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A COOPERAÇÃO

MULTILATERAL
ENTRE OS PAÍSES
AMAZÔNICOS
A ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
DO TRATADO DE COOPERAÇÃO
AMAZÔNICA (OTCA)
RODOLFO ILÁRIO DA SILVA
A cooperação
multilateral entre
os países amazônicos
CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO
Responsável pela publicação desta obra

Luís Antonio Francisco de Souza


Antônio Mendes da Costa Braga
Jair Pinheiro
Rosângela de Lima Vieira
RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A cooperação
multilateral entre
os países amazônicos
A atuação da Organização
do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA)
© 2013 Editora Unesp

Cultura Acadêmica
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Silva, Rodolfo Ilário da
A cooperação multilateral entre os países amazônicos [recurso eletrôni-
co]: a atuação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)/
Rodolfo Ilário da Silva. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013.
recurso digital
Formato: ePDF
Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7983-482-0 (recurso eletrônico)
1. Política internacional – 2. Livros eletrônicos. I. Título.
14-08267 CDD: 327.11
CDU: 327
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Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de
Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp)

Esta pesquisa foi realizada com apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à


Pesquisa do Estado de São Paulo), na modalidade de bolsa de Mestrado,
processo n° 2010/11538-3

Editora afiliada:
“Toda mata tem caipora para a mata vigiar veio um caipora de fora
para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro pra comer muita madeira e trouxe um estilo
gigante pra acabar com a capoeira

Fizeram logo um projeto sem ninguém testemunhar prá o dragão


cortar madeira e toda mata derribar, se a floresta, meu amigo, tivesse
pé pra andar
eu garanto, meu amigo, com o perigo, não tinha ficado lá

O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar e o fruto que dá no


cacho pra gente se alimentar? depois tem o passarinho, tem o ninho,
tem o ar
igarapé rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar

Mas o dragão continua a floresta devorar e quem habita essa mata,


prá onde vai se mudar? corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá
tartaruga, pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiura” [...]

Vital Farias

Música: Saga da Amazônia


Sumário

Prefácio 9
Introdução 15

1 Fundamentos da cooperação internacional na área


ambiental 21
2 A dinâmica política da cooperação amazônica 67
3 A atuação institucional da Organização do Trabalho de
Cooperação Amazônica (OTCA) 147

Considerações finais 205


Referências 213
Prefácio

Nos anos de 1970, a temática do meio ambiente já tinha ad-


quirido importância significativa. Prova disso foi a realização
da Conferência Mundial sobre o homem e o meio ambiente em
junho de 1972 na Suécia, naquela que ficou conhecida como a
Conferência de Estocolmo. Entre os participantes encontravam-
-se 113 Estados, além de algumas centenas de representantes
não-governamentais e governamentais.
A devastação da natureza verificada em países como o Brasil,
que já era alvo de constantes denúncias pela imprensa, bem como
o receio do “inverno nuclear” se ocorresse um embate entre Estados
Unidos e União Soviética no auge da Guerra Fria, fizeram com que
movimentos pacifistas se manifestassem de forma intensa na Euro-
pa e em território norte-americano.
No continente sul-americano, as preocupações governamentais
com o tema ainda eram restritas. Relegados a plano secundário no
âmbito das Relações Internacionais, para os países do continente,
o desenvolvimento devia ser buscado a qualquer custo, mesmo
afetando o meio ambiente. Esse foi um dos motivos pelos quais a
Amazônia foi intensamente explorada, sem que medidas adequadas
e políticas públicas para sua preservação fossem adotadas. Queima
10 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

das florestas, contaminação dos rios pelo mercúrio, destruição da


flora e da fauna, além de afetar de maneira irreversível as popula-
ções silvícolas, são alguns fatos que podem ser arrolados como con-
sequências da falta de cuidados com o meio ambiente.
O aumento das pressões de alguns países desenvolvidos e de ins-
tituições de natureza diversa sobre a necessidade de conscientização
para a preservação ambiental, foi, aos poucos, adquirindo impor-
tância maior tanto para os Estados quanto para a sociedade. Daí a
própria Conferência de 1972, embora poucos resultados práticos a
ela se possam imputar.
Debates que passaram a ser realizados com mais frequência obri-
garam os governos sul-americanos a tomar medidas, tanto para se
contraporem às ofensivas consideradas hostis de organizações não-
governamentais, como de autoridades estrangeiras, sobre o domínio
da região amazônica aos países que dela fazem parte.
A partir da década de 1970 podem ser citadas dezenas de encon-
tros realizados em âmbito internacional e, mais especificamente, no
próprio território sul-americano, entre ONGs, autoridades nacio-
nais, e mesmo a criação de organismos como o Tratado de Coopera-
ção Amazônica em 1978. Proposto em março do ano anterior, em
julho de 1978, o TCA era firmado pelo Brasil e mais 7 países.
Conquanto a iniciativa fosse propiciar o intercâmbio entre os
países amazônicos, dentro de uma ótica de desenvolvimento susten-
tável (ainda que essa terminologia não fosse conhecida), a entidade
pouco realizou nos anos seguintes ao de sua criação. Entre as dificul-
dades para o avanço da instituição, podem ser lembradas não ape-
nas a difícil conjuntura internacional dos anos 1980, e os problemas
específicos enfrentados pelos países individualmente em suas polí-
ticas domésticas, mas também a falta de vontade política dos países-
membros que assinaram a carta de constituição do TCA.
Ainda que as autoridades locais pouco realizassem em termos efe-
tivos para a preservação da Amazônia, esta região mereceu atenção em
grande parte do mundo. Artistas como Sting, integrantes de agências
de fomento mundiais, congressistas norte-americanos e europeus, re-
presentantes da nobreza do Velho Mundo, organizações não-governa-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 11

mentais marcaram presença em eventos como os encontros dos povos


da floresta na Amazônia. A própria morte de Chico Mendes em 1988,
conhecido militante sindicalista de Xapuri, serviu para colocar a agen-
da ambiental nas primeiras páginas da imprensa mundial.
Reuniões de chanceleres da Bacia Amazônica, ou com os próprios
chefes de Estado da região, foram realizadas em várias oportunidades
nos anos de 1980. Ao mesmo tempo em que se esfacelava a Guerra
Fria, o mundo se reunia, vinte anos depois do encontro de Estocolmo,
na cidade do Rio de Janeiro na Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (ECO 92), com a presença
de praticamente todos os chefes de governo e Estado do planeta.
Colocada como uma das regiões mais importantes do mundo
que deveriam ser protegidas e cuidadas, a Amazônia foi, inclu-
sive, um dos assuntos principais da ECO-92, tornando-se defi-
nitivamente parte essencial na agenda de discussão global sobre
meio ambiente.
Para preservá-la, que tipos de recursos financeiros e quais políticas
públicas deveriam ser elaboradas? Ações individuais ou em conjunto,
aceitando interferências externas, sem deixar que a soberania de cada
país da região amazônica fosse afetada, constituíram-se em objeto de
permanentes discussões nesta parte do mundo.
A ineficácia do Tratado de Cooperação Amazônica, verificada
desde sua criação, motivou a sua própria transformação na Orga-
nização do Tratado de Cooperação Amazônica, procurando dar
resposta aos problemas da região, bem como satisfações ao mundo
sobre o comportamento adotado pelos países que fazem parte das
grandes florestas tropicais.
São algumas dessas preocupações que norteiam o trabalho pre-
sente de Rodolfo Ilário da Silva. Fruto de uma intensa pesquisa, o
autor trabalha em várias direções. Após apresentar um debate em
torno da questão ambiental e da temática amazônica, indica as mo-
tivações que orientaram a criação do TCA, os aspectos políticos e
jurídicos de sua formação, bem como a questão sobre a presença da
Guiana Francesa na organização e suas implicações, visto ser esta
um departamento da República Francesa.
12 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

O que fez o TCA desde o seu advento, as dificuldades encontradas e


os motivos que levaram a que se readaptasse e se transformasse em OTCA
em 2002 são objetos de acurada análise do autor em seu primeiro livro.
A estrutura organizacional, o plano de desenvolvimento da
região, o processo decisório, os recursos com os quais a entidade
conta, bem como a crise enfrentada pela OTCA na segunda meta-
de da década passada, tudo é estudado com rigor pelo jovem pes-
quisador neste texto, que é uma excelente contribuição não apenas
para os interessados na temática ambiental, mas também para os
estudiosos sul-americanos em desejar saber como se dá o processo
de cooperação internacional amazônico.
Para o próprio autor, as preocupações que orientaram a realização
da pesquisa e a confecção do trabalho são as seguintes: “Qual é o nível
real de cooperação entre os países amazônicos? O processo político e
os meios institucionais criados foram ou são eficientes para promover
a cooperação? Se sim, quais são os resultados mais produtivos des-
te processo? Se não, por que a cooperação entre os países da região
amazônica não apresenta avanços contundentes? Que resultados po-
demos esperar da cooperação regional entre os países da Amazônia?”.
Como se pode observar, são objetivos extremamente interes-
santes e, embora difíceis de responder, foram bem investigados
durante a pesquisa e que são mostrados no presente livro. Sabendo
da dificuldade para encontrar explicações satisfatórias, o autor está
consciente dos problemas enfrentados para alcançar boas explica-
ções: “as respostas para tais perguntas são complexas e devem ser
analisadas com rigor e prudência”.
Ao final do livro, utilizando o referencial teórico a que se propôs,
analisando desde as motivações para a criação do TCA e sua poste-
rior mudança para OTCA, com todas as dificuldades decorrentes
para a construção de um quadro institucional no qual todos os paí-
ses-membros devam colaborar em benefício de um bem-comum,
pode-se dizer que o autor consegue fornecer ao leitor informações
importantes sobre o assunto.
Respaldado em uma sólida bibliografia teórica e sobre o objeto
central de análise, tendo realizado inúmeras entrevistas com agentes
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 13

diversos diretamente envolvidos na questão ambiental amazônica,


as conclusões do autor são bastante cautelosas e demonstram o ama-
durecimento intelectual e a grande capacidade analítica deste jovem
pesquisador: “[...] os países amazônicos fortaleceram a busca pela
cooperação, principalmente desde 2002, com a criação da OTCA,
entretanto, a concretização dos interesses regionais comuns ainda
demanda maior comprometimento político e maior eficiência insti-
tucional. Isso se dá porque o engajamento político dos países ama-
zônicos, leia-se a disponibilização de recursos técnicos, financeiros e
humanos no processo de cooperação, é muito deficitário em relação
às capacidades e necessidades reais destes países.”

