanhar o tecnologias, como os trade centers, a partir da co-
mercado, mas, ao mesmo tempo, investindo na agri- nexão de localidades remotas, via internet, aos cen-
cultura com gerenciamento comunitário. Temos, tros consumidores. É preciso aprender a organizar
neste país, muita terra para ser plantada, inutiliza- espaços, nos quais os stakeholders possam articu-
da, e muita gente querendo terra para plantar e não lar políticas.
Debate

Oficina 3
Debate

Sônia Café ] No município do Rio de Janeiro, tivos. O fato de se associar pobreza à macroecono-
muito se tem pensado sobre a integração de políti- mia leva a um certo imobilismo. Um dos problemas é
cas, no eixo favela-bairro, na tentativa de levar todos que tratamos todos os pobres como se fossem iguais
os instrumentos a esse território. São 900 favelas, no Brasil. Problemas como o lixo urbano, por exem-
das quais apenas 16 são hoje atingidas pelo projeto. plo, também podem ser trabalhados em termos de
Na verdade, em apenas três delas estamos tendo al- enfrentamento da pobreza, em diversas áreas, como
gum sucesso mais palpável em termos de ações in- evidenciaram nossos oficinas anteriores, do Rio de
tersecretariais. Janeiro e de Recife. Acho que realmente temos que
olhar o quadro de maneira mais ampla. Em termos
Peter Spink ] Destaco a importância, por si de processos-chaves e de estratégias, temos que
só, de um município como o Rio de Janeiro ter uma ter mais flexibilidade.
Secretaria do Trabalho. Acho também que ainda trabalhamos com os po-
142 bres de forma tutelar, precisamos dar as ferramen-
Nilson Costa ] O atual governo municipal do tas para eles. Temos uma visão tutelar do pobre, o
RJ é muito responsável em termos de inovações e que leva à nivelação dos pobres pela indigência. Con-
reformas institucionais. Proponho que pensemos o cordo que os paradigmas organizacionais são extre-
macro segundo a linha apresentada por Ladislau, mamente importantes. É preciso deixar de partir de
discutirmos em termos de paradigmas de gestão dados catastróficos, para partir do conhecimento en-
social. Temos uma visão conservadora a respeito. contrado em determinada localidade.
Os novos paradigmas para a gestão social são incrí-
veis, em termos de flexibilização responsável. Têm Sílvio Caccia Bava ] Não se trata de
acontecido inovações incríveis, de grande importân- visão catastrófica, mas o fato é que não se pode
cia e envergadura, em poucos anos, nas áreas de ver uma evolução positiva dos indicadores soci-
educação e saúde. ais na perspectiva de décadas. Tem havido um
aumento da desigualdade, e este é um fato que
Sílvio Caccia Bava ] Com os recursos hoje não se pode negar.
alocados para as políticas sociais, pode-se poten-
cializar os resultados das ações, se houver uma Franklin Coelho ] Existe o plano estratégico
gestão democrática. que está sendo desenvolvido pelo Estado do RJ, res-
saltando a importância de superar a fragmentação
Maria do Carmo Brant ] A questão das na ação dos diversos órgãos públicos, criando os
políticas sociais no enfrentamento da pobreza deve chamados territórios inteligentes. É importante a dis-
ser vista pela ótica de estar ocorrendo saltos posi- cussão sobre novas formas organizacionais.
Oficina 3
Experiências
discutidas
DISTRITO FEDERAL

Bolsa-Escola: Programa Bolsa


Familiar para Educação
Expositor: Antônio Ibañez Ruiz

Implementado em 1995 como um dos principais cutiva que envolvia diversos outros órgãos públicos,
suportes da política educacional, o Programa Bolsa e contando com comissões locais (compostas por
Familiar para a Educação – Bolsa-Escola consiste no representantes do poder público e da sociedade ci-
pagamento de um salário mínimo a famílias com ren- vil), o Programa vinha buscando a construção de uma
da per capita mensal de até 1/2 salário mínimo, des- ação intersetorial articulada, bem como a consolida-
de que mantenham, matriculados na rede pública de ção de mecanismos de controle social no uso dos
ensino, todos os filhos em idade escolar (7 a 14 anos). recursos e na distribuição dos benefícios.
O Programa articula-se a uma série de iniciativas para Como resultados, além da significativa cober-
a melhoria da qualidade do ensino e a reversão do tura (25.340 famílias e 50.595 crianças bene-
cenário de exclusão escolar dos mais pobres. ficiadas, segundo dados de outubro de 1998),
O pagamento da bolsa deve ser requerido pela mãe, correspondendo a 71% de sua demanda potencial,
144 que precisa comprovar a matrícula escolar de todos observou-se a diminuição da evasão escolar entre
os filhos de 7 a 14 anos, bem como atender aos de- os beneficiários (apenas 0,4%, contra 5,6% entre
mais requisitos de renda familiar e tempo de residên- os não bolsistas), resultando em queda da ordem
cia no Distrito Federal (cinco anos, no mínimo). de 40% neste índice, no Distrito Federal como um
Entre as famílias priorizadas, estão as que pos- todo, entre 1994 e 1996.
suem crianças ou adolescentes cumprindo medidas Além disso, a Bolsa-Escola propicia considerável
de proteção especial (art. 101 do Estatuto da Crian- incremento da renda das famílias beneficiárias. Ou-
ça e do Adolescente), ou medidas socioeducativas tros efeitos são a inserção dos pais na vida escolar
(art. 124 do Estatuto), famílias com dependentes – aumentando sua participação, inclusive, nos pro-
idosos ou portadores de deficiência, crianças des- cessos eleitorais de escolha da direção – e o impul-
nutridas, maior número de dependentes etc. A bol- so à economia das regiões pobres.
sa é paga mensalmente, podendo ser renovada ao O Programa apresenta custos bastante reduzi-
término de cada ano. A freqüência mínima dos fi- dos. A estimativa era de gastos da ordem de R$ 32
lhos à escola deve ser de 90%. Em caso de aprova- milhões para o ano de 1998, correspondendo a ape-
ção, ao final de cada ano a família tem depositado nas 1% do orçamento distrital para aquele ano. Além
um salário mínimo em conta-poupança, podendo disso, o Programa permite uma economia expressi-
retirar 50% do valor depositado ao término de cada va nos gastos do sistema escolar, com a queda das
ciclo (4ª e 8ª séries e 2º grau). taxas de repetência. No médio e longo prazos, as
Gerido, no mandato do então governador Cris- crianças terão melhores oportunidades para uma
tovam Buarque, pela Secretaria de Educação do Dis- inserção mais digna no mercado de trabalho e na
trito Federal, por intermédio de uma secretaria exe- vida social como um todo.
Oficina 3
SANTO ANDRÉ, SP

Câmara do Grande ABC


Expositora: Nádia Somekh

A Região do Grande ABC está localizada na área uma vez que as decisões emergem da interação
mais industrializada do país, a Região Metropolita- política entre os mesmos.
na de São Paulo, que engloba sete municípios - San- A Câmara possui uma estrutura bastante sim-
to André, São Bernardo do Campo, São Caetano do ples, que comporta um Conselho Deliberativo, uma
Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Coordenadoria Executiva e Grupos Temáticos.
Serra, totalizando 2,5 milhões de habitantes. Ape- Os grupos temáticos – totalizavam 21 em mar-
sar da renda per capita elevada para os padrões do ço de 1999 – discutem e formulam propostas de
país, a região apresenta bolsões de pobreza e o cres- ações conjuntas para os mais diversos desafios
cimento das taxas de desemprego vem agravando socioeconômicos que são inseridos na agenda. Es-
rapidamente o quadro social. ses grupos estão organizados em quatro grandes 145
A Câmara do Grande ABC é um fórum inter- eixos temáticos: desenvolvimento econômico e
governamental de planejamento, formulação e im- emprego, desenvolvimento urbano e meio ambien-
plementação de políticas públicas, reunindo repre- te, desenvolvimento social, e questões administra-
sentantes do Estado – governo estadual, prefeitu- tivas e tributárias.
ras dos sete municípios, deputados estaduais e fe- Entre os resultados alcançados por esse proces-
derais da região, e vereadores –, e da sociedade so, podem ser citados: 1) criação da Agência de De-
civil – sindicatos patronais e de trabalhadores e or- senvolvimento Econômico; 2) formulação de um Plano
ganizações comunitárias. Foi criada em 1997, para de Macrodrenagem, que permite a implementação de
viabilizar o desenvolvimento de uma região em fran- ações de defesa contra as enchentes; 3) Plano de
ca decadência econômica, marcada pelo êxodo de Melhoria do Sistema Viário; 4) revisão da Lei nº 9472/
indústrias, pela obsolescência de seu parque indus- 96, relativa à proteção de mananciais, restringindo
trial e pelo crescimento do desemprego. fortemente as ações de urbanização e de regulariza-
O potencial dessa experiência para a redução da ção do uso e ocupação do solo na região, que tem
pobreza reside no aprofundamento do diálogo entre 56% de seu território localizado nessas áreas de pro-
os atores locais. A iniciativa funciona como uma gran- teção; 5) criação do Movimento Criança Prioridade
de mesa de negociações, à qual se sentam os ato- 1, que vem articulando políticas sociais e ações da
res locais com poder decisório e a sociedade civil sociedade civil para a proteção de crianças e adoles-
organizada. Com base na construção de consensos, centes em situação de risco pessoal e social; e 6)
o processo permite desencadear diversas ações a Movimento de Alfabetização Regional, que já implan-
partir de uma co-responsabilização dos envolvidos, tou 270 salas de aula.
PERNAMBUCO

Programa Nacional de Fortalecimento


da Agricultura Familiar - PRONAF
Expositor: Osmil Galindo

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agri- agreste, sertão e região metropolitana.


cultura Familiar (PRONAF), objetiva estimular o de- Em Bezerros, entre as obras realizadas de 1997
senvolvimento rural. Atende agricultores com no a 1999, destacam-se a ampliação e construção de
mínimo 80% da renda familiar oriunda do trabalho barragens e açudes, a implantação de adutora e a
agrícola e que utilizem mão-de-obra da própria fa- pavimentação de estradas vicinais, totalizando mais
mília, em pequenas propriedades. de R$ 500 mil em investimentos (incluindo a contra-
Instituído em 1996, o PRONAF tem como eixo partida da prefeitura). Previam-se, para o ano 2000,
norteador os Planos Municipais de Desenvolvimento outros R$ 150 mil.
146 Rural, formulados pelos Conselhos Municipais de De- Em Sertânia, as obras destinaram-se prin-
senvolvimento Rural, a partir dos quais são articu- cipalmente à construção e ampliação de poços, re-
ladas as seguintes frentes de ação: acesso ao cré- cuperação de estradas e instalação de caixas d’água
dito para pequenos agricultores, capacitação pro- com dessalinizadores. Os investimentos somaram
fissional e financiamento de serviços e obras de cerca de R$ 527 mil entre 1997 e 1999, incluindo-
infra-estrutura. se, neste total, mais de R$ 47 mil de contrapartida
O Programa envolve o Ministério da Agricul- da prefeitura. No ano 2000, seriam investidos mais
tura e Abastecimento e a Caixa Econômica Fede- R$ 165 mil.
ral. As fontes de recursos são o Fundo de Am- Em São Lourenço da Mata, investiu-se também
paro ao Trabalhador (FAT), o orçamento da União, na construção de sistemas de abastecimento de água
os fundos constitucionais e a contrapartida dos e sedes das associações de pequenos produtores.
Estados e Municípios. No ano 2000, com recursos da ordem de R$ 180 mil
Situados no Estado de Pernambuco, os municípios (R$ 30 mil de contrapartida da prefeitura), São Lou-
de Bezerros (com 52 mil habitantes, localizado no renço da Mata realiza cursos profissionalizantes, re-
Agreste), Sertânia (30 mil habitantes, no Sertão) e São forma lavanderias comunitárias e constrói uma casa
Lourenço da Mata (90 mil habitantes, na Região Me- de farinha, entre outros investimentos.
tropolitana de Recife) são algumas das localidades onde Alguns dos problemas debatidos no âmbito do Pro-
se desenvolve o Programa. Encarregado de avaliar o grama referem-se às dificuldades burocráticas na
PRONAF, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas transferência de recursos, à pequena participação
(NEPP), vinculado à Unicamp, concluiu que elas exem- da população nos Conselhos, ao despreparo dos agen-
plificam três situações diferentes de implantação: tes financeiros em relação a programas sociais.
Debate

Oficina 3
Debate

Jan Bitoun ] Cabe ressaltar que a universa- Marcos Formiga ] É importante a educação
lidade da saúde e da educação significa justamente para o enfrentamento da pobreza. Ibañez traz uma
atender a população pobre, excluída desses siste- resposta a uma preocupação minha, a falta de dis-
mas, atingir os que ainda não o foram por essas cussão sobre a educação. No Brasil, o século termi-
148 políticas sociais. No campo da saúde e da educa- na com dados vergonhosos sobre a educação. Con-
ção, há inovações muito importantes, na medida em cordo plenamente com a idéia de que o desenvolvi-
que se trata de políticas universais. mento humano está diretamente atrelado à capaci-
Duas inquietações: a) até que ponto estas po- dade de saber decidir.
líticas estão sendo incorporadas pelos urbanis-
tas, como técnicos que definem os rumos das ci- Nádia Somekh ] Tenho dúvidas em relação
dades? Até que ponto os urbanistas que prepa- à distinção entre práticas, que são instrumentos de
ram a distribuição do dinheiro em obras estão tro- políticas mais gerais e práticas que não se fazem
cando idéias com sanitaristas e educadores para como políticas globais. Tenho muitas dúvidas em
ver as necessidades? b) outra preocupação é com termos da discussão quanto à importância do papel
as ações integradas, se trabalhadas efetivamen- do Estado no apoio a estas ações.
te, ações integradas gastam menos dinheiro. Mas,
na prática, são muito difíceis de serem realizadas. Ladislau Dowbor ] É impressionante o
As ações integradas não são só uma questão da número de iniciativas inovadoras isoladas. O pro-
capacitação dos gestores, mas há enfrentamento cesso de reprodução social, conforme analisei re-
político mesmo, na medida em que a forma de gas- centemente, é um processo que tem como perspec-
tar o dinheiro muda, fazendo-se economia que tira tiva estancar a separação existente entre os cam-
recursos das secretarias individualmente. Por que pos do econômico e do social. A reprodução social
tanta resistência ou dificuldade de integrar ações, deve estar na mira do econômico. Daí a impressão
articular órgãos públicos, criar transetorialidade de que, se trabalhássemos em rede, haveria um
nas ações? enorme ganho. Existe muita inovação acontecendo,
Oficina 3
está faltando comunicação, articulação em rede, di- Pedro Jacobi ] Que condições foram criadas
álogo, comunicação, informação. para que se gerasse co-responsabilização pela fre-
O social não é um setor, mas sim um enfoque. qüência da criança à escola? E a continuidade ou
Desenvolvimento industrial, por exemplo, pode ser descontinuidade da bolsa-escola com a atual mu-
social, dependendo do enfoque. A transparência de dança de governo?
informação e a construção desta informação podem
ser instrumentos de alavancagem poderosos. Há um Antônio Ibañez Ruiz ] O gasto com o pro-
enorme potencial transformador no simples acesso grama no ano passado foi da ordem de R$ 32 mi-
às informações. lhões, beneficiando 25 mil famílias e mais do que 50
mil crianças. Mas gerou várias economias como sub-
Antônio Ibañez Ruiz ] Voltar a ter empre- produtos, como a queda da evasão, da repetência,
go como nas décadas de 60 e 70 é praticamente diminuição do trabalho infantil etc. Mas não é isso
impossível. Concordo com a crítica de Jan Bitoun, que importa ressaltar. Isso é menos importante. O
de que a importância de reformas urbanas “à la que importa é a perspectiva de inclusão e acesso a
Barcelona”, como é moda atualmente na América um direito universal. Quanto à continuidade, não sei
Latina, é absurdo. Hoje, o campo é o lugar onde pode como está, só sei que até o momento não foi parali-
surgir o maior número de empregos. Então, acho sado, as famílias continuam recebendo mensalmente
que não podemos esquecer o campo, que tem mais os benefícios no banco. Não sei quanto à continui-
capacidade de gerar empregos que a cidade. dade dos outros aspectos.
A educação está na agenda política. Ainda as-
sim, o salário-educação, que é o fundo de com- Sônia Café ] Como foi que conseguiram obter
pensação do governo federal para a área, vem sen- recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)?
do continuamente dilapidado pelo governo federal. Qual a característica institucional da agência de 149
Mas, de qualquer forma, na agenda política, a ques- desenvolvimento, é pública ou de caráter social?
tão da educação está colocada, mas na agenda so-
cial só está colocada pelas pessoas que estão en- Jan Bitoun ] Dos acordos celebrados, quais
volvidas em educação. Em Brasília, o governo do são os que saíram do Grupo de Trabalho de desen-
Cristovam teve por lema “governar, educando”. volvimento urbano e do Grupo de Trabalho de desen-
Agora, todos são favoráveis à educação. Quem é volvimento social? Estes acordos foram assinados
contra? Todos querem mais educação, mas o con- entre entes do poder público, ou entrou também o
senso pára por aí. Quando se pergunta “educação setor privado?
para quê?”, surgem dois modelos: a) educação para
o mercado de trabalho, e b) educação como uma Marta Farah ] Como se passa dos grandes
questão de cidadania. consensos de linha de ação para os acordos opera-
Assim, a educação ultrapassou, para nós, o sig- cionais? Qual o envolvimento dos atores com a
nificado primário normalmente atribuído a ela, en- implementação efetiva das propostas? Qual o peso
trando para áreas como trânsito, emprego etc., ou da liderança assumida por um ou alguns prefeitos?
seja, entrou para outros setores. Tem que levar O acordo já define medidas concretas?
questões como a educação ambiental para dentro
da sala de aula etc., por aí afora. Educação é uma Nádia Somekh ] Os recursos do FAT
questão ética, uma questão de cidadania, bem mais foram obtidos por intermédio do governo do Es-
ampla que meramente a qualificação de mão-de- tado. A sustentabilidade da agência envolve um
obra para o mercado de trabalho. orçamento bastante restrito, que é financiado no
percentual de 49% pelo consórcio (são R$ 30 mil Caio Silveira ] A necessidade de conselho
por mês). Ainda é preciso descobrir quais as em- municipal de agricultura é só para financiamento do
presas devem ser estimuladas, assim como cap- próprio município, não do agricultor individual.
tar recursos para isso. Estão em negociação como
uma agência de fomento de Milão, além de terem Tânia Zapata ] Pelo menos em relação ao
obtido recursos do BID para contratação de con- Nordeste, não considero o PRONAF um programa ino-
sultores, para formulação do planejamento estra- vador. Há muitos problemas de implementação, sem
tégico regional. Em relação aos acordos celebra- qualquer impacto significativo sobre a viabilização da
dos, o MOVA, o Criança Prioridade Um são do agricultura familiar. Em Tejuçuoca (interior do Cea-
Grupo de Trabalho de desenvolvimento social e o rá), o plano do PRONAF não teve qualquer participa-
plano turístico vem do Grupo de Trabalho de de- ção dos agricultores locais, tendo sido elaborado pe-
senvolvimento econômico e ambiental. los técnicos da EMATER. É muito bonito em termos
Em 1997, cada acordo partiu de um grupo de de concepção, mas a viabilização, como em muitos
prioridades, passando pela formulação de um pro- projetos do governo, não funciona. Falta o caráter de
jeto, incluindo a contrapartida de cada um dos agen- eficiência, de eficácia, de gestão.
tes. Cada um dos parceiros entra com o que pode.
Os acordos de 1998 foram assinados a toque de Ladislau Dowbor ] Não adianta falar em
caixa e não houve tempo para formulação de proje- empregabilidade se não há empregos. Em relação
tos. Em 1998, havia o mote da consolidação dos acor- à experiência do ABC, lembro-me de ter participa-
dos. Agora precisa passar por um monitoramento e do de uma reunião de empresários do setor produ-
ser construído. tivo do plástico, quando houve uma busca do nível
O peso de liderança dos prefeitos varia em fun- operacional. O realismo é pegar um setor econô-
ção da visão mais ou menos esclarecida de cada mico concreto e verificar o que falta para viabilizá-
150 um. Tem prefeitos que têm uma visão mais regio- lo. O curioso é que é um processo que integra di-
nal, e estes precisam passar para os demais a no- versos setores de política em função de um setor
ção de que sem a cooperação regional é difícil o econômico concreto.
município trabalhar e obter sucesso sozinho.
Betânia Ávila ] A questão de gênero: é diferen-
Maria do Carmo Brant ] Na região de te a participação das mulheres e dos homens. A partici-
Chapecó, os agricultores estão muito mais organi- pação política de homens é aceita como normal. Mas,
zados para reivindicar os recursos do PRONAF. Não para as mulheres, é uma luta política, muitas formas
pode o Estado dar mais apoio ao programa? de intervenção ainda funcionam em moldes passa-
dos, com a idéia do trabalho da mulher sendo sem
Nilson Costa ] O PRONAF tem dois tipos de valor (trabalho doméstico). Sob a ótica de gênero,
clientelas. Uma é o município, a outra é o indivíduo, gênero é um enfoque, um modo de análise.
que vai no Banco do Brasil e pede o financiamento A primeira observação é a da importância da di-
do PRONAF. O programa tem uma implantação no mensão organizacional e da educação. Qualquer pro-
Sul muito mais efetiva. Valeria a pena discutir Caixa grama acaba selecionando seu beneficiário de acor-
Econômica Federal e Banco do Brasil como gesto- do com a capacidade de organização de cada gru-
res de programas sociais. po. As mulheres mais organizadas têm mais acesso
aos programas de saúde, não só porque cuidam
Maria do Carmo Brant ] Aqueles agricul- melhor de sua saúde como porque chegam ao ser-
tores que mais precisam não têm acesso. viço com um nível de exigência mais elevado. Em
Oficina 3
alguns programas específicos, sua organização tenta Antônio Ibañez Ruiz ] Os programas são
trabalhar a educação da comunidade, associada à bem distintos. Hoje, há diversos municípios e os no-
pressão sobre os serviços de saúde, assim como à vos governos estaduais interessados em implemen-
mídia. Na comunicação de massa, sua organização tar a bolsa-escola. Há a Missão Criança, uma ONG
tem conseguido parceiros inéditos. criada por Cristovam Buarque a fim de assegurar a
Nas capacitações e nas mobilizações é preciso continuidade do Programa. Enfatizo, novamente, a
que a questão de gênero seja colocada explicita- importância da inclusão da educação na agenda pú-
mente, porque a participação de homens e mulhe- blica. O programa de bolsa-escola por si só demons-
res é diferente. Para os homens, a participação políti- tra um sucesso pelos resultados, mas é muito mais
ca é dada, para as mulheres, ao contrário, é um eficaz se inserido num contexto mais amplo de em-
projeto político em si mesmo. As políticas públicas, prego e renda. Exemplo disso é uma redução do tra-
a ação governamental e muitas formas de interven- balho infantil nas ruas do Distrito Federal.
ção social estão organizadas como se o homem tives-
se comprometimento de 44 horas semanais de tra- Nádia Somekh ] A Câmara do Grande ABC,
balho e a mulher plena disponibilidade de tempo, após dois anos, está permitindo a construção de um
como se não tivessem qualquer trabalho. A partici- novo modelo de gestão participativa. Já existem al-
pação de homens e mulheres não se dá naturalmente guns resultados concretos: melhorias na infra-estru-
e da mesma maneira. Para as mulheres, a capacita- tura (os piscinões já estão quase prontos); no siste-
ção começa pelo enpowerment. ma viário; reformulações legislativas; a criação de
Além de todas as questões já colocadas, a um fundo de aval, e principalmente a construção de
construção da cidadania exige a construção de relações de confiança entre as prefeituras e a socie-
novos campos de direitos. É preciso reestruturar dade civil, com a ajuda do Diário do Grande ABC. A
o conceito de cidadania, o que possibilita a colo- relação de confiança que se criou com os empresári-
cação de novas formas de intervenção. Os direi- os, em especial com o setor petroquímico, resultou 151
tos reprodutivos e os direitos sexuais têm a ver no grupo do plástico, na idéia de se criar um centro
com a redefinição do perfil do cidadão e da cida- de excelência em plástico, um centro de compras
dã. Na reestruturação do conceito da cidadania, de matéria-prima e um projeto de pólo de moldes.
há mudança de mentalidade, mudança de cultu- Foi construída uma nova relação com o governo do
ra. A relação entre produção e reprodução é im- Estado. Ou seja, em dois anos de trabalho estamos
portante. Nos mecanismos de participação social construindo uma forma de gestão a partir dos insu-
e de controle são as mulheres que trazem as ques- cessos dos modelos de gestão anteriores. Em rela-
tões da vida cotidiana de maneira mais forte. Isto ção ao impacto da geração de emprego e renda, é
porque são as responsáveis pela tarefa da repro- preciso um monitoramento de resultados. Ainda não
dução. Em estudo realizado em Recife, verificou- estamos neste estágio, mas já temos alguns resul-
se que as mulheres participam da divisão de ta- tados concretos.
refas mas, na hora do orçamento participativo,
só os homens intervêm. Marta Farah ] Uma preocupação: como
podem as iniciativas sobreviver e mesmo avançar
Ricardo Beltrão ] Não dá para melhorar em ambientes macroeconômicos tão adversos como
a situação social despolitizando a discussão para este que estamos vivendo agora? Outra questão im-
torná-la estritamente técnica. Em relação ao PRO- portante diz respeito à tensão entre o micro e o ma-
NAF, considero que o problema é de desenho e cro. Falo das práticas em si mesmas, para indagar
não de implementação. como elas podem sobreviver, superar o projeto-pi-
loto, avançar, ao invés de morrer em si mesmas. compreensão de como estão acontecendo estas po-
Parece ser importante o enraizamento local, pelo líticas e o relacionamento entre os municípios.
envolvimento dos atores locais. Sente-se um gran-
de compromisso de todos com as experiências, po- Cunca Bocayuva ] Olhando o cenário e
rém a questão é de fazer transcender a paixão ini- todas as reflexões, o mais comum entre todos foi o
cial para os atores que sucederão aos primeiros. É gigantesco esforço subjetivo de criação, de autono-
importante a inserção dessas iniciativas pontuais mia, de gestação tanto da parte de governantes e
em políticas mais abrangentes, bem como a cons- técnicos quanto de movimentos e atores. O quadro
trução de redes que divulguem essas experiências. atual é de crise e reestruturação, o que exige um
Finalmente, é importante a apropriação de múlti- redirecionamento dos atores. Nenhum direito, ne-
plos atores, tanto na sociedade civil como no pró- nhum combate à pobreza pode subsistir sem atores
prio Estado. Qual é o elemento transformador de que os sustentem. Observei que, nesta oficina, te-
um programa numa escala maior? Aparecem outras mos um grau de unidade que é a noção de combate
alternativas, como a construção de redes que divul- à pobreza articulada à noção de luta contra as
gam, uma difusão, uma troca horizontal e não, nes- desigualdades. A maior parte das políticas aqui
te caso, uma inserção política. Sem perder a pai- discutidas nos remetem à seguinte questão: é possí-
xão, é preciso garantir institucionalidade, criar en- vel uma coalisão entre os incluídos, semi-excluídos,
raizamento. Assim, é preciso tomar cuidado para excluídos e vulneráveis dentro de condições tão di-
que os programas muito macros não se percam em versas no Brasil tripartite, que não é mais só de
um distanciamento entre as macro-estruturas e os desenvolvimento desigual e combinado, sim, de um
usuários. Como não perder os programas muito ma- desenvolvimento desarticulado? Será que podemos
cros no nível do usuário final? Como sair das gran- ter um arranjo complexo de alianças solidárias com
des abstrações enclausuradas atrás de portas as massas deserdadas? Será que podemos traba-
152 impermeáveis? Se, por um lado, é preciso sair de lhar a pluralidade e o pluralismo? Em suma, mesmo
um clientelismo, há o perigo de se fechar em deci- que não tenhamos um paradigma, podemos pensar
sões técnicas que também não resolvem nada. Com em unificar a plataforma a partir de uma revolução
relação ao problema da politização: se por um lado das prioridades.
é preciso fugir do clientelismo, por outro há o risco
de se cair na negação da política e no insulamento
técnico e burocrático.

