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Uma vida bem vivida: Maria Celi

POR TAÍSA MEDEIROS


APRESENTAÇÃO
Quando comecei a escrever essa biografia esforcei-me para lembrar quando foi o primeiro contato
que tive com a Celi. Eu era uma criança e visitava a casa dela, deitava na rede pra ler meus gibis da
Turma da Mônica enquanto ela e minha mãe conversavam, provavelmente, sobre as histórias que
aqui serão contadas. Naquela casinha de madeira localizada numa vila de Cachoeira do Sul, com um
jardim florido em sua frente, moravam todas essas lembranças. Foram muitos anos de visitas e
conversas, e para mim, ela sempre foi como uma terceira avó. Recebia-nos tão bem, com uma mesa
cheia de bolos, pães e cafezinhos e um abraço bem aconchegante.

Desde pequena ouço algumas dessas histórias. Mas, por ainda ser pequena, não sabia dimensionar
o quanto de vivência aquela mulher trazia consigo. Com a disciplina de Biografia, depois de algumas
escolhas equivocadas, cheguei novamente até essas histórias e me deparei com a vontade de contá-
las aqui, nesse livro.

Quando questionada por minha mãe se ela aceitava participar desse projeto comigo ela ficou
extremamente feliz e lisonjeada. Esclareci que precisaria que ela me contasse o máximo de histórias
possíveis, incluindo aquelas das quais ela tinha algum tipo de vergonha ou constrangimento. Logo
ela me disse “minha vida é um livro aberto”.

Fui recebida pela primeira vez na casa de Edson, o filho dela, que você ainda lerá muito sobre
nessa história. Celi estava pintando as unhas. Ganhei logo que cheguei um abraço dela e da
cachorrinha, que, enfeitada com lacinhos cor-de-rosa nas orelhas, de pé ficava do meu tamanho. Lá
dentro, uma casa imensa e aconchegante, com cheiro de bolo saído do forno e crianças correndo pra
todos os lados.

Senti-me muito bem acolhida por aquele clima familiar. Fui sendo apresentada à casa, uma chuva
começou a cair fina. Conheci a horta, onde seu filho cultivava, mesmo em casa, a paixão por plantar,
o salão de festas, a sala de estar. Tudo tão aconchegante que em momento algum me senti intimidada
de fazer alguma pergunta ou comentar sobre algo.

Nosso segundo encontro foi na própria casa dela, onde fui recebida com latidos do seu cachorro e
mais uma vez um abraço apertado. Nos sentamos à mesa, a mesma mesa que quando eu era menor
parecia enorme, tomamos chimarrão e conversamos como velhas amigas. Foram três horas de muitas
risadas e histórias, com pausa para um café digno de avó: pastéis, bolachinhas, café com leite. Fui
apresentada aos rostos dos personagens daquela história, através de álbuns de fotos e registros.
E, por fim, o último encontro antes do término da biografia: as últimas dúvidas, últimas fotos e
ajustes. Mais uma vez viajei no tempo ao ver os álbuns de fotos espalhados pela casa. Ficou para
mim a certeza de que os personagens daquela história foram marcados, assim como eu, pelo carisma
de Celi.

Por fim, veio o processo individual de escrita, onde por noites fiquei em frente ao computador
durante horas, tendo tal trabalho regado à café. Esse foi o resultado de uma tarefa feita com muito
carinho e dedicação. Apesar do pouco tempo, espero ter conseguido traduzir aqui a essência de tudo
que vi e aprendi com as tantas histórias de Maria Celi.

CAPÍTULO I
Com 21 anos de idade, Luis Cândido saiu da Inglaterra em um navio em direção ao Brasil, em busca
de coisas novas. Era um alfaiate e professor, em um país totalmente novo, aprendendo sobre a
cultura e o idioma que enfim, seriam seus também. Passou a morar na cidade de Cachoeira do Sul,
no Rio Grande do Sul, trabalhando na rua Sete de Setembro. Por ali, todos os dias passavam milhares
de pessoas, mas uma chamou atenção do jovem inglês: uma menina de 13 anos que passava todos os
dias por ali, a caminho da escola.

Josefina Torres Barcelos, irmã de David Barcelos e tia do famoso médico da cidade, Ramiro
Barcelos, era a tal garota que Luis cuidava todos os dias. Um dia conseguiram conversar. Algum
tempo depois começaram a namorar. O destino é mesmo engraçado: depois de alguns anos, casaram.