Shiguenoli Miyamoto
Departamento de Ciência Política
Universidade Estadual de Campinas
Introdução

Este livro trata de um assunto ainda pouco trabalhado pelos aca-


dêmicos brasileiros da área de relações internacionais, mas que é es-
trategicamente fundamental para o Brasil e para os demais países da
América do Sul. O termo “relações internacionais dos países ama-
zônicos” ainda desperta muitas indagações e estranhamento. Por
este motivo, o esforço deste trabalho é contribuir para a identifica-
ção precisa das interações entre os Estados e demais atores presentes
na Amazônia, esta região transnacional que ultrapassa as fronteiras
territoriais e abriga uma grande diversidade de atores políticos, or-
ganizações sociais, étnicas e culturais.
Dentre esta variedade de atores que interagem na dinâmica po-
lítica regional amazônica, opto por estudar o processo de cooperação
entre os oito países que possuem o bioma amazônico em seus terri-
tórios: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname
e Venezuela. A coordenação política regional foi firmada em 1978,
com a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA).
Desde então, trinta e cinco anos se passaram até os dias atuais, e esta
trajetória compreende cinco períodos distintos: de 1978 a 1989, fase
defensivo-protecionista; de 1989 a 1994, fase de incentivo e forta-
lecimento político; de 1995 a 2002, amadurecimento institucional;
de 2002 a 2009, marcada pela criação da Organização do Tratado
16 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

de Cooperação Amazônica (OTCA), em 2002, e pela intensificação


dos contatos entre os países amazônicos; e, de 2009 a 2014: fase de
“relançamento da OTCA”, pautada nas diretrizes da Agenda Estra-
tégica de Cooperação Amazônica.
O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) foi assinado
em um contexto de presença marcante de governos militares na
América do Sul, com uma valorização estratégica da Amazônia,
especialmente no Brasil. No âmbito internacional, a temática am-
biental estava em forte ascensão política. Neste cenário, a reper-
cussão dos debates sobre possibilidades de gestão internacional da
Amazônia levou os países da região a buscarem instrumentos para
assegurar sua soberania e competência exclusiva sobre a conserva-
ção e utilização dos recursos naturais de seus territórios. Assim, o
principal fator responsável pelo início da aproximação e coordena-
ção política entre os países da região amazônica foi a necessidade
de reafirmação das soberanias nacionais, realizada por meio de um
instrumento diplomático e jurídico, o Tratado.
Porém, será visto que a trajetória do processo de cooperação
entre os países amazônicos é marcada pela alternância de fases de
inatividade com fases de declarada renovação do compromisso
político. Esta problemática persistente nos revela um contraste
entre a visão estratégica apurada de seus idealizadores e a baixa
efetividade na execução e desenvolvimento de projetos com re-
sultados sensíveis para suas populações. Isto porque, apesar do
aumento dos contatos diplomáticos, da elaboração de documen-
tos normativos e da publicação de declarações de compromisso
político, estas iniciativas ainda não se refletem concretamente no
tratamento efetivo das demandas locais, nacionais e no aproveita-
mento dos potenciais regionais.
No interior desta problemática, algumas questões são latentes e
ofereceram impulso à nossa investigação: Qual é o nível real de coo-
peração entre os países amazônicos? O processo político e os meios
institucionais criados foram ou são eficientes para promover a coo-
peração? Se sim, quais os resultados mais produtivos deste processo?
Se não, por que a cooperação entre os países da região amazônica não
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 17

apresenta avanços contundentes? Que resultados se pode esperar da


cooperação regional entre os países da Amazônia?
Por meio deste trabalho foi possível evidenciar que as respos-
tas para tais perguntas são complexas e devem ser analisadas com
rigor e prudência, pois a cooperação regional amazônica não é um
processo inerte, uma “letra morta” como alguns analistas afirmam
superficialmente. Porém, tampouco apresenta uma dinâmica ele-
vada, eficiente e com resultados significativos. Por estes motivos,
não basta, nem é produtivo, tecer afirmações absolutas quanto à
eficiência da cooperação regional amazônica, sejam elas positivas
ou negativas. A intenção é analisar criticamente as questões in-
termediárias que compõem esta problemática, os meandros do
processo e de sua configuração política.
Por se tratar de um tema muito sensível para os interesses de to-
dos os países que integram a região, o processo de cooperação estabe-
lecido desde o TCA está sujeito a entraves essencialmente políticos.
Como tentaremos demonstrar, trata-se de um esforço de cooperação
com característica multilateral e com processo decisório ancorado
no princípio da unanimidade, ou seja, é preciso construir consenso
acerca de todas as deliberações, projetos e ações a serem realizadas.
Mesmo com a verificação deste princípio, deve-se levar em conta que
as decisões no âmbito da cooperação amazônica não são tomadas de
forma monolítica, nem de forma impositiva, nem de forma harmô-
nica. Os processos de negociação visam superar as divergências com
a finalidade principal de conciliar interesses, identificar e construir
objetivos regionais comuns.
Metas importantes foram alcançadas e os países, em momen-
to algum, sinalizaram o abandono deste esforço regional; pelo con-
trário, as atenções e contatos diplomáticos são crescentes. Todavia,
diante da urgência e da repercussão global dos problemas ecológicos,
cientes da importância vital da Amazônia para o equilíbrio climático
e biológico do ecossistema terrestre, não se constata o devido engaja-
mento político dos Estados. A análise histórica e das atualidades do
processo identificam a necessidade de ampliar a oferta de mecanis-
mos político-institucionais e, principalmente, de recursos humanos,
18 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

financeiros e tecnológicos, qualificados e permanentes, para que a


cooperação se aprofunde e tenha mais êxito na promoção da preser-
vação socioambiental, do aproveitamento econômico sustentável
dos recursos florestais e do intercâmbio científico-tecnológico.
Portanto, para investigar detalhada e satisfatoriamente todos os
elementos que têm influência sobre o processo de cooperação ama-
zônica, parte-se do contexto de ascensão da temática ambiental nas
relações internacionais, a partir da década de 1970. No primeiro ca-
pítulo existe uma revisão teórica acerca da cooperação internacional
com o intuito de debater as motivações, os objetivos e as dificuldades
dos atores que resolvem cooperar em prol da resolução de questões
ambientais transnacionais.
Assim, busca-se identificar os principais efeitos do desenvol-
vimento da temática ambiental internacional sobre a dinâmica po-
lítica da região amazônica. Entre estas implicações estão: a entrada
definitiva do tema meio ambiente na agenda multilateral da Or-
ganização das Nações Unidas (ONU); a consequente busca pela
cooperação para responder às questões transnacionais de meio am-
biente; e, a difusão internacional do conceito de desenvolvimento
sustentável. Em seguida, parte-se para a investigação sobre como
os países amazônicos se posicionam neste cenário ambiental inter-
nacional, quais reflexos o desenvolvimento da temática ecológica
produziu para os Estados da região e quais respostas têm sido gera-
das pelos signatários do TCA nos âmbitos regional e internacional.
Após essa revisão teórico-contextual, no capítulo seguinte o es-
tudo é direcionado para as características históricas específicas do
relacionamento entre os países amazônicos, com foco sobre os as-
pectos políticos e diplomáticos da dinâmica regional. Percorremos,
de forma objetiva, desde as motivações iniciais e o processo de nego-
ciação do Tratado de Cooperação Amazônica até o processo de insti-
tucionalização da OTCA. Observamos, ainda, os acordos regionais
firmados após a assinatura do Tratado e o papel do Processo de Tara-
poto. Este segundo capítulo tem o intuito de evidenciar quais foram
os avanços, retrocessos e as potencialidades a serem exploradas pela
cooperação entre os países amazônicos. Deste modo, realiza-se tam-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 19

bém uma análise detalhada da trajetória da cooperação amazônica,


culminando no surgimento da OTCA.
No último capítulo, observa-se que, com a criação da OTCA, em
2002, surge um novo ator na dinâmica política da região amazônica e
no cenário internacional. A forma como este ator se insere nestas di-
nâmicas e quais resultados isto produz são processos que demandam
investigação. Assim, passa-se à análise do plano institucional, com
atenção à estrutura organizacional da OTCA, suas Comissões, Coor-
denadorias e as atividades em execução pela Organização, as gestões do
cargo de Secretário-Geral, o desempenho do Plano Estratégico 2004-
2012 e as perspectivas da Nova Agenda Estratégica (2010-2020).
Por fim, após o estudo dos âmbitos teórico-contextual (Capítulo
1), político (Capítulo 2), e institucional (Capítulo 3), reunimos ele-
mentos suficientes para oferecer, nas considerações finais, uma síntese
das principais características, dos avanços realizados e das dificuldades
encontradas no processo de cooperação entre os países amazônicos.
1
Fundamentos da cooperação inter-
nacional na área ambiental

Neste capítulo, apresenta-se um debate teórico e concei-


tual acerca dos fundamentos da cooperação internacional na
área ambiental. Na segunda seção, há uma análise do contexto
internacional de intensificação dos debates sobre meio ambien-
te e de seus reflexos na política mundial e na dinâmica regional
amazônica. Busca--se, assim, identificar os principais conceitos,
conflitos e consensos surgidos no decorrer das negociações e nas
resoluções ambientais.
Buscou-se aprofundar o debate sobre elementos teóricos que
expliquem como e por que a cooperação ocorre entre os atores do
sistema internacional que se engajam na resolução de questões am-
bientais transnacionais. O intuito é elucidar as motivações, os obje-
tivos, as demandas, os entraves e as potencialidades de um processo
de cooperação, ou seja, quais as vantagens e desvantagens dos atores
quando decidem atuar conjuntamente e reunir esforços para a so-
lução de problemas e a busca de interesses compartilhados. Dessa
forma, pretende-se explorar possibilidades de arranjos políticos
contidos nos debates sobre a cooperação internacional que possam
22 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

contribuir para a compreensão da dinâmica política amazônica e


para a superação dos entraves à cooperação regional.

A cooperação internacional na área ambiental

O estudo da cooperação internacional na Amazônia é indisso-


ciável da temática ambiental. Ainda que o meio ambiente não seja
o principal foco de análise, um trabalho coerente sobre a região
amazônica deve estar atento à influência da problemática ecológica
na política mundial contemporânea. Neste sentido, será pertinente
analisar a cooperação regional amazônica de maneira associada às
questões ambientais globais contemporâneas.
A obra de Le Prestre (2000, p.282) nos traz um bom ques-
tionamento para iniciarmos o aprofundamento deste debate:
“Por que os Estados decidem cooperar na resolução de questões
políticas ligadas ao meio ambiente e sob que condições?” Estas
duas dinâmicas em ascensão nas relações internacionais, a saber,
a cooperação e a problemática ambiental, geram desafios à ca-
pacidade individual de ação de Estados e instituições. A com-
plexidade e a dimensão geralmente transnacional dos temas em
questão exigem coordenação política dos atores, e os levam à for-
mação de arranjos cooperativos para a resolução de problemas
que ultrapassam fronteiras. Segundo Milani (2008), o princípio
de soberania nacional vê-se desafiado pelo princípio de respon-
sabilidade ambiental.
No caso da cooperação amazônica, assim como em grande parte
das negociações ambientais, o que leva os atores a realizarem pro-
jetos e ações conjuntas é a dimensão transnacional da natureza, da
degradação e dos fenômenos ecológicos, que não se limitam às fron-
teiras políticas estabelecidas entre os Estados.

O caráter transnacional de numerosas questões ambientais obriga os


Estados a concluir acordos com outros países, dos quais depende a rea-
lização dos seus objetivos nacionais e internacionais, enquanto inexistir
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 23

autoridade suprema que possa impor uma noção única de bem comum
ou fazer respeitar os acordos (Le Prestre, 2000, p.284).

Assim, incapazes de lidar individualmente com problemas de


grande magnitude, os Estados e instituições necessitam somar esfor-
ços para ampliar sua capacidade de ação. Esta interligação de esferas
de atuação e assuntos ocorre porque

No âmbito da proteção internacional do meio ambiente a interdepen-


dência está presente, pois existe uma unicidade dos fenômenos físicos
existentes no mundo que não pode ser quebrada por fronteiras políticas
(Sant’Anna, 2009, p.35-37).