Maria do Carmo Meirelles ] Nas políticas


sociais, houve muitos avanços em termos de parti-
cipação (conselhos, por exemplo). É preciso, contu-
do, aprofundar as discussões em torno desses con-
selhos municipais, que são criados apenas como con-
dição básica para o repasse de recursos. Outra pre-
ocupação é a capacitação dos conselheiros, lembran-
do da experiência do Fórum dos Conselheiros de Saú-
de. E, por fim, é interessante notar que no discurso
de Nádia Somekh, todos os rearranjos intermunici-
pais que estão surgindo em nível regional são muito
recentes. Acho que temos que aprofundar mais a
Oficina 3
Identificação das idéias-força
Comentadores: Nilson Costa e Pedro Jacobi

Nilson Costa estaduais e municipais e a adequação do usuário


Um pequeno balanço ou memória sucinta das final aos modelos regulatórios utilizados.
questões principais que emergiram ao longo dos
três encontros: 1) o primeiro ponto importante é o Pedro Jacobi 153
dilema entre o macro e o micro. A estrutura de Estamos lidando com um número cada vez mai-
necessidades do país é imensa, de modo que ha- or de atores, com linguagens específicas que pre-
veria uma infinidade de políticas nacionais a se- cisam ser decodificadas. Questão da co-responsa-
rem adotadas; 2) outra questão é pensar o Estado bilização: além dos poderes públicos, nós, como
diante de políticas redistributivas, como as de ren- instituições da sociedade civil, precisamos buscar
da mínima e de educação, como potentes meca- isto. Somos capacitadores e temos essa respon-
nismos de redução da pobreza; 3) outro ponto é sabilidade de trabalhar nossa linguagem para que
pensar novos paradigmas para a gestão social, com nos tornemos intelegíveis aos nossos interlocu-
capacidade de levantar pontos de interesse nacio- tores. Outro aspecto a destacar é que precisamos
nal, como consórcio e Câmara do Grande ABC; 4) levar em conta a necessidade de construção cole-
uma outra coisa interessante é pensar o social não tiva de um novo contexto, com centralidade no so-
como setor, mas como enfoque; 5) ficou claro, por cial. Também a problemática de gênero, devendo
outro lado, um projeto de economia solidária, ten- ocupar um novo espaço. É importante dar relevân-
do as cooperativas como figuras centrais; 6) a cia a temas como a sustentabilidade.
questão do ambiente favorável para as iniciativas O que é esta questão da engenharia institucional?
locais leva a outras indagações como as de aces- Se esta engenharia institucional for bem feita, esti-
so ao crédito e ao mercado; 7) o enfoque das polí- mulando co-responsabilização, construindo coali-
ticas sociais de âmbito nacional, sua engenharia e zões, estabelecendo compromissos entre atores
as novas formas de participação que elas têm de- vários para ações concretas, poderemos mudar o
mandado, destacando a mediação dos conselhos quadro atual de pobreza e desigualdade.
Oficina 4
Em busca de um consenso
PORTO DE GALINHAS • ABRIL, 1999
Participantes

Ana Britto (Observatório Rio – PROURB/UFRJ) • Ana Clara Torres


Ribeiro (FASE-Nacional/IPPUR/UFRJ) • Antônio Ibañez Ruiz (Bolsa-
Escola/Brasília) • Brasilmar Ferreira Nunes (UNB) • Caio Silveira
(NAPP/RJ) • Cristovam Buarque (Missão Criança/DF) • Elizabeth
Leeds (Fundação Ford) • Fábio Atanásio (UNICEF/PE) • Franklin
Coelho (UFF/Secretaria Estadual de Planejamento do Rio de Janeiro/
RJ) • Graciete Santos (Casa da Mulher do Nordeste/PE) • Grazia de
Grazia (FASE-Nacional/RJ) • Gustavo Krause (Multi Consultoria/PE) •
Ismael Ferreira de Oliveira (APAEB-Valente) • Jacqueline Rosas Silva
(Programa Bolsões de Pobreza/MG) • Jan Bitoun (Observatório Recife
- UFPE) • Joanildo Burity (FUNDAJ/UFPE) • Kátia Lubambo (FUNDAJ/
UFPE) • Kleber Montezuma (Secretário Municipal de Habitação de
Teresina/PI) • Ladislau Dowbor (PUC/SP) • Marcos Formiga (UNB/
FINEP) • Maria do Carmo Brant (PUC/SP) • Maria do Carmo Meirelles
(CEPAM – Fundação Prefeito Faria Lima/SP) • Maria Magdalena Alves
(Ação da Cidadania/SP) • Marilena Jamur (PUC/RJ) • Marta Ferreira
Santos Farah (FGV/SP) • Mirna Pimentel (UFPE) • Nádia Somekh
(Prefeitura de Santo André/FAU-Mackenzie/SP) • Neide Silva (ETAPAS/
PE) • Nilson Costa (UFF/FIOCRUZ/RJ) • Pedro Jacobi (USP) • Ricardo
Beltrão (FGVSP) • Ricardo Mello (CEDAC/RJ) • Robert Wilson (Univer-
sidade do Texas) • Serafim Ferraz (Banco do Nordeste) • Sílvio
Caccia Bava (POLIS/SP) • Sônia Café (Secretaria Municipal de
Trabalho/Prefeitura do Rio de Janeiro) • Sônia Dias (Introdução dos
Catadores no Mercado de Reciclagem/Belo Horizonte) • Telúrio
Cavalcanti (SUDENE) • Valdi Dantas (Sistema CEAPE)
Oficina 4
Em busca de um consenso
Abertura

157

Peter Spink
O desafio deste encontro é utilizar ao máximo a Após a realização de três seminários ocorridos
capacidade, a competência e os pontos de vista de no Rio de Janeiro (provisão de serviços urbanos),
todos os participantes e convidados especiais, na Recife (ações integradas de desenvolvimento
busca de um quadro de referência para a temática socioeconômico) e São Paulo (geração de emprego
da pobreza e da exclusão social. Identificar os ele- e renda) reunindo pessoas com linguagens e visões
mentos-chave para a construção de uma platafor- de mundo diferentes, é hora de compartilhar as con-
ma de ação em termos de estratégias locais para a clusões parciais e avançarmos na reflexão sobre
redução da pobreza é, portanto, o nosso grande possíveis caminhos de ação em face da pobreza, da
objetivo e desafio aqui. exclusão e das desigualdades sociais.
Pobreza, desigualdade e
inclusão social: questões levantadas
durante os diálogos regionais
Expositores: Maria do Carmo Brant,
Marilena Jamur e Sílvio Caccia Bava

Maria do Carmo Brant


As experiências apresentadas e discutidas nes- Habitacionais (por exemplo, o Programa de Ação In-
ta oficina são municipais, são protagonizadas pelo tegrada nos Bolsões de Pobreza/Ipatinga-MG).
governo municipal e têm parcerias com organiza- Ao lidar com a pobreza, deve-se trazer à lem-
ções da sociedade civil, organizações religiosas e, brança que ela é diversificada. Pobreza não é sim-
158 principalmente, associações de moradores. Nestas plesmente ausência de renda. No âmbito urbano,
iniciativas, percebe-se a existência de uma grande por exemplo, a pobreza é marcada basicamente
conexão com o público-alvo e, em especial, com as por um precário acesso a bens e a serviços públi-
organizações locais. cos e por um apartheid social visível, sobretudo
Outra questão a destacar é que há programas, quando se analisa Recife, São Paulo e Rio de Ja-
como o de Porto Alegre (Unidade de Triagem), que neiro. Grupos vulneráveis como os catadores de
têm vários anos de existência, outros, ainda, embora papel da experiência das ASMARE (parceria en-
mais recentes, revelam certa continuidade adminis- tre a prefeitura de Belo Horizonte e a ASMARE -
trativa, que pode ser atribuída às parcerias. Assim, os Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Ma-
programas que não sofreram descontinuidade (Porto teriais Reaproveitáveis nas ações de coleta sele-
Alegre e Belo Horizonte, por exemplo) têm alianças tiva e reciclagem de lixo) e moradores de rua en-
maiores com as associações de moradores. volvidos no projeto Unidades de Triagem da Pre-
Um outro elemento geral a ser observado está re- feitura de Porto Alegre, são exemplos que apre-
lacionado às atenções que são oferecidas as popula- sentam históricos cumulativos de déficits e de
ções pobres. Tudo leva a crer que os desenhos dos instabilidade. Aliás, sobre esses grupos vulnerá-
projeto são mais flexíveis para atender às caracterís- veis, poderíamos utilizar a expressão “desfilia-
ticas da população-alvo. Neste sentido, eles substitu- do” do autor R. Castell (alusão ao livro “Desi-
em os modelo clássicos de políticas sociais. A maioria gualdade e Questão Social” com tradução de Ma-
das experiências já vêm com alguma prática ou refle- riângela Wanderlei, da PUC/SP) para explicar que
xões prévias, como o Programa de Saúde da Família essa população está fora do sistema de proteção
(Niterói/RJ, Mutirão do Serrotão/PB) e os Mutirões social e de vínculos de inclusão mínimos, que são
Oficina 4
a sociabilidade sóciofamiliar e comunitária. Marilena Jamur
Outra questão a ser levantada é a ausência de ca- No que concerne à reconstituição da oficina de
nais próprios de interlocução entre a população pobre Recife, essa não é uma tarefa muito fácil, em con-
e os agentes governamentais e sociais. São sempre seqüência da diversidade e da multiplicidade de olha-
outros agentes, que falam pelos pobres. São as orga- res sobre as experiências apresentadas e, conse-
nizações governamentais e as ONGs (os policy makers qüentemente, da profusão de questões sucitadas
e a classe média militante) que falam pelos destituí- pelos participantes. Um exemplo disso foi a síntese
dos de direito. Esta postura ratifica a exclusão, a de- das discussões do primeiro dia de seminários ela-
sigualdade e a tutela. Se olharmos as experiências borada do Franklin Coelho (UFF/Governo Estadual
discutidas na oficina do Rio, perceberemos que não do Rio de Janeiro) na qual haviam 12 questões, dei-
ouvimos os saberes que nascem da população. Des- xando muita gente preocupada. Mas, provocações
sa maneira, quando se fala em empowerment ou for- à parte, o conjunto das discussões e reflexões foi
talecimento emancipatório ou, ainda, construção da extremamente rico, desafiador e impregnado de po-
cidadania da população pobre, devemos nos pergun- lêmicas. Ou seja: um verdadeiro espaço de confron-
tar até que ponto estamos querendo dar voz e vez a tação entre o pensar e o agir.
esse público-alvo chamado pobreza? Isso porque, ao Diante da dificuldade de fazer aqui uma recupe-
se falar em construir cidadania, significa dizer cons- ração completa do que foi discutido em Recife, vou
truir “inclusão”, garantindo aos pobres o poder. destacar os pontos mais relevantes. Quero chamar
Entretanto, poder não se dá, poder se conquista. As- a atenção para a diversidade quanto a territoriali-
sim parece que o grande desafio que enfrentam os dade das experiências apresentadas, como diferen-
programas analisados é o de dar voz e vez aos cha- ças de geografia e de escala. Discutiu-se, então, o
mados pobres brasileiros. que é o “local”. Confunde-se com o municipal? Al-
As experiências analisadas na oficina do Rio são gumas iniciativas têm caráter regional, portanto tem 159
em si espaços de vocalização e de interlocução. Po- amplitude diferenciada.
rém, é importante nos perguntar se os agentes des- Foi ressaltada a importância de se pensar sobre
sas iniciativas estão criando condições estratégicas a categoria do lugar: pensar a questão territorial,
para que os programas sejam apropriados como porém ligada a questão da identidade local, já que é
espaços/canais de voz e de interlocução política pe- na dimensão do local que as práticas dos atores
los chamados pobres e excluídos. efetivamente se realizam. O local, como assinalou
No mais, é interessante verificar que nos pro- Ismael de Oliveira da APAEB, é uma “arena das
gramas de limpeza urbana, o público é específico demandas e das reivindicações” – o local é o lugar
(catadores de papel, moradores de rua), mas não onde as práticas dos atores se realizam, onde ga-
se trabalhou a política de limpeza urbana como uma nham visibilidade os processos de mudança, de
grande estratégia de redução da pobreza. Não se melhoria da qualidade de vida das pessoas, que po-
enfocou a potencialidade da limpeza urbana em si e dem estimular novas práticas, que mudem a corre-
como ela pode chegar às periferias das cidades. lação de forças. O local, porém, deve ser pensado
Ficou bastante claro que podemos ter três intencio- na sua relação com as dimensões territoriais mais
nalidades diferentes para o conjunto da população: amplas (o regional, o nacional, o global).
a) construir políticas efetivas (por exemplo: Porto Falamos em diversidade também em relação aos
Alegre, com a limpeza urbana); b) programas foca- agentes e atores promotores das experiências: ana-
lizados em clientes específicos (por exemplo: Belo lisamos o seminário de Recife e iniciativas governa-
Horizonte, com os catadores de papel); c) progra- mentais (de governos municipais e estaduais, de ór-
mas tutelares, que não constroem cidadania. gãos do governo federal) de ONGs nacionais e in-
ternacionais, parcerias entre esferas distintas, ini- 3- outro ponto recorrente nas discussões foram
ciativas de indivíduos ou grupos atuando no merca- os resultados efetivos que as experiências têm tra-
do e até mesmo os chamados “atores híbridos” (ali- zido para a população-alvo dos projetos: os resulta-
ás, essa alusão aos prováveis “atores híbridos”, dos visados se restringem à geração ou ao aumen-
foi objeto de grande polêmica.) Apesar de toda essa to de renda para os envolvidos, ou significam tam-
diversidade constatada e discutida em Recife, ob- bém mudanças culturais, sociais e, principalmente,
servou-se um ponto de convergência, que é o cará- políticas? Um a preocupação constante foi a quali-
ter social das práticas. dade da relação entre os agentes promotores das
Um outro ponto de discussão sempre presente experiências e a população participante. Afinal, es-
foi o papel que cabe aos diferentes atores, ressal- sas experiências têm contribuído para superar a
tando a indispensabilidade do papel do Estado em relação de tutela e dependência, têm contribuído de
matéria de políticas de redução da pobreza e da alguma forma para transformar as pessoas envol-
desigualdade, assim como a importância do papel vidas em atores efetivos, por meio de uma partici-
que podem desempenhar as ONGs – o chamado ter- pação que avance na direção da emancipação de
ceiro setor – e também o próprio mercado. Com uma cidadania ativa?
relação a este último, foi enfatizada a necessidade 4- como avaliar os resultados obtidos? Na dis-
da sua democratização e da participação do empre- cussão de algumas experiências, essa dificuldade foi
sariado, tendo em vista ações de redução das desi- explicitamente colocada, como, por exemplo, no re-
gualdades e de redistribuição de renda. lato de Ismael da APAEB, que nos explicou a dificul-
Essa questão nos levou a outras considerações: dade de medir em números os resultados dos pro-
1- relação entre as experiências, as práticas gramas desenvolvidos (segundo Ismael, “é visível,
160 no nível local e as políticas, isto é, a relação entre mas é difícil de medir”), revelando inclusive a difi-
o micro e o macro – em que medida existe uma culdade de obter ajuda da universidade. A universi-
compatibilidade, complementaridade entre o micro dade, aliás, foi alvo de críticas em razão do seu
e o macro? O que se percebeu nos relatos das ex- descompromisso social e da formação que oferece.
periências apresentadas em Recife é que há um Em torno dessa dificuldade de avaliar o impacto dos
conjunto significativo de atores envolvidos, há re- programas, várias questões emergiram: de que re-
sultados positivos (mesmo que haja dificuldade sultados se fala, quando se fala em capacitação? Ao
para melhor qualificar esses resultados), mas es- se apresentar os resultados em termos econômicos,
sas experiências não encontram suporte nas polí- como desvendar a articulação desses resultados com
ticas existentes e, o que é pior, muitas vezes essas os aspectos cultural, social e político? Como avaliar
políticas representam sérios obstáculos, entraves a potencialidade e a perspectiva de continuidade dos
ao desenvolvimento das práticas. Nesse sentido, po- projetos? Em que medida as experiências têm sido
demos facilmente nos entusiasmar por essas práti- significativas no que diz respeito às necessidades da
cas, mas certamente nos frustramos com as políti- população? As experiências têm contribuído para que
cas em curso. Assim, ao falar em multiplicar e ge- as pessoas sejam verdadeiros atores, protagonistas
neralizar experiências exitosas, nos remetemos à dos processos de desenvolvimento? Em que medida
questão de como fazer para que elas alcancem uma elas geram inclusão social?
escala mais ampla; 5- um último ponto a destacar e que gerou bas-
2- intersetorialidade, que nos remete tanto à tante controvérsia no seminário de Recife está re-
questão da articulação entre as ações, integração e lacionado à questão da seleção do público-alvo. Em
coordenação, quanto à formação dos atores; que medida a “discriminação positiva” é válida e
Oficina 4
deve ser estimulada em face da desigualdade que têm condições de aproveitar os processos de ca-
gera pobreza e se expande do econômico para as pacitação, tal qual oferecidos hoje.
outras esferas? Há todo um raciocínio que está assentado na idéia
do desenvolvimento de microempresas, cooperativas
Sílvio Caccia Bava etc. Estas iniciativas podem expandir a oferta, mas a
Quanto à memória da oficina realizada em São concentração de renda restringe a capacidade de con-
Paulo, é necessário relembrar inicialmente a fala sumo. É preciso fazer com que a demanda seja elásti-
de abertura de Peter Spink sobre a importância da ca, o que remete às macropolíticas, que devem cuidar
pluralidade de posições entre os participantes, ao da redistribuição de renda. As experiências que têm
longo dessas oficinas. O objetivo da oficina de São sido estudadas não repercutem sobre os dados esta-
Paulo era aprofundar o conjunto das ações públicas tísticos da pobreza. Daí é fundamental perguntar qual
ou comunitárias, ao invés de estudar a pobreza de a importância dessas iniciativas ditas inovadoras. O
forma isolada. O social não é algo à parte, mas ape- combate à pobreza é uma missão compartilhada en-
nas um enfoque com o qual devemos tratar a eco- tre a sociedade civil e o Estado. A questão virtuosa é a
nomia, a exclusão etc. de saber como coordenar estes atores. O combate à
O primeiro bloco de idéias diz respeito ao diag- pobreza não se reduz à questão material, mas tam-
nóstico da pobreza (afinal, de que pobreza estamos bém à recuperação da auto-estima, da capacidade para
falando?). Há diferenças entre os setores empobre- o trabalho, ao fortalecimento dos laços sociais. O com-
cidos. Parece haver uma conclusão deste seminário bate à pobreza envolve as condições para o fim da
de que a pobreza urbana traria um processo de ex- exclusão social. O desafio é o de saber como sair das
clusão social maior do que aquela que ocorre no experiências que envolvem um número limitado de
âmbito rural. Outra questão no diagnóstico da pobre- participantes e ampliar o seu impacto para que pos- 161
za é o de que as experiências trazidas para o semi- sam influenciar as estatísticas.
nário de São Paulo não tratavam dos mais pobres, Este desafio remete diretamente à relação com
mas dos pobres com algum tipo de formação profis- o poder público, com o Estado. Os instrumentos têm
sional, de experiência etc. Os estudos mais recentes que ser públicos, com utilização de financiamentos
têm revelado que os mais pobres dentre os pobres públicos. É muito usual a valorização de experiên-
não têm condições de sair de sua condição. Pobreza cias inovadoras, as chamadas best practices. Po-
e exclusão não são voluntárias, mas resultado de rém, a questão é saber como toda essa riqueza
políticas públicas. Portanto, a reinclusão envolve ne- vinda da sociedade poderá sensibilizar as instân-
cessariamente políticas públicas. cias decisórias, que fazem passar de micropolíti-
O segundo bloco envolve os índices de pobre- cas para macropolíticas.
za. Muitos projetos parecem estar apenas geren- As ações de combate à pobreza exigem: visão
ciando a situação de desigualdade. O caráter re- social, visão intersetorial, visão sobre o regional, o
distributivo remete-nos à política, no sentido da estadual e o nacional a partir do local. Combater à
necessidade de se refazer um pacto regulatório em pobreza significa ainda universalizar direitos. Por
torno da eqüidade social. Emprego não resolve fim, a gestão democrática e participativa da socie-
exclusão e pobreza. A questão central é a geração dade é fundamental para reorientar a aplicação dos
de renda. Os processos de capacitação precisam recursos públicos e para valorizar as parcerias.
de um patamar mínimo do público –alvo, para que
surtam efeitos. Parcelas da população que não têm
grau de escolaridade e capacitação profissional não
Escolhendo os eixos de análise a serem
discutidos nos grupos de trabalho
Comentadores: Ana Clara Ribeiro e Gustavo Krause