Isidoro Pacheco de Castro, filho de Luis e Josefina, fora criado em boas condições por sua família.
Desde criança sua mãe sempre buscava lhe dar tudo de melhor, desde as brincadeiras até as
oportunidades de estudo. Era uma família enorme: 21 irmãos, criados pelos pais e pelas escravas.
Dona Josefina era atenciosa com todos que a rodeavam, sem distinção também com as trabalhadoras:
como seu filho gostava muito de brincar de cavalinho com as servas, ou seja, subir nas costas e
cavalgar, ela pensou nas juntas das pobrezinhas e costurou incontáveis almofadinhas para colocarem
sob os joelhos na hora da brincadeira.

Depois de muitos anos de estudo, Isidoro chegou ao cargo de Oficial de Justiça, ganhando prestígio
da família e da sociedade. Ele já era noivo de Etelvina, porém isso não o impediu de ir ao baile que
mudaria muitas coisas em sua vida. Lá ele conheceu Rea Silva, uma moça que morava em Água
Morna e que conquistou o rapaz a ponto dele pedi-la em namoro. Porém, Etelvina nunca soube disso,
assim como Rea Silva nunca soube que ele já era noivo.

Um dia Isidoro pegou seu cavalo e dirigiu-se até a casa de Etelvina, em Três Vendas. Chegando lá
recebeu uma triste notícia: sua noiva havia falecido há alguns dias. Seguiu sua vida, mantendo o
namoro com Rea Silva até casarem.

Rea Silva era uma moça que, apesar da pouca idade, já havia passado por muitas coisas. Ela havia
nascido de uma vingança que envolvia seu tio e sua mãe. Juca Marques, tio de Rea Silva, era um
homem que atraía muitos olhares. Porém ele cometeu um grande erro: teve relações sexuais com
uma garota sem ter o intuito de casar. Essa garota era irmã de Laurentino, outro rapaz de mais ou
menos mesma idade de Juca. Naturalmente, sua irmã ficou mal falada na sociedade e, por causa
disso, Laurentino jurou que se vingaria de Juca.

Ana Marques era irmã de Juca. Mestiça e paraguaia, perdera o pai cedo, e na época morava apenas
com os irmãos. Isso provavelmente pesou muito na hora de Laurentino escolhê-la como alvo de sua
vingança contra Juca. Ele a namorou e cometeu com ela o mesmo erro de transar sem objetivar
compromisso. Assim, Ana engravidou. Sua primeira filha nasceu e se chamou Zulmira. Laurentino
não assumiu e, após algum tempo tiveram relações mais uma vez: dessa vez Ana engravidou de Rea
Silva. Com duas filhas para criar sozinha, Ana passou por muitas dificuldades, mas, ainda assim, deu
mais uma chance para Laurentino que, outra vez, não teve a mínima intenção de assumir a outra
criança. Dessa vez nasceu Otília, a filha mais nova.

Nessa época, houve a Revolução de 23, ocorrida no Rio Grande do Sul, onde ximangos, que usavam
como distintivo o lenço branco, lutaram contra maragatos, que usavam o lenço vermelho. Foi uma
luta político-partidária, onde os ximangos estavam do lado de Borges de Medeiros e os maragatos, ao
lado de João Francisco de Assis Brasil. O nome dos ximangos surgiu de um apelido dado pelo
médico Ramiro Barcelos, primo de segundo grau de Celi, ao seu aliado Borges, contra quem
Laurentino, o avô de Celi, lutou. Ele pertencia aos maragatos, e os ximangos foram muito espertos na
hora de ataca-lo. Laurentino subiu em um coqueiro para pegar palha para dar aos cavalos, e quando
viu, seus inimigos o atacaram. Colocaram-no sobre quatro estacas e puseram fogo embaixo, fazendo
com que ele morresse queimado.

Durante essa revolução, a crueldade foi generalizada: as casas eram invadidas, os homens
precisavam se esconder para não serem convocados para a guerra. As mulheres, se eram encontradas
em casa, imediatamente eram estupradas, sem terem chance de fuga. Era a legítima terra de ninguém.

Assim, com a morte de Laurentino, não haveria jeito de Ana não criar suas filhas sozinha. Isso
obrigou que umas ajudassem às outras o máximo que pudessem. Por isso, Rea Silva, aos 13 anos,
mudou-se para uma casa de alemães colonos, em Cerro Branco, para conseguir se manter. Lá
aprendeu a costurar para ajudar sua família, além de auxiliar nos cuidados com sua irmã mais nova.
Assim ela viveu até encontrar Isidoro, o homem com quem casaria.