Porém, a ação conjunta de diferentes atores depende da coorde-


nação política, da compatibilização de interesses e objetivos, tarefa
bastante difícil na política internacional.
Pode-se notar que as novas demandas surgidas com a globaliza-
ção e o agravamento da problemática ambiental ocasionaram um alto
grau de interdependência entre os atores do sistema internacional.
Dessa forma, expandiram-se as características, competências e res-
ponsabilidades das relações internacionais, fazendo que os atores não
possam mais se preocupar exclusivamente com seus interesses polí-
ticos e econômicos, desconsiderando questões sociais e ambientais.
Assim, tornou-se necessário tirar lições das grandes dificulda-
des enfrentadas pela civilização capitalista globalizada no período
contemporâneo. Há uma forte ligação entre a demanda por um au-
mento da cooperação entre os atores internacionais e a intensificação
da problemática ambiental global, a qual demonstra a necessidade
iminente de transformações reais na estrutura das relações interna-
cionais. Notadamente, o desafio central desta problemática é a ne-
cessidade de diminuição da intensidade da competição capitalista e
do conflito de interesses em função do aumento da complementação
econômica e da conciliação de interesses por meio da cooperação.
De acordo com Milani (2008), a crise ambiental apresenta constran-
gimentos à expansão ilimitada do modo de produção capitalista, e,
24 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

desta maneira, desconstrói numerosos mitos quanto ao progresso


tecnológico, à eficiência econômica e ao crescimento sem riscos.
Diferentes interpretações teóricas das relações internacio-
nais contemporâneas têm se voltado ao entendimento da coope-
ração e se dedicado à explicação e à problematização das ques-
tões ambientais globais. Porém, no cenário político, o embate
entre realistas e liberais permanece no núcleo das discussões.
Estas duas correntes teóricas isoladamente não são suficien-
tes para explicar e oferecer resoluções plenamente satisfatórias
aos complexos desafios atuais e, portanto, é necessário buscar e
construir novas perspectivas de interpretação das dinâmicas do
mundo contemporâneo.
Porém, mesmo considerando estas duas teorias insuficientes
para explicar o processo de cooperação amazônica, o debate entre
as duas perspectivas oferece elementos explicativos interessantes e
úteis. Assim, vamos percorrer alguns pontos deste debate entre rea-
listas e liberais, responsável pela estruturação teórica e conceitual da
disciplina de relações internacionais.

[...] foi esse debate que caracterizou os estudos sobre cooperação in-
ternacional e que, apesar de ainda apresentar falhas e lacunas, ofereceu
duas grandes contribuições à literatura sobre o tema: a primeira foi gerar
um consenso sobre a definição de cooperação internacional, o que ajuda
a distinguir quais comportamentos podem ser analisados sob o conceito
de cooperação e quais não podem; a segunda foi o desenvolvimento de
hipóteses sobre as condições sob quais há maior probabilidade de ocor-
rência de cooperação (Ramos, 2006, p.12).

Veremos mais adiante que as negociações internacionais em


andamento acerca de políticas ambientais contêm tanto elementos
característicos do conflito de interesses do realismo político como
elementos que apontam a influência do institucionalismo liberal.
Dessa forma, optou-se por explorá-las de maneira complementar,
visto que possuem divergências em muitos pontos, porém também
se entrecruzam em certas situações.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 25

Neste contexto, as interações entre os Estados – que permane-


cem como atores elementares, mas não exclusivos, do sistema in-
ternacional – podem variar de diversas formas, entre o conflito e a
cooperação. Estas duas dinâmicas de interação são essenciais para
os pressupostos teóricos de realistas e liberais, respectivamente. A
teoria realista defende que o sistema internacional é caracterizado
pela anarquia, conceito que define o sistema internacional como um
ambiente desprovido de uma autoridade superior que regule as inte-
rações entre os Estados soberanos.

Realism has dominated international relations theory at least sin-


ce World War II. For realists, international anarchy fosters com-
petition and conflict among stats and inhibits their willingness to
cooperate even when they share common interests. Realist theory
also argue that international institutions are unable to mitigate
anarchy’s constraining effects on inter-state cooperation. Realism,
then, presents a pessimistic analysis of the prospects for internatio-
nal cooperation and of the capabilities of international institutions
(Grieco, 1988, p.485).

Assim, difundiu-se amplamente o fundamento de que a políti-


ca entre as nações é constituída essencialmente da luta pelo poder e
do conflito de interesses, compreensão baseada fundamentalmente
na obra de Morgenthau (2003), que oferece argumentos coerentes
sobre a política entre as nações e os princípios do realismo político,
submetendo suas hipóteses ao duplo teste da razão e da experiên-
cia. Segundo a corrente teórica ancorada nesta obra, os Estados só
dispõem de sua autoajuda para garantir a própria sobrevivência e
satisfazer seus interesses.

Sugeriria este quadro uma continuidade da situação de anarquia. [Po-


rém,] A novidade maior do tema ambiental, assim como o foi o tema
das armas nucleares, é que nesse terreno a permanência da anarquia e
dos interesses egoístas poderia levar a prejuízos irreversíveis para todos
(Vigevani; Scantimburgo, 2011, p.69).
26 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Ocorre que as transformações processadas no sistema interna-


cional a partir de 1970, causadas pela diminuição da intensidade do
conflito na Guerra Fria, o temor da destruição nuclear e o surgimen-
to dos chamados novos temas, como os direitos humanos e o meio
ambiente, resultaram na expansão e diversificação das relações inter-
nacionais, ampliando as interações entre os atores para além dos pa-
drões e temas tradicionais da política de poder e da economia. Neste
cenário, despontou a seguinte questão: como poderia ocorrer a coo-
peração neste ambiente internacional determinado pela anarquia?
Axelrod e Keohane (1993) contribuíram para esta discussão
com a obra: Achieving Cooperation under Anarchy: Strategies and
Institutions [Alcançando Cooperação sob Anarquia: Estratégias e
Instituições]. Estes autores afirmam que a ocorrência da cooperação
é compatível com a anarquia característica do sistema internacio-
nal. Para eles, a cooperação pode se desenvolver em algumas áreas
das relações internacionais enquanto outras áreas permanecem sob
o domínio da anarquia:

Relationships among actors may be carefully structured in some issue


areas, even though they remain loose in others. Likewise, some issues
may be closely linked through the operation of institutions while the
boundaries of other issues, as well as the norms and principles to be fol-
lowed, are subject to dispute (Axelrod; Keohane, 1993, p.226).

Axelrod e Keohane (1993) afirmam, ainda, que a cooperação


não é equivalente à harmonia, ou seja, uma situação ideal. A harmo-
nia requer completa identidade de interesses, mas a cooperação só
pode ocorrer em situações que contenham uma mistura de interesses
conflitantes e complementares. Nas palavras dos autores:

Cooperation is not equivalent to harmony. Harmony requires complete


identity of interests, but cooperation can only take place in situations
that contain a mixture of conflicting and complementary interests
(idem, ibidem, p.226).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 27

Ao reconhecermos a existência de interesses conflitantes e com-


plementares no interior de processos e negociações que visam a coo-
peração, elimina-se a perspectiva de que a cooperação internacional
seja um objetivo idealista, que desconsidera ou negligencia a relação
de forças da política mundial.

Assim, pode-se analisar situações considerando a relação conflitiva como


fazendo parte integrante de tais situações, em vez de ser um mal que se deve
eliminar [...] O objetivo consiste em encontrar soluções estáveis que satis-
façam as preferências mais elevadas dos atores (Le Prestre, 2000, p.285).

Esta perspectiva de compatibilidade entre a cooperação interna-


cional e as forças concorrentes da política mundial aparece nas obras
de Keohane, em After Hegemony (1984) e em International Insti-
tutions and State Power (1989), nas quais o autor propõe um novo
modelo de análise das relações internacionais com ênfase no papel
das instituições e regras internacionais. “Nesses trabalhos, Keohane
faz uso dos mesmos pressupostos do realismo de modo a demonstrar
que eles são condizentes com a formação de arranjos institucionais
conducentes à cooperação” (Ramos, 2006, p.22).
Devido a esta realidade, Keohane e Nye (2001) buscaram
unir conceitos das teorias realista e liberal para criar um tipo
ideal para explicação dos fenômenos contemporâneos das rela-
ções internacionais. Essa nova configuração da política mundial
foi definida por Keohane e Nye como interdependência com-
plexa. Façamos uma breve incursão nesse debate para com-
preender sua relação com os desdobramentos atuais das ques-
tões ambientais globais.
As mudanças na política mundial identificadas por estes auto-
res são caracterizadas pela influência de processos transnacionais
no sistema internacional. Para estes autores, o sistema internacional
encontra-se cada vez mais interligado devido ao avanço nas comu-
nicações, à intensificação das transações financeiras, ao crescimento
do volume de comércio, à atuação de empresas multinacionais, e às
influências culturais e ideológicas entre países.
28 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Assim, Keohane e Nye (2001) apontam em sua obra que a inter-


dependência complexa tende a aumentar a ocorrência da cooperação
e afirmam que a interdependência possui três características prin-
cipais: a existência de múltiplos canais conectando as sociedades, a
ausência de hierarquia entre os múltiplos temas da agenda interna-
cional e o fato do papel do uso da força militar estar diminuindo nas
relações internacionais.
Em minha interpretação, esta última característica é um indício
de que a intensificação da cooperação pode causar transformações
nas principais estruturas do sistema internacional. Essencialmente,
trata-se de alterar a rigidez imposta pela característica predominante
na compreensão do sistema internacional, marcada pela anarquia e
pela tendência ao conflito permanente de interesses. Isso levou os
países a buscarem com mais frequência a cooperação para lidar com
temas que ultrapassam suas capacidades individuais e para os quais
a competição não levaria a resultados positivos.
Por fim, a teoria da interdependência complexa, com os con-
ceitos de sensibilidade e vulnerabilidade, demonstra que os atores
do sistema internacional se encontram altamente interconectados
por meio de redes difusas de comunicações, compromissos e desa-
fios globais, como é o caso da problemática ambiental que se coloca
frente aos Estados amazônicos. Para eles, a interdependência entre
os atores do sistema internacional aumentaria a cooperação.
Todavia, esta interdependência não é simétrica, pelo contrá-
rio, as diferenças de poder dos atores estão presentes nos acor-
dos de cooperação. Desta forma, “a interdependência não serve
para explicar todos os eventos das relações internacionais, mas
se aproximam muito de alguns casos de interdependência eco-
nômica e ecológica”.

[...] a interdependência é um fenômeno indissociável da cooperação, na


medida em que os Estados, ao pretenderem regular o meio ambiente
que, na sua natureza físico-biológica é uma unicidade, a qual se encon-
tra acima de qualquer divisão entre as soberanias dos Estados, exige o
reconhecimento de que, para ser eficaz, qualquer regulamentação, in-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 29

clusive em nível interno, necessita basear-se numa reunião e conjugação


de esforços com vistas a uma finalidade comum (Soares, 2003, p.625
apud Sant’Anna, 2009, p.37).

Portanto, o debate entre realistas e liberais sobre as característi-


cas e possibilidades de interação no sistema internacional ofereceu
uma abertura bastante coerente para aprofundamento dos estudos
sobre a cooperação. É nesta lacuna que se insere este livro, com o
intuito de, a partir da discussão estabelecida, inserir novos elemen-
tos explicativos direcionados à compreensão e desenvolvimento da
cooperação regional amazônica.
Para prosseguir a argumentação, foi identificada a necessidade
de estabelecer alguns parâmetros iniciais acerca do que se entende
por cooperação. Esta conceituação não tem por objetivo restringir
a cooperação a apenas uma definição, mas sim orientar o debate de
acordo com os objetivos e a perspectiva assumida por este trabalho.
Assim, considero a cooperação como a atuação conjunta de Estados,
instituições multilaterais e não governamentais, envolvendo dois ou
mais atores que se dispõem a transferir conhecimentos e/ou recur-
sos financeiros em áreas de interesse comum (Ribeiro, 2007).
Entende-se que a cooperação é resultado de um processo de
coordenação política, que exige um esforço dos Estados em privile-
giar a ajuda mútua em detrimento da competição por interesses indi-
viduais, ou seja, a autoajuda. De acordo com Sant’Anna (2009, p.31)
“A cooperação é entendida como oposta ao conflito e à competição.
No entanto, a maioria dos autores discorda em relação ao que cau-
sa a cooperação”. Na leitura de Keohane (1984, p.51), a cooperação
ocorre “when actors adjust their behavior to the actual or antecipa-
ted preferences of others, through a process of policy coordination1”
[quando atores ajustam seu comportamento às preferências atuais
ou antecipadas de outros atores, por meio de um processo de coor-
denação política] (tradução minha).