Ana Clara Ribeiro


A princípio, o trabalho desenvolvido pela Funda- com o mundo. Há a multiplicação de oportunidade pelo
ção Getúlio Vargas, de São Paulo, por meio de semi- caráter democrático das experiências. A reflexão sobre
nários voltados para a discussão sobre os caminhos a duração das experiências é importante, sob o ponto
do combate à pobreza, representa um grande desa- de vista da configuração identitária (se é possível confi-
fio. Entretanto, ainda não consigo perceber a possi- gurar novas identidades sociais, novos atores e novas
bilidade de construir teoria a partir das práticas de- representações sociais).
batidas nessas oficinas. Em relação à discussão que Nossa leitura da pobreza é reprodutora de um
está emergindo sobre a temática específica da po- olhar hegemônico, de um olhar externalizado. É um
breza, observei que há uma questão que me preocu- olhar que não coincide com o da população que está
pa e que diz respeito à pobreza e à sua conexão com envolvida em uma determinada experiência concre-
outras idéias (desigualdade, exclusão). ta. Entendendo o cotidiano como sendo a vida da
A questão é mais sensível quando se pensa a cons- própria sociedade, nós perceberemos que o nosso
162 trução histórica das identidades sociais. Algumas leitu- olhar não coincide, muitas vezes, com o da popula-
ras referentes à pobreza são de mais difícil apropriação ção-alvo, com o seu cotidiano.
pelos atores sociais. Do ponto de vista identitário, há Neste sentido, ao deslocarmos nosso olhar, nós
uma diferença entre ator e sujeito. É fundamental en- podemos formatar as experiências de modo diferente
tender a prática sem esquecer o âmbito dos sujeitos, da realidade e da necessidade do público-alvo. É pre-
indispensáveis para a construção da cidadania. Creio ciso compreender a riqueza das experiências, tendo
que existe um certo ocultamento da política propriamen- em vista que elas estão sendo apropriadas por atores
te dita, ou seja, a percepção de que algumas experiên- não hegemônicos e essa apropriação corresponde efe-
cias só dão certo porque o contexto político permite. tivamente a um desdobramento de táticas. Quem não
Cidadania sem política não existe. O registro político é tem o poder, desenvolve táticas. Táticas a apropriarão
essencial para a qualificação das experiências. de recursos, táticas de apropriação de oportunidades.
Chama muito a atenção a fragilidade da categoria Dependendo de como a política é desenhada, ela im-
local, pois entre o local e o supralocal há hierarquia. Há pede as táticas e, portanto, impede a possibilidade de
que se considerar o contexto das práticas em sua tota- formação de sujeitos. Dessa maneira, é importante cha-
lidade, para que se dê sentido à especialidade. Vemos mar a atenção para essas diferenças entre o local e o
as oportunidades criadas pelas experiências relaciona- lugar, o lugar e o contexto (aqui, Jan Bitoun já havia
das exclusivamente com alguns fins (emprego e renda). despertado essa preocupação) e também a questão
No entanto, a temáticas das oportunidades é bastante de estratégias, de táticas, das ocasiões. Ou seja, a po-
ampla e diz respeito à possibilidade de configuração de pulação não fica parada, ela efetivamente manipula
forças sociais, de romper o isolamento social, de rom- ocasiões, manipula condições e essas condições pre-
per mecanismos de exclusão e de criar novos contatos cisam ser socializadas.
Oficina 4
Outra questão a ser levantada diz respeito à gene- consolidação do processo está subjacente em toda a
ralização. A idéia de generalização versus a idéia de discussão. Ao invés de trabalhar com modelo de de-
multiplicação. Até que ponto podemos multiplicar a senvolvimento distante da sociedade e evolucionista,
mesma experiência e generalizar os direitos? A proble- vale a pena pensar em descrição de envolvimento
mática da generalização esteve no centro da discussão (quanto mais envolvidos, melhor!).
das oficinas realizadas no Rio de Janeiro e em Recife.
Assim, podemos vislumbrar, ao longo dessas ofi- Gustavo Krause
cinas, a existência de várias entradas simultâneas É preciso perceber que estamos diante de uma
para a generalização. Uma primeira entrada para a profunda crise de civilização com um enorme passi-
generalização seria por meio da teoria, mas isso não vo social e um outro não menos importante passivo
é factível nas condições de execução da reflexão des- ambiental. Faz-se necessário, portanto, mudar o rumo
tes seminários. A segunda generalização seria pela do projeto civilizatório! Estamos diante de uma crise
formatação técnica (o que é a natureza técnica das ético-social. As políticas públicas estão sendo apro-
experiências, capturá-la e ver qual a sua condição de priadas por pessoas outras e, quanto aos pobres, eles
generalização). A terceira possibilidade para enten- vêm sendo totalmente expropriados por essas mes-
der a generalização é por meio da cultura política. mas políticas. Os ricos são todos iguais, os pobres,
Isto é, é importante ver quais são os elementos efe- heterogêneos, daí a dificuldade da expressão política
tivos dessas experiências que positivam novos valo- do interesse destes últimos. Todas as vezes em que
res e que podem ser generalizados. O importante aqui se toma uma decisão política é importante não esque-
é apreender de que modo a extensão de uma certa cer que os interesses difusos encontram maior dificul-
cultura política pode favorecer a generalização das dade de expressa. Há um dilema, porque os instru-
experiências desejadas e democráticas. Enfim, uma mentos convencionais não respondem por ações he-
outra possibilidade é por meio de leis e de políticas. terodoxas. É preciso maior flexibilidade aos instrumen- 163
No caso da limpeza urbana, por exemplo, é impor- tos que vão dar visibilidade às políticas sociais.
tante perguntar por que não construir uma verdadei- No espaço local, a demanda é antropomórfica (tem
ra política que consiga reproduzir (no seu sentido cara de gente). Nas outras esferas de poder, a de-
amplo) algumas experiências, que de fato tenham manda chega de forma abstrata (a mortalidade in-
indicadores de integração e de democratização dos fantil chega ao ministro da saúde como uma estatís-
recursos. As experiências, quando podem ser trans- tica, no espaço local é o desespero do pai que preci-
formadas em lei (como o PREZEIS no Recife), podem sa de dinheiro para enterrar o anjinho). É importante
ser um bom caminho de generalização. termos um governo de proximidade (de parceria) em
As bases organizacionais e institucionais que sus- razão de sua enorme capacidade de hierarquizar as
tentam as experiências são essenciais para sua ge- necessidades. Ou seja, no governo de proximidade
neralização como política em nível nacional. O apri- há uma verdadeira união dos saberes: o saber do
moramento da máquina de governo (como no PRO- decisor e o saber que emana da sociedade civil. O
VE, do DF) pode ter efeitos positivos na forma de governo de proximidade, que promove e alavanca as
agir em relação à sociedade. A escolha de questões transformações sociais, é o indutor dos movimentos
nucleares é fundamental em termos de possibilida- sociais, das organizações comunitárias.
de de desdobramento das experiências. Em suma, trata-se aqui de entender o poder lo-
A questão do poder é interessante de ser analisa- cal como um grande condutor para recriar o espaço
da, para que se saiba se a redução da desigualdade público. Espaço público, aliás, que em dias atuais
corresponde à ampliação da cidadania, esta somen- vem sendo substituído pelo espaço econômico, em
te alcançável pela mudança nas relações de poder. A decorrência do fenômeno da globalização.
Debate

Oficina 4
Debate

Sônia Dias ] A respeito da colocação inicial dade locais não se constituem necessariamente
feita por Maria do Carmo Brant (PUC/SP), gosta- no sentido de um abrandamento das diferenças e
166 ria de esclarecer que o programa dos Catadores dos conflitos entre os grupos. O que significa que
de Papel não é uma política isolada, mas se inse- o trabalho de negociação e de politização se dá
re no âmbito maior da política de limpeza pública em todos os níveis e não somente na esfera da
em Belo Horizonte. A concepção de gerenciamento construção e da formatação da política pública.
de resíduos, que vem sendo implementada desde Em seguindo lugar, ao falarmos em termos de
93, apóia-se no tripé: emprego de tecnologia mais políticas, é preciso não esquecer que o espaço da
adequada, capacitação dos agentes e participa- política desenha-se em face dos antagonismos. A
ção da comunidade. dimensão do antagonismo é também uma dimen-
são da sociabilidade no campo local e não apenas
Sônia Café ] O Rio de Janeiro, em termos de na esfera macro.
combate à pobreza, tem o exemplo do FAVELA-BAIR-
RO, que é um programa de urbanização das fave- Franklin Coelho ] É fundamental aprender
las, que envolve uma tentativa de desenvolvimento com os erros, principalmente para saber o que acon-
econômico local. Iniciativas semelhantes existem teceu depois das melhores práticas, dada a descon-
também em outros municípios. tinuidade das experiências.

Joanildo Burity ] Ressalto a ligação entre Pedro Jacobi ] Considero importante que
política e cultura. tenhamos em mente a riqueza das experiências
Sobre as alternativas que a sociedade civil apresentadas e discutidas nas oficinas do Rio, de
pode apresentar em relação à pobreza, conside- Recife e de São Paulo. Riqueza essa que tem como
ro, em primeiro lugar, que as redes de sociabili- resultado um conjunto de atores dentro de uma
Oficina 4
lógica pró-ativa, baseada em algumas premissas. des do Brasil, uma grande dificuldade encontrada
Uma dessas premissas, que é fundamental, diz na gestão do ambiente urbano é a inserção da lim-
respeito à sustentabilidade. Sustentabilidade, que peza urbana dentro do contexto de poder. 167
articula o social, o político e o econômico a partir
de um a visão educativa de mudança de padrão e Graciete Santos ] É importante considerar
de consumo que é extremamente importante para nas discussões deste seminário a abordagem de
se pensar a questão desse contraponto da exclu- gênero e também que possamos discutir o espaço
são e da inclusão. privado e o público, o trabalho produtivo e
reprodutivo. Com relação à fala de Ana Clara Ribei-
Marilena Jamur ] Sugiro a discussão sobre ro, ainda é fundamental refletir sobre a as ativida-
o espaço da mídia, par indagar se ele pode ou não des do cotidiano (a vida das pessoas). Assim pode-
se tornar diferente do que é hoje. remos ter uma visão/análise mais real de como se
organiza a sociedade.
Antônio Ibañez ] Não se deve discutir as
experiências em si, mas quais políticas sociais de- Mirna Pimentel ] Ao se falar em solidarie-
vem lhes dar sustentação. Seria importante trazer dade, ficam de fora alguns itens fundamentais. É
as universidades para a ação em prol da cidadania. preciso trabalhar com o conceito de coesão social.
Não se pode trabalhar à margem das políticas pre-
sentes. Daí o porquê da necessidade de lutar por Marcos Formiga ] É importante associar a
um novo modelo tributário. pobreza à questão da educação. O grupo está
teorizando, embora Ana Clara Ribeiro pense o con-
Fábio Atanásio ] Ao longo da experiência trário. Elogio a preferência do Gustavo Krause pelo
que o UNICEF tem aculumado em várias localida- espaço local.
RESULTADOS DOS GRUPOS DE TRABALHO

Grupo 1 - Provisão dos Serviços Urbanos


Coordenador: Pedro Jacobi
Relator: Marcus Melo

Marcus Melo
O grupo discutiu sobre a provisão de serviços tentabilidade financeira das comunidades envolvidas;
urbanos. Não houve consenso, de modo que o rela- e) ações com caráter preventivo e não curativo;
to apenas aponta os pontos discutidos. Inicialmen- f) protagonismo do controle social por parte
168 te, buscou-se pautar as discussões em torno das dos envolvidos (para alguns, há fragilidade des-
seguintes questões: para que usar o conhecimento te controle).
sobre a as experiências discutidas? Como usá-las?
Para quem usá-las? Muitos questionaram se era o Pedro Jacobi
caso de discutir experiências inovadoras, quando Nas experiências discutidas pelo grupo, há o as-
estas apresentam apenas esforços locais em face pecto importante da sustentabilidade socioambiental.
do desengajamento do governo central. O grupo
considerou que tais experiências podem ser colo- Marta Farah
cadas de forma mais positiva. As experiências re- A dificuldade de consenso em relação ao prota-
presentariam uma certa tecnologia social. A ques- gonismo dos atores sociais teve uma dimensão im-
tão da variabilidade dos contextos pareceu a todos portante, que é a presença ativa da população. To-
como algo importante, mas ao mesmo tempo difícil dos do grupo entenderam ser essencial a presença
de discutir justamente pela diversidade. ativa da população-alvo, só não houve consenso
Conjunto de questões nucleares: quanto à forma em que se deve dar essa presença
a) integração entre políticas e geração de renda; (conselhos, democracia direta etc.).
b) estratégias locais como exemplo de integração
intersetorial; Grazia de Grazia
c) flexibilização de regras e instrumentos de po- Os mecanismos de participação da sociedade ci-
líticas públicas, inclusive no que diz respeito aos vil devem ser muito abertos. Seria importante, por
arranjos entre esferas de governo; outro lado pressionar às políticas nacionais no sen-
d) espírito empreendedor, no que diz respeito à sus- tido da descentralização de recursos.
Oficina 4
RESULTADOS DOS GRUPOS DE TRABALHO

Grupo 2 - Ações Integradas de


Desenvolvimento Socioeconômico
Coordenadora: Maria do Carmo Brant
Relator: Jan Bitoun

Jan Bitoun
O objetivo do grupo era definir as idéias-força e sobre as esferas de decisão - imediatas e distantes
alinhavá-las de maneira a ressaltar caminhos de - na cobrança, na formulação e na implementação
combate à pobreza, considerando a diversidade das de políticas públicas. Essa tensão é mais forte quan-
iniciativas apresentadas na oficina de Recife. Neste do há uma mobilização que, segundo todas as evi- 169
sentido, o desafio foi grande e expresso no próprio dências, a proximidade facilita.
título do seminário: “ações integradas de Desen- O segundo analisado e debatido pelo grupo diz
volvimento Socioeconômico”. respeito à intersetorialidade, à multissetorialidade
O primeiro ponto discutido foi a territorialidade e as relações interorganizacionais, fazendo emer-
e o combate à pobreza, que se desdobrou em três gir as seguintes questões:
outros pontos: a) caráter central da capacitação, considerando
a) territorialidade como dimensão quantitativa: os atores envolvidos;
alcance. Quando as ações são de pequena escala, b) identificação das questões nucleares que po-
há o problema da multiplicação ou da generalização dem ou não nascer no local, mas que mantém essa
frente à especificidade dos contextos; tensão e fomentam parcerias, iniciativas e agregam
b) territorialidade como uma dimensão legal- outras questões inter-relacionadas. O ponto de par-
constitucional ligada aos arranjos dos poderes ins- tida pode ser emprego e renda ou serviços urbanos,
titucionais da federação: Município, Estado e mas outros setores vão sendo acrescidos a fim de
União e algumas outras dimensões – regiões me- reduzir a exclusão. Neste processo, apareceu a evi-
tropolitanas; dência da importância de incluir a questão ambiental
c) territorialidade como dimensão identitária (ex- (lato sensu);
pressa pela palavra lugar): sempre ligada ao local c) o problema da intersetorialidade é a constru-
em construção, com raízes históricas. O mais im- ção interativa de ações multilaterais. No decorrer
portante em termos de combate a pobreza e de cons- desse processo, se aprende errando, se reconhece
trução da cidadania é a tensão que o local exerce a importância de estratégias específicas e deve-se
170
ficar atento ao nascer de novos atores (na esfera projetos que surgem por toda a parte. Na construção
da sociedade e dos poderes instituídos) que surgem de indicadores, na três eixos fundamentais:
durante a mobilização; a) mensurar impactos a partir de diagnósticos
d) não desconhecer as dificuldades dentro desse pré-existente (inclusive considerando a diversidade
processo, nem o fato de que ele envolve uma dimen- e heterogeneidade da população pobre);
são normativa. Isto é, se precisamos de multisseto- b) qualificar processos, ações e resultados;
rialidade, é preciso instituir novas formas e modelos c) necessidade de segmentar a avaliação de re-
de atitudes e práticas, considerando as peculiarida- sultados (indicadores sociais).
des e a cultura organizacional de cada setor;
e) introdução de novos valores na cultura política. Serafim Ferraz
E o terceiro e último ponto concerne à necessida- As experiências têm uma função didática e um
de política e metodológica de construção de indica- efeito “bola de neve”, porque se iniciam pequenas
dores. No aspecto político, há essa necessidade por- e tendem a crescer e irradiar.
que a construção de indicadores é um insumo à cons-
trução da multissetorialidade, podendo também de- Joanildo Burity
monstrar que a intersetorialidade (cuja construção Uma implicação importante em termos de quali-
leva tempo e mobiliza energia) traz resultados. Quanto ficação dos indicadores é a possibilidade de reedu-
ao aspecto metodológico, há necessidade de instru- car o olhar para perceber os processos de mudan-
mentos de monitoramento, em face dos inúmeros ça em curso.
Oficina 4
RESULTADOS DOS GRUPOS DE TRABALHO

Grupo 3 - Geração de Emprego e Renda


Coordenador: Marcos Formiga
Relator: Caio Silveira

Caio Silveira 171


A temática trabalho e renda deve ser vista como renda e baixa escolaridade, com barreiras de en-
uma decorrência de ciclos e dinâmicas de mercado. Tais trada, isto é, restrições de acesso a benefícios e
políticas – e seus efeitos – transcendem o estritamente direitos já amplamente reconhecidos no imaginá-
econômico, uma vez que colocam em jogo aspectos re- rio social contemporâneo.
lacionados à ética, à cultura e à democracia. Políticas ativas de trabalho e renda associam-
O grupo de trabalho abordou o tema procurando se de modo geral ao intuito de possibilitar a estes
considerar o que são, para quem se destinam e para grupos o acesso a recursos e o desenvolvimento de
o que se direcionam essas políticas públicas, aqui aptidões que aumentem suas possibilidades de in-
entendidas em um sentido mais amplo do que políti- clusão e de manutenção no mundo do trabalho, pro-
cas estatais. cesso constitutivo de cidadania.
Do ponto de vista da oferta institucional (o que No que se refere aos três eixos de fomento
são), três eixos foram destacados: o crédito popu- desatacados pelo grupo:
lar ou microcrédito, a capacitação profissional e seus
elos com a questão da educação e a geração de a. Microcrédito ou crédito popular
alternativas de mercado. O acesso ao crédito constitui elemento de de-
Quanto ao público envolvido nessas múltiplas mocratização e de cidadania. Envolve ainda as-
linhas de fomento (para quem se destinam), a tô- pectos extra-econômicos relevantes, à proporção
nica em sentido amplo reside em segmentos so- que geram novas oportunidades e novos vínculos
ciais caracterizados por um a situação de baixa societários, estimula a auto-estima e, em muitas
172 experiências em curso, atual diretamente sobre cialização em torno dos elos, vasos comunicantes e
questões de gênero, ao possibilitar às mulheres um sinergias entre os diferentes componentes, o que
direito duplamente negado. pode melhor se materializar por intermédio de re-
des de trabalho ou agências de desenvolvimento.
b. Capacitação Mais amplamente, trata-se de integrar as políticas
A questão da educação assume um caráter de trabalho e renda não apenas entre si, mas também
crucial e estratégico sob a ótica da cidadania e do como outras políticas públicas, onde se articulam a
acesso ao mundo do trabalho, devendo ser pensada questão social e a questão do desenvolvimento.
não apenas do ponto de vista da inserção imediata Todo esse processo supõe esforços renovados no
no mercado de trabalho, mas também com ênfase sentido de gestação de uma nova institucionalidade.
no sentido ético e formativo, combinando perspec- Além da dimensão intra-estatal, nas três esfe-
tivas de curto, médio e longo prazos. ras de governo, está em jogo fundamentalmente a
perspectiva de ampliação da esfera pública, o que
c. Geração de alternativas de mercado significa participação social mais direta, aprofun-
Sob esta designação bastante abrangente, incor- dando o caráter democrático das gestões e o con-
poram-se diversos campos de ação levantados, en- trole social sobre as políticas públicas.
volvendo tanto mercado para produtos quanto mer-
cado de trabalho. Constata-se a necessidade de mai-
or integração entre os diferentes eixos e modalida-
des de políticas de fomento na área de trabalho e
renda, o que supõe uma visão sistêmica e a poten-
Debate

Oficina 4
Debate

Ricardo Mello ] O grande obstáculo às iniciativas de forma mais imediatista. Educação tem um papel
de cooperativismo ou de microempreendedores são estratégico mais marcante.
174 as articulações de mercado.
Valdi Dantas ] Ressalto a questão da distri-
Sônia Café ] O seguro desemprego não é buição de renda, no sentido de que política de com-
uma política ativa, mas um apolítica passiva que deve bate à pobreza passa par uma política de
ser integrada às políticas ativas. Há necessidade redistribuição de renda. Criam-se iniciativas produ-
de pensar políticas de geração de emprego e renda tivas que esbarram nas restrições da demanda. Con-
integradas às demais políticas sociais. sidero o microcrédito como um exemplo exitoso das
mudanças ocorridas no Brasil. Há dez anos o gover-
Sílvio Caccia Bava ] A questão mais no era um grande ausente nessa área. Todo o apoio
desafiante foi identificar que muitas das experiên- vinha de organizações não-governamentais interna-
cias analisadas não se dirigiam aos grupos mais vul- cionais. Nos últimos dois anos, o microcrédito vem
neráveis. Existe uma formação histórica desses seg- se tornando uma política pública.
mentos da população ligada ao meio rural. Daí a
necessidade de pensar a possibilidade do retorno Maria do Carmo Brant ] Por causa do tema
dos pobres urbanos ao campo, utilizando, por exem- “geração de emprego e renda”, o grupo pode cor-
plo, assentamentos que promovam a pequena pro- rer o risco de ter uma visão muito circunscrita ao
dução familiar. local. A educação tem que estar na agenda, porque
o nível médio de escolaridade da PEA é muito baixo.
Antônio Ibañez ] A distribuição de renda é Geração de emprego tem relação direta com a ele-
essencial, sendo a reforma tributária um instrumen- vação do grau de escolaridade. Por outro lado, polí-
to para que isto aconteça. A capacitação é pensada ticas ativas de geração de emprego e renda não po-
Oficina 4
dem ser geradas exclusivamente no plano local. A de outro, sob o ponto de vista pragmático, a dificul-
sociedade civil tem que levantar a bandeira da ge- dade de concretizar-se a tal intersetorialidade.
ração de emprego e renda. O empresariado tem que
integrar as parcerias, porque os programas de ge- Ricardo Mello ] Uma questão muito discuti-
ração de emprego devem estar colocados junto às da no meu grupo de trabalho foi o “para quem” as
cadeias produtivas. políticas públicas se destinam. Além do grande nú-
mero de pessoas empobrecidas já existentes, a po-
Franklin Coelho ] A integração entre as pulação que se encontra baixo da linha de pobreza
políticas sociais é a primeira idéia-força. A segunda só tende a aumentar! Destaco também que os sindi-
idéia-força é uma visão sistêmica. A terceira é de catos devem retomar alguma importância nesse
que os processo analisados representam uma mu- cenário de crise, com um papel talvez de “sindica-
dança de cultura política. A integração coloca-se to-cidadão”, visando dotar o trabalhador de capa-
também em relação ao mercado. O desenvolvimen- cidade de auto-gestão e de participação.
to de indicadores implica a realização de estudos
mais aprofundados das experiências analisadas. Caio Silveira ] Quanto à questão dos indica-
dores, coloco um desafio. A referência com a qual
Nilson Costa ] Os programas de geração de ainda se trabalha são projetos e programas locali-
emprego e renda não atingem os mais pobres, au- zados. Por outro lado, há necessidade da integração,
mentando a pobreza e a desigualdade. Neste senti- da transetorialidade. Portanto, é preciso pensar em
do, uma das questões mais importantes é: como fa- referenciais para indicadores de ações integradas.
zer para atingir essa população mais vulnerável?
Valdi Dantas ] Lembro o que foi dito por Paul 175
Marta Farah ] Destaco a ampliação do espa- Singer durante a oficina realizada em São Paulo, no
ço público, como dimensão importante na relação sentido de que a variável-chave é o crescimento eco-
governo – sociedade civil, com a integração de no- nômico, ao qual se pode chegar com políticas públi-
vos atores à arena decisória. Por outro lado, num cas do governo central. Por outro lado, levando em
cenário de restrição de custos, a mobilização de ato- consideração a fala de Ladislau Dowbor nesta mes-
res fora do Estado parece ser fundamental. A am- ma oficina, chama a atenção a necessidade de se
pliação da esfera de atuação do poder local deve manter atualmente uma economia em dois tempos
ser mencionada e sobretudo, reforçada. Nas ativi- (globalizada e tradicional). O problema é saber como
dades de oferta de serviços, há um potencial de re- estas duas economias dialogam entre si. Em rela-
dução e pobreza e também um esforço de emanci- ção à regulamentação do microcrédito pelo nosso
pação das populações-alvo, reduzindo-se o papel tu- Banco Central, o importante é que não se poderá
telar clássico das políticas públicas. ganhar em escala sem uma regulamentação do se-
tor. O modelo prevê a constituição de microfinan-
Joanildo Burity ] Não se pode ter fantasias, ceiras como S/A, cujas acionistas seriam as ONGs
no sentido de que a sociedade civil possa assumir o que já atuam no setor.
ônus do enfrentamento da pobreza. Tem-se falado
muito no local, esquecendo-se da idéia de que o lo- Serafim Ferraz ] Há uma ênfase muito grande
cal, quando não é dado previamente, define-se pelas para experiências no meio urbano, entendendo que o
outras ações. A intersetorialidade deve ser vista de nosso trabalho não será completo sem que se tenha
forma distinta. De um lado, seu aspecto normativo, também uma preocupação com o meio rural.
176
Graciete Santos ] As relações de gê- importância de se definirem estratégias para pro-
nero são relações de poder, daí a necessidade de mover qualquer avanço nessa área.
mudar as relações desiguais. É preciso uma re-
construção da sociedade, mudando as relações Fábio Atanásio ] Destaco a necessidade
de gênero. As mulheres são as responsáveis, so- de alterar as estruturas legais, que não acompa-
cial e culturalmente, pela sobrevivência e pela nham a lógica do que se está pensando e discutin-
busca de alternativas de renda. Por outro lado, é do aqui. A intersetorialidade esbarra nas estrutu-
preciso pensar em metodologias de avaliação, ras de poder: quem tem poder não a quer, quem
criando indicadores que tornem visíveis as ques- não tem, quer!
tões de gênero.
Robert Wilson ] Para resolver os pro-
Maria do Carmo Meirelles ] Deve blemas sociais precisamos mudar as políticas pú-
haver maior preocupação em relação à mídia, para blicas. Neste sentido, é importante que a socie-
que as informações aqui geradas possam ir além dade civil possa trabalhar em conjunto com os
dos limites desta sala e das instituições aqui repre- empresários.
sentadas. Sugiro que se pense em novas formas de
cooperação intermunicipal, considerando que, dos
mais de 5.000 municípios existentes, uma parte sig-
nificativa ainda é de tamanho pequeno. Vejo limites
para que a intersetorialidade saia do discurso, daí a
Oficina 4
Caminhos de ação diante da
pobreza e da desigualdade
Comentadores: Pedro Jacobi, Marcos
Formiga e Maria do Carmo Brant