Após de muitos anos de casados, alguns problemas no trabalho começaram a afligir Isidoro. Essa
angústia foi a responsável por mudar para sempre o rumo da história da sua família.

***

Ela estava definhando de fome. Desde a morte de seus pais aquela casa já não via mais comida.
Morar com o irmão era mais complicado do que imaginava: nunca haviam sido muito próximos e
agora as brigas eram constantes. Pisou no chão gelado e na ponta dos pés encontrou o que poderia
ser sua última esperança para não morrer de fome. Uma daquelas latas de leite ninho que, depois de
bem limpas, abrigavam banha em seu interior, na época, muito usada como manteiga para passar no
pão.

Ela comeu tudo. Não morreria mais de fome. Mas também não esperava que morreria por outras
causas na mesma noite.
Seu irmão chegou e quando viu que o último mantimento que lhes restava ela havia comido
inteiramente sozinha. Qual não foi sua raiva ao não ver outra opção senão o meio mais fácil de viver
dali pra frente. Matou sua irmã.

***

Isidoro foi o escolhido para julgar o caso da briga entre irmãos que resultou em morte, crime que
chocou a todos na época. Para quem acompanhou todo o horror de perto, era preciso muito sangue
frio. Porém ele sabia que não aguentaria mais permanecer no cargo após tamanha barbaridade. Não
havendo outra saída, optou por demitir-se.

Isidoro chegou em casa atordoado. Sabia que não estava preparado para continuar. Contando com o
apoio de sua esposa, mudaram-se para fora da cidade. Passaram por diversos locais, moradias e
estilos de vida, até que foram parar em Pertile, localidade vizinha à cidade de Cachoeira do Sul. Lá
começaram a plantar para sobreviver: milho, batata, mandioca, cana, feijão, entre outros. Rea Silva
começou a costurar para fora, como forma de completar a baixa renda da família. Fazia vestidos de
noiva e ternos de alta costura. Era o que se chamava na época de modista, onde as madames iam para
confeccionar seus caríssimos vestidos.

Foi também em Pertile que os filhos do casal cresceram, em meio à natureza, cultivando e brincando.
Foram nove filhos, dois deles acabaram falecendo cedo, por falta de assistência médica. Os demais
sete uniram-se como forma a cuidar uns dos outros: Ilda, Ivo, Ilo, Ideli, Ironita, Celi e João. O último
a nascer, conheceu sua mãe quando ela já tinha 49 anos. Foi o resultado da sua crença na menopausa.
João era hemofílico, brincava pouco com os irmãos por causa disso, mas ainda assim, foi um caçula
muito amado por todos.

Tal escolha feita por Isidoro acarretou em muitas histórias. Muitas delas tristes, mas sem dúvidas,
todas demonstram a união de uma família nos momentos mais difíceis.

CAPÍTULO II

As brincadeiras de criança não foram feitas para fazer sentido. Era um dia de sol e embaixo de um
céu sem nuvens era o lugar perfeito para as brincadeiras ao ar livre. Com um monte de areia e alguns
gravetinhos em meio ao matagal, Celi fazia sua tarde enquanto sua irmã mais velha, Ilda, para
próprio sustento, estava plantando milho. Com uma pausa na sua brincadeira, Celi percebeu o sol
escaldante e foi correndo pedir para tomar água.

- Não posso sair daqui. Tu sabe o caminho da fonte? – disse a irmã mais velha enquanto afofava a
terra.

- Eu sei o caminho!

E saiu correndo por entre as plantações a menina de 5 anos. Porém, o caminho era feito apenas de
matagal por todos os lados, e quando viu, já não tinha lugar para onde olhasse que não parecesse
igual ao que havia visto segundos antes. Por alguns instantes ela pensou que poderia sair dali e
caminhou mais. Nada feito: a única coisa que parecia mudar era a perspectiva por onde via o sol. De
resto era apenas mato.

O jeito era gritar. Celi gritava com toda sua força pois o medo de não saber voltar era a pior de todas
as sensações. Já começava a pensar no que faria caso tivesse que ficar ali pra sempre. O calor e a
sensação de estar perdida lhe faziam desesperar.

Essa sensação contrastou, em questão de segundos, com o alívio que sentiu quando viu o rosto
conhecido da irmã vindo lhe buscar.