1 Dentre os autores que utilizam esta definição de cooperação estão Helen Milner
(1992, 1997), Kenneth Oye (1986), Joseph Grieco (1988) e Peter Haas (1989).
30 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Porém, a revisão histórica das negociações internacionais ocor-


ridas sob o signo da cooperação internacional revela uma grande
diferença entre os conceitos estabelecidos acerca da cooperação e a
realidade dos fatos quando há interesses em jogo. Isto porque, mes-
mo quando se dispõe a construir esforços conjuntos para a satis-
fação de interesses comuns, os atores internacionais disputam pela
definição do que é o interesse comum, e competem para estabelecer
os meios e as condições pelas quais tal interesse será buscado. Essa
realidade leva alguns a questionar se de fato existe a cooperação, ou
trata-se apenas de uma forma diferente de acomodar interesses.

In the study of politics, perhaps nothing seems so dismal as writing


about international cooperation (Keohane, 1984). A frase de Robert
Keohane reproduzida acima reflete com exatidão o sentimento da-
queles que se propõem a estudar a cooperação internacional em um
mundo onde tal fenômeno é geralmente descrito como raro ou até
mesmo inexistente. A realidade da política internacional muitas vezes
tende a desencorajar o analista de Relações Internacionais a se aven-
turar pelos meandros das relações entre Estados em busca de padrões
cooperativos (Ramos, 2006, p.22).

Mais uma vez, farei um recorte direcionado às relações políticas no


tocante a assuntos ambientais internacionais. Tentarei explicitar que, por
mais que venham sendo construídos mecanismos cooperativos, de ação
conjunta internacional, os processos negociadores destes são marcados
não pela solicitude, solidariedade e consciência ambiental, mas sim pelo
cálculo econômico, pela relação de forças e influências de poder.
Esta situação se apresenta como uma espécie de dilema da coope-
ração. A exemplo do dilema da segurança, no qual os atores armam-
se até os dentes para se protejer e geram maior insegurança. Uma for-
mulação inicial do que se pode chamar de dilema da cooperação, que
será discutido a seguir, mostra que os atores, ao buscarem maior coo-
peração internacional, competem acirradamente para definir como
cooperar. Este contrassenso deve ser superado e tal padrão não pode
ser reproduzido na dinâmica da cooperação regional amazônica.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 31

A partir deste momento, veremos que a realidade das negocia-


ções para a cooperação no sistema internacional é muito distinta
das definições e conceitos em voga. Raras ocasiões apresentam um
verdadeiro esforço comum entre um conjunto dos atores para reso-
lução de questões transnacionais. Faz mais sentido, dentre as ações
dos Estados, a vigência da perspectiva da escolha racional, segundo
a qual os Estados são atores racionais que agem em função dos cálcu-
los de seus interesses e, portanto, quando escolhem cooperar, pen-
sam nos seus ganhos de forma absoluta e não em ganhos relativos.
Ou seja, cada Estado quer ganhar mais do que o outro, não conside-
rando mais interessante que ambos ganhem de forma equitativa ou
com alguma assimetria negociável.

Realismo, neo-realismo, teoria dos jogos e estudos estratégicos, assim


como abordagens institucionais neo-liberais, compartilham de uma
abordagem racionalista dos Estados, os quais são vistos como “agentes
goal-seeking que buscam realizar seus interesses frente a um ambiente
externo caracterizado pela anarquia e o poder de outros Estados (Capo-
raso, 1992, p.605 apud Adler, 1999, p.201).

Ao contrário do compartilhamento de informações ou de re-


cursos financeiros e técnicos, o que se verifica é uma disputa aberta
entre os atores para a consecução de seus interesses, e, em alguns
casos, a cooperação é utilizada como instrumento para tanto. Esta
característica egoísta dos Estados, buscando a satisfação de seus in-
teresses individuais, os coloca em permanente competição devido à
divergência de interesses.
Entretanto, na análise do contexto atual dos regimes e da coope-
ração internacional para o meio ambiente, verifica-se que as nego-
ciações ainda refletem a tradicional luta pelo poder.

Deve ser destacada na discussão de relações internacionais e meio


ambiente uma questão fundamental e inerente às relações políticas.
Qualquer ação e decisão têm consequências no tocante ao poder [...]
Portanto, qualquer decisão a respeito de regimes internacionais am-
bientais é vista pelos Estados como consequência de necessidades ob-
32 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

jetivas, [...] vistas como atinentes a diferentes aspectos, um deles, mui-


to importante, é o econômico (Vigevani; Scantimburgo, 2011, p.64).

Assim, um conflito essencial se dá desde a percepção da temática


ambiental: os Estados, atores e interesses econômicos internacionais dis-
putam o poder entre si para imporem sua definição do problema ambien-
tal, de quais medidas devem ser tomadas, de quem deve arcar com os
custos e prejuízos da cooperação, e de quais são os resultados desejáveis.
Portanto, afirmar que a cooperação por meio de instituições
pode induzir comportamentos ou uma evolução da política interna-
cional do meio ambiente não significa que elas podem impor políti-
cas a Estados que não as desejem (Le Prestre, 2000, p.115). Por este
motivo, nota-se que os Estados não têm sido efetivamente levados a
uma política ambiental protecionista, adequada, apenas por meio da
ação institucional, científica, intelectual, nem sequer por meio dos
acordos e tentativas de formulação de regimes internacionais (Vige-
vani; Scantimburgo, 2011, p.65).

Os países, sendo os principais atores das relações internacionais, têm


diferentes definições e percepções dos problemas mundiais, permane-
cendo em aberto a questão de como fazer com que os atores busquem
soluções compartilhadas (Sant’Anna, 2009, p.31-33).

Nesta perspectiva, as negociações da temática ambiental interna-


cional têm gerado uma disputa pelo poder de definir instituições e re-
gulamentações de controle político, econômico e social de acordo com
interesses próprios. Para Le Prestre (2000, p.30) “A proteção do meio
ambiente não é apenas um fim em si. É por igual um meio para atingir
outros objetivos políticos”. Assim, as escolhas políticas simbolizam
relações de força, são tentativas dos atores internacionais de impor sua
definição do problema e das medidas a serem tomadas, utilizando as
novas carências em proveito próprio, ao invés de cooperarem em bus-
ca de uma solução ótima objetiva (Le Prestre, 2000, p.18).
Por isso, a “Ecopolítica Internacional” contemporânea, como
define Le Prestre (ibidem), mostra-se como o resultado de forças
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 33

concorrentes, característica do realismo político, mas influenciada


por instituições e acordos regulatórios, características do liberalis-
mo institucionalista. Talvez este seja o motivo pelo qual Leis (1998)
atribuiu à sua obra o nome de “Ambientalismo: um projeto realista
-utópico para a política mundial”.
Existe, portanto, uma clara divergência entre o conceito de coo-
peração e a prática da cooperação. Fernanda Sant’Anna (2009, p.17),
em seu trabalho Cooperação Internacional e Gestão Transfronteiriça
da Água na Amazônia, afirma “analisar a cooperação como instru-
mento para minimizar conflitos entre os países amazônicos na gestão
compartilhada dos recursos hídricos transfronteiriços”. Esta pers-
pectiva expressa por Sant’Anna (2009) está atrelada à definição rea-
lista do sistema internacional, segundo a qual o ambiente de anarquia
impõe a tendência inevitável ao conflito entre suas unidades.
Entende-se da definição assumida pela autora que a coope-
ração é apenas um mecanismo subordinado à dinâmica confli-
tuosa do sistema internacional, utilizada conforme os interesses
dos atores em amenizar a competição. Tal visão é coerente com a
realidade internacional, e é compartilhada por outros autores que
atribuem uma determinada função à cooperação, uma utilidade
específica dentro da estrutura preestabelecida de interação entre
as unidades do sistema internacional.
Porém, por mais que encontre fundamentos nos acontecimentos
da política internacional, deve-se fazer algumas ressalvas quanto a
esta perspectiva. Mesmo que seja factível considerar a cooperação
como um instrumento para minimizar os conflitos, entende-se que
as características e potencialidades da cooperação vão além das atri-
buições de um simples mecanismo de redução de conflitos.

A questão paradigmática é de como os Estados realizam seus objetivos


tendo em vista os limites através dos quais operam. Quando os objetivos
são interdependentes, a questão assume uma forma estratégica: como
poderá um estado alcançar o que deseja, dadas as preferências e capa-
cidades dos outros? (Caporaso, 1992, p.605 apud Adler, 1999, p.201).
34 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A resposta para tal questão é exatamente o que se buscou de-


senvolver com esta reflexão. Para isto, cabem ainda mais pergun-
tas: como reverter a tendência ao conflito (de interesses e bélico)
em favor do aumento da cooperação? Como os Estados podem agir
coordenadamente, aceitando a consecução parcial de seus interes-
ses para que outros também possam auferir ganhos?
Para superar a tendência ao conflito de interesses, os atores de-
vem construir mecanismos que possibilitem a anulação ou ameniza-
ção da característica anárquica do sistema internacional. Ou seja, os
atores precisam de acordos, garantias e mecanismos reguladores que
impeçam os Estados de recorrer ao uso da força caso seus interesses
não sejam plenamente alcançados. O único mecanismo disponível
para tanto ainda é uma condição abstrata e volátil, trata-se da cons-
trução de confiança entre os atores:

Robert Keohane, em seu livro The evolution of cooperation (1984) utiliza


a teoria dos jogos e o dilema do prisioneiro para explicar a cooperação.
De acordo com este autor, é preciso confiança para haver cooperação, ela
ocorre quando as interações entre os atores são repetidas várias vezes. A
memória destas interações permite que os atores possam prever as ações
dos outros e, portanto, se sentem mais seguros para cooperar. Daí a im-
portância da repetição no processo de cooperação ao diminuir a insegu-
rança dos atores em relação aos outros. Outro fator essencial para a coo-
peração é a comunicação entre os atores. Quando os atores se comunicam
eles têm a possibilidade de redefinir seus interesses e estratégias, podendo
chegar a acordos mutuamente benéficos (Sant’Anna, 2009, p.35).

A construção de confiança é um elemento essencial para que


os atores possam realizar esforços conjuntos em função de expec-
tativas compartilhadas. Em linguagem clara, as partes envolvidas
em um processo de cooperação precisam encontrar compromissos
estabelecidos, senão garantias, para que possam dispor e compar-
tilhar recursos financeiros e técnicos. Assim, para que haja cons-
trução de confiança, são indispensáveis a repetição e a memória
das interações cooperativas, a comunicação e o compartilhamento
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 35

de informações, e o contato periódico para (re)avaliação dos inte-


resses comuns buscados.
Note-se que, para a cooperação ser uma alternativa viável de re-
lacionamento entre os atores internacionais, é preciso que os resul-
tados da cooperação sejam previsivelmente positivos. Os Estados
precisam encontrar motivos interessantes ou realmente necessários
para que decidam dar preferência à busca de objetivos comuns em
detrimento da tradicional luta por seus interesses egoístas:

When state elites do not foresee self-interested benefits from coopera-


tion, we do not expect cooperation to occur, nor the institutions that
facilitate cooperation to develop.When states can jointly benefit from
cooperation, on the other hand, we expect governments to attempt to
construct such institutions. Institutions can provide information, redu-
ce transaction costs, make commitments more credible, establish focal
points of coordination, and in general facilitate the operation of recipro-
city (Keohane; Martin, 1995, p.42).