Pedro Jacobi
É importante estabelecer aspectos conceituais, que ser colocadas sob a premissa de desenvolvi- 177
metodológicos e de disseminação. Considero igual- mento sustentável;
mente importante, contextualizar a temática da po- f- valorizar as ações preventivas, ao invés de
breza no cenário da globalização, no cenário de um priorizar as corretivas ou curativas;
país que tem que cumprir um plano de ajuste eco- g- reforçar a lógica da proximidade, porque aí
nômico, de um país que está desempregando. Em se criam os processos de agregação;
termos de contextualização, julgo essencial incluir h- tudo deve estar sob o abrigo de uma prática
também os aspectos de mobilização, empowerment pedagógica, formal e informal, enfatizando-se os te-
etc. Vale a pena ressaltar aqui algumas noções, que mas ligados à cidadania.
são necessárias para a multiplicação de uma visão
específica sobre as políticas públicas. Marcos Formiga
Questões fundamentais: Chamo a atenção para as estatísticas do Banco
a- reforçar todas as propostas que estimulem a co- Mundial em relação à agregação de quatro milhões
responsabilidade e a ampliação dos espaços públicos; de brasileiros aos que já se encontravam abaixo da
b- não se pode mais pensar políticas sociais que linha de pobreza. Lembro, ainda, das estatísticas so-
não encerrem em si aspectos de emprego e renda; bre o desemprego em São Paulo e da resultante per-
c- é preciso destacar novos aspectos de gestão, da da capacidade de reivindicação dos sindicatos.
que valorizem a ação conjunta de municípios; O cenário é sombrio em relação ao emprego para
d- destacar o controle social como aspecto es- os próximos anos. A cada ano deveríamos criar 1,6
sencial da cidadania; milhão de novos empregos. O governo federal aca-
e- tornar explícito que políticas públicas têm ba de anunciar o propósito de criar 1,5 milhão de
empregos em três anos, número inferior ao que se f- investir em educação, capacitação e formação
precisaria para apenas um ano. E mais: o emprego e produção de material para ampla divulgação e uso
formal está em queda contínua, ao contrário do em- inteligente da mídia, falando uma linguagem popular
prego informal, responsável por 85% dos novos e preferencialmente se dirigindo às mulheres.
postos de trabalho.
Segundo José Pastore (ver o livro ”O Desem- Maria do Carmo Brant
prego Tem Cura?”), entre os anos de 1992/1996, o Investir na mudança da cultura política e da ges-
crescimento da economia no Brasil foi da ordem de tão pública. Os processos pedagógicos geravam de-
7,5%, enquanto o emprego foi reduzido em menos pendência, porque nossa prática é ainda de acentuar
de 0,21%. Embora se saiba que a melhor política é as debilidades dos pobres ao invés de valorizar as
o desenvolvimento econômico, nem sempre isto é suas potencialidades.
suficiente, pois as causas do desemprego e do Assim, quando se fala em emancipação, deve-
subemprego são múltiplas e as teorias econômicas se dar destaque à ampliação do universo informaci-
não explicam tudo, muito menos conseguem tudo onal e cultural da população.
resolver. A propósito, Marcelo Nery, economista do É preciso investir em redistribuição de poder. Em
IPEA, afirmou que: “a grande vantagem de cuidar geral, são as ONGs e as instituições governamentais
dos pobres – o que a política brasileira tem dificul- que falam pelo pobre. É preciso que haja espaços
dade de fazer – é que é relativamente barato”! públicos de vocalização das reivindicações dos po-
bres. É preciso estabelecer uma pedagogia emanci-
a- ações integradas pró-ativas no âmbito local, patória. É preciso criar um pacto maior de comple-
em contraposição à avalanche da globalização; mentaridade entre o Estado e a Sociedade Civil, o
b- reposicionamento do papel do Estado, guiado que envolve um novo formato institucional de ges-
178 por padrões éticos e dotado de controles eficazes tão. Os nossos formatos ainda são muito setorializa-
de monitorização para evitar desperdícios, interme- dos, inclusive os conselhos, que são definidos por
diação e desvio das ações que beneficiam a popula- áreas de políticas públicas etc. Faz-se necessário,
ção pobre; portanto, criar colegiados, nos quais os diversos con-
c- tal qual o Estado, também a sociedade civil e selhos falem entre si. É preciso também definir quais
suas organizações não podem abrir mão dos crité- são os grupos que vivem em extrema pobreza. Esses
rios de honorabilidade e têm que procurar extinguir grupos são muito diferentes no âmbito rural e no
a cultura clientelística e as disputas pelos pobres; âmbito urbano. É preciso qualificar resultados, me-
d- subordinação da “economia dual” (ver Celso dir impactos, monitorar a ação, porque a avaliação
Furtado, Milton Santos e Ladislau Dowbor) à socie- deve entrar em nossa cultura, inclusive como meio
dade, em favor de uma mudança de paradigma nas de produção de conhecimento e de aprimoramento
políticas de redistribuição de renda. Trazer sempre à da ação. Não há indicadores de impactos de ações
memória o que afirmou Gustavo Krause ontem, nes- de combate à pobreza.
te seminário: “a máquina pública não está prepara-
da para trabalhar com os pobres e os excluídos...”;
e- endossar as recomendações do grupo de tra-
balho de “Geração de Emprego e Renda”, relata-
das por Caio Silveira, dando ênfase à busca de solu-
ções (“hands on”), em especial o microcrédito, a
capacitação e a organização do mercado para a pro-
dução de bens e serviços informais;
Oficina 4
Pobreza e cidadania: desafios
Comentadores: Tânia Bacelar, Telúrio
Cavalcanti, Brasilmar Nunes, Ladislau Dowbor
e Cristovam Buarque

Tânia Bacelar
Farei quatro comentários. O primeiro é sobre o contra essas duas tendências, pois a carga tributá-
contexto. É muito importante partir da realidade, de ria subiu, desde o Plano Real, de 25% para mais de
ações concretas. No contexto, o importante é apro- 30%, e as novas iniciativas do sistema tributário 179
fundar o aspecto econômico, pois a pobreza volta a são iniciativas não-partilhadas, aumentando a par-
crescer no mundo nos anos 70 e no Brasil, nos anos ticipação da União no total da receita pública, o que
recentes. No Brasil a questão adicional é a herança é antagônico e bloqueador do que a sociedade está
da crise social. A dimensão da pobreza no Brasil é fazendo de esforço para combater a pobreza.
central. O ponto a aprofundar é o que os economis- Que fazer? Aprofundar tais pontos e fazer pres-
tas estão chamando de “financeirização” da rique- são para que se mude o rentismo. Temos que agre-
za, fenômeno que volta a produzir mais pobres e de gar pressão contra essa microopção!
forma crescente. O Brasil resistiu a este fenômeno No que diz respeito ao nosso esforço aqui neste
nos anos 70, entrando de cabeça nos anos 90. hoje, seminário, de um lado o esforço deve ser o de difu-
se luta pela estabilização, que na verdade é um sub- são e, de outro lado, o esforço de articulação. As
produto do rentismo, que gera fortunas para os apli- experiências analisadas ao longo das oficinas reali-
cadores em mercados financeiros. No caso do Bra- zadas estão dentro da lógica da descentralização e
sil, o sistema tributário merece reflexão, porque da democratização. Só que a integração dessas
quando o Estado arrecada, concentra renda, ao in- ações é o ponto central para qualquer avanço. Do
vés de desconcentrar, como em outros países. Des- contrário, vamos ficar atomizados. Precisamos de
sa maneira, nosso sistema tributário é profunda- modelos descentralizados e coordenados! O gran-
mente anti-social. de desafio é construir sinergias, construir “nós”
As iniciativas mais importantes na área social de articulação.
se dão na sociedade civil e no nível local, e muito O novo conceito de desenvolvimento discutido
pouco no governo nacional. O sistema tributário atua mundialmente é o de desenvolvimento humano, a
substituir o de desenvolvimento econômico. O que panhamento e avaliação das ações em âmbito local, o
importa para o desenvolvimento humano é a gera- que exige um esforço no desenvolvimento de indica-
ção de novas oportunidades. Assim, a visão do po- dores. A necessidade de capacitação é também uma
bre não pode ser simplesmente a de portador de grande preocupação da SUDENE.
mazelas. Na realidade, o pobre é portador de habi-
lidades, que não puderam ser aproveitadas pela falta Brasilmar Nunes
de oportunidades. O primeiro ponto que me chama a atenção é a
O terceiro ponto a ser destacado está relaciona- relação da pobreza com os não-pobres. É óbvio que
do às ausências desses seminários. A primeira des- esta é uma dicotomia, mas temos que lembrar que
sas ausências são as estratégias de combate à po- a excessiva concentração da riqueza nacional trans-
breza que sejam reais, mas que não são legais. Es- forma a quantidade de pobres na sociedade brasi-
sas estratégias são bem reais, porém não são acei- leira em um número possível de intervir em qual-
tas socialmente. No Brasil tem muita gente que es- quer decisão plebiscitária.
capa da pobreza participando do narcotráfico e da Mesmo assim, definir pobreza é um eterno proble-
prostituição. Não se pode desconhecer este ponto! ma que é retomado de forma permanente nos discur-
Uma outra ausência verificada relaciona-se à dis- sos técnicos e políticos. Procura-se ampliar sutilmen-
cussão sobre a retomada do crescimento. Não bas- te o conceito incorporando diversas dimensões que
ta insistir que o crescimento é melhor do que a estariam na base de uma perspectiva preconceituosa
recessão, porque não é qualquer crescimento que na leitura do fenômeno. Em geral, características tais
permite a inclusão dos pobres. É preciso que toda a como acessos às vantagens do sistema e formas de
população tenha acesso a dois ativos: educação e cidadania não são demandadas única e exclusivamen-
180 terra. Quanto à terra, as discussões do grupo fo- te pelos pobres. São processos sociais e históricos
ram omissas. Não adianta, neste aspecto, políticas permanentemente reconstruídos pela sociedade, de
locais, tanto no que diz respeito à educação quanto modo que não se pode dizer que chegamos a um pon-
no que concerne à terra. to ideal. Portanto, a pobreza não pode ser colocada
No debate, a terceira ausência diz respeito ao que simplesmente como a falta de acesso a serviços, for-
se pode generalizar, no sentido de massificar. Duas mas de sociabilidade etc. O que caracteriza os pobres
coisas podem ser massificadas: uma é o programa é a falta de renda, tratando-se de indivíduos com uma
Bolsa-Escola, a outra é o microcrédito. No caso do completa incapacidade de manobrar seus destinos.
microcrédito, pode-se envolver o setor privado como De qualquer forma, continua sendo necessário
demandante (é o que os economistas chamam de definir as diversas formas como a pobreza vem se
integração produtiva). A segunda estratégia de expressando.
massificação passa por fora das grandes empresas A elite reproduz práticas excludentes de caráter
capitalistas, com a introdução das cooperativas e rede populista. Na verdade, não há uma preocupação de
de associação, por exemplo. reverter os processos sociais que eternizam a exclu-
são. A questão social sempre foi marginal nas políti-
Telúrio Cavalcanti cas de governo. O resultado é a permanente deterio-
Muitas das observações feitas pelos participantes ração da qualidade de vida de parcelas crescentes
deste seminário vêm ao encontro do que a SUDENE da população, explodem-se as redes tradicionais de
está realizando, ou seja, a preocupação com o local e sociabilidade e recriam-se redes alternativas de so-
com um sistema de informação. O sistema de infor- lidariedade. Criam-se espaços sociais em que a or-
mação seria também voltado para o processo de acom- dem estatal não é hegemônica.
Oficina 4
O deslocamento de parcelas substanciais da po- te. E talvez estejam aí explicações sobre as razões
pulação ou de grupos da lógica hegemônica provo- que levam os pobres, na maioria das vezes, a não
ca a sensação de “despertencimento”, transfor- elegerem os próprio pobres. Na sociedade brasilei-
mando indivíduos em seres com personalidade frá- ra, não há relações de classe, mas uma visão bur-
gil, facilmente manipuláveis. Poderíamos argumen- guesa da sociedade que a todos os níveis permeia.
tar, inclusive, que a flexibilização do mercado de Para de fato haver relações de classe, seria preciso
trabalho está criando personalidades flexíveis. O ter um projeto alternativo de nação, o que só se
indivíduo está submetido a situações permanente- pode construir no longo prazo. É um processo de
mente novas, fragmentando sua personalidade. É longo prazo que se manifesta de maneira pontual
sobretudo em relação aos pobres que este fenôme- (governos municipais e estaduais), mas que encon-
no é mais evidente! O Estado brasileiro tem enorme tra barreiras difíceis de serem transpostas.
dificuldade de se legitimar perante a população bra- Muitas das experiências apresentadas e discuti-
sileira, dadas as diferentes ordens sociais que se das nos seminários realizados no Rio, em Recife e
criam paralelamente àquela do próprio Estado. em São Paulo parecem improvisadas a partir de
Outra dimensão das discussões diz respeito ao vivências não reguladas pela esfera hegemônica da
local frente ao nível macro. O macro tem uma dimen- sociedade. O espaço público, que é o espaço do mer-
são qualitativamente deferente em relação ao micro. cado político, tenta e vai permanentemente tentar
As experiências locais não refletem necessariamen- se apropriar e fazer uso dessas experiências.
te tendências que estão ocorrendo no nível macro, No nível macro – aquele das práticas governa-
mas muitas delas podem ser transformadas em ações mentais, no reino do “pensamento único” – abafa-
paradigmáticas. A definição de qual seria a caracte- se o potencial transgressor das pospostas que vêm
rística universalizante dessas experiências depende do “local”, onde de fato se constroem práticas so- 181
de um projeto de nação. Sem um modelo de nação, a ciais inovadoras. As estratégias para tanto são per-
somatória dessas experiências pareceria um amon- manentemente renovadas, como são também reno-
toado de propostas, sem qualquer integração. Neste vadas as tentativas de superação para os pobres.
projeto de nação, não se pode perder a capacidade Isso coloca a questão do cotidiano, levantada aqui
de indignação diante da pobreza, diante das desigual- por Ana Clara Ribeiro, que lembrava que o cotidia-
dades sociais. Podemos aceitar as diferenças, mas no é o lugar onde se consegue escapar do controle
eticamente é inaceitável aceitar as desigualdades! das práticas das elites. Nessa perspectiva, pode-
Ampliar o conceito de pobreza traz à tona outras for- mos pensar as experiências locais como embriões
mas de manifestação das diferenças e talvez esteja de uma sociedade solidária, com uma dinâmica
aí o impasse de colocar a pobreza como foco privile- endógena, de baixo para cima.
giado das políticas públicas.
De fato, o conceito de pobreza é historicamente Ladislau Dowbor
construído e se liga visceralmente à questão de ren- Estamos vivendo um período de mudança de ru-
da. Fora deste nível econômico é necessário traba- mos. Primeiro, estamos mudando de uma visão que
lhar com o conceito no nível simbólico. É no nível tem centro na economia para uma que focaliza o
simbólico que se pode falar das outras dimensões homem, o desenvolvimento humano. Por outro lado,
de pobreza. Talvez seja por isso que nós desenvol- estamos indo para uma visão que entende que o
vemos reflexões sobre uma “cultura da pobreza” desenvolvimento deve ser economicamente viável,
na qual, de acordo com Jan Bitoun, a sociabilidade socialmente justo e ambientalmente sustentável. São
dos pobres chega nos surpreender permanentemen- três eixos, assim, que devem ser articulados e que
demos aprender a articular. É importante que pa- entra tudo: microcrédito, água, articulação com os sin-
remos de contrapor o social ao econômico, ou o dicatos e outras articulações institucionais. Por outro
ambiental ao econômico, pois do contrário vamos lado, não há uma política nacional de desenvolvimento
para uma visão bem surrealista das coisas. Os pro- local e isso envolve as políticas tributárias, o pacto
cessos democráticos não podem ser mantidos com federativo, a descentralização etc. Para o local funcio-
expedientes simplificadores, como estatizar tudo nar é preciso ter políticas nacionais.
ou privatizar tudo. Liberalismo ou ultraliberalismo
são extremismos da nossa sociedade. É preciso Cristovam Buarque
saber equilibrar Estado-Sociedade Civil-Empresas Tânia Bacelar colocou uma pergunta fundamen-
em algum tipo de articulação que envolve diferen- tal para entender a pobreza: por que aumentaram
tes níveis da sociedade e diferentes níveis territo- os índices de pobreza nos anos 70, quando já havi-
riais, mas que faça parte dessa nova arquitetura am recuado no passado? Porque mudou a forma de
que vai se delineando e que está saindo aos poucos riqueza. No passado, a riqueza crescia e se espa-
da neblina. É preciso recriar sistemas mais demo- lhava. A partir dos anos 70, a riqueza passou a cres-
cráticos, mais participativos. cer concentradamente, com um cone. Isso faz com
Convivemos com um extremo atraso político e, que não exista uma correlação entre crescimento e
simultaneamente, com um grande avanço tecnoló- eliminação da pobreza. Pode até existir uma corre-
gico. O poder real que enfrentamos é próprio de um lação entre estagnação e aumento da pobreza. Quan-
“coronel cibernético”. O local articulado se torna o do há estagnação, a pobreza aumenta, ou seja, o
motor de uma mudança cultural, que abre espaço pobre é quem paga. Mas quando há crescimento,
para a construção de um outro tipo de política. É nem sempre os pobres se beneficiam.
importante dinamizar transformações. Nós acaba- Esse dado de realidade vem do tipo de progresso
182
mos descobrindo que o poder local, pelo seu poder tecnológico que faz com que o trabalhador seja dis-
de transformação simbólico e organizador da popu- pensado. Observa-se também que o produto que essa
lação, é uma alavanca poderosa (um motor de ar- inovação tecnológica produz não é distributivo. É
ranque) para toda política. Poder local é reorgani- concentrador nas suas próprias características (por
zador e rearticulador da sociedade. exemplo: os automóveis). É falso, portanto, acreditar
É importante o conceito de produtividade social a que o crescimento voltando, a pobreza será eliminada
ser aplicado a cada um dos municípios, tendo em vis- e que tudo se resolverá. Para haver redução da po-
ta os recursos subutilizados em nível local. Um exem- breza, o crescimento deve propiciar um tipo de renda
plo são as possibilidades que podem surgir a partir que possa ser dividida. Temos o vício de ver o proble-
da articulação urbano-rural. Temos a tendência de ma social como decorrência do problema econômico.
reagir negativamente diante das novas tecnologias. A renda aumenta a riqueza, mas não necessariamen-
Não é defensável essa atitude, pois qualquer tecno- te elimina a pobreza. O problema da pobreza é comi-
logia pode ser apropriada de forma transformadora. da, é escola, é saúde. Depois que se tem tudo isso,
O essencial é que estamos construindo cidadania, não basta. Aí precisa-se da renda, no limite da solução
acabando com a visão de que a política é feita exclu- da pobreza. Como uma parte dos bens que servem
sivamente por especialistas, e sim também por cida- para reduzir a pobreza está no mercado, precisa-se
dãos. A mudança da sociedade dar-se-á pela mobili- de um pouquinho de renda. Porém, a renda não é o
zação da própria comunidade. determinante da luta contra a pobreza.
Temos no emprego um eixo de ação, de articula- O programa Bolsa-Escola tem de interessante,
ção e de mobilização extremamente poderoso. E aí além de seus efeitos, a forma como surgiu. A ótica
Oficina 4
foi mudada: vamos dar renda para que a criança do postas que podem nos ajudar a fazer uma revolu-
pai que não tem renda possa ir à escola. Uma das ção no Brasil. São elas: 1) no plano político: tudo
mudanças de ótica é entender o custo da omissão isso aqui tem que ser transformado no bloco ético,
em não fazer as mudanças. Há um desinvestimento um bloco que transcenda, que corte as organiza-
hoje na sociedade brasileira, quando, por exemplo, ções partidárias. Os partido de hoje não estão or-
deixamos as crianças sem escola. Quando percebe- ganizados para lutar contra a pobreza. Nenhum par-
mos que há um custo pela omissão nas coisas com tido político tem programa para enfrentar a pobre-
as quais o Estado não gasta e que cada um de nós za, porque os políticos se organizam pelos incluí-
também não gasta do ponto de vista da responsabi- dos e não pelos excluídos. Ao mesmo tempo, em
lidade cidadã, já é um início de mudança em relação nenhum partido vamos encontrar alguém que quei-
ao enfrentamento da pobreza. Ter pobreza gera cus- ra lutar contra a pobreza. É preciso, portanto, cons-
tos (o custo do status quo, segundo Wanderley Gui- truir um bloco ético, de modo que a luta contra a
lherme dos Santos). pobreza (as boas idéias) comece a permear o ima-
As soluções podem ser locais, desde que combina- ginário coletivo; 2) no plano técnico: o que está
das com o nacional, porque o local tem a desvanta- faltando para espalhar soluções simples, baratas
gem de ser muito lento em sua expansão. O nacional e criativas é criar centros de formação (“um insti-
pode apressar as soluções localizadas, ao mesmo tem- tuto de soluções simples”), para que, por exem-
po em que evita que o local seja penalizado por ter plo, os secretários municipais, estaduais e prefei-
encontrado a solução. Não é o Estado que resolve os tos interessados possam aprender os macetes do
problemas. A sociedade civil tem um papel tão impor- Programa Bolsa-Escola etc. Os cursos têm que ser
tante quanto o Estado. Talvez o papel do Estado se de “macetes”. Não podem ser cursos teóricos, à
destaque em termos de agente financiador. moda tradicional. A partir da realização desses cur-
183
O desemprego pode ser a solução dos proble- sos, podemos fazer – fora do Estado – a ligação
mas. Se todos estivessem empregados, quem iria entre o nacional e o local. Embora o local é aquele
trabalhar com saneamento etc.? Crescimento não é que vai executar, por intermédio de entidades como
o instrumento fundamental, nem único, de enfren- a FGV e a Fundação Ford e mesmo de pessoas como
tamento da pobreza. É preciso ter soluções simples nós, podemos dar uma dimensão nacional.
e baratas, para que tenham apoio. Precisamos in-
ventar soluções simples, que possam enfrentar os
problemas localmente.
Neste sentido, acho muito louvável o envolvimen-
to e a vontade dos participantes desse seminário,
bem como da Fundação Getúlio Vargas de São Pau-
lo e da Fundação Ford, de colocar no cenário das
discussões, no foco da agenda, as soluções simples
de prefeitos, de governadores, de ONGs, da socie-
dade civil. É extremamente importante termos hoje
soluções simples que possam enfrentar os proble-
mas localmente, muitas vezes de forma independen-
te do nacional.
O que a gente precisa é desenvolver essas so-
luções daqui para diante. Para isso, tenho duas pro-
Debate