A atenção com que aqueles sete irmãos cuidavam uns dos outros os tornou unidos e, acima de tudo,
grandes amigos. Celi era a segunda mais nova dos sete irmãos. Cresceu sendo cuidada não somente
pelos pais, mas por aqueles irmãos que ainda estavam por lá, geralmente por ainda estarem solteiros,
ajudando na roça, trabalhando para sobreviver. Aprendeu desde conhecimentos de agricultura,
culinária até na própria (sobre) vivência. Nos fins de semana, família reunida, o pão branco saindo
do forno depois de uma semana de muito trabalho. Eram assim os seus domingos em família.

A hora do almoço para eles era sagrada: por maior que fosse a travessura do dia, seu Isidoro sempre
pedia “não, agora não, a hora do almoço é hora de calma e de respeito, depois a gente conversa”.

***

Celi tinha sete anos e Ironita tinha nove quando, em uma tarde, dona Rea Silva separou um fardo de
palha e alguns ovos para que as meninas levassem até uma venda alguns quilômetros dali. Era
comum que as meninas tivessem a tarefa de entregar encomendas, as vezes passavam a tarde
caminhando até chegarem ao seu destino. Logo que almoçaram as duas partiram segurando os
pedidos de compra embaixo do braço. No caminho, apenas mato e subida.

Quando de longe avistaram dois homens altos e bem mais velhos que elas, com maldade no olhar,
houve um medo natural: eles foram se aproximando e, quando chegaram, um deles apalpou as partes
íntimas de Ironita e o outro ia em direção à Celi. Aquele medo havia feito sentido. Assim que
dimensionaram o que aconteceria se ficassem ali paradas, as duas meninas saíram correndo e
gritando:

- Nossa senhora! Nossa senhora! Nossa senhora!

Sequer religião as duas tinham, mas invocaram o nome da santa com tanta força que ela atendeu os
pedidos das duas e deu fôlego para que corressem o caminho todo de volta sem que os homens as
alcançassem. A voz já havia ido embora, quando Celi olhou pra trás e só via o matagal que já estava
acostumada a enxergar: os homens foram despistados. Correram para a casa de uma comadre da
Dona Rea Silva e, sem conseguir explicar, entraram para tomar um ar e comer alguma coisa. A
entrega das encomendas ficou pra outra hora, pois naquele dia elas precisavam se recuperar do susto
que haviam levado.
A vida na roça não era fácil. Riscos como esses existiam, pois era matagal para todos os lados e as
poucas casas que se viam geralmente eram abandonadas. Essa foi uma das muitas histórias que
fizeram o coração das duas irmãs bater mais forte.

CAPÍTULO III
A chance de estudos que Seu Isidoro teve, Celi e seus irmãos nunca puderam experimentar. A vida
no interior de uma cidade pequena não era fácil em nenhum aspecto e o acesso à escola era
praticamente impossível. O jeito era improvisar: quando cresciam, na idade da pré-adolescência, iam
para a casa dos tios que moravam em Cachoeira do Sul para estudarem. Os tios de Celi eram
professores e, por isso, ela conseguiu aprender algumas coisas, como escrever o nome e entender
uma declaração de amor ou xingamento escrito em um bilhete.

Porém, por falta de condições de estudo, quando algo saía fora do planejado por esses professores, os
castigos eram cruéis. Dependendo do nível da desobediência, poderia ser castigado com a palmatória
ou com o famoso milho. A palmatória era como uma régua de madeira, mas com o cabo cheio de
furinhos. O castigo era apanhar nas mãos, resultando em dores e alguns vestígios na pele.

Outro castigo era o famoso “ajoelhar no milho”. Um pouco de milho atrás da porta, alguns puxões de
orelha no arteiro, algum tempo ajoelhado no milho e estava dado o “jeito no guri”. Celi, arteira como
era, experimentou de tal castigo algumas vezes, mas também não era boba: a aula só acontecia
quando ela ia, logo não ia quase nunca. Preferia acordar a hora que queria e ficar brincando em casa
mesmo.

Quando mocinha, Celi teve vontade de ir pra cidade estudar mais, para que pudesse aprender aquelas
coisas que só ouvia falar, como calcular e ler. Na hora foi vetado: era feio uma moça sair de casa
para estudar. Era desonrada, mal vista pela sociedade. Para quê estudar se passaria o resto da vida
cozinhando e limpando a casa para o marido e os filhos? O importante para uma mulher da época era
ser boa nessas coisas. O jeito foi contentar-se com o destino que ela, como mulher, não tinha chance
de escolher. Assim continuou com as plantações e as brincadeiras de criança, que ainda duraram
muito tempo.