Keohane e Martin trazem grande contribuição ao evidenciar


que são necessárias expectativas de benefícios para que ocorra a coo-
peração. Este é um entendimento bastante realista, no sentido lite-
ral da palavra. Ou seja, somente se os Estados puderem usufruir de
ganhos por meio da cooperação é que seus governos se engajarão na
construção de arranjos e instituições cooperadoras. E, consequente-
mente, compartilharão informações, reduzirão custos de transações,
darão mais credibilidade aos compromissos assumidos, estabelece-
rão pontos focais de coordenação e facilitarão a operação da recipro-
cidade nas ações conjuntas.
Neste sentido, o sucesso da cooperação está diretamente asso-
ciado à capacidade dos Estados e das instituições envolvidas em ge-
rar benefícios para a cooperação, tornando mais interessante para os
atores cooperar do que competir. Complementarmente, a condução
atenciosa dos assuntos da cooperação demanda também a criação de
órgãos técnicos e diplomáticos para a solução de problemas e para
garantir de forma multilateral o cumprimento dos acordos.
36 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A partir destes elementos, a proposta é observar o fenômeno da


cooperação como uma dinâmica de interação entre as unidades do
sistema internacional que tem como objetivo superar a tendência ao
conflito de interesses. Além disso, é necessário que os atores que se
disponham a cooperar busquem realmente conjugar esforços para a
satisfação de interesses compartilhados, ao invés de utilizar a coo-
peração para alcançar interesses individuais, pois estariam, assim,
competindo de outras formas, o que se identificou ser um dilema da
cooperação, que também deve ser superado. Em outras palavras, o
argumento central que nos esforçamos em defender é a “superiori-
dade evolutiva da cooperação e complementação em relação à oposi-
ção e conflito” (Leis; D’Amato, 1995, p.91).
Mais uma vez, as características regionais da Amazônia, região
foco de nossa análise, nos levam a relacionar os temas da cooperação
e do meio ambiente:

A crise ecológica global resulta da anarquia na exploração e gestão dos


bens comuns da humanidade por parte de atores políticos e econômicos
orientados por uma racionalidade individualista e instrumental. Esta
situação obriga a procurar mecanismos de racionalidade objetiva que
coloquem a cooperação acima do antagonismo de interesses particulares
(Viola; Leis, 1998, p.26).

Entendendo dessa forma, a cooperação não se limita a uma di-


nâmica subalterna à competição, nem a um mecanismo útil apenas
à amenização do conflito. Configura uma opção política de intera-
ção que deve ser distinta da luta de interesses desde suas motiva-
ções e em seus objetivos. Ou seja, o favorecimento da cooperação
visa reduzir potencialmente os conflitos, mas esta não é e nem
deve ser sua única finalidade. Os atores que se engajam em coo-
perar não devem estar competindo por outros meios, mas negar a
competição em favor do esforço conjunto, da divisão de custos e
do compartilhamento de benefícios.
Assim, a partir da análise teórica que se realizou acerca da coo-
peração no sistema internacional, encontrou-se alguns elementos
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 37

que serão fundamentais para a análise da cooperação regional ama-


zônica. A saber, a capacidade de gerar benefícios à cooperação e
acompanhar seu desenvolvimento caracteriza-se como uma possibi-
lidade de constituir arranjos políticos capazes de superar os entraves
ao aprofundamento da dinâmica política regional amazônica.
Ou seja, identificou-se que a OTCA e seus Estados-membros
necessitam criar mecanismos incentivadores à cooperação, tornan-
do-a mais viável ou vantajosa do que a desarticulação, a deserção e
a competição por interesses nacionais individualizados. Neste sen-
tido, após análise detalhada da eficácia do Tratado de Cooperação
Amazônica, Torrecuso (2004) apontou que:

Os constrangimentos à eficácia do Tratado podem ser identificados na


ausência de mecanismos para a solução de problemas técnicos e meca-
nismos para garantir a adesão ao acordo, além das condições intrínsecas
ao tratamento da questão amazônica (Torrecuso, 2004, p.6).

Deve-se ressaltar que, diferentemente do que ocorre nas nego-


ciações ambientais internacionais, nos quais os Estados disputam
acirradamente pela condução dos processos de cooperação, na di-
nâmica política regional amazônica esta disputa não é a principal
característica das negociações. Pelo contrário, foi identificada, e será
explorada detalhadamente no decorrer deste livro, a necessidade de
maior engajamento político dos Estados.
Todavia, a região amazônica é um exemplo claro da existência
de interesses conflitantes, mas também de interesses complementa-
res. Para constatá-los, basta verificar a existência de múltiplos atores
envolvidos na política regional: Estados, coalizões internacionais, a
OTCA como organização multilateral regional, e diversas organiza-
ções internacionais, multilaterais e não-governamentais, interesses
econômicos particulares, além de organizações indígenas, movi-
mentos sociais indigenistas e ambientalistas etc.
Portanto, para compreender e buscar articulação entre inte-
resses conflitantes e complementares existentes na Amazônia, é
preciso, primeiramente, reconhecer a complexa realidade regio-
38 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

nal, constituída por múltiplos sujeitos, atores e interesses que são


essencialmente relevantes e influentes nesse momento em que
mudanças de padrões políticos, tecnológicos e socioculturais se
colocam em questão.

A Ecologia, o ambientalismo e o ethos ecológico em geral expressam a


necessidade de uma profunda transformação da humanidade em dire-
ção a uma maior solidariedade, cooperação entre culturas, nações, indi-
víduos e espécies (Leis, 1998, p.16-17).

Atualmente, com a consolidação e os desdobramentos prá-


ticos dos acordos e dos regimes internacionais sobre meio am-
biente, especialmente o de mudanças climáticas, a Amazônia
adquire importância central no debate e nas negociações de po-
líticas internacionais ambientais.

O risco de convulsões políticas em países vizinhos, ameaçando as


fronteiras nacionais, é outro fator que requer uma ação conjunta
sobre o território da Amazônia, necessária e urgente [...] não há
hoje condições no mundo de prescindir da cooperação interna-
cional. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) pode constituir instituição-chave para essa resistência e
integração (Becker, 2009, p.55-56).

Sua importância estratégica torna evidente a necessidade de


uma cooperação regional maior e mais efetiva do que se verifica
atualmente, para que os Estados possam exercer sua soberania na
administração eficiente da região e se posicionar de forma articulada
e responsável na arena política internacional. Veja como esta realida-
de pode ser percebida no decorrer dos principais debates e negocia-
ções internacionais a respeito do meio ambiente, para, em seguida,
analisar especificamente a cooperação amazônica.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 39

A Amazônia e as negociações ambientais


internacionais: reflexos e respostas

A partir daqui, vamos verificar como as características anterior-


mente analisadas sobre a cooperação internacional na área ambiental
se manifestam nas negociações internacionais sobre o tema. Busca-
remos, também, identificar os reflexos mais relevantes deste proces-
so de ascensão internacional da temática ambiental para a dinâmica
política dos países amazônicos e como estes responderam e se posi-
cionaram no cenário internacional.
Desde a década de 1970, a comunidade internacional passou a
ter maior atenção e engajamento político com as crescentes preocu-
pações ecológicas.2 Assim, os Estados e organizações internacionais
incluíram o tema em suas pautas devido à repercussão de problemas
ambientais de âmbito local, mas que se constatavam em diferentes
lugares, e também devido a desequilíbrios ecológicos de dimensão
transnacional, capazes de afetar diversos locais do planeta.
Ao despontar como uma problemática complexa, que exige
esforços maiores do que a capacidade individual de ação dos Es-
tados nacionais, as demandas da temática ambiental apontaram a
necessidade de fortalecimento da cooperação internacional. Isto
porque a complexidade e a abrangência dos problemas ecológicos
ultrapassam a capacidade de ação individual dos atores internacio-
nais, como vimos anteriormente. Desta maneira, os problemas e
desequilíbrios identificados no meio ambiente global não se limi-
tam às fronteiras territoriais e políticas, tornando necessária a ação
conjunta dos atores envolvidos.
Porém, desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente Humano, realizada na Suécia, em Estocolmo, em 1972, as
negociações internacionais sobre medidas ecológicas foram marca-

2 Alguns trabalhos registram desde as primeiras reuniões internacionais que trataram


sobre o meio ambiente, ver Ribeiro (2005). O objetivo aqui é trabalhar com o tema
a partir de sua intensificação no cenário internacional, iniciada na década de 1970, e
dar ênfase às principais Conferências Ambientais promovidas pela ONU e ao Regi-
me Internacional sobre Mudança Climática.
40 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

das mais por embates políticos acirrados do que pela conjugação de


esforços. Em Estocolmo, houve clara diferença de posicionamento
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos acerca da gravidade
dos problemas ambientais e das medidas que deveriam ser tomadas
para saná-los. O embate entre estas diferentes perspectivas fez com
que novos elementos passassem a ser considerados na interpretação
dos problemas ecológicos e, consequentemente, na interpretação da
realidade internacional.
Entre estes elementos, destacaram-se as questões levantadas
pelos relatórios do Clube de Roma3 e pela publicação das obras The
Limits to Growth e Blueprint for Survival em 1972. Nestes escritos,
mostravam-se diagnósticos bastante alarmantes sobre a situação
ambiental do planeta e, principalmente, argumentos sobre limita-
ções ao crescimento econômico e populacional, as quais foram se-
veramente criticadas pelos países desenvolvidos. Por outro lado, o
posicionamento do Brasil e dos demais países subdesenvolvidos foi
contrário a qualquer possibilidade de submeter seu desenvolvimen-
to econômico e social às balizas do ambientalismo internacional.
A expressão do direito ao desenvolvimento foi a tônica no po-
sicionamento dos países pobres, entre eles o Brasil e demais países
amazônicos. Entre as críticas do recém-surgido ambientalismo
internacional, estava a afirmação de que os países amazônicos,
dada sua instabilidade política e suas dificuldades econômicas,
sociais e a carência científico-tecnológica, não seriam capazes de
promover o desenvolvimento de suas regiões amazônicas sem de-
gradar irreversivelmente a floresta. Posição que foi prontamente
combatida pelos países amazônicos, liderados pelo Brasil.
Reforçando este posicionamento, o Brasil ainda apresentou o
argumento de que a pobreza é uma das principais causas da degra-
dação ambiental, e, assim, deve-se fazer a distinção entre a degra-
dação resultante da falta de condições sociais dignas e a degradação

3 O Clube de Roma foi fundado em 1968 e promovia encontros de cientistas, acadê-


micos, economistas, industriais e membros de instituições públicas para debater a
temática ambiental.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 41

ambiental resultante de uma condição econômica superprodutiva.


Com isso, já na primeira grande reunião da ONU sobre meio am-
biente foram inseridas as dimensões social e econômica como com-
ponentes associados ao debate ecológico.