Oficina 4
Debate

Neide Silva: Gostei muito das colocações mação você não desvenda os mecanismos pelos
de Tânia Bacelar, no que diz respeito à ausências quais a desigualdade se impõe na nossa sociedade.
186 na discussão travada até agora. Assim, quero res- Proponho ainda a idéia de se criarem observatórios
saltar que, se estamos falando de combate à po- de políticas sociais, ao invés de se trabalhar apenas
breza, não podemos deixar de falar dos jovens, pois com experiências inovadoras.
eles representam uma parcela importante da po-
pulação brasileira. Também gostaria de lembrar Caio Silveira ] Minha preocupação está rela-
que nenhum de nós é cidadão/cidadã, visto que cionada com generalizações perigosas. É importan-
somos obrigados a escolher as escolas e os servi- te uma atenção especial a esse processo de
ços em geral prestados pelo setor privado, porque universalização das experiências. Quando falamos
os serviços públicos são inaceitáveis. Acrescenta- em microcrédito e no programa Bolsa-Escola, por
ria ainda que o próprio pobre tem visões hierar- exemplo, somo todos defensores da sua generali-
quizadas da pobreza. zação. Entretanto, é importante que fiquemos em
alerta quanto aos critérios dessa proliferação.
Sílvio Caccia Bava ] Considero um privilé-
gio para o grupo participante desse seminário de Marta Farah ] Tensão permanente entre
Porto de Galinhas poder discutir para, então, criar universalização e focalização. Trata-se aqui de man-
paradigmas que se contraponham às posições ter como horizonte a universalização da educação,
hegemônicas. Mas me pergunto: como visualizar a da saúde, dos serviços urbanos e do emprego, mas
enorme pujança que existe na sociedade civil? Co- buscando incluir os grupos mais vulneráveis, que
meça a tomar corpo a idéia de monitoramento, de são excluídos do acesso a esses serviço discutidos
desenvolvimento de indicadores, porque “sem in- até agora nesses seminários. A meta é a universali-
formação não há indignação”. Ou seja, sem infor- zação, porém é preciso olhar para a clientela siste-
Oficina 4
maticamente excluída. Um dos eixos fundamentais Tânia Bacelar ] As políticas nacionais são
nessas estratégias de combate a pobreza é a gera- amplamente insuficientes, comparando o valor gasto
ção de emprego e renda, mas essas estratégias não com a saúde e o incremento da dívida externa em
podem desconsiderar a realidade do mercado, sob razão da desvalorização da moeda.
pena de fracasso. As políticas de combate à pobre-
za precisam reconhecer a heterogeneidade dos po- Jan Bitoun ] Na realidade, o Observatório de
bres. Algum grau de discriminação positiva também Pernambuco tem uma preocupação muito grande com
deve ser feito, no sentido de sensibilidade dos pro- o saneamento. Acabaram percebendo que o sanea-
gramas e das estratégias, levando em consideração mento é uma questão retórica. O saneamento é visto
a diversidade e a singularidade dessas carências que, como um problema de pobre. Daí a importância de
às vezes, são mais profundas para as mulheres e os traduzir os indicadores do IBGE em indicadores do co-
negros. Poderíamos pensar nos programas Bolsa- tidiano, para que se possa passar à indignação.
Escola, Saúde da Família e Microcrédito dentro de
uma perspectiva de universalização. Franklin Coelho ] Em relação à generaliza-
ção das experiências, Cristovam Buarque foi enfáti-
Marcus Melo ] Esquecemos de trazer para a co ao dizer que ela ocorre por meio da combinação
nossa discussão o tema da desigualdade. Nos últimos das políticas nacionais com as políticas locais. Há
15 anos, observa-se um deslocamento analítico que três anos vem sendo realizado o Fórum de Desen-
substitui a discussão da desigualdade pela da pobreza volvimento Local, sem cruzamento com o presente
absoluta. No Brasil da década de 70, a grande discus- projeto. Pergunto a Cristovam qual a sua opinião
são nacional era a desigualdade e não a pobreza. Hoje, sobre a criação de uma possível Agência de Desen-
a questão que está na ordem do dia é a pobreza. O volvimento Local Integrado e Sustentável, sugerida 187
nosso seminário chama-se “Estratégias Locais para pela Comunidade Solidária, no formato de uma or-
Redução da Pobreza”, mas ele não deve perder de ganização social?
vista a questão da desigualdade, sobretudo por estar-
mos no país mais desigual do mundo. E isso é muito Cristovam Buarque ] Se houvesse um go-
importante, pois como apontou Tânia Bacelar, as polí- verno com o compromisso de eliminar a pobreza,
ticas públicas no Brasil têm um efeito redistributivo, qualquer ministério seria um pouco desta agência.
só que regressivo, isto é, o Brasil sempre operou no O governo seria esta agência. No Brasil, no atual
sentido de transferir renda para as camadas de renda governo, perdeu-se essa dimensão. A criação da tal
média e alta e não para os pobres. agência não é suficiente. Os “locais”, encontran-
No que concerne ao tema da avaliação, tão discu- do-se, nacionalizam-se, desde que se possa identi-
tido aqui, não estamos pouco equipados em termos ficar os que tem experiências a ensinar para os que
de instrumental para a avaliação de programas. O ainda não as têm.
problema é que, no Brasil, nós não temos a tradição
de avaliação (nem no âmbito universitário, nem no Ladislau Dowbor ] A Fundação ABRINQ
âmbito do próprio governo). A avaliação nunca foi montou uma rede “Jornalista Amigo da Criança”,
uma questão central do setor público brasileiro. um macete de comunicação que pode ser aprendi-
do e irradiado.
Nilson Costa ] Gostaria de perguntar a Tânia
Bacelar sobre a inexistência de virtudes nas políti- Valdi Dantas ] Destaco a questão da mobiliza-
cas sociais. ção das famílias, dos grupos etc. Isso é de uma po-
188
tencialidade enorme. Há a possibilidade de comba- versos focos. Ou seja, nós podemos pensar uma
ter a pobreza por meio do crescimento econômico. experiência de desenvolvimento local em que se te-
nha a cadeia produtiva do lixo, incorporando esses
Cristovam Buarque ] Se todos nós pe- diversos focos de maneira integrada e pró-ativa.
gássemos a renda nacional e dividíssemos entre a
população adulta, não daria mais de US$ 300,00 para Marilena Jamur ] A solução apresentada
cada um. Que repercussão isso teria sobre a pobre- foi satisfatória. A linha é a da universalização e o
za? O que elimina a pobreza é a educação, e no lon- estabelecimento de prioridades deve ser feito de
go prazo. A luta contra a pobreza gera a renda. O acordo com as características de cada população e
programa Bolsa-Escola gera renda no combate à com o seu potencial.
pobreza, dinamizando a economia pela base e não
pelo topo.

Fábio Atanásio ] É preciso aprimorar os


mecanismos de avaliação, lembrando que a realidade
é mutável. É preciso criar mecanismos de dissemina-
ção das experiências, com ênfase na concepção.

Franklin Coelho ] Deve-se pensar em


diversos programas e em sua integração com di-
Conclusão
Apresentação do consenso
Conclusão
Pobreza: delimitando o seu campo

Considerando a existência de múltiplos estudos sociais, e as estratégias de promoção do desenvolvi-


e de inúmeros indicadores sobre o fenômeno da po- mento econômico socialmente sustentável, mas tam-
breza, não cabe apresentar aqui mais dados espe- bém a provisão e o acesso aos serviços e bens ne-
cíficos sobre as dramáticas desigualdades socioe- cessários para uma qualidade de vida mais digna,
conômicas, de acesso a bens e serviços, bem como menos desigual e caracterizada pelo exercício pleno 191
de acesso às oportunidades. Aliás, essas desigual- da cidadania.
dades refletem um cenário de “catástrofe em câ- Observou-se, conseqüentemente, que para repen-
mara lenta” anunciado por um dos participantes do sar os caminhos que levarão à redução da pobreza,
seminário de Porto de Galinhas (e aceito pelos de- é essencial entendê-la como uma questão de cidada-
mais). A situação que o país enfrenta está relacio- nia, de democratização da sociedade e de constru-
nada, em parte, às abordagens simplistas sobre o ção de novos padrões de sociabilidade. Sem uma aten-
fenômeno da pobreza, presentes em muitos estu- ção prioritária à temática da pobreza, assimilada a
dos que tratam do tema assim como no imaginário partir do enfoque da exclusão e da desigualdade so-
social, que explicam o fenômeno ora pela ausência cial, a situação no país só tende a se agravar. Tornar
de recursos materiais dos indivíduos – “pobre” é políticas públicas, ações administrativas e programas
quem não tem dinheiro - ora exclusivamente pelos especiais efetivamente sensíveis à questão exigirá -
efeitos da globalização e das políticas macroeconô- de acordo com as análises feitas durante os encon-
micas, colocando em segundo plano os múltiplos tros - intervenções em níveis institucionais diversos
mecanismos que produzem a desigualdade social e a e, também em distintas dimensões do processo de
exclusão e as ações administrativas que contribuem exclusão, por meio de novas configurações e rela-
para a sua manutenção. ções entre os diferentes atores envolvidos: as insti-
À medida que as discussões foram evoluindo ao tuições e representações do Estado nacional e sub-
longo das oficinas, houve uma tendência à buscar nacional, da sociedade civil e do meio empresarial.
uma abordagem mais plural, considerando não so- Por fim, falar em pobreza é acima de tudo falar em
mente as capacidades e os recursos individuais ou falta de cidadania.
Conclusões iniciais a partir
das oficinas setoriais

1. Qualquer governo nacional eleito democrati- da parcela mais significativa destes bens e servi-
camente é responsável pelas conseqüências sociais ços, se comparadas à que é destinada ao conjunto
de suas políticas e ações em qualquer área ou cam- da maioria da população empobrecida.
po de atuação e, também pelo seu impacto nas con-
dições de vida da população, nos direitos individuais 4. O enfrentamento da pobreza deve ser enten-
e coletivos e no exercício pleno da cidadania. A ques- dido como uma questão de construção de cidada-
tão social não pode ser reduzida a uma área especí- nia, de democracia, de empowerment, de emanci-
fica de atuação governamental, mas deve ser consi- pação, de dar voz e vez às populações em situação
derada como permeando toda e qualquer ação, in- de pobreza. A participação social está ainda em
cluindo a econômica. construção, e os atores engajados na promoção de
um reequilíbrio socioeconômico precisam buscar ca-
2. Pobreza se caracteriza pela sua heterogenei- minhos que rompam com a tutela e criem instru-
dade e amplitude, afetando a maioria das pessoas. mentos que possibilitem um desenvolvimento ver-
192
Faz-se urgente a necessidade de uma maior com- dadeiramente participativo e sustentável. É impor-
preensão e transparência sobre o fenômeno e suas tante estimular e apoiar o surgimento de entidades
distintas manifestações regionais através de indi- comunitárias autônomas, redes e movimentos pró-
cadores multissetoriais. Taxas de mortalidade in- prios da população em situação de pobreza e evitar
fantil podem esconder, pela utilização da média, di- que os governos e as organizações não governa-
ferenças de até dez vezes quando diversos níveis mentais as substituam. Torna-se necessário ainda
de renda são contemplados. Nota-se a mesma fra- confrontar as relações paternalistas e clientelísticas.
gilidade metodológica, em relação à utilização do Neste sentido, é essencial que as organizações co-
indicador de um dólar por dia para mensurar a con- munitárias sejam reconhecidas enquanto tais, sem
dição de pobreza das pessoas. Um esforço maior é maior preocupação com a sua profissionalização.
igualmente necessário para medir com seriedade Deve-se evitar, portanto, a criação de novos meca-
as conseqüências e impactos da presença ou da nismos que possam vir a substituir essas mesmas
supressão de ações e programas públicos. organizações a pretexto de maior eficiência.

3 . Pobreza é entendida freqüentemente como 5. Qualquer tentativa de reduzir a desigualdade


conseqüência da precariedade de acesso a bens e deve levar em consideração que o acesso ao “bem-
serviços e pela ausência de canais efetivos de estar” é um jogo de soma zero face aos recursos e
interlocução entre as esferas de poder e as deman- serviços implicados, como também em relação ao
das da população. Nesse contexto, os interesses que poder. A superação da desigualdade requer o en-
se encontram melhor representados se apropriam frentamento e a efetiva redistribuição de poder,
Conclusão
ampliando o espaço público para a incorporação de juntas, vêm sendo estabelecidas novas formas de diá-
saberes diversos e às vezes conflitantes. A susten- logo, favorecendo a construção de um espaço público
tabilidade das ações voltadas para o combate à po- que é claramente de interesse público.
breza se ancora na coesão social. A articulação po-
lítica e social local é uma constante em muitas das 9. No processo de construção de novos espaços pú-
experiências que conseguiram criar raízes. blicos é importante reconhecer, nos programas e proje-
tos analisados, a existência de iniciativas de médio al-
6 . O momento atual se caracteriza como uma cance, que são diferentes das que têm alcance mais limi-
encruzilhada ética e moral, na qual o passivo social tado. Neste sentido, a expressão mais adequada para
dos modelos de desenvolvimento pregressos e do reconhecer a abrangência destas múltiplas iniciativas
ajuste estrutural atual é imenso, levando ao des- parece ser a de “lugar”. O “lugar”, como foi dito por
gaste da própria noção de coesão social e civiliza- muitos durante os seminários, “tem a cara de gente”
ção. Por outro lado, encontramos no âmbito local revelando distintas arenas de demandas, conflitos e
sinergias diversas que recuperam a noção do “com- de reivindicações por melhoria na qualidade de vida.
promisso social” e avançam na criação de um es- Denso, o lugar é a vida das pessoas em espaço e
paço público permitindo à sociedade civil uma volta tempo que, dependendo das circunstâncias, pode ser
à cena política. Nessa ótica, a definição do interes- o bairro, o município ou a região. O lugar é, sem dú-
se público, não mais parece restrita a um conjunto vida alguma, onde se enraízam as experiências, as
limitado de atores, mas se amplia para incorporar a táticas, os métodos e as práticas simples que for-
presença e as demandas de setores até então ex- mam uma biblioteca invisível de soluções para redu-
cluídos e permitir, desta forma, a possibilidade de ção da pobreza.
um espaço público mais abrangente e inclusivo.
10. Um elemento freqüentemente presente nas 193
7. O Estado, entretanto, continua com o papel discussões, especialmente se levarmos em conta
central de regulação social e redistribuição da rique- as experiências que têm em comum um forte com-
za e da renda. Uma vez que a pobreza e a exclusão ponente associativo, foi a dificuldade encontrada –
social são conseqüências dos impactos de políticas quando não a recusa e desinteresse – por parte dos
públicas, de prioridades e de escolhas, sua supera- órgãos públicos em lidar com as soluções hetero-
ção também depende de uma ação incisiva no campo doxas e não convencionais.
das políticas públicas. Porém, inexiste um instrumen-
tal adequado para avaliar a operacionalização de 11. Uma outra constante foi o reconhecimento de
políticas em termos de sua sensibilidade à temática que as experiências, projetos e programas discutidos
da pobreza. É essencial desenvolver mecanismos têm muito mais as características de processos do que
mais adequados de avaliação de impacto e também de atividades planejadas antecipadamente. Eles nun-
instrumentos de discriminação positiva - ou ação afir- ca se iniciam já totalmente estruturados, ao contrário,
mativa - que garantam cada vez mais que as políti- tendem a ir ganhando forma no decorrer da prática e
cas públicas sejam de fato públicas. do tempo, integrando outros elementos e idéias à ação.
Não havia, mesmo nas atividades ditas “integradas”,
8. Hoje, a busca de novas estratégias para a supe- um plano programático que, definido previamente, fos-
ração da pobreza vem requerendo novas relações en- se capaz de garantir resultados. Estratégias, portan-
tre o Estado, as diferentes organizações da sociedade to, são muito mais um reconhecimento posterior de
civil e o setor privado. Com o surgimento de novos encaminhamentos adaptados, do que etapas progra-
atores orientados para a promoção de iniciativas con- máticas anteriormente definidas.
12. O entendimento em relação ao processo, públicas na redução da pobreza é um contraponto ne-
também deriva da importância atribuída pelas ex- cessário para os muitos indicadores produzidos por di-
periências em compreender o enfrentamento da versas instituições governamentais e multilaterais. Nota-
pobreza como acesso à qualidade de vida digna, se também que a criação de tal estrutura fortalecerá
igualdade de direitos, inclusão social e acesso à ci- sobremaneira o debate democrático.
dadania. Eleger igualdade como ponto de partida e
não como resultado final leva à promoção de uma 16. A generalização de ações a partir de práticas
gestão participativa e democrática. As experiências eficazes é um processo que não deve ser reduzido a
discutidas mostraram ser eficazes nessa compreen- mera replicabilidade. Replicar no sentido de dissemi-
são do que vem a ser combate à pobreza, pois fo- nar “melhores práticas”, corre o risco de reprodu-
ram capazes de alterar a estrutura de poder, otimi- zir uma tecnologia em série que privilegia tudo e nada
zando alianças entre governos que se colocam como ao mesmo tempo. Aprender a partir de práticas efi-
sendo de proximidade e entre diversos atores da cazes exige uma reflexão sobre suas condições de
sociedade civil em condição de pobreza, que podem êxito, seus limites e os diferentes elementos incor-
se fazer presentes com capacidade e força de ação. porados ao longo do processo. O conhecimento ad-
No quesito continuidade das experiências a presen- quirido por meio das experiências exitosas favorece
ça e atuação de organizações comunitárias tiveram melhores formatações técnicas e a produção de teo-
um papel relevante. ria pertinente. Estimula também uma cultura política
de ação comprometida e eficaz no combate à pobre-
13. É importante evitar o uso de interpretações za e a criação de políticas e leis mais adequadas e
que negam ou abrandam os conflitos que efetivamen- sensíveis à temática. Por vezes, o simples conheci-
194 te existem. Dessa maneira, torna-se fundamental con- mento de uma experiência é suficiente para que as
siderar todos os elementos constitutivos do processo pessoas possam perceber que realmente é possível
de empobrecimento dos indivíduos. A visão de solida- agir. Na verdade, as experiências representam o pri-
riedade, por exemplo, pode ser bem intencionada en- meiro passo de uma tomada de consciência face às
quanto postura moral. Por outro lado, ela pode tam- mudanças realizadas no quotidiano.
bém estar indicando um retrocesso, ao classificar “o
pobre” como “coitado” ou “vítima” e estimular ape-
nas as tradicionais práticas caritativas.

14. Enquanto a educação e a capacitação têm


um papel essencial a desempenhar em muitas das
ações de redução da pobreza, também é importan-
te reconhecer a existência dos saberes que ema-
nam das comunidades. Recuperar e reconhecer a
contribuição destes saberes é um elemento-chave
para a construção de uma cidadania mais ampla com
respeito às gerações futuras.

15. A criação de uma entidade independente na so-


ciedade civil, servindo de referência para estatísticas e
dados de avaliação social sobre o impacto das ações
Conclusão
Lições específicas a partir das
experiências discutidas

1 . As experiências demonstram a potencialida- a dificuldade encontrada para criar formatos viá-


de das ações locais e a presença de uma tecnologia veis para a sua execução - em termos de políticas e
social subjacente. Revelam toda a vitalidade e tam- desenhos organizacionais e gerenciais.
bém a possibilidade de replicação tanto em termos
de estratégias, quanto em termos de ação específi- 4 . Os mecanismos de controle social continuam
ca. A sua disseminação é importante, como também frágeis, embora exista uma participação ativa da
a sua efetiva avaliação. Por isso, há necessidade de população-alvo e das organizações da sociedade ci-
se trabalhar com indicadores que possam ser utili- vil nos projetos contemplados. Essa participação é
zados para esta finalidade. observada sob diferentes formas e aspectos e colo- 195
ca em destaque a importância de aprofundar toda
2 . Há uma capacidade empreendedora presen- essa diversidade e opções de engajamento, o que
te nas experiências discutidas. Entretanto, as expe- leva a crer que o espaço público emergente é um
riências também sinalizaram para a carência de ação espaço híbrido e não pode ser reduzido a uma série
governamental em diversos níveis. Torna-se neces- de conselhos consultivos.
sário, portanto, criar políticas, regras e instrumen-
tos mais flexíveis e também novos arranjos entre 5 . A territorialidade dos exemplos de ação efi-
esferas de governo. Os exemplos são vários: falta cazes também é um elemento importante a ser le-
de integração entre políticas públicas e atividades vado em consideração. É fundamental reconhecer a
de geração de renda, impasses entre jurisdições territorialidade enquanto alcance. Territorialidade
subnacionais e impasses entre as ações locais e a não é sinônimo de Estado ou de Município e fre-
política nacional. A impressão geral é que o desen- qüentemente ela está relacionada aos espaços in-
volvimento local se realiza apesar da política nacio- termediários, de região intermunicipal ou de distri-
nal e sem o seu suporte. to intramunicipal. Territorialidade emerge também
como um elemento significativo em termos identitá-
3 . As ações locais precisam de maior integra- rios: o lugar, as raízes históricas e culturais.
ção. A ausência dessa integração tem implicações
diretas na sua sustentabilidade. No entanto, há uma 6 . Intersetorialidade e multissetorialidade são
distinção importante a ser feita entre a necessida- em geral resultados e não pontos de partida das
de e o desejo de desenvolver ações intersetoriais e ações eficazes de combate à pobreza. Nesse pro-
cesso, à medida que as ações evoluem, aspectos to no âmbito dos pequenos agrupamentos em fase
diversos são contemplados a partir de uma visão de formação como também em relação aos acessos
sistêmica ou de um encadeamento de iniciativas que de linhas de financiamento para organizações já
tentam conjugar melhoria de qualidade de vida, constituídas. O apoio ao acesso e à articulação jun-
emancipação social e geração de atividades produ- to aos mercados é vital para a sobrevivência das
tivas. Apesar da sinalização de bons resultados, pro- pessoas envolvidas nos projetos. A capacidade de
mover ações intersetoriais e multissetoriais não é identificar e avaliar os elementos-chave que com-
uma tarefa fácil, exigindo novos arranjos institucio- põem as cadeias produtivas (organização da produ-
nais, novas posturas, práticas e também novos va- ção, transferência de tecnologia, financiamento, ca-
lores políticos. pacitação, processamento da produção e comerciali-
zação) é um dos caminhos para intervenção, na me-
7 . A temática de emprego e renda está sempre dida em que torna mais visíveis os elementos de de-
presente na discussão sobre estratégias de comba- sigualdade e exclusão social. A economia solidária
te à pobreza, seja em relação à promoção de ativi- também oferece caminhos e precisa ser compreen-
dades econômicas, seja em relação à sua inserção dida como confrontação com outros modelos econô-
em outras atividades integradas como, por exem- micos e não como simples complementação.
plo, a urbanização e o desenvolvimento rural. Ficou
também evidente, a partir das análises e debates, a 10. Programas de capacitação privilegiam em
necessidade de deslocar a discussão sobre empre- demasiado a formação técnica, considerada impres-
go e renda do estritamente econômico para o cam- cindível para as oportunidades de trabalho, esque-
po da ética e dos direitos. cendo a importância de igualmente privilegiar a cons-
trução de uma consciência cidadã e de se atribuir
196
8 . No tema de geração de emprego e renda ob- maior respeito ao conhecimento e às habilidades já
serva-se ainda uma questão fundamental relativa à existentes na população.
adequação entre oferta e demanda: a públicos es-
pecíficos, oferta específica. Neste sentido, deve-se 11. Faz-se também importante ampliar a temática
levar em conta toda uma pluralidade de instrumen- de emprego e renda, e associá-la aos outros campos
tos, modalidades de apoio, flexibilidade de metodo- e áreas, incluindo as arenas interorganizacionais
logias e harmonia no enfoque. Trata-se aqui de bus- emergentes, como os consórcios intermunicipais.
car maior complementaridade entre a realidade, os Porém, uma provável descentralização nas esferas
saberes e as oportunidades que emanam da popu- de poder exigirá certamente mudanças na cultura
lação-alvo. política, superando-se a lógica clientelista que repro-
duz “balcões e grupos cativos de ‘pobres’ atendidos
9 . Além da flexibilidade, adequar oferta e de- por este ou aquele segmento da máquina governa-
manda requer, sensibilidade às questões de gêne- mental”, como foi assinalado por um dos participan-
ro, que são em grande parte ignoradas. Na área tes dos nossos encontros.
específica do crédito, há uma dificuldade freqüen-
temente assinalada e que se refere ao próprio pro- 12. O caminho para a intersetorialidade pare-
cesso de exclusão - o que foi chamado por muitos ce ser o enfoque territorial, conduzindo os diver-
de “bloqueios aos sem acesso”. Os relatos das ex- sos elementos para dentro de um contexto onde o
periências também revelaram os impasses criados controle social é possível. O lugar é portanto es-
tanto no âmbito urbano quanto no âmbito rural, tan- sencial, seja ele submunicipal, municipal ou supra-
Conclusão
municipal. A criação de esferas públicas ampliadas tretanto, esta ação vem sendo construída na ausên-
nas quais emancipação e transferência de poder cia de uma política pública nacional de redistribuição
(empowerment) levam ao confronto e geram a co- de renda, comprometida em combater efetivamen-
nexão entre serviços, parece ser um bom caminho te a pobreza.
a ser privilegiado. Há um grande número de ações
acontecendo de baixo para cima, em que pessoas 15. Os diversos arranjos locais e subnacionais -
estão conseguindo desenvolver atividades produti- sejam estes de estados, municípios, de agências re-
vas. Não obstante, falta uma atitude, uma ação no gionais e locais do governo nacional, de alianças com
sentido oposto - de cima para baixo - desbloquean- organizações não governamentais e comunitárias,
do os impasses que, ao não distribuir adequadamen- empresas e cooperativas e toda uma variedade de
te as oportunidades, acabam por reproduzir, quan- instituições e organizações cívicas nas quais a igreja
do não produzir, a desigualdade e a exclusão social. católica continua demonstrando uma competência
Há necessidade urgente de assumir o desafio e acei- especifica e exemplar - têm muito a contribuir e mos-
tar o conflito da discriminação positiva. tram caminhos possíveis, construídos a partir de so-
luções simples e concretas. Porém, vale salientar que
13. A questão da discriminação positiva, ou ação estes caminhos não podem ser considerados como
afirmativa, se torna mais visível quando se discute substitutos de uma responsabilidade institucional
prioridades. Face ao imenso contingente de pessoas maior, na qual o papel do Estado é central.
em situações de pobreza, em relações socioeconô-
micas de exclusão e desigualdade, qual deve ser a
prioridade? Percebe-se que muitas iniciativas aca-
bam não atingindo as pessoas que se encontram
197
em situação de extrema precariedade. Nessa pers-
pectiva, corre-se o risco de reproduzir processos
de discriminação e exclusão dentro do próprio cam-
po da ação para a redução da pobreza e para inclu-
são. Não é fácil decidir quem deve ser priorizado.
Reconhecendo que toda política pública deve ser con-
siderada de fato distributiva – no sentido de que
não há neutralidade na política pública – resta, por-
tanto, saber para quais setores a distribuição efeti-
vamente se orienta. Assim, pergunta-se quem de
fato é beneficiado pelas ações públicas e quem deve
ser beneficiado.