Aprender a ler e compreender o que lia só veio muito tempo depois na vida de Celi. Mas isso é outra
história. (casa espírita)

***

Era 1950 e ser adolescente requeria uma boa dose de aceitação. Quando Celi começou a sair e querer
namorar, as barreiras impostas pela sociedade e por sua própria família começaram a limitar tudo a
sua volta. Dona Rea Silva adorava intervir na escolha de namorados para as filhas. Eram todos bons
moços, ela dizia, porém alguns eram preguiçosos demais, outros tinham a pele escura demais, não
eram de boa família. E, por mais perfeitos que fossem, para Rea Silva algum defeito que o impedisse
de namorar uma de suas filhas ele teria. Quando a mãe das meninas dizia não, ela dizia não pela
família inteira: pai, irmãos, tios e primos.
Nessa época, a maioria das pessoas se conheciam nos bailes. As bailantas eram organizadas pelo
próprio povo que morava pra fora. Na copa havia bebidas, gasosa, cerveja. Eram os chamados bailes
de candeeiro, com os salões decorados por bandeirinhas, como as usadas hoje em dia em festas
juninas. Logo no seu primeiro baile, Celi já saiu de mãos dadas com um rapaz. O nome dele era
Algemiro, e de 15 em 15 dias eles se viam para namorar. O namoro mais romântico que existia:
ambos sentados na sala, um de cada lado, com alguém cuidando, normalmente os pais ou algum
irmão. Mas também não durou muito. Celi não contentava-se em ficar em casa sem sair esperando a
visita do namorado e, para avisar que sairia, o único meio possível era através de bilhetinho. Porém,
aí, ele só saberia algumas semanas depois.

Então assim ela continuou: aproveitando a idade e indo a todos os bailes que podia. Em uma dessas,
Celi foi a um baile sem esperar encontrar seu namorado. Se encontrasse, dançariam como um casal,
caso não, ela não teria problema em dançar com outros. Ela só queria dançar sem ter que
necessariamente namorar o rapaz depois. E foi o que aconteceu: um outro moço a tirou pra dançar e
ela dançou com ele. Logo em seguida outro rapaz chegou:

- Tu dança comigo?

Celi aceitou. E assim foi com os próximos três rapazes. Não demorou muito, Celi olhou pro lado e
viu uma briga muito feia se formando. Apavorada ficou quando descobriu o motivo: todos queriam
dançar com ela. Prontamente, Seu Isidoro foi até sua filha e disse em tom severo:

- Já pro quarto tu não me sai de lá até na hora de ir embora!

Ela conhecia aquele tom de voa. Sabia que o melhor a fazer era obedecer sem questionar. Mas
também não escondia sua revolta por nunca poder dançar com quantos rapazes quisesse. A garota
levantou e saiu, com os cabelos e o vestidinho balançando. Foi para o quarto e só saiu para voltar pra
casa. Depois disso, Celi ficou um bom tempo de castigo em casa com sua mãe, para aprender a não
brincar mais dessa forma com os rapazes.

***

Quando Ideli, uma das irmãs mais velhas de Celi, ganhou seu segundo bebê, a Elizabeth, a garota,
ainda jovem, não teve escolha: teria que viajar para Uruguaiana para ajudar a irmã a cuidar da nova
filha. Celi deixou pra trás o namorado, sem avisá-lo de que não estaria em Pertile por muito tempo.

Ao chegar em Uruguaiana, a garota não pôde deixar de notar a imensa quantidade de lavoura e, de
maneira desproporcional, a quantidade de casas. Achou tudo muito diferente, desde a maneira de
viver, até a maneira de falar.

Um dia Ideli estava com desejo de comer melancia. Foram em busca da fruta Celi, Sônia e Tânia, as
duas últimas, sobrinhas da grávida. Passaram por todo o matagal e nada de encontrar nenhuma
budega, as vendinhas da época. Até que, quando finalmente encontraram uma, Celi quase sem fôlego
perguntou:

- Vocês vendem melancia aqui?

- Ah, não tem, moça.


Mas o que lhe chamou atenção foi o dono da tal budega. Um rapaz jovem, que aparentava ter no
máximo 30 anos. Na época, Celi tinha 19. Não querendo terminar o assunto, ela perguntou:

- Não tem outra budega por aqui?