Os princípios da argumentação brasileira faziam distinção entre polui-


ção absoluta e poluição relativa, entre poluição industrial e poluição da
miséria, poluição causada pelo superdesenvolvimento (industrial e con-
sumista) dos países ricos e a poluição causada pelo subdesenvolvimen-
to (fome, carência de educação e tecnologia, falta de saneamento) dos
países pobres. Relativa também, segundo o mesmo argumento, deveria
ser a responsabilidade na solução dos problemas ambientais, de caráter
local ou planetário (Vieira, 1992, p.8-9).

Verificou-se, então, a divergência de interesses presente desde o


primeiro grande debate internacional sobre o tema:

A predominância do realismo político na Conferência de Estocolmo fi-


cou evidente. A soberania dos países foi salvaguardada e venceu a tese
de não-controle externo em relação às políticas desenvolvimentistas que
poderiam vir a ser praticadas por cada país. Entretanto, ainda que de
maneira tímida, assistimos à participação das ONGs, que indicava a
presença de novos atores no sistema internacional (Ribeiro, 2005, p.81).

Segundo analistas, este cenário foi possível devido à diminuição


na intensidade do conflito bipolar entre Estados Unidos e União
Soviética, no eixo Leste-Oeste, que ocasionou um deslocamento da
competição internacional para o eixo Norte-Sul, entre países desen-
volvidos e em desenvolvimento. Este embate se caracteriza como
o conflito mais marcante dos debates ambientais internacionais e
produz muitos desdobramentos até hoje. Assim, à época da Con-
ferência de Estocolmo, os países em desenvolvimento procuraram
transformar a questão do meio ambiente em uma nova dimensão da
agenda do desenvolvimento (Lago, 2007, p.219).
De tal maneira, ao contabilizar seus interesses políticos e econômi-
cos no cálculo das vantagens e desvantagens em cooperar para solução
42 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

de problemas ecológicos, os países utilizam as demandas ambientais


para fortalecer sua busca pelos interesses nacionais. Ou seja, as novas
preocupações trazidas pela ascensão da temática ambiental não modifi-
caram a essência da atuação internacional, foram apenas incorporadas
ao leque de elementos que definem a busca pelos interesses nacionais.

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que o tema do meio ambiente


é utilizado como instrumento de poder internacional tanto por aque-
les que têm uma política mais agressiva contra a proteção quanto por
aqueles que têm uma política mais favorável à preservação ambiental
(Vigevani; Scantimburgo, 2011, p.69).

Por mais que os Estados e demais atores demonstrem algu-


ma disposição em buscar resoluções conjuntas, as rodadas de ne-
gociações que determinam as medidas a serem adotas registram
intensos conflitos de interesses. Disto pode-se notar que a carac-
terística da anarquia do sistema internacional influi nas negocia-
ções ambientais internacionais. Reconhecendo esta influência,
Ribeiro (2005) argumenta que:

A ordem ambiental tem de ser entendida como um subsistema – em


construção – do sistema internacional, como postula Aron (1986), no
qual os Estados atuam segundo seus interesses nacionais e procuram
salvaguardar sua soberania dentro da tradição do realismo político. Po-
rém, um realismo sem armas (Ribeiro, 2005, p.14).

De fato, não há uma autoridade incontestável que determine


o que constitui o bem comum em matéria ecológica, estabelecen-
do um consenso rígido e a medida perfeita e necessária de preser-
vação. Por este motivo, os atores divergem sobre a gravidade dos
problemas ecológicos, quem são os responsáveis pela degrada-
ção, quais atitudes devem ser tomadas, e, principalmente, quem
deve arcar com os maiores custos das medidas ecológicas.
As instituições internacionais atuam também para suprir de
alguma maneira esta ausência de um ator internacional legítimo,
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 43

capaz de coordenar e regular as ações dos demais atores. Estas têm


desempenhado um papel importante em vários temas da política
mundial, e, na área ambiental, sua influência é inegável. Prova dis-
to é que a forte resistência dos países frente aos argumentos eco-
lógicos não impediu que a Conferência de Estocolmo produzisse
resultados significativos para o tema no período subsequente.
Mesmo tendo discutido o tema ecológico da perspectiva do
desenvolvimento econômico e social, a Conferência introduziu al-
guns dos princípios e conceitos que se tornaram a base da temática
ambiental global nos próximos anos. Entre os principais reflexos da
Conferência estão:

A entrada definitiva do tema ambiental na agenda multilateral e a


determinação das prioridades das futuras negociações sobre meio
ambiente; a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente – PNUMA; o estímulo à criação de órgãos nacionais de-
dicados à questão do meio ambiente em dezenas de países que não
o tinham; o fortalecimento das organizações não governamentais
e a maior participação da sociedade civil nas questões ambientais”
(Lago, 2007, p.48).

Assim, ao mesmo tempo em que se pode identificar a existên-


cia de conflitos de interesses entre os Estados nas negociações sobre
meio ambiente, não se pode negar a influência das instituições in-
ternacionais na política mundial. De acordo com um dos principais
autores desta corrente:

A presença de instituições internacionais no sistema político mundial


influencia o comportamento dos governos e é central para analisar a
cooperação entre Estados ao supor que os arranjos institucionais afe-
tam e, às vezes, condicionam as ações governamentais (Keohane, 1989,
p.17, tradução nossa).

Em seu estudo, Le Prestre (2000, p.309) verificou que as insti-


tuições incentivam a cooperação de quatro maneiras distintas: elas
aumentam o volume de interações, ajudando a desencorajar as de-
44 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

serções; elas facilitam a ligação entre diferentes domínios; aumen-


tam o volume de informação à disposição dos atores – por meio das
atividades de vigilância e de verificação; e, as instituições reduzem
os custos de transação dos acordos e das medidas para respeitá-los.
No campo das negociações internacionais sobre meio ambiente, a
Organização das Nações Unidas tem desempenhado relativamente es-
tas funções, visto que, desde Estocolmo, cresceu o número de reuniões
internacionais e não-governamentais para debater o tema; houve a li-
gação entre diferentes domínios, a saber, o meio ambiente, a política, a
economia e o âmbito social; e, cresceu o volume de informação à dispo-
sição dos atores, notadamente com as publicações da Comissão Mun-
dial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a atuação do PNUMA.
Cabe aqui destacar o primeiro fator do contexto internacional
que influenciou diretamente os países amazônicos para iniciarem
seu processo de coordenação política regional. A Conferência de Es-
tocolmo foi um dos fatores determinantes para a inauguração do que
Mattos (1978) chamou de sistema transnacional amazônico. Entre
as grandes polêmicas levantadas pelos ambientalistas da época, teve
destaque o debate sobre uma possível tutela internacional para ad-
ministração da Amazônia.
Criticava-se duramente a capacidade dos países da região em
proteger o patrimônio ambiental de que dispõem, dadas a instabili-
dade política e as precárias condições econômicas características da
maioria dos Estados amazônicos. Soma-se a esta conjuntura o fato
de boa parte dos países da América do Sul encontrarem-se em meio
a regimes militares, levando os países da região a ter forte preocupa-
ção com fatores como soberania e território. Resultou que o TCA foi
assinado com o interesse, dentre outros, de repudiar interferências
exógenas no desenvolvimento da Amazônia.

O acordo, que entrou em vigor em 1980, inseria-se em uma lógica


defensiva, soberanista, refratária a intervenções estrangeiras em nome
da preservação ambiental. A construção de uma visão comum de
Amazônia amparava--se em conceitos como o direito ao desenvolvi-
mento, o respeito à soberania, a cooperação e a integração regional [...]
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 45

e a assinatura do TCA era uma sinalização de que a inserção brasileira


na agenda internacional assentava-se sobre as bases da cautela e da
gradualidade (Gadelha, 2009, p.18).

Configurou-se, desta maneira, uma situação na qual a pro-


teção de sua soberania sobre a região amazônica tornou-se uma
preocupação comum a todos os países da região. Além disto, as
décadas de 1960 e 1970 também foram o contexto das primeiras
iniciativas de caráter regional na América do Sul, como o surgi-
mento das Associações de Livre Comércio Latino-Americana e
a Caribenha (ALALC e CARIFTA), a Comunidade Andina de
Fomento (CAF) e o posterior Sistema Econômico Latino-Ame-
ricano e do Caribe (SELA).

O surgimento do TCA, em 1978, corresponde a momento histórico em


que convergiram dois importantes processos. Por um lado, a integração
na América Latina ganhava ênfase, em período no qual países e regiões
não diretamente alinhados aos grandes polos de poder da Guerra Fria
reivindicavam espaço no cenário internacional. Por outro lado, a agenda
ambiental crescia em importância, impulsionada pela opinião pública e
por considerações geopolíticas (Gadelha, ibidem, p.21).

No cenário ambiental internacional, o acontecimento poste-


rior a Estocolmo de maior relevância foi a publicação do Relatório
da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
conhecido como Relatório Brundtland, em 1987. Esta Comissão,
instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas, contava com
a presença de vinte e três países e promoveu estudos, conferências
públicas e relatórios, acumulando perspectivas distintas sobre a
ideia de desenvolvimento sustentável que vinha sendo discuti-
da em diferentes países. O documento publicado sob o título de
“Nosso futuro comum” difundiu as bases do conceito de desen-
volvimento sustentável4 no quadro político mundial, baseado na

4 De acordo com o Relatório Brundtland (1987): “Desenvolvimento sustentável é o


desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capa-
46 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

responsabilidade entre as gerações de buscar o equilíbrio entre três


pilares do desenvolvimento, o econômico, o social e o ambiental.
Desta forma, o conceito de desenvolvimento sustentável teve
um importante papel na conciliação das posições conflitantes en-
tre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, instigando-os a
aprofundarem o debate sobre a temática ambiental. Este conceito
tornou-se referência para inúmeros trabalhos e interesses políticos
dos mais diversos (Ribeiro, 2005, p.110), e assim a sustentabilidade
passou a estar presente no discurso político, social, e empresarial ao
redor de todo o mundo.

O equilíbrio foi encontrado graças ao conceito de desenvolvimento sus-


tentável, que, sem dúvida, nasceu da insistência dos países em desen-
volvimento de integrar a questão ambiental às questões sociais e econô-
micas (Lago, 2007, p.219).

O conceito de desenvolvimento sustentável passou a ser fre-


quentemente discutido, adaptado e ressignificado para ganhar
aplicações locais, nacionais e regionais. Segundo Milani (2008), o
Relatório Brundtland e a Agenda XXI produziram uma linguagem
política multilateral, construída sobre as bases do consenso e não da
conflitualidade inerente às relações entre ecologia política e desen-
volvimento econômico, entre proteção do meio ambiente e expansão
do comércio internacional.
De acordo com Celso Amorim, embora o TCA tenha sido ela-
borado anteriormente a algumas das formulações hoje correntes
no tratamento das questões ambientais, “o Tratado de Cooperação
Amazônica guarda simetria com conceitos e proposições que passa-
ram a frequentar as mesas de negociações a partir da Conferência de
Estocolmo” (2003, p.6). Prova disto é a expressão “desenvolvimen-
to harmônico” constante do Tratado de 1978, que mostra a visão
dos negociadores sobre a necessidade de um consenso internacio-
nal capaz de conciliar preservação ecológica e progresso econômico.

cidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades”.


A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 47

Consenso este cujo símbolo maior viria a se constituir em torno do


desenvolvimento sustentável.
Em concordância com a perspicácia e visão de futuro que consta
dos termos acordados pelo TCA, Torrecuso (2004, p.55) também
aponta que “o Tratado apresenta riqueza conceitual evidente. Com
efeito, adiantando-se mesmo a países desenvolvidos, foi cunhado e
positivado o princípio do desenvolvimento sustentável”:

A menção não é gratuita, pois além de haver sido, efetivamente, a pri-


meira vez que tal conceito fora aplicado na esfera multilateral, o mesmo
viria a propiciar coerência e solidez ao discurso diplomático brasileiro,
resultando em grandes vitórias em outras organizações internacionais
(Torrecuso, 2004, p.55).