14. Durante o processo de discussão sobre as


diversas experiências apresentadas, tornou-se cla-
ro que, em resposta à questão levantada no início
do processo haveria um espaço de ação de comba-
te à pobreza entre as macropolíticas nacionais e as
ações desenvolvidas a partir da sociedade civil?,
havia, sim, um espaço para a ação subnacional. En-
Em direção às conclusões possíveis

1 . Durante as discussões, emergiu naturalmen- líticas públicas específicas não podem ser ignora-
te, uma indignação moral em relação à pobreza en- das. Reconhecer o potencial de complementaridade
quanto produto socioeconômico de uma sociedade horizontal dos diversos colegiados pode levar ao for-
desigual e profundamente injusta. talecimento do seu papel fiscalizador e orientador,
enfrentando assim as tentativas da sua apropria-
2 . Mesmo chegando à conclusão de que há um ção artificial por interesses hegemônicos de elites
espaço de ação no âmbito local, que precisa ser ur- e grupos profissionais específicos. Há muitos exem-
gentemente assumido e ocupado e que vem demons- plos de situações em que as informações e oportu-
trando sinais animadores da conquista de poder e nidades não chegam onde deveriam, e em que as
de oportunidades, não se pode ignorar o contexto exigências de consulta acabam por virar barreiras
mais amplo dentro do qual o fenômeno de pobreza em relação ao que buscam: o engajamento efetivo
e exclusão se constrói: os dramas decorrentes da da comunidade.
globalização, das políticas de ajuste estrutural, que
não privilegiam o social. É urgente a adoção de po- 5. Houve um consenso em torno da centralidade
líticas que garantam um mínimo social, sensíveis às de uma nova concepção do local visto como lugar,
198 questões de gênero, da infância e adolescência não se traduzindo em nenhum nível específico de
viabilizadas por meio de abordagens simples, como governo, mas sim onde a lógica da proximidade, do
programas de renda-mínima, salário social, bolsa- encontro e do confronto é possível. O lugar não é
escola, que demonstram na prática a eficiência das dado, mas se define e se redefine a partir das ações,
soluções simples. remetendo a um contexto de relações que não é so-
mente local. Requer dos agentes públicos uma prá-
3. Frente às possibilidades de agir para transfor- tica pedagógica ética e cívica que evidencie a pro-
mar a realidade, diversos são os temas a serem con- moção da cidadania. Requer, também, instrumen-
templados: a importância e a dificuldade de criar abor- tos de avaliação que estimulem o debate e possam
dagens intersetoriais; a necessidade de políticas pú- produzir conhecimentos.
blicas que estimulem a co-responsabilidade e o
protagonismo; a presença na política social da temática 6 . As ações emergentes, reposicionam o papel
de trabalho e renda dentro da ótica de um mínimo so- do Estado, mas não reduzem o seu papel central
cial enquanto direito fundamental; a capacidade de efe- no enfrentamento da pobreza percebida a partir
tivamente atingir os grupos mais vulneráveis; a im- da ótica da exclusão e da desigualdade social. As
portância de se dar maior visibilidade aos novos me- múltiplas organizações da sociedade civil, ao apre-
canismos interorganizacionais e o papel formador de sentarem soluções, dão sinais evidentes de uma
ações sociais de controle do agir público. responsabilidade social e de um engajamento cívi-
co, porém não desobrigam, em nenhum momento,
4 . A proliferação de conselhos e outras instân- as organizações públicas de uma ação igualmente
cias formais de decisão e consulta no âmbito de po- responsável e comprometida.
Conclusão
7. As soluções locais que emergem na área de prestar um serviço importante à sociedade. No Bra-
emprego e renda são freqüentemente resultados de sil, não há uma tradição de efetiva avaliação de po-
ações que favorecem o microcrédito e a capacitação, líticas públicas da parte de organismos governamen-
mas também de um diálogo e apoio direto à popula- tais. Além do que, a produção de dados sobre a
ção envolvida. Aprender a reconhecer e a respeitar heterogeneidade da pobreza, a desigualdade, como
os muitos saberes existentes e, também, levar em também sobre os resultados e impactos de ações -
consideração a importância de uma solidariedade no sejam estas positivas ou negativas - é essencial para
quotidiano são elementos que criam condições para evitar que o fenômeno perca seus contornos
o êxito dos projetos voltados para redução da pobre- sociopolíticos e gere uma individualização tutelada,
za. Para atingir resultados concretos, observa-se ain- transformando a pobreza em “pobre”. A criação
da a necessidade de flexibilizar linhas de apoio e de de indicadores de avaliação e de uma base inde-
ações técnicas, algo que infelizmente muitos dos pro- pendente de dados estatísticos socialmente adequa-
gramas e organismos públicos têm dificuldade em dos é de extrema importância para a mudança da
assumir. A lacuna que se cria, em conseqüência, é nossa realidade.
em si a expressão da permanente produção e repro-
dução da desigualdade e da exclusão social. Grosso 10. Falta de renda não é sinônimo de pobreza, 199
modo, a máquina pública parece não estar ainda pre- mas é um dado importante a ser considerado, cha-
parada, ou mesmo disposta, a encarar seriamente a mando a atenção para as conseqüências das rela-
necessidade de redução da pobreza, da exclusão ou ções socioeconômicas constitutivas do quotidiano.
da desigualdade no Brasil. Porém, ações nesta área precisam reconhecer a im-
portância da emancipação política e do engajamento
8 . A emancipação cívica e a conquista da cida- de atores locais na discussão do desenvolvimento
dania ativa é um processo de destruição dos meca- do “lugar”. Essas ações precisam se iniciar a par-
nismos de tutela e ampliação do universo cultural e tir de bases sólidas, simples e participativas, per-
educacional. É necessário buscar e dar visibilidade mitindo resultados concretos e sustentáveis.
aos caminhos que dão voz e vez a um maior número
de pessoas, favorecendo a criação de novos espa- 1 1 . Integração multissetorial e estratégias
ços públicos. Qualquer programa de enfrentamento complexas e detalhadas de intervenção pré-elabo-
da pobreza é parte desse processo e precisa ser rada têm pouco efeito quando servem de ponto de
avaliado nesse sentido. partida para ação no âmbito do lugar. As experiên-
cias demonstram que integração e elaboração,
9 . O espaço local é o motor de arranque do pro- quando acontecem, são normalmente resultados
cesso de enfrentamento da pobreza e precisa ser de um processo gradual de aproveitamento de
privilegiado. A construção de múltiplas formas de oportunidades, de aprendizagem e de luta, abrin-
identificação e de avaliação de práticas e de solu- do possibilidades de escolhas seguindo o crono-
ções eficazes - por instâncias independentes - pode grama dos atores e acontecimentos.
Introduction

Buiding citizenship: local


strategies for poverty reduction
Introduction
The Public Management and
Citizenship Program
An awards and dissemination program for innovations in Brazilian sub-na-
tional governments developed through the initiative of FGV/EAESP in São Paulo
and the Ford Foundation with additional support from the Brazilian National Eco-
nomic and Social Development Bank (BNDES). The program’s objectives are to
encourage states, municipalities and the governments of the indigenous peoples
to share with others the approaches they are using to solve public issues and
respond to community needs; to evaluate and identify the key features of these
innovations and to create mechanisms fot the widespread dissemination of prac-
tical approaches to effective government.

Public Practice and Poverty


203
Public Practice and Poverty is a special project within the Public Manage-
ment and Citizenship Program, seeking to identify and disseminate practices and
ideas aimed specifically at the improvement of the quality of life and social inclu-
sion of poor populations. Supported initially by the Ford Foundation, the project
now counts as well with the support of the World Bank and the BNDES (National
Bank of Economic and Social Development). The project’s main activities are:
1. To promote meetings based on specific themes involving actors from dif-
ferent segments of action and reflection: from commmunities, academic institu-
tions. civil society organizations and the public sector.
2. To develop studies and research focussing on emerging social and public
practises, in their several forms, which have been shown to have a real and
direct impact on the quality of life and social inclusion of the poor.
3. To develop training programs in responsible social action for profession-
als from local administrations, state governments, development institutes, non-
governmental organizations and communities in general.
4. To produce written and audiovisual material for use in the dissemination of
practices and ideas, as well as for teaching purposes.
Introduction

In October 1998, the Public Management and Citi- year, the fourth workshop took place in Porto de
zenship Program of the Getulio Vargas Foundation Galinhas, Pernambuco, with the objective of shar-
São Paulo with support from the Ford Foundation ing the views developed in the first three and look-
held the first of a cycle of four workshops directed ing for possible conclusions.
at discussing local strategies to reduce poverty. In all, 146 people took part in the events, as-
During each 2-day meeting, between 30 and 40 suming an active role in listening and debating. A
people drawn from different settings (academic re- key feature was the willingness of participants to
search, community organizations, NGOs, municipal confront different action languages, theories and
and state government organs, development banks views of the world and to evaluate the contributions
and multilateral institutions) gathered to debate the of the variety of experiences discussed.
potential for action and change. The experiences presented were selected from
204 The question that had triggered the meetings was amongst the projects entered for the Public Man-
simple and direct: what were the real possibilities for agement and Citizenship Program’s annual awards
actions to reduce poverty; was there a space that could cycle. They were supplemented with other cases
be occupied and developed between the macro level identified in a study about the role of alliances be-
of national domestic policy and the micro level of indi- tween local, non-governmental and private organi-
vidual civil society organization actions? If so, what zations for poverty reduction, developed with the
routes should such a mid-range approach follow, what support of the World Bank. The experiences were
paths were likely to be more effective? chosen to reflect the diversity of sub-national juris-
The rules for the workshops were egalitarian. diction, areas of action and type of impact. During
All participants were to have the same opportunity the meetings other initiatives were mentioned by
to debate and present arguments, with a balance participants, thus broadening even more the vari-
being maintained between academic presentations, ety of actions available for discussion.
first hand reports by activists and community lead- This publication is in its second edition thanks to
ers and technical analyses. the generous support of the William and Flora
The first meeting, in Rio de Janeiro, focused on Hewlett Foundation. The edition represents an im-
poverty in relation to urban service provision. The portant and timely contribution in the formulaton,
second, held in Recife in December 1998, debated evaluation, monitoring, and thinking regarding poli-
the possibility of integrated actions for socio-eco- cies, programs, and socialprojects. This document
nomic development, and the third, held in São Paulo is also very useful in respect to how it synthizes
in March 1999, dealt with the issues of generating ideas regarding collective action, and emphaisizes
jobs and income. At the end of April of the same a diverse blend of local best practices.
Workshops

Buiding citizenship: local


strategies for poverty reduction
The selected experiences discussed

Rio de Janeiro Workshop Ipatinga, Minas Gerais, which promotes community


Introdução do Catador no Mercado da involvement both in construction work and in linked
Reciclagem (Belo Horizonte/BH) - A result of initiatives in areas such as health and education.
the partnership between the municipal government Programa de Reassentamento de Famílias
and civil society organizations in Belo Horizonte, (Teresina/PI) - Housing relocation for low-income
Minas Gerais, ASMARE - the Association of Collec- families residing in risk areas in the municipality of
tors of Paper and other Recyclable Materials - builds Teresinha, Piauí. Actions focused on improving liv-
206
citizenship and generates jobs and income through ing conditions are also linked to activities in health
recycling paper and other dry waste material. and income generation.
Unidades de Triagem (Porto Alegre/RS) - PREZEIS-Plano de Regularização das Zo-
The waste recycling program in Porto Alegre, Rio nas Especiais de Interesse Social (Recife/PE)
Grande do Sul, collecting dry waste from door-to- - Initiative of the municipal government in Recife,
door for selection and processing at units run by Pernambuco, aimed at achieving land ownership for
former street collectors. shanty town communities in inner city areas, pro-
Projeto Lixo e Cidadania (Olinda/PE) - Multi moting urban development and guaranteeing the
partnered program in Olinda, Pernambuco, offering rights of basic citizenship.
alternatives for children scavenging on municipal Programa Médico de Família (Niterói/RJ)
waste dumps by creating educational opportunities, - The family doctor program of the city of Niterói,
housing and training for family members and recy- Rio de Janeiro, administered jointly by the local gov-
cling cooperatives. ernment and community associations, which uses
Projeto Mutirão Reflorestamento (Rio de small mobile health teams to reach areas with little
Janeiro/RJ) - A forestry project in the city of Rio de access to health resources.
Janeiro, creating work opportunities through com- Programa Saúde da Família (Curitiba/PR)
munity involvement in tree planting and the develop- - A family health program from Curitiba, Parana,
ment of environmental controls on hillside areas. where multi-disciplinary teams work from local
Ações Integradas nos Bolsões de Pobreza centers to provide integral health care and preven-
(Ipatinga/MG) - A low cost housing project in tion to communities.
Workshops
Programa de Saúde da Família de Mutirão São Paulo Workshop
do Serrotão (Campina Grande/PB) - A coop- Cooperativa Mista de Produção Alternativa
erative community action program in a poor district de Birigüi (Birigüi/SP) - A shoemaker’s coopera-
of Campina Grande, Paraiba, which has developed tive in the town of Birigüi, São Paulo, set up by a group
a prevention and action policy that promotes the in- of unemployed workers and now comprising various
clusion of low income communities into the public production groups and factories, generating jobs and
health system. income and offering training opportunities.
Projeto Cidadania e Ação Comunitária (São
Recife Workshop Paulo/SP) - Part of a local development and social
APAEB Associação dos Pequenos Agricul- inclusion program being carried out in one of São
tores (Valente/BA) - APAEB, the Small Agricultural Paulo’s low income communities by Cenpec, a São
Producers Association from Valente, Bahia, is trans- Paulo based ONG. The specific project discussed was
forming the economic and social prospects of sisal the women tailors cooperative.
production, creating new jobs, incomes, education and FENAPE - Federação Nacional de Apoio aos
rural electrification through its community threshing Pequenos Empreendimentos - An independent or-
machine, sisal factory, bank and credit cooperative. ganization with a national program aimed at poverty re-
Programa de Desenvolvimento Local - duction through micro-credit support to small businesses.
PNUD/BNB (Região Nordeste) - A partnership Programa Bolsa-Escola (DF) - A family income
between the Northeast Development Bank and the and school grant scheme in the Federal District of
United Nations Development Program to train rural Brasília which guarantees a minimum monthly wage
and urban producers from the north east region in to low-income families with school age children.
entrepeneurial skills. Câmara do Grande ABC (Região do ABC
Projeto São José (CE) - An income genera- Paulista/SP) - The intermunicipal consortium cre- 207
tion and local development program for rural com- ated in the industrial region surrounding São Paulo
munities in the state of Ceará which finances pro- (ABC) to formulate regional strategic plans with the
duction and infrastructure through partnerships with involvement of the municipal authorities, elected
community associations. representatives, employers federations, trades un-
PROVE - Programa de Verticalização da ions, NGOs and community groups.
Pequena Produção Agrícola (DF) - The Federal PRONAF - Programa Nacional de Fortaleci-
District of Brasilia’s program to integrate rural small- mento da Agricultura Familiar (PE) - The Nation-
holdings into the productive cycle and support the al Program of technical and financial support for rural
development of micro agricultural businesses. development. The experience discussed was that of
Projeto Pólo-Agroflorestal (Rio Branco/AC) the State of Pernambuco. Objectives are to strength-
- A municipal agricultural reform program for the en family agricultural enterprises through raising pro-
resettlement of rubber workers on the outskirts of ductive capacity and income generation.
Rio Branco in the State of Acre. This report sets out the main points on which
Projeto Couro Vegetal da Amazônia (Vale participants at the workshops were in agreement.
do Alto Rio Juruá/AC) - A project within the Ama- As an initial consensus, it reflects work in progress
zonian area that promotes community development rather than a logically structured argument. How-
and the trade of rubber-based products through ever it leaves no doubt that there are conclusions
partnerships between research institutes, indig- that can be drawn from the discussions that took
enous organizations, independent extractors, NGOs place and that there are answers for those who seek
and private companies. action to reduce poverty and equality in Brazil.
Participants

The Public Management and Rio de Janeiro Workshop


|Adauto Cardoso (Observatório-IPPUR/UFRJ)
Citizenship Program would like to
|Ademir Margenti Castro (Programa Unidades
take this opportunity to thank all the de Triagem/RS)
people who participated in the |Adler do Couto (Escola do Futuro/USP)
|Ana Britto (Observatório-PROURB/UFRJ)
meetings and accepted the |Ana Christina Barbosa (BNDES/RJ)
challenge not only to confront issues, |Ana Clara Torres Ribeiro (FASE-Nacional/
IPPUR/UFRJ)
ideas and practices, but also to try to
208 |Berenice Ramos (Programa Mutirão do
identify the possible elements of a Serrotão/PB)
|Caio de Azevedo (BNDES/RJ)
mid-range approach to poverty
|Carlos Pontes (Centro de Pesquisa Ageu
reduction. If the conclusions are of Magalhães/ Observatório Recife)
value, and we believe they are, this is |Celso Junius Ferreira Santos (Projeto
Mutirão Reflorestamento)
the direct result of the commitment |Elizabeth Leeds (Fundação Ford)
and disposition of all who took part |Fábio Atanásio (Projeto Lixo e Cidadania-
UNICEF/Recife)
to embrace dialogue as a collective |Grazia di Grazia (FASE-Nacional)
process. In alphabetical order, the |Iraci Reis (PUC/SP)
|Isabelle Wolff (Médicos Sem Fronteiras-
participants were:
missão Bélgica)
|Jacqueline Rosas Silva (Programa Bolsões de
Pobreza)
|Jan Bitoun (UFPE/Observatório Recife)
|Kleber Montezuma F. dos Santos (Programa
de Reassentamento de Famílias)
|Leda Maria Albuquerque (Programa Saúde da
Família de Curitiba)
Workshops
|Luiz César de Queiroz Ribeiro (Observatório- |Luiz de La Mora (UFPE)
IPPUR/UFRJ) |Maria da Luz Magalhães (Promoção Social do
|Maria Magdalena Alves (Ação da Cidadania/ Governo de Angola)
SP) |Maria do Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP)
|Marcos Formiga (UNB/FINEP) |Marilena Jamur (PUC/ RJ)
|Maria do Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP) |Marília Andrade (Instituto de Serviço Social
|Marilena Jamur (PUC/ RJ) de Lisboa)
|Marta Pordeus (Assessora do Fórum do |Mirna Pimentel (UFPE)
PREZEIS) |Neide Silva (ETAPAS/PE)
|Marta Prochnik (BNDES/RJ) |Nilson Costa (UFF/FIOCRUZ)
|Neide Silva (ETAPAS/Recife) |Pablo Sidersky (AS-PTA Regional Nordeste)
|Nelson Duplat (BNDES/RJ) |Paulo Henrique Martins (UFPE)
|Nilson Costa (UFF/FIOCRUZ) |Pedro Jacobi (USP)
|Orlando Júnior (FASE-Nacional/ |Ricardo Ernesto Vasquez Beltrão (FGV/SP)
Observatório-IPPUR/UFRJ) |Serafim Ferraz (Banco do Nordeste)
|Pedro Jacobi (USP) |Sueli Guimarães (Fundação Joaquim
|Pedro Lima (Programa Médico de Família de Nabuco/PE)
Niterói/RJ) |Suely Maria Ribeiro Leal (UFPE)
|Ricardo Ernesto Vasquez Beltrão (FGV/SP) |Tereza Lima (Banco do Nordeste)
|Sônia Maria Dias (Introdução do Catador no |Vando Nogueira (Consultor independente/PE)
Mercado de Reciclagem/BH) |Vânia Ribeiro (Projeto Pólo-Agroflorestal/AC)

209
Recife Workshop São Paulo Workshop
|Ademar de Oliveira Marques (Frente das |Antônio Ibañez Ruiz (Bolsa-Escola/Brasília)
ONGs de Pernambuco) |Betânia Ávila (SOS-CORPO/PE)
|André Monteiro Costa (NESC/CPQAM/ |Brian Wampler (Universidade do Texas)
FIOCRUZ) |Caio Silveira (NAPP/RJ)
|Armando Mendes (UFPA) |Celso Mendes (Web-Brazil Internet
|Beatriz Saldanha (Projeto Couro Vegetal/AC) Design/SP)
|Carlos Osório (Programa de Apoio ao |Cunca Bocayuva (FASE-Nacional/RJ)
Desenvolvimento Local/PNUD) |Elizabeth Leeds (Fundação Ford)
|Carlos Pontes (Observatório-Recife) |Franklin Coelho (UFF/Secretaria Estadual de
|Eduardo Homem (Centro Luiz Freire-TV Planejamento/RJ)
VIVA/Recife) |Grazia di Grazia (FASE-Nacional/RJ)
|Fernanda Costa (Observatório-Recife) |Iracema Barbosa (Cooperativa de
|Franklin Coelho (UFF/Secretaria Estadual de Costureiras do Jardim Horizonte Azul/SP)
Planejamento/RJ) |Iraci Reis (PUC/SP)
|Ismael Ferreira de Oliveira (APAEB/BA) |Jan Bitoun (UFPE/Observatório Recife)
|Jan Bitoun (UFPE/Observatório Recife) |Joana Coutinho (Projeto Ação Comunitária e
|João Luiz Homem de Carvalho (PROVE/DF) Cidadania/SP)
|Josias Farias Neto (Projeto São José/CE) |José Carlos Vaz (POLIS/SP)
|Lívia Miranda (Observatório Recife) |Ladislau Dowbor (PUC/SP)
|Lília Martins (Universidade Metodista de |Gustavo Krause (MULTI Consultoria/PE)
Piracicaba/SP) |Ismael Ferreira de Oliveira (APAEB-Valente)
|Marcos Formiga (UNB/FINEP) |Jacqueline Rosas Silva (Programa Bolsões de
|Marcus Melo (UFPE) Pobreza/MG)
|Maria do Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP) |Jan Bitoun (UFPE/Observatório Recife)
|Maria do Carmo Meirelles (CEPAM-Fundação |Joanildo Burity (FUNDAJ/UFPE)
Prefeito Faria Lima/SP) |Kátia Lubambo (FUNDAJ/PE)
|Maria Magdalena Alves (Ação da Cidadania/SP) |Kleber Montezuma (Secretário Municipal de
|Mariangela Belfiore Wanderley (IEE-PUC/SP) Habitação de Teresina/PI)
|Marilena Jamur (PUC/ RJ) |Ladislau Dowbor (PUC/SP)
|Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP) |Marcos Formiga (UNB/FINEP)
|Mauro Martins da Silva (Cooperativa Mista |Marcus Melo (UFPE)
de Birigüi/SP) |Maria do Carmo Brant de Carvalho (PUC/SP)
|Mirna Pimentel (UFPE) |Maria do Carmo Meirelles (CEPAM-Fundação
|Nádia Somekh (Prefeitura de Santo André/ Prefeito Faria Lima/SP)
FAU-Mackenzie/SP) |Maria Magdalena Alves (Ação da
|Nilson Costa (UFF/FICRUZ) Cidadania/SP)
|Osmil Galindo (Fundação Joaquim Nabuco/PE) |Marilena Jamur (PUC/RJ)
|Paul Singer (USP) |Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP)
|Pedro Jacobi (USP) |Mirna Pimentel (UFPE)
|Ricardo Ernesto Vasquez Beltrão (FGV/SP) |Nádia Somekh (Prefeitura de Santo André/
|Roseni Reigota (CENPEC/SP) FAU-Mackenzie/SP)
210 |Sílvio Caccia Bava (POLIS/SP) |Neide Silva (ETAPAS/PE)
|Sônia Café (Secretaria Municipal de |Nilson Costa (UFF/FIOCRUZ/RJ)
Trabalho/Prefeitura do Rio de Janeiro) |Pedro Jacobi (USP)
|Tânia Zapata (PNUD/BNB) |Ricardo Ernesto Vasquez Beltrão (FGV/SP)
|Valdi Dantas (FENAPE) |Ricardo Mello (CEDAC/RJ)
|Robert Wilson (Universidade do Texas)
|Serafim Ferraz (Banco do Nordeste)
Porto de Galinhas Meeting |Sílvio Caccia Bava (POLIS/SP)
|Ana Britto (PROURB/UFRJ) |Sônia Café (Secretaria Municipal de
|Ana Clara Torres Ribeiro (FASE-Nacional/ Trabalho/Prefeitura do Rio de Janeiro)
IPPUR/UFRJ) |Sônia Dias (Introdução dos Catadores no
|Antônio Ibañez Ruiz (Bolsa-Escola/Brasília) Mercado de Reciclagem/BH)
Brasilmar Ferreira Nunes (UNB) |Tânia Bacelar (UFPE)
|Caio Silveira (NAPP/RJ) |Telúrio Cavalcanti (SUDENE)
|Cristovam Buarque (Missão Criança/DF) |Valdi Dantas (FENAPE/Brasília)
|Elizabeth Leeds (Fundação Ford)
|Fábio Atanásio (UNICEF/PE)
|Franklin Coelho (UFF/SERE/RJ)
|Graciete Santos (Casa da Mulher do
Nordeste/PE)
|Grazia di Grazia (FASE-Nacional/RJ)
presentation
Consensus