O rapaz começou a rir. Ela se perguntou o que havia falado de errado. Percebendo sua expressão
confusa, ele lhe explicou:

- Olha, aqui a gente não chama de budega. Aqui é cantina.

Envergonhada, achou melhor que ela e as meninas seguissem em frente à procura de outra budega,
afinal, ela chamava como queria. Encontraram outra e, quando entraram, Celi deparou-se com um
saco cheio de batatas, que ela aprendera a chamar de catofe. Queria levar.

- Moço, eu quero aquela catofe.

- Não temos catofe.

- Mas eu tô vendo ali! – dizia, apontando para o saco.

Mesmo dentro do mesmo estado, Celi havia compreendido que a vida poderia ser muito diferente.
Demorou algum tempo para se adaptar, mas uma coisa não demorou: conhecer alguém especial na
região fronteiriça.

***

A vida tem suas coincidências. Algumas risadas inocentes dentro de uma budega a procura de uma
melancia renderam um namoro: o rapaz, que parecia ter 30 mas tinha 29 anos chamava-se
Alexandre, e tornou-se uma grande companhia para Celi durante os 10 meses em que esteve em
Uruguaiana cuidando da irmã. Era um moço bonito: moreno com cabelo ondulado, olhos verdes e
um bigode cheio de charme. Ele conhecia as duas moças que foram junto com ela a procura da
melancia naquele dia, as filhas do cunhado de Ideli, e através delas mandou uma carta apaixonada
para a jovem.

Apesar de menos de seis meses depois Ideli já estar bem e poder perfeitamente fazer seus afazeres
sozinha, Celi teve de permanecer em Uruguaiana, pois uma moça de sua idade jamais poderia viajar
sozinha. O jeito foi continuar namorando: Alexandre era realmente encantador, porém os dois não
tinham assunto. Ele, sentado de um lado da mesa olhava para ela. Ela, do outro lado, morria de
vergonha e baixava o olhar, disfarçando.

Assim durou o tal namoro. Sem beijos, sem mãos dadas e sem abraço. Apenas a troca de algumas
palavras e olhares tímidos. Até que, para complicar o romance, Seu Isidoro foi buscar a filha em
Uruguaiana para que ela não voltasse sozinha para Pertile.

Porém isso não desanimou o jovem rapaz: um belo dia Alexandre viaja até Pertile e pisa na casa da
família de Celi com um par de alianças em mãos. O pedido de casamento foi feito diretamente ao pai
da garota, sem ela ao menos consentir, pois o rapaz já havia caído nas graças de Isidoro. O que lhe
restava? Aceitar, já que dizer não seria uma imensa desfeita. Quando soube na hora retrucou da
forma que podia:

- Eu aceito, mas aliança eu não boto. Só vou colocar depois que falar com a mãe!

Depois de tudo resolvido, Alexandre queria muito que Celi fosse conhecer a família dele. Ela foi,
porém Seu Isidoro foi junto. Ao chegar lá, ficou impressionada com a polidez com que a família do
rapaz a tratava. Ofereciam de tudo, procuravam o tempo inteiro agradá-la. O problema é que ela não
queria ser agradada. Ela sequer queria estar lá.

- Aceita uma bala?

- Não, obrigada. – E torcia o nariz.

Vinham com bombons e gasosas, e a reação de Celi era sempre a mesma. Não demorou muito, ela
pediu para que Alexandre a acompanhasse até o hotel. Chegando lá ele falou:

- Vamos ao cinema amanhã?

E ela prontamente respondeu:

- Só se o pai for junto.

- Tudo bem, o senhor seu pai pode ir junto – disse ele com tom irônico.

No dia seguinte foram os três ao cinema. Seu Isidoro sentou na fileira da frente e o casal sentou atrás.
Não demorou muito e a moça do filme começou a beijar o protagonista. Bastou isso para Celi morrer
de vergonha pelo seu pai – Seu Isidoro achava muito feio esse tipo de coisa.

Quando voltaram para o hotel, Celi e Seu Isidoro ficaram lá até de madrugada e, no dia seguinte,
partiram de volta para Pertile. Assim que chegou em casa Celi enviou à Alexandre um telegrama:
Não quero mais. Por favor, não me procure.

Para acessar o restante da história, entre em contato com a escritora: taisa.tmedeiros@gmail.com

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