Posteriormente à sua difusão internacional, este conceito pro-


duziu reflexos também na região amazônica, que buscou manter e
aprimorar a sintonia com a ideia da sustentabilidade:

O TCA foi um dos primeiros documentos jurídicos internacionais a ado-


tar como regra o desenvolvimento sustentável, tendo por fundamento as
características regionais dos países-membros (Kilca, 2006, p.172).

De tal forma, os países da região incorporaram a sustentabilida-


de como meta-síntese de seus esforços regionais. Torrecuso (2004)
analisa o fato da seguinte maneira:

Na segunda metade da década de 80 e a partir da seguinte, o TCA so-


freu influências da crescente relevância do tema ambiental e da maior
interdependência no mundo internacional, assistindo, em decorrência
das atividades desenvolvidas no âmbito de seus órgãos, a uma transfor-
mação de seu objeto de cooperação, que era exclusivamente assegurar a
soberania sobre o território amazônico e passou, também, a se identifi-
car com o desenvolvimento sustentável.

A partir de então, os países amazônicos identificaram a neces-


sidade de debater a sustentabilidade levando em conta as caracte-
48 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

rísticas específicas da região amazônica. Para esta tarefa, o debate


sobre desenvolvimento sustentável no âmbito regional passou a
ocorrer por meio do Processo de Tarapoto,5 que conta com a partici-
pação dos oito países membros da OTCA. Este mecanismo almeja
criar ferramentas comuns para o planejamento do desenvolvimento
sustentável em nível regional. No ano de 2001, foram estabelecidos
quinze Indicadores e oito Critérios de Sustentabilidade para a Flo-
resta Amazônica. Segundo o Plano Estratégico 2004-2012:

Esse importante avanço é a continuação de um processo pelo qual os


países-membros buscam adotar uma metodologia regional comum
para o desenvolvimento sustentável da Amazônia (Plano estratégico,
2004, sem paginação).

Na Declaração dos Chefes de Estado sobre a Organização do


Tratado de Cooperação Amazônica6 pode-se perceber a apropriação
do conceito de desenvolvimento sustentável pela instituição:

Reconhecendo ser o desenvolvimento sustentável da Amazônia uma


prioridade, por meio de uma administração integral, participativa,
compartilhada e equitativa, como forma de dar uma resposta autô-
noma e soberana aos desafios ambientais atuais (Declaração, 2009,
sem paginação).

Além de ter alcançado representatividade no âmbito regional,


o conceito de desenvolvimento sustentável também passou a ocu-
par lugar nas políticas internas dos países amazônicos, inclusive
em textos constitucionais.

5 Processo iniciado com a Primeira Reunião Regional sobre Critérios e Indicadores


de Sustentabilidade da Floresta Amazônica, em 1995, na cidade de Tarapoto,
Peru. A Segunda Reunião Regional ocorreu no mesmo local, em 2001. Em 2004, a
OTCA assinou um Programa de Cooperação Técnica com a FAO com o propósito
de validar estes critérios e indicadores de sustentabilidade.
6 Declaração publicada a 16 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.
otca.org.br> .
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 49

A primeira Constituição, com exceção da brasileira, a dedicar-se ao


tema ambiental, contendo já deliberações que viriam a ser adotadas
somente após a II Conferência das Nações Unidas para o Meio Am-
biente, em 1992, foi a colombiana. Além de estabelecer o dever do
Estado e de todo cidadão de zelar por um meio ambiente saudável,
a Carta prescreve o ‘direito ambiental da propriedade’ que pode res-
tringir a atividade econômica privada e disponibiliza ao cidadão ins-
trumentos processuais para fiscalizar e exercê-los. Por outro lado, é
reconhecida a participação indígena no gerenciamento de seu territó-
rio e de seus recursos ambientais (Torrecuso, 2004, p.72).

O fato de elementos ambientais estarem presentes em


Constituições dos países amazônicos representa um avanço
positivo, um reflexo do alcance e da eloquência dos debates in-
ternacionais sobre meio ambiente. A Constituição peruana, de
1993, ou seja, posterior à Conferência do Rio, inovou ao incluir
o direito a uma Amazônia sustentável.7 Já a Lei Fundamental
Equatoriana, de 1998, estabeleceu o princípio da precaução,
“base para o Estado tomar medidas contra atividades que con-
sidere ameaçadoras à integridade do meio ambiente, e a capa-
cidade processual para qualquer cidadão impetrar uma ação ao
órgão judiciário competente” (Torrecuso, 2004, p.73).
Por outro lado, a Constituição venezuelana, de 1999, não faz
menção a direitos ou obrigações ambientais do Estado ou dos ci-
dadãos. Fato que se contrapõe à “intensa atividade que caracteri-
za esse país em fóruns ambientais”. A Bolívia, com Constituição
datada de 1967, incluiu dispositivo referente à proteção indíge-
na, na reforma constitucional de 1994. Por sua vez, o Brasil se
destaca na contemplação de questões ecológicas em sua Consti-
tuição, de 1988, essencialmente na questão de proteção aos indí-
genas. Apesar da aplicação não ser tão exemplar quanto o texto
das leis, a política brasileira de demarcação de territórios indíge-

7 BRAÑES, Raul. O constitucionalismo ambiental latino-americano. Citado por


Torrecuso (2004). Disponível em: www.rolac.unep.mx/Johanesburgo/cdrom_alc/
legis_alc/derecho-amb/capitulo3.pdf>..
50 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

nas representa grande avanço no tema e está sendo estudado para


implementação em diversos países.
Em uma análise sistematizada, Torrecuso (2004) faz referên-
cia aos principais temas que recebem tratamento pelas constitui-
ções dos países amazônicos, e enumera: a capacidade processual
de todo cidadão de propor uma ação a um órgão judiciário com-
petente para impedir um dano ambiental;8 a proteção à biodiversi-
dade;9 a previsão de reservas ambientais;10 a previsão da avaliação
de impacto ambiental para atividades econômicas11 e à de pena-
lidades para prática de danos ambientais, em alguns casos com a
própria responsabilidade estatal.12
Porém, somente a Colômbia estabelece regulamentação quanto
à participação política de populações indígenas, havendo também
previsão de participação na gestão do meio ambiente indígena.13
Destaca-se a iniciativa colombiana em que “La ley incorpora (al sis-
tema jurídico ambiental colombiano) todos los princípios de la De-
claración de Rio” (Brañes apud Torrecuso, 2004, p.74).
Torrecuso (idem, p.74) demonstra a importância de colocar o
tema ambiental e ecológico nas constituições e na agenda política dos
Estados. Esta configuração oferece instrumentos para a atuação da
sociedade civil em situações ecológicas problemáticas, além de gerar
fundamentos para a elaboração de políticas ambientais nacionais:

A menção a tais princípios e direitos constitucionais pode parecer irre-


levante, em face da ineficácia que muitas vezes apresentam, mormen-
te em países latino-americanos, mas tais dispositivos constitucionais
‘complieron um doble papel: por un lado, servir de orientadores de po-
lítica legislativa para los gobiernos de los Estados y, por otro lado, servir

8 Artigo 95 da Constituição equatoriana, e 26 da venezuelana.


9 Artigo 86 da Constituição equatoriana, 127 da venezuelana, 225 da brasileira, e 68 da peruana.
10 Artigo 86 da Constituição equatoriana, 225 da brasileira, e 68 da peruana.
11 Artigo 86 da Constituição equatoriana, 12 da Constituição venezuelana, 225 da bra-
sileira, e 129 da colombiana.
12 Artigo 87 da Constituição equatoriana, 12 da venezuelana, 225 da brasileira, e 90 da
colombiana.
13 Artigo 125 da Constituição colombiana.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 51

como base legal para acción ciudadana em defensa del ambiente. Los
ambientalistas utilizaron los mandatos constitucionales y las garantias
que los protegen como único instrumento de defensa del ambiente’14
(Soria, 2001 apud Torrecuso, 2004, p.74-75).

Não é apenas na região amazônica que se pode verificar a


adoção do desenvolvimento sustentável como objetivo que
trouxe significativas mudanças para a dinâmica de interesses
dos atores nacionais e internacionais. O conceito de desenvolvi-
mento sustentável, elaborado no âmbito das Nações Unidas, al-
cançou projeção global, demonstrando a influência dos arranjos
institucionais nas políticas internacionais para o meio ambiente
e o desenvolvimento.
Vinte anos após Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Ja-
neiro em 1992, mostrou que a temática ambiental havia sido con-
solidada entre os principais assuntos da agenda internacional e da
opinião pública global. O número de participantes no evento pode
nos fornecer uma dimensão inicial do evento. Presenciaram a Rio-
92: delegações de 172 países, 108 Chefes de Estado ou de Gover-
no, foram credenciados no evento representantes de 1.400 ONGs e
cerca de 10.000 jornalistas, enquanto no evento paralelo, o Fórum
Global, reuniam-se membros de 7.000 ONGs (Lago, 2007, p.52).
Vale relembrar que, com o fim da Guerra Fria:

Vislumbrou-se a possibilidade de que fossem resgatados o humanismo


e a ótica universalista como veículos de generalização de valores, como
a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, o pluralismo, o
fortalecimento do multilateralismo e a solidariedade como cimento do
relacionamento entre os Estados (Lafer, 2002, p.280).

14 Torrecuso (2004) analisa os exemplos do Equador e Peru, acerca da exploração petro-


lífera, nos quais as legislações ambientais foram utilizadas por grupos da sociedade
civil para impedir a exploração e degradação de recursos naturais em áreas de prote-
ção ambiental dentro de suas regiões amazônicas.
52 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

No âmbito da região amazônica, o ano de 1989 marcaria o iní-


cio do período de revitalização do Tratado de Cooperação Ama-
zônica com a renovação do compromisso político entre os países
amazônicos (Quiroga, 2003).

A partir do processo de valorização do TCA, que marca os anos de


1989-1994, aparecem alguns elementos importantes. O primeiro é que
o Itamaraty vai identificar a necessidade de tornar o TCA mais eficiente
para captar recursos internacionais e para dinamizar o contato entre os
signatários (Antiquera, 2006, p.171).

A intensificação dos contatos diplomáticos entre estes países foi


marcada pela Primeira Reunião de Presidentes dos países signatá-
rios do TCA, em 1989, seguida de uma nova reunião entre os Chefes
de Estado, em fevereiro de 1992, ocasião em que foi elaborada uma
Declaração para a Conferência Rio-92, expressando o posiciona-
mento conjunto dos países amazônicos sobre os principais temas da
Conferência do Rio de Janeiro. “Este entendimento conjunto consta
no documento de posicionamentos que orientará as delegações de
nossos países nas negociações” (Declaração de Manaus, 1992).
Amorim (2003, p.6) aponta que:

Enquanto instrumento de concertação política, o Tratado demonstrou sua


vitalidade em 1992, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual puderam os países amazôni-
cos apresentar-se de forma coesa, na defesa de seus interesses.