Buiding citizenship: local


strategies for poverty reduction
Consensus presentation
Poverty: defining the field

Given the many studies and indicators produced cess to services and goods necessary for a more dig-
213
in recent years in relation to poverty, this is not the nified life; characterized by less inequality and charac-
place to repeat known data about the dramatic socio- terized by the full exercise of citizenship.
economic inequality in Brazil or about the differential Thus in order to re-think actions that will lead to
access to goods, services and opportunities. The coun- poverty reduction, it is essential that these be under-
try currently faces a “slow motion catastrophe” to stood in terms of citizenship, of democratic society
use a phrase coined by one of the participants. This and of building new standards of sociability. If prior-
situation is worsened by simplistic approaches to pov- ity is not given to the question of poverty, seen from
erty that explain the phenomenon in terms of either the standpoint of exclusion and social inequality, the
the absence of individual material resources - a situation in Brazil will only get worse. To increase the
“poor” person is one who has no money - or exclu- sensitivity of policies, administrative actions and pro-
sively as an effect of globalization and of macroeco- grams to poverty will demand - according to analy-
nomic policies. The result is that the multiple mecha- ses made during the meetings - interventions at dif-
nisms that produce social inequality and exclusion ferent institutional levels and, also, in different parts
and the administrative actions that contribute to its of the process of exclusion. This will require new or-
maintenance are left in second place. ganizational configurations and relations between the
As the workshop discussions evolved, a more plu- different actors involved: national, state or municipal
ral approach emerged. This considered not only social governments, public sector institutions and their rep-
and individual capacities and resources and the over- resentatives, civil society and the business commu-
all strategies for the promotion of socially sustainable nity. Above all, to talk about poverty is to talk about
economic development, but also the provision and ac- the lack of effective citizenship.
Conclusions from the
sector workshops

214 1. Any democratically elected national government tions. Greater effort is also required to measure the
is responsible for the social consequences of its poli- impacts and consequences of the presence or suppres-
cies and actions in all areas and for their impact on sion of public programs and actions.
living conditions, on individual and collective rights, and
on the exercise of citizenship. Social issues cannot be 3. Poverty manifests itself in the precarious ac-
reduced to a specific area of governmental policy or cess to goods and services, and in the absence of ef-
action, but must be considered as permeating any and fective channels of dialogue between those in power
all action, including those in the economic field. and the demands of the population. As a result, those
interests that are better placed and more capably rep-
2. Poverty in Brazil is characterized by its hetero- resented are able to claim a more significant part of
geneity and amplitude and affects the majority of the goods and services than those without such access.
population. There is an urgent need to develop a bet-
ter understanding of the phenomenon and its different 4. The fight against poverty should be understood
regional manifestations through the use of multiple in terms of building citizenship and of democracy,
indicators that can be discussed publicly. Care needs empowerment, emancipation; giving priority to the
to be taken when using average or aggregated data, voice of those who most face its consequences. So-
because this can hide wider differences. For example, cial participation is still not widespread and those in-
average infant mortality rates may hide differences of volved in promoting a more just socio-economic bal-
up to 10 times when income level is taken into consid- ance must seek ways to create mechanisms for a
eration. Equally fragile is the excessive use of the 1 US more truly participative and sustainable development.
dollar per capita indicator to measure poverty condi- It is important to encourage and support autonomous
Consensus presentation
community groups, networks and movements which and choices, their elimination depends on incisive
emerge from and are sustained by the poor and avoid action in the field of public policy. Unfortunately, there
their substitution by NGOs and governments. In or- are no adequate instruments to effectively evaluate
der to confront paternalism and clientelism, it is es- poverty sensitivity in the implementation of policies.
sential that community organizations, their methods It is essential to develop better mechanisms in this
and practices should be recognized and respected area and also to invest in positive discrimination - or
without concern for professionalism. Equally, the cre- affirmative action - that will increasingly ensure that
ation of mechanisms that could lead to the substitu- public policies become, in fact, truly public.
tion of such organizations under a pretext of greater
efficiency should be avoided. 8. Nowadays, the search for new strategies to over-
come poverty also requires new relations between the
5 . Attempts to reduce inequality must be aware State, the different organizations of the civil society,
that access to well being has, given the availability and the private sector. With the appearance of new
of resources and services involved and the implica- social actors oriented towards the promotion of joint
tions for power, many elements of a zero sum game. activities, new forms of public interest dialogue are
The need for an effective redistribution of power in being established within the public space.
overcoming inequality must be faced and the public
space increased by incorporating different and at 9. The discussion of the programs and projects
times conflicting bases of knowledge. The sustain- during the workshops pointed to the importance, in
ability of actions directed at reducing poverty de- this process of building new public spaces, of mid-range
pends on social cohesion and effective local politi- activities that are different to those with a more lim-
cal and social articulation is a factor in many expe- ited scope. The most adequate expression to describe
215
riences that have taken root. the scope of these various activities seems to be that
of “place”. The “place” is where we find ourselves
6. Brazil is currently at an ethical and moral cross- and indeed the “place”, as some participants pointed
roads, where the social debts of past development out, “looks like ourselves”. It is formed by different
models and of the present structural adjustments are and interlocking arenas of demands, conflicts and
enormous, weakening the very notion of social sup- claims for improvements in the quality of life. Dense,
port and civilization. At the same time, synergisms are the “place” is a reference for people’s lives in space
emerging at the local level that recuperate the idea of and time that, depending on circumstances, can be a
“social commitment” and with it the creation of a pub- neighborhood, a municipality or a region. The “place”
lic space that allows civil society to return to the politi- is, without doubt, where the simple experiences, tac-
cal scene. Within this, the defining of public interest tics, methods and practices root themselves to create
no longer seems an activity restricted to a limited group an invisible library of poverty reduction solutions.
of elite players, but is incorporating the presence and
demands of sectors previously excluded, allowing for 10. An element that was frequently mentioned,
a broader and inclusive public space. especially in relation to experiences that have a
strong local associative character, is the difficulty
7. The State, however, has a central role to play and lack of interest by conventional public agencies
in social regulation and the redistribution of wealth when faced with heterodox and non-conventional so-
and income. As poverty and social exclusion are con- lutions. At times, this difficulty can lead to a rejec-
sequences of the impact of public policies, priorities tion of the “new” and the “different”.
11. Another constant theme was the recogni- tunate” person or “victim”, thus reducing and limit-
tion that the experiences, projects and programs dis- ing action to traditional charitable practices.
cussed are much more processes in action rather
than precise and previously planned activities. They 14. Although education and training have an im-
never begin in a structured manner, rather the op- portant role to play in many of the actions being de-
posite: taking shape in practice and with time, inte- veloped to reduce poverty, it is also vital to respect
grating other elements and ideas within the flow of the presence of other forms of knowledge that be-
action. Even in so-called “integrated” activities and long to the communities themselves. Recovering and
approaches, it was not possible to identify a pro- recognizing the contribution of such local knowledge
grammatic plan that had been previously defined and is a key element in building a broader basis for citi-
was capable of guaranteeing results. Frequently, zenship and strengthening future generations.
what are described as strategies are, in fact, the
ex-post recognition of links between different ac- 15. The creation of a independent entity within
tions adopted, rather than the ex-ante specification civil society that could serve as a reference point
of causal steps. for statistics and information about the social evalu-
ation of the impact of public actions to reduce pov-
12. This vision of action as a process is also erty, is a necessary independent counterpoint for
present in the importance that those involved in the the many indicators supplied by the several govern-
experiences attribute to understanding the fight mental and multilateral institutions. Such a refer-
against poverty in terms of access to a quality of life ence organization could make a major contribution
that brings dignity, equal rights, social inclusion and to strengthening democratic debate.
216 access to citizenship. To elect equality as a starting
point and not as a goal leads immediately to adop- 16. Generalizing actions on the basis of effec-
tion of democratic and participative methods of tive practices is not a process that can be reduced
project administration. The experiences discussed to mere replication. Reproducing actions on the ba-
proved to be very effective in this aspect; they were sis of “best practices” runs the risk of giving im-
able to alter power structures, optimize alliances portance to everything and nothing at the same time.
between governments and the poor, especially with Learning from effective practices requires reflec-
those sub-national governments that were seeking tion on the conditions of their success, their limits
a greater proximity with excluded groups, enabling and the different elements that were incorporated
these to present themselves with capacity and during the process. The knowledge acquired from
strength. In terms of continuity, the active presence successful experiences helps to develop better tech-
of community organizations played a key role. nical approaches and contributes to the production
of relevant theory. It also stimulates a political cul-
13. It is important to avoid explanations and in- ture of committed and effective actions to combat
terpretations that deny or soften conflicts that effec- poverty and the creation of more adequate and sen-
tively exist. It is also fundamental not to loose sight sitive laws and policies. Sometimes, the simple
of all the many elements that constitute the complex awareness of an experience is enough for people to
process of impoverishment. The over use of the no- perceive that it is possible to act. In this way, suc-
tion of solidarity, for example, may be well meant as cessful experiences represent the first step in de-
a moral posture. But, it can have a negative effect veloping consciousness of the changes that can be
through qualifying the “poor” person as an “unfor- brought about in everyday life.
Consensus presentation
Lessons learned from the
experiences discussed

1. The experiences clearly show the potential that 3. Local actions also require more integration.
exists for local action and the existence of an underly- The lack of this integration has direct implications on 217
ing social technology. They reveal vitality and also show the sustainability of poverty reduction actions. How-
the possibility of replication both in terms of strate- ever, there is an important difference to be made
gies, as well as pointing to specific actions. It is impor- between the need and desire to develop inter-secto-
tant that they should be both disseminated and effec- rial actions and the difficulty found to create viable
tively evaluated. There is a real need to develop indi- forms for their execution; in terms of policies, mana-
cators that can be used to for this purpose. gerial practices and organizational design.

2. Entrepreneurial capacity is also present at dif- 4. Inter-sector and multi-sector patterns of ac-
ferent levels but, in contrast, the corresponding gov- tion are generally the results rather than the starting
ernment action is often lacking. It is therefore nec- points for efficient action to combat poverty. As the
essary to create more flexible policies, rules and actions evolve, different aspects emerge or stimu-
instruments, and also new forms of coordination be- late other initiatives that jointly link to improve the
tween different spheres of government. There are quality of life, provide for social emancipation and
many examples: lack of integration between public aid productive activities. Whilst these generate good
policies and income generating activities, obstacles results, it remains the case that promoting inter-sec-
between different sub-national jurisdictions and ob- torial and multi-sectorial actions is not an easy task;
stacles between local actions and national policies. demanding new institutional arrangements, new pos-
The feeling was widespread that local development tures, practices and also new political values.
takes place despite national policies and without
national government support. 5. Whilst the mechanisms for social control of
public processes continue fragile, there are signs of process. Those involved in the experiences pointed to
growing active participation both of target popula- the obstacles created by official lines of support that
tions and of civil society organizations in the projects made access difficult both for small groups that were
studied. Participation can take different forms and in the process of formation and to existing and estab-
approaches, highlighting the importance of different lished organizations. Gaining support for access and
options of involvement. The emerging public space for articulation with markets is vital for the survival of
appears to be hybrid in nature and certainly cannot many projects and their members. The ability to iden-
be reduced to a series of Consultative Councils. tify and evaluate the elements that constitute produc-
tive chains (organizing production, technology trans-
6. The territorial nature of effective action is also fer, finance, training, production processing and com-
an important element to be taken into consideration. It mercialization) is a key to turning more visible the dif-
is fundamental to recognize territoriality in relation to ferent elements of inequality and social exclusion. What
the scope of action. Territoriality is not a synonym for has been called the alternative economy of solidarity
State or Municipality, and is frequently related to in- also offers ways forward; not as a complement but as
termediate spaces such as inter-municipal regions or a challenge to existing economic models.
intra-municipal districts. Territoriality also emerges as
an important element for identity: part of the “place” 10. Training programs can tend to place exces-
and its historical and cultural roots. sive emphasis on technical skills, considered essen-
tial for employment opportunities. They forget the
7 . Employment and income issues are always importance of giving equal emphasis to building
present in discussions about strategies to combat pov- awareness of citizenship and also of respecting those
erty, whether in relation to promotion of economic ac- areas of skills and knowledge that already exist with-
tivities or in relation to their role within integrated ac- in the day to day of the focal population.
218 tivities such as, for example, urbanization and rural
development. It was also evident from the analysis and 11. It is important to open up the issues of em-
debates that there is a need to displace the discussion ployment and income, and to link them to other fields
about employment and income from the strictly eco- and areas of action, using also strategies that in-
nomic field to the field of ethics and of rights. volve the emerging inter-organizational arenas, such
as inter-municipal consortiums. The political decen-
8. A fundamental question in relation to employ- tralization of spheres of power may also stimulate
ment and income generation was that of the bal- changes in political culture, hopefully overcoming
ance between demand and supply in relation to the the existing clientelist practices within which cap-
requirements of specific groups and specific offers tive groups are attended to by this or the other part
of support. It is important to take into consideration of the government machine.
a whole plurality of instruments, forms of support
and flexibility of methods. Greater symmetry is also 12. The path to inter-sectorial working seems to
needed between conditions, knowledge and the op- lie in a territorial focus, bringing various elements
portunities that are generated by target populations. together in a context where social control is possi-
ble. The “place” is thus essential to action, be it
9. To balance supply and demand requires, besides sub-municipal, municipal or supra municipal. The cre-
flexibility, sensitivity to frequently ignored gender is- ation of enlarged public spheres where emancipa-
sues. In the specific area of credit, access is an often- tion and empowerment can lead to confrontation and
mentioned difficulty and a key factor in the exclusion connection between services appears a positive
Consensus presentation
course to follow. There are a large number of ac- They can involve state, municipal and regional or-
tions happening in a bottom up manner, through ganizations, or local agencies of national govern-
which people are managing to develop productive ment, alliances with non-governmental and commu-
activities. Unfortunately there is a lack of attitudes nity organizations, companies and cooperatives, and
and actions in the top - down direction; actions that a large variety of civil institutions and organizations,
could clear obstacles that reproduce, when not pro- amongst which the Catholic church continues to dem-
duce, inequality and social exclusion. There is an onstrate a specific and exemplary competence. All
urgent need to accept the challenge and face the have much to contribute and can point to possible
inevitable conflict of positive discrimination and af- courses of action that arise out of simple and con-
firmative action policies. crete solutions. However, it is necessary to reiter-
ate that these cannot be considered as substitutes
13. The issue of positive discrimination, or affir- for a much larger area of responsibility in which the
mative action, becomes especially visible when pri- national government’s role is central.
orities are discussed. Faced with the enormous num-
bers of people in poverty situations, trapped in so-
cio-economic relations of exclusion and inequality,
what should the priority be? It was noted that many
initiatives do not reach the people who are in the
most precarious settings. Again there is the risk of
reproducing discrimination and exclusion in the very
actions intended to reduce poverty. To decide who
should have priority is not an easy matter. Recog-
nizing that all public policy in distributive in some
way - that is, that there is no neutrality in public 219
policy - the question becomes that of to which sec-
tor should distribution be effectively directed? Who
actually receives the benefits of public actions and
who should receive the benefits?

14. As the experiences were discussed, it be-


came evident that the answer to the question raised
at the beginning of the workshop series “is there a
space for actions to combat poverty that lies be-
tween the macro level of national policy and the
micro level of individual solidarity?” was certainly
yes. Such a mid-range and subnational space does
exist. However, the actions that are emerging are
taking place in the absence of any coherent and ef-
fective national public policy for income redistribu-
tion and for poverty reduction.

15. The different local and sub-national arrange-


ments that are being formed are diverse in nature.
New questions

1 ..During the discussions, it was clear that all of a social minimum as a fundamental right; the abil-
present shared a feeling of moral indignation in re- ity to effectively reach the most vulnerable groups;
lation to the widespread presence of poverty in Bra- the importance of giving greater visibility to new in-
zil; seeing this as a socio-economic product of an ter-organizational mechanisms; and the formative role
unequal and profoundly unjust society. of new mechanisms to control public actions.

2. Even reaching a conclusion that there is space 4 . The proliferation of Consultative Councils and
for action at the local or mid-range level, a space other formal instances of decision and debate in the
220
that must be urgently occupied and where initiatives public policy environment cannot be ignored. Easily
have shown heartening signs of achieving power and appropriated by the dominant interests of specific
opportunity, the wider context within which the phe- elites and professional groups, their potential for
nomenon of poverty and exclusion is built cannot be horizontal linkage and the complementarity of their
ignored. Within this it is necessary to focus the dra- focal areas can also offer opportunity for other sorts
matic consequences of globalization and policies of of relation and a different balance of power. Unfor-
structural adjustment that do not take into consid- tunately, there are many examples of situations
eration social concerns. There is an urgent need where information and opportunities do not get to
for effective public policies that ensure a social mini- where they are really meant to, and where the for-
mum, that are sensitive to issues of gender, of child- mal or legislated requirements for consultation cre-
hood and adolescence. There are already many lo- ate barriers that impede what is being sought: the
cal level examples on which to draw. community’s effective involvement.

3.
3.Faced with the need to act to transform reality, 5. There was consensus about conceiving the lo-
attention can be drawn to several issues. Amongst cal space as a “place”, not translatable as any spe-
these are: the importance and difficulty of creating cific government level, but seen as where the logic of
inter-sectorial approaches: the need for public poli- proximity, of encounter and of confrontation becomes
cies that stimulate co-responsibility and active par- possible. The “place” is not given, but is defined and
ticipation; the presence in social policies of the issue redefined through actions that are themselves linked
of employment and income seen from the viewpoint to a wider context of relations. It is a stimulus for ethi-
Consensus presentation
cal and civic practices on behalf of public agents and spaces. Any program to combat poverty must rec-
also for the development of forms of evaluation that ognize itself as being part of this process and must
help debate and produce knowledge. be evaluated as such.

6. The range of actions currently emerging does, 9 . The local arena, as a “place”, is the starting
without doubt, reposition the role of the State, but point in the process of confronting poverty and must
does not reduce its central role in combating poverty be given greater priority. The construction of dif-
seen within the framework of exclusion and social ferent methods to independently identify and evalu-
inequality. The solutions being developed by the ate innovative practices and potential solutions, is a
multiple organizations of civil society do point to a service that society needs. Brazil lacks the tradition
wider social responsibility and civic involvement, but of the effective evaluation of public policies by
they do not, in any way, release public organizations government’s own agencies. Information on the het-
from their obligations to create and sustain equally erogeneity of poverty and inequality, as well as on
responsible and committed programs of action. the results and impacts of actions (both positive and
negative) is essential to avoid the phenomenon loos-
7. The local solutions that are generated to tackle ing its socio-political shape and becoming a ques-
unemployment and income generation are frequent- tion of individual “misfortune”. The creation of in-
ly results of actions that favor micro-credit and train- dicators for evaluation and of an independent base
ing, but are also characterized by dialogue and direct of socially adequate statistics is extremely impor-
support to target populations. To learn to recognize tant at this moment.
and respect existing and different bases o knowledge
and take into consideration the importance of soli- 10. Lack of income is not synonymous with pov-
darity in everyday life, are factors that create condi- erty, but it is an important factor to be considered,
221
tions for the success of poverty reduction programs calling attention to the consequences of those socio-
and projects. To attain concrete results it is neces- economic relations which constitute everyday life.
sary to make lines of support and technical expertise However, actions in this area must recognize the
far more flexible than is currently the case; a chal- importance of political emancipation and the involve-
lenge that many public programs and organs have ment of local players in the discussion of the devel-
difficulty in assuming. The gap that is created as a opment of their “place”. Such actions must be initi-
consequence, is in itself an expression of the perma- ated from solid, simple and participatory bases that
nent production and reproduction of inequality and focus concrete and sustainable results.
social exclusion. In short, the public sector, its orga-
nizations and staff does not seem to be prepared, or 11. Planned multi-sectorial integration and com-
even inclined, to face seriously the need to reduce plex elaborate strategies of intervention seem to have
poverty, exclusion and inequality in Brazil. little effect when adopted as a starting point for ac-
tion within the context of the “place”. The different
8 . Civic emancipation and the conquest of active experiences show that integration and complexity,
citizenship is a process in which paternalist protec- when they occur, are normally the results of a gradual
tion mechanisms have to be destroyed and cultural process of taking advantage of opportunities, of learn-
and educational possibilities and openings increased. ing through doing and of confrontation and conflict.
It is necessary to identify and give visibility to prac- In this way possibilities of joint coordination and de-
tices that give voice and priority to a greater num- bate are opened up within the time frames and the
ber of people, favoring the creation of new public available choices of social actors and events.
Anexos
Lista de participantes
Lista de experiências
Adauto Cardoso Ana Britto Antônio Ibañez Ruiz
(IPPUR) (PROURB/UFRJ) (Ministério da
Prédio da reitoria, sala 543 Rua Alberto de Campos, 40 - 102 Educação)
Cidade Universitária Rio de Janeiro – RJ SQN 211 – Bloco C – apto. 603
Rio de janeiro – RJ 22421-020 Brasília – DF
21941-590 Fone: (0xx21) 2247-3490 / 70863-030
Fone: (0xx21) 2564-4046 2598-1990 Fone: (0xx61) 273-0713
Fax: (0xx21) 598-1923 Fax: (0xx21) 2598-1991 Fax: (0xx61) 273-0713
cardoso@ippur.ufrj.br anabritto@rionet.com.br aibar@Mymail.Com.Br

Ademar Marques Ana Christina Barbosa Armando Mendes


(Frente das ONGs de (BNDES) (UFPA)
Pernambuco) Av. República do Chile, 100 SHS – Q.02 – Bloco J
Rua Frei Jabotão, 280 14º andar apto. 314
apto. 302/5 Rio de Janeiro –RJ Brasília – DF
Recife - PE 20139-900 70327-900
50710-030 Fone: (0xx21) 2277-7447 Fone/fax: (0xx61) 322-6659
Fone: (0xx81) 288-0682/ admendes@tba.com.br
462-7150
Fax: (0xx81) 462-8384
Ana Clara Torres Beatriz Saldanha
Ribeiro (FASE- (Couro Vegetal da
Ademir Margenti Castro Nacional/IPPUR/UFRJ) Amazônia/TREETAP)
(Assembléia Legislativa Prédio da Reitoria – Sala 543 Rua General Almério de Moura,
- Assessoria Ilha do Fundão 200 - São Cristóvão
Comunitária de Rio de Janeiro – RJ Rio de Janeiro – RJ
Saneamento) 20241-201 20921-060
Fone: (0xx21) 2590-1191 / Fone/Fax: (0xx21) 3878-2131 /
Praça Marechal Deodoro, 101 –
2598-1911 2286-7314
4º andar / sala 410
Fax: (0xx21) 564-4046 Fax: (0xx21) 3878-2131
Porto Alegre – RS
ana_ribeiro@uol.com.br e-mail:
90010-300
Fone: (0xx51) 3210-1300 saldanha@amazonlife.com
Cel: (0xx51) 9973-9367 www.treetap.com.br
ademir_castro@al.rs.gov.br André Monteiro Costa
(CpqAM/Saúde
Coletiva/FIOCRUZ) Berenice Ramos
Adler do Couto (Mutirão do Serrotão)
Participantes

Av. Moraes Rego, S/N -


(Ministério da Cidade Universitária Praça da caixa d’água, S/N –
Integração Nacional) Recife – PE Mutirão do Serrotão
50670-420 Campina Grande – PB
SQN 203 Bloco K apto. 502
Fone: (0xx81) 3302-6506 58100-990
Brasília – DF
Fax: (0xx81) 3302-6514 Fone: (0xx83) 334-9166
70833-110
andremc@cpqam.fiocruz.br
Fone: (0xx61) 327-9608
Fax: (0xx61) 327-9608
adlerandrade@uol.com.br
Betânia Ávila Carlos Osório Celso Mendes de
(SOS Corpo) (BNDES/PNUD) Carvalho (Web-Brazil)
Rua Real da Torre, 593 Rua Antonio Lumack do Monte, 96 Rua Alameda das Acácias, 394 –
Madalena Empresarial Center 2 Sala 402 Cidade Jardim
Recife – PE Boa Vagem Pirassununga – SP
50610-000 Recife – PE 13632-494
Tel: (0xx81) 3445-2086 51020-350 Fone: (0xx19) 3561-8132 /
Fax: (0xx81) 3445-1905 Fone: (0xx81) 3327-6994 / 3562-2962
sos@soscorpo.org.br / 3327-6998 (0xx19) 9767-4377
betania@soscorpo.org.br Fax: (0xx81) 3327-6994 / cmc@web-brazil.com
3327-6998
carlos@projetobndespnud.org.br
Brasilmar Nunes (UNB) Cristovam Buarque
Campus Universitário Darci (Ministério da
Ribeiro Carlos Pontes Educação)
Asa Norte (FIOCRUZ) Esplanada dos Ministérios -
Instituto de Ciências Sociais – Rua dos Navegantes, 727 Bloco L - Ed. Sede - 8º Andar
Depto. Sociologia apto. 404 – Boa Viagem Gabinete
Brasília – DF Recife – PE Brasília - DF
70910-900 51021-010 70.047-900
Fone: (0xx61) 307-2389 / Fone: (0xx81) 3302-6506 Fone: (0xx61) 410-8543 /
272-4125 Cel: (0xx81) 9968-9733 410-8520
Fax: (0xx61) 347-3663 Fax: (0xx81) 3302-6514 Fax: (0xx61) 410-9198
bnunes@umb.br cpontes@cpqam.fiocruz.br osvaldorusso@mec.gov.br
www.cristovam.com.br

Brian Wampler Celso Junius (Parque


(Boise State University) Nacional da Tijuca/ Cunca Bocayuva
Boise, ID SMAC) (FASE-Nacional)
83725 Rua das Palmeiras, 90
Estrada da Cascatinha, 850 –
EUA Rio de Janeiro – RJ
Alto da Boa Vista
Fone: (+1) 208 426-2650 22270-070
Rio de Janeiro – RJ
Fax: (+1) 208 426-4370 Fone: (0xx21) 286-1441
22531-590
bwampler44@yahoo.com Fax: (0xx21) 286-1209
Fone: (0xx21) 2492-2252 /
2492-2253 pcunha@fase.org.br
Fax: (0xx21) 2492-5407
cjunius@pcrj.rj.gov.br
Caio Silveira (NAPP-RJ) Eduardo Homem
Rua Júlio de Castilhos, 63 – (TV VIVA)
7º andar – Sl. 701 –
Rua de São Bento, 344
Copacabana
Recife – PE
Rio de Janeiro – RJ
53020-080
22081-020
Fone: (0xx81) 3429-4109
Fone: (0xx21) 2287-5075
Fax: (0xx81) 3429-3445
Fax: (0xx21) 2287-5075
tvviva@terra.com.br
cmsk@openlink.com.br /
napp@alternex.com.br /
caio@rits.org.br
Elizabeth Leeds Graciete Santos Isabelle Wolff
(Fundação Ford) (Casa da Mulher do (Ass. Terra dos
Praia do Flamengo, 154 Nordeste) Homens)
8o. andar Rua Lopes de Carvalho, 320 Rua Pinheiro Guimarães, 88
Rio de Janeiro – RJ Bairro Madalena Botafogo
22210-030 Recife – PE Rio de Janeiro – RJ
Fone: (0xx21) 2556-1586 – 50610-170 22281-080
ramal: 116 Fone: (0xx81) 3227-0281/ Fone: (0xx21) 2286-0866
Fax: (0xx21) 2285-1250 3227-0531 Fax: (0xx21) 2286-0866
e.leed@fordfound.org Fax: (0xx81) 3227-0281/ terradoshomens@
3227-0531 terradoshomens.org.br
cmnordeste@uol.com.br
Fábio Atanásio
(UNICEF) Ismael Ferreira de
Rua Henrique Dias, s/nº Edifício Grazia de Grazia Oliveira (APAEB)
IRH Térreo - Derby (FASE-NACIONAL) Rua Duque de Caxias, 78
Recife – PE Rua das Palmeiras, 90 Valente – BA
52010-100 Rio de Janeiro – RJ 48890-000
Fone: (0xx81) 3423-3171 22270-070 Fone: (0xx75) 263-2181 /
Fax: (0xx81) 3423-5962 Fone: (0xx21) 2286-1441 / 263-2356
fabioatanasio@aol.com 552-2260 Fax: (0xx75) 263-2236
Fax: (0xx21) 2286-1209 apaebvalente@gd.com.br /
ggrazia@fase.org.br / sisal@gd.com.br
Fernanda Costa ggrazia@uninet.com.br
(Instituto Pólis)
Rua Araújo, 124 – Vila Buarque Jacqueline Rosas Silva
São Paulo – SP Gustavo Krause (Regional Noroeste/
01220-020 (Multi Consultoria) Programa Habitar
Fone: (0xx11) 3258-6121 Av. Agamenon Magalhães, 2656 Brasil/PMBH)
ramal 232 Ed. Emprl. A. Magalhâes Rua Peçanha, 144 / 7º andar
Fax: (0xx11) 3258-3260 Recife – PE Carlos Prates
polis@polis.org.br 52020-000 Belo Horizonte – MG
Fone: (0xx81) 3427-6100 30710-040
Fax: (0xx81) 3427-4970 Fone: (0xx31) 3277-7694
Franklin Coelho multiconsultoria@ Fax: (0xx31) 3277-7661
(UFF/VIVA RIO) multiconsultoria.com.br jrosas@pbh.gov.br
Av. Rui Barbosa, 20/301
Rio de Janeiro – RJ
Participantes

22250-020 Iraci Reis (PUC-SP) Jan Bitoun (UFPE)


Fone: (0xx21) 2826-1905 Rua Caiubi, 662 – Casa 10 Av. Sigismundo Gonçalves, 176
Fax: (0xx21) 2553-7292 São Paulo – SP Olinda – PE
fdcoelho@alternex.com.br 05010-0000 53010-240
Fone: (0xx11) 3873-0745 Fone: (0xx81) 3429-0424
reisbeltrao@zipmail.com.br Fax: (0xx81) 3429-0424
jbitoun@allbynet.com.br
Joanildo Burity Kátia Lubambo Lília Aparecida de
(FUNDAJ/UFPE) (FUNDAJ/UFPE) Toledo Piza Martins
Rua dois Irmãos, 92 – Apipucos Rua Dois Irmãos, 92 – Apipucos Rua Luiz Rasera, 300 - apto 51
Recife – PE Recife – PE Edifício Ferrara
52071-440 52071-440 Piracicaba – SP
Fone: (0xx81) 3441-5900 Fone: (0xx81) 3441-5900 13417-530
ramal: 298 Ramal 313 Fone: (0xx19) 3411-1899
Fax: (0xx81) 3441-3228 Fax: (0xx81) 3441-3228 Cel: (0xx19) 9144-8575
joanildo@fundaj.gov.br / lubambo@fundaj@gov.br lamartin@unimep.br
joanildo@uol.com.br

Kléber Montezuma Lívia Miranda


João Luiz Homem de (Secretaria Municipal (FASE-Nordeste)
Carvalho (APROVE) de Educação e Cultura) Rua Viscondessa do
SCLRN 716 – Bloco F – Loja23 Rua Areolino de Abreu, 1507 - Livramento,168 - Derby
Subsolo Centro Recife – PE
Brasília – DF Teresina – PI 52010-060
70770-666 64000-180 Fone/Fax: (0xx81) 3221-5478 /
Fone/Fax: (0xx61) 274-4293 Fone: (0xx86) 215-7930 3221-3076
arpove@uol.com.br Fax: (0xx86) 215-7943 fasene@elogica.com.br
semec@teresina.pi.gov.br

José Carlos Vaz Luís de la Mora (UFPE)


(Intituto Polis) Ladislau Dowbor Av. Prof Moraes Rego, s/n
Rua Araújo, 124 – Centro (PUC-SP) Centro de Artes e Comunicação
São Paulo – SP Rua Sepetiba 1102 Cidade Universitária
01220-020 São Paulo – SP Engenho do Meio
Fone: (0xx11) 3258-6121 05052-000 Recife – PE
Fax: (0xx11) 3258-3260 Fone: (0xx11) 3872-9877 Fone: (0xx81) 3268-7333
polis@polis.org.br / Fax: (0xx11) 3871-2911 Cel: (0xx81) 9166-9686
vaz@polis.org.br ladislau@ppbr.com Fax: (0xx81) 3271-8772

Josias Farias Neto Leda Maria Luiz César Ribeiro


(Projeto São José) Albuquerque (IPPUR/UFRJ)
Av. Bezerra de Menezes, 1820 Rua Paulo Rio Branco de Prédio da Reitoria, SALA 543
Fortaleza – CE Macedo, 791 – Sítio Cercado Cidade Universitária
60320-901 Curitiba – PR Rio de Janeiro – RJ
Fone: (0xx85) 287-3646 81925-587 21941-590
Fax: (0xx85) 287-4435 Fone/Fax: (0xx41) 289-7300 Fone: (0xx21) 2598-1932 /
jfarias@sdr.ce.gov.br Cel: (0xx41) 9961-3934 2598-1929
ledafami@pop.com.br Fax: (0xx21) 598-1923
cesar@ippur.ufrj.br
Manoel Marcos Maciel Maria do Carmo Marília Andrade
Formiga (Ministério da Meirelles (CEPAM) (Instituto de Serviço
Integração Nacional/ Av. Professor Lineu Prestes, 913 Social de Lisboa)
Secretário Extraordinário Cidade Universitária Rua José Purificação Chaves, 6
do Desenvolvimento do São Paulo – SP 2ºDTO – 1500
05508-900 Lisboa – Portugal
Centro-Oeste)
Fone: (0xx11) 3811-0300
Esplanada dos Ministérios Bl. “A”
Fax: (0xx11) 3813-5969
9º andar
Brasília – DF
mcarmo@cepam.sp.gov.br Marta Farah
70.054-900 (FGV/EAESP)
Fone: (0xx61) 414-5621 / Av. 9 de Julho, 2029
414-5606 / 414-5622 /
Maria Magdalena Alves Prédio da Biblioteca, 2º Andar
414-5625 (Prefeitura de Santo São Paulo – SP
marcos.formiga@integracao.gov.br André) 01313-902
www.integracao.gov.br Av. Ipiranga, 1138 – Apto.63 Fone: (0xx11) 3281-7904 /
São Paulo – SP 3281-7905
01040-000 Fax: (0xx11) 287-5095
Marcus Melo (UFPE) Fone: (11) 3326-1308 / mfarah@fgvsp.br
Av. Flor de Santana, 342 4433-0172
apto. 101 – Casa-Forte madalena@uol.com.br
Recife – PE Marta Pordeus (URBE)
52060-290 Av. Oliveira Lima, 867
Fone: (0xx81) 3441-2886 Mariângela Belfiore Boa Vista
marcus.melo@uol.com.br Wanderley (Instituto de Recife – PE
Estudos Especiais - 50050-390
PUC-SP) Fone: (0xx81) 3421-5077
Maria da Luz Magalhães Rua Ministro Godoy, 1213
ramal: 131
(Promoção Social no 05015-001
Governo de Angola) Fone: (0xx11) 3871-4429
Rua Sylo Bittencourt, 284 Fax: (0xx11) 3871-4429 Marta Prochnik
Ed. Bélgica, 103B – Setúbal marilew@uol.com.br (BNDES)
Recife – PE – 51030-080 Av.República do Chile, 100
Fone: (0xx81) 3462-4718 Marilena Jamur 14º andar
(PUC-RJ) 20139-900
Fone: (0xx21) 2277-7393
Rua Marquês de São Vicente,
Maria do Carmo Brant Fax: (0xx21) 2220-7461
225 Botafogo
prochnik@bndes.gov.br
De Carvalho Rio de Janeiro – RJ
Participantes

(CENPEC /PUC) 22453-400


Mirna Pimentel (UFPE)
Rua Tatuí, 123, apto. 41 Fone: (0xx21) 2295-8965
Fax: (0xx21) 2239-8575 Av. Conselheiro Aguiar, 2626 / 401
São Paulo - SP
mjamur@ser.puc-rio.br Recife – PE
01409-010
51020-020
Fone: (0xx11) 3063-4289 /
Fone/Fax: (0xx81) 3227-3004
3816-0666
Cel: (0xx81) 9965-9884
(0xx11) 9994-8270
mirnahelia@uol.com.br
Fax: (0xx11) 3062-2212
mcbrant@uol.com.br /
mcbrant@cenpec.org.br
Nádia Somekh Osmil Galindo Pedro Jacobi (USP)
(Prefeitura de São (Fundação Rua do Anfiteatro, 181 –
Paulo/Mackenzie) Joaquim Nabuco) Colméia Favo 15 – Cidade
Rua São Bento, 405 Av. Dois Irmãos, 92 Universitária
16 andar – sala 162 52071-440 São Paulo – SP
São Paulo – SP Recife – PE 05508-900
01008 906 Fone: (0xx81) 3441-5900 Fone: (0xx11) 3091-3235
Fone: (0xx11) 3241-4991 Fax: (0xx81) 3441-4201 Fax: (0xx11) 3091-3330
Ramal: 200 galindo@fundaj.gov.br prjacobi@terra.com.br
Fax: (0xx11) 3241-3605
nadia@mackenzie.com.br /
pr@emurb.com.br Pablo Sidersky Pedro Lima (Programa
(AS-PTA) Médico de Família
Caixa Postal, 33 de Niterói)
Neide Silva (ETAPAS) Esperança – PB Av. Amaral Peixoto, 171
Rua da Soledade, 243 e 249 - 58135-000 sala 313 / 3º andar
Boa Vista Fone: (0xx83) 361-9040 Rio de Janeiro – RJ
Recife – PE Fax: (0xx83) 361-9041 24020-071
50070-040 asptapb@uol.com.br Fone: (0xx21) 2622-4348 /
Fone: (0xx81) 3231-0745 / www.aspta.org.br 2716-5807
3231-1075 medicodefamilia@ig.com.br
Fax: (0xx81) 3221-0689 Paul Singer
etapas@terra.com.br (Ministério do Trabalho)
Rua Rio de Janeiro, 338 / 1 Ricardo Beltrão
São Paulo – SP (FGV/PUC)
Nilson do Rosário Costa 01242-010 Rua Caiubí, 622 – casa 10
Rua Leopoldo Bulhões, 1480 / Fone: (0xx11) 3818-6073 São Paulo – SP
sala 913 Fax: (0xx11) 3818-6073 05010-000
21041-210 paulsinger@uol.com.br Fone: (0xx11) 3873-0745 /
Rio de Janeiro – RJ 4433-0190
Fone: (0xx21) 2598-2645 Paulo Henrique Martins reisbeltrao@zipmail.com.br
Cel: (0xx21) 9958-8744
Fax: (0xx21) 2598-2779
(UFPE)
Rua José Tavares da Mota, 90
nilson@ensp.fiocruz.br
casa 7 – Iputinga Ricardo Mello
Recife – PE (CEDAC-RJ)
50670-340 Rua Benjamin Constant, 108
Orlando Júnior Fone: (0xx81) 3453-1252 Glória
(FASE-NACIONAL) pahe@npd.ufpe.br / Rio de Janeiro – RJ
Rua das Palmeiras, 90 paulomartins@yahoo.com 20241-150
Rio de Janeiro – RJ Fone: (0xx21) 2509-0263
22270-070 Fax: (0xx21) 2222-2527
Fone: (0xx21) 2286-1441 cedac@alternex.com.br /
Fax: (0xx21) 2286-1209 rfmello@ism.com.br
ojunior@fase.org.br
Robert Wilson Sônia Café (BNDES) Tânia Zapata
(UT-Austin) Av. República Do Chile, 100 (BNDES/PNUD)
1201 Castle Hill St - apto. 105 16º andar Rua Antonio Lumack Do Monte,
Austin – TX Rio de Janeiro – RJ 96 / Empresarial Center 2
78703 20139-900 Sala 402 – Boa Viagem
Fone: (+1) 512 480-0583 Fone: (0xx21) 2277- 8453 Recife – PE
Fax: (+1) 512 475-7909 scafe@bndes.gov.br 51020-350
rwilson@mail.utexas.edu Fone / Fax: (0xx81) 3327-6994/
3327-6998
Sonia Maria Dias tania@projetobndespnud.org.br
Roseni Reigota Rua Dom Pedrito, 359
(CENPEC) Nova Vista
Rua Des. Euclides Campos, 32 Belo Horizonte – MG Telúrio Cavalcanti
05030-050 31070-080 (SUDENE – Diretoria de
São Paulo – SP Fone: (0xx31) 3488-1848 / Programas Sociais)
Fone: (0xx11) 3871-5004 (0xx31) 9991-9145
Praça Ministro João Gonçalves
Cel: (0xx11) 9961-5426 soninha277@hotmail.com
de Souza, s/n – ed. Sudene
rosenireigota@uol.com.br 12º andar - sala 12022
Recife – PE
Sueli Guimarães 50670-900
Serafim Ferraz (Fundação Joaquim Fone: (0xx81) 3416-2717 /
(Banco do Nordeste) Nabuco) 3416-2719
Av. Paranjana, 5700 Av. Dois Irmãos, 92 – Apipucos Fax: (0xx81) 3271-3385
bloco E2 – Térreo Recife – PE
Fortaleza – CE 52071-440
60740-000 Fone: (0xx81) 3441-5900 Tereza Lima
Fone: (0xx85) 299-3091 Ramal 313 (Banco do Nordeste)
Fax: (0xx85) 299-3577 Fax: (0xx81) 3441-3228 Av. Paranjana, 5700 - bloco B
serafim@banconordeste.gov.br / sueli@fundaj.gov.br Superior - Passaré
sfsf@uol.com.br Fortaleza – CE
60740-000
Suely Maria Ribeiro Fone: (0xx85) 299-3446 /
Sílvio Caccia Bava Leal (UFPE) 299-3449
(Instituto Polis) Rua Prof. Júlio Ferreira de Melo, Fax: (0xx85) 299-3551
Rua Araújo, 124 – Centro 490 / Casa U - Boa Viagem terezalima@banconordeste.gov.br
São Paulo – SP Recife – PE
01220-020 51020-231
Fone: (0xx11) 3258-6121 Fone: (0xx81) 466-2625 /
Participantes

Fax: (0xx11) 3258-3260 3326-1992


polis@polis.org.br Fax: (0xx81) 3271-8772
suelyleal@terra.com.br /
rleal@npd1.mfpe.br
Valdi Dantas Associação dos Reflorestamento
SHCN CL, Qd 406, Bloco C, Catadores de Papel, (SMAC/RJ)
Nº 50, sala 107 – Asa Norte Papelão e Materiais Rua Afonso Cavalcanti, 455
Brasília – DF Reaproveitáveis – 12º andar – sl. 1271
70847-530 Rio de Janeiro – RJ
ASMARE
Fone: (0xx61) 340-2908 20211-110
Av. do Contorno, 10.555
valdidantas@terra.com.br Fone: (0xx21) 2503-2977
Bairro Preto
Fax: (0xx21) 2293-0595/3484
Belo Horizonte – MG
ayrtonxerez@terra.com.br
30110-140
Vando Nogueira (Con- Fone: (0xx31) 3201-0717
www.rio.rj.gov.br/smac
sultor Independente) Fax: (0xx31) 3271.4455
Rua Marquês de Marica, 88/404 asmare@asmare.org.br
Recife – PE www.asmare.org.br Meio Ambiente e
50711-120 Cidadania (UNICEF)
Fone/Fax: (0xx81) 3445-4016 Rua Henrique Dias, s/nº
vando_nogueira@uol.com.br Programa Bolsa-Escola Edifício IRH - térreo
(Missão Criança) Bairro Derby
Recife – PE
SCLN 107 – Bloco C – Entrada
Vânia Ribeiro 51 – sala 101 – ed. Gemini
52010-100
Rua Ana Vitória - CJ Paulo César Fone: (0xx81) 3423-3171
Center, Brasília – DF
Quadra D – Casa 6 Fax: (0xx81) 3423-5962
70743-530
Rio Branco – AC fabioatanasio@aol.com
Fone: (0xx61) 273-4620
69912-510 www.unicef.org.br
Fax: (0xx61) 274-0295 / 4261
Fone: (0xx68) 226-1174
missao@missaocrianca.org.br
vânia.rib@uol.com.br
www.missaocrianca.org.br
Ação Integrada nos
Bolsões de Pobreza
Programa Unidade de Rua Maria Jorge Selim de Sales,
Triagem (Prefeitura 100 – 5º andar da PMI
Ipatinga – MG
de Porto Alegre – 35160-011
Departamento Munici- Fone: (0xx31) 3829-8505
pal de Limpeza Urbana Fax: (0xx31) 3829-8523
Experiências Avenida Azenha, 631
Porto Alegre – RS
www.ipatinga.mg.gov.br

90160-001
Associação de Apoio
Fone: (0xx51) 3289-6999
à Verticalização da Programa de
Fax: (0xx51) 3289-6999
Pequena Produção dmlu@dmlu.prefpoa.com.br
Reassentamento
Rural – APROVE www.portoalegre.rs.gov.br
de Famílias
SCLRN 716, Bloco F, Av. Praça Marechal Deodoro,
860 4º piso - Centro
loja 23 subsolo Projeto Mutirão
Brasília – DF Teresina – PI
70.770-566 64000-160
Telefax: (0xx61) 274-4293 Tel: (0xx86) 215-7520
aprove@uol.com.br Fax: (0xx86) 215-7522
www.prove.org.br semplan@ig.com.br
Plano de Regularização Associação dos Projeto São José
das Zonas Especiais Pequenos Agricultores Av. Bezerra de Menezes, 1820
de Interesse Social – do Município de Fortaleza – CE
PREZEIS (FASE – Valente – APAEB 60320-901
Fone: (0xx85) 287-3646
Recife) Rua Duque de Caxias, 78
Fax: (0xx85) 287-4435
Rua Viscondessa do Livramento, Valente – BA
jfarias@sdr.ce.gov.br
168 – Derbi 48890-000
Recife – PE Fone: (0xx75) 263-2181 /
52010-060 263-2356 / 624-3803
Fone/Fax: (0xx81) 3221-5478 Fax: (0xx75) 263-2236 / Pólo Agroflorestal
(0xx75) 624-3955 Rua Antônio da Rocha Viana, s/n
fasene@elogica.com.br
apaeb@apaeb.com.br Horto-Florestal – Vila Ivonete
www.fase.org.br
www.apaeb.com.br Rio Branco – AC
69914-610
Fone: (0xx68) 228-2894 /
Programa Saúde da
Programa de Apoio ao 228-2394
Família de Curitiba Fax: (0xx68) 228-3933
Av. Sete de Setembro, 3497 Desenvolvimento Local semeia@pmrb.ac.gov.br
Curitiba – PR BNDES - PNUD*
80250-210 Rua Antonio Lumack do Monte, 96
Fone: (0xx41) 322-4222 / Empresarial Center 2
350-9342 Sala 402
Projeto Cidadania
sesa@pr.gov.br Boa Viagem, Recife – PE
e Ação Comunitária -
www.saude.pr.gov.br 51020-350 CENPEC
Fone: (0xx81) 3327-6994/ Rua Dante Carraro, 68
Estão de Mudança para: 3327-6998 São Paulo – SP
Av. João Gualberto, 623 Fax: (0xx81) 3327-6994/ 05422-060
80030-000 3327-6998 Fone: (0xx11) 3816-0666
Fax: (0xx11) 3816-0666
jovem@cenpec.org.br
Programa Médico de Programa Couro www.cenpec.org.br

Família de Niterói Vegetal da Amazônia -


Rua Visconde de Sepetiba, 987 TREETAP Sistema CEAPE
8º andar – Centro Rua General Almério de Moura,
SHIS QI7, bloco B, salas 203 e
Niterói – RJ 200 – São Cristóvão
204, entrada 24 – Lago Sul
24.020-206 Rio de Janeiro – RJ
Brasília – DF
Fone: (0xx21) 26224348 20921-060
70615-570
Fax: (0xx21) 2716-5803 Fone: (0xx21) 3878-2131
Fone: (0xx61) 248.7132
prefeitura@niteroi.rj.gov.br / Fax: (0xx21) 3878-2131
Experiências

Fax: (0xx61) 248.5513


fundacao@nitnet.com.br saldanha@amazonlife.com
ceape@ceape.org.br
www.niteroi.rj.gov.br www.treetap.com.br
www.ceape.org.br
Programa Saúde PRONAF – PE
da Família Mutirão Av. Caxangá, 2200 – Cordeiro
do Serrotão Recife – PE
Praça da Caixa D’Água, s/n 50.711-000
Mutirão do Serrotão Fone: (0xx81) 3228-0690
Campina Grande – PB Fax: (0xx81) 3228-3281
58100-990 sprra@fisepe.pe.gov.br
Fone: (0xx83) 334-9166 www.pronaf.gov.br

* originalmente vinculado ao
Banco do Nordeste

Câmara do Grande ABC


Praça IV Centenário, nº 2
Centro, Santo André – SP
09.015-080
Fone: (0xx11) 4469-8000
Fax: (0xx11) 4469-8188
cmsandre@cmsandre.sp.gov.br
www.cmsandre.sp.gov.br

Programa Nacional
de Fortalecimento da
Agricultura Familiar –
PRONAF
(Ministério do
Desenvolvimento
Agrário/Secretaria de
Agricultura Familiar)
SBN, Ed.Palácio do
Desenvolvimento, 6º andar
Brasília – DF
70057-900
Fone: (0xx61) 426-9966/9910
Fax: (0xx61) 328-8953
pronaf@mda.gov.br
www.pronaf.gov.br

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