A “Declaração de Manaus sobre a Conferência das Nações Uni-


das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”,15 documento de dez
páginas, expôs a posição conjunta dos países amazônicos sobre os
principais temas a serem abordados na Rio-92: Mudanças Climá-
ticas, Diversidade Biológica e Biotecnologia, Florestas, Degradação
de Solos, Recursos Hídricos, Lixos Tóxicos e Perigosos, Fortaleci-

15 Disponível em: <http://www.otca.info/portal/admin/_upload/presidentes/II_


REUNIoN_DE_LOS_PRESIDENTES_ESP.pdf>.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 53

mento Institucional, Assentamentos Humanos, Populações Indíge-


nas e Locais, Recursos Financeiros, e Transferência de Tecnologia.
Nesta Declaração já estavam evidentes alguns reflexos dos intensos
debates internacionais entre países desenvolvidos e em desenvolvi-
mento no tocante à problemática ambiental.
Através deste documento, os países amazônicos expuseram
fortes argumentos, pautados na necessidade de “transformar con-
dutas e modelos de desenvolvimento” visto que “os padrões de
produção, consumo e distribuição internacionais estão na raiz dos
problemas do meio ambiente”. Assim, defenderam o direito por
melhorias na qualidade de vida de suas populações e a adesão a pro-
cedimentos ambientais que fossem idôneos. Desde então, afirmava
a Declaração de Manaus que “É reconhecida a maior responsabili-
dade dos países desenvolvidos na deterioração progressiva do meio
ambiente, razão pela qual não podem pretender impor controles
ecológicos e condicionalidades aos países em desenvolvimento”
(Declaração de Manaus, 1992).
Entretanto, no contexto da Rio-92, a atenção recobrada para a
Amazônia se deveu a duas preocupações oriundas da arena inter-
nacional: os debates acerca da tutela internacional sobre a região e a
necessidade de recuperação da imagem internacional do Brasil. De-
vido ao grande número de queimadas e ao crescente desflorestamen-
to ocorrido na década de 1980, a degradação da Amazônia começava
a figurar entre as principais causas do efeito estufa, da redução da
biodiversidade e da destruição da camada de ozônio.
Frente ao desgaste da imagem internacional do Brasil, o Itama-
raty ponderou que atrair o debate sobre o meio ambiente para o país
poderia representar uma oportunidade de contrapor o momento de
crise. Foi então que surgiu a proposta brasileira para sediar a segun-
da grande Conferência Ambiental da ONU prevista para o ano de
1992, aceita pela Assembleia Geral no ano de 1989.

Ao oferecer-se como sede da conferência, o Brasil converteu uma vulne-


rabilidade (sua anterior situação de vilão da comunidade ambientalista
mundial devido à devastação da Amazônia) num poderoso trunfo de coo-
54 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

peração internacional. Tendo- se logrado êxito no terreno diplomático, fal-


ta agora estendê-lo à implementação interna da política de meio ambiente,
como condição para consolidar e desenvolver a promissora cooperação in-
ternacional que começou a produzir frutos (Ricupero, 1995, p.148).

Quando o presidente Sarney tomou a surpreendente decisão de oferecer


o Brasil como sede da Rio-92, sua motivação tinha tudo a ver com a
Amazônia. O fim dos anos 1980 coincidiu com o agravamento da des-
truição da floresta e da campanha internacional de denúncias. A reunião
se realizou sob o governo Collor, ocasião em que se conseguiu fazer da
Rio-92 a finest hour, o momento mais alto da diplomacia ambiental bra-
sileira (Ricupero, 2012, p.148-149).

Na perspectiva de membros do corpo diplomático do Ita-


maraty envolvidos com as negociações ambientais pode-se
perceber que a definição do Brasil como sede da Conferência
é apontada como uma vitória da diplomacia brasileira (Lago,
2007, p.151-152). Já na literatura acadêmica, encontra-se a
também interpretação de que a escolha do Brasil representa-
ria uma forma de pressão pela diminuição das queimadas, da
devastação na Amazônia e pelo julgamento dos mandantes da
morte do líder sindical e ambientalista Chico Mendes, que teve
uma repercussão negativa muito grande na comunidade am-
bientalista internacional (Ribeiro, 2005, p.107).
A partir da definição do Brasil como sede da Eco-92, o país
buscou incorporar o desenvolvimento sustentável ao discurso da
política interna e externa do país como estratégia para resgatar a
credibilidade internacional, atender as necessidades econômicas
internas de atração de capitais, demonstrar engajamento na con-
juntura ecológica global, e, ainda, pleitear uma posição de lideran-
ça nas negociações ambientais.

Durante a Conferência e o período imediato anterior, maio/junho de


1992, o governo brasileiro concluiu a mudança iniciada em fins de 1989
na direção de uma política exterior responsável no concernente a pro-
blemas ambientais globais: coliderou na redação da Convenção de Bio-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 55

diversidade; facilitou o acordo na Convenção de Mudança Climática e


teve posições consistentemente favoráveis a compromissos a favor do
desenvolvimento sustentável na Agenda 21. Contudo, a posição brasi-
leira foi irresponsável quando apoiou a Malásia na sua oposição a uma
convenção sobre florestas (Viola, 1998, p.11).

Mesmo com a adoção do discurso da sustentabilidade, o Brasil


não havia abandonado sua postura de defesa da soberania quando
se tratava de assuntos envolvendo a gestão de recursos ambientais
nacionais. Isto se comprovou com a oposição ao estabelecimento de
uma Convenção de Florestas, o que ampliaria as discussões inter-
nacionais sobre este tipo de ecossistema. Ao invés da Convenção,
o Brasil buscou limitar as deliberações da Rio-92 a uma Declaração
sobre Florestas com base no argumento de que:

A Convenção sobre Florestas daria ênfase ao papel destas como sumi-


douros de CO2, o que desviaria o foco dos verdadeiros responsáveis pe-
las emissões: os países industrializados (Lago, 2007, p.164).

Assim, os resultados da Conferência de 1992 foram expressos


na Declaração do Rio, na Agenda XXI e na Declaração sobre Flo-
restas. De acordo com Rubens Ricupero, diplomata com grande ex-
periência na área ambiental internacional, e um dos negociadores do
Tratado de Cooperação Amazônica:

Em suma, a Agenda 21 pode ser descrita como o braço operacional


da Conferência. Sua implementação pela comunidade internacional é
pre-condição para que se implante o desenvolvimento sustentável em
escala global. Uma nova instituição do sistema das Nações Unidas, a
Comissão do Desenvolvimento Sustentável, deverá acompanhar os
progressos na implementação da Agenda 21 (Ricupero, 1995, p.143).

Destaca-se também o Princípio 7 da Declaração do Rio, que estabe-


leceu o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
Preservou-se a associação entre meio ambiente e economia, e, assim, foi
acordado que “os países desenvolvidos deveriam tomar a iniciativa no
56 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

combate à mudança climática e a seus efeitos negativos” (Convenção,


1992). Esta configuração mostra que após longos anos de debates inten-
sos, o conflito entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos teve efeitos
concretos sobre o regime internacional de mudança climática.
Outro resultado da Rio-92 de grande destaque e importância foi
a assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mu-
danças Climáticas (CQNUMC). Esta Convenção deu início a um
regime internacional para lidar com as crescentes preocupações e
constatações científicas acerca das alterações no equilíbrio climático
terrestre. Veremos na seção seguinte como se caracterizam os regi-
mes internacionais, perspectiva que tem exercido bastante influên-
cia nos estudos sobre cooperação.
No decorrer das negociações do Regime de Mudanças Cli-
máticas, pode ser constatado um bom nível de convergência en-
tre as posições políticas dos países amazônicos. Houve algumas
divergências, essencialmente em virtude da inclusão, ou não,
de todos os tipos de sumidouros de carbono no documento da
CQNUMC, e, em função do estabelecimento de compromissos
relativos de redução de emissões para os países em desenvolvi-
mento. Neste último ponto, todavia, o princípio das responsa-
bilidades comuns, porém diferenciadas, possibilita a construção
progressiva do consenso.
Estas constatações podem ser averiguadas pela leitura da Decla-
ração dos Chefes de Estado sobre a OTCA, ocasião em que estes se
reuniram na cidade de Manaus, em 26 de novembro de 2009, “por
ocasião da reunião prévia à Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas”.16 Salvo nas questões mencionadas acima, o
posicionamento dos países amazônicos no decorrer da CQNUMC
pode ser considerado convergente nos seguinte pontos:

Necessidade de disponibilização de novos fundos para implementação de


projetos e estudos (inventários nacionais, por exemplo) de proteção am-

16 Declaração disponível em: <http://www.otca.info/portal/admin/_upload/presidentes/


III_REUNIAO_DE_PRESIDENTES_PT.pdf>.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 57

biental; oposição à vinculação de novos fundos a relatórios nacionais; prin-


cípio de que as contribuições dos países em desenvolvimento devem ob-
servar a capacidade que cada um tem de pagar e que nenhum deles poderá
contribuir financeiramente mais do que um país desenvolvido; o fato de que
as emissões dos países desenvolvidos são maiores do que os em desenvol-
vimento; necessidade de transferência de tecnologia, observando-se que a
mesma deve prover também capacitação local; necessidade de consistência
das ações e políticas adotadas com os objetivos pretendidos nos documentos
acordados; e responsabilidade histórica como um princípio para a diferen-
ciação das responsabilidades de cada país (Torrecuso, 2004, p.79).

A atenção dada à região amazônica é de extrema importância


dentro das negociações do regime internacional sobre mudanças
climáticas porque, além de ser responsável por parte significativa
das emissões globais e da captura de carbono, a Amazônia é di-
retamente vulnerável ao processo de mudança climática. Como
demonstra Becker (2011), “acresce que a crise ambiental agra-
vada pela mudança climática coloca a Amazônia com duplo foco
de preocupações” quais sejam, “ora como grande emissora de
gases de efeito estufa (GEEs) decorrentes das queimadas que se
seguem ao desflorestamento, ora, pelo contrário, como grande
sorvedouro desses gases”.

Ao mesmo tempo, a região transforma-se em cenário privilegiado para


a movimentação de atores e para processos que apontam para o plano
internacional como origem ou destino. Assim, e sob formas diversas, a
Amazônia constitui-se em espaço no qual ora interagem ora confrontam-
-se, de um lado, os Estados Nacionais, ciosos de sua soberania, e uma
extensa gama de atores domésticos e internacionais para os quais a região
é, antes de tudo, ou tão somente, um espaço de oportunidades para a rea-
lização de interesses em variados campos (Costa Vaz, 2008, p.7).

Tendo isto em mente, um novo mecanismo visando ações mais


efetivas para alcançar as metas de redução das emissões vem sendo
negociado no âmbito da Convenção sobre Mudança do Clima. O cha-
mado REDD+ é direcionado ao potencial das florestas em mitigar o
58 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

processo de mudança climática, este mecanismo prevê a concessão de


recursos financeiros aos países que apresentarem Redução de Emis-
sões por Desmatamento e Degradação de acordo com diretrizes acor-
dadas pela Convenção. No plano dos debates prevalece a ideia de que:

Evitar desmatamento pode contribuir para mitigar o efeito estufa e o va-


lor financeiro disto oferece uma alternativa sustentável ao atual padrão
destrutivo de uso da terra na região. Residentes tradicionais no interior
amazônico, incluindo povos indígenas, têm um papel em potencial im-
portante em evitar o desmatamento e devem compartilhar dos benefí-
cios de fazer isto (Fearnshide, 2007, p.2).

Resta investigar empiricamente como este mecanismo, em vias


de ser implantado pela CQNUMC, pode ser um instrumento com
efeitos positivos ou negativos sobre a região amazônica. A participa-
ção ativa do Brasil e de todos os países amazônicos nas negociações
do mesmo é fundamental.

No caso das florestas, a comunidade internacional está debatendo como


vincular floresta e clima no âmbito da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (CNUMC). Mecanismos denomi-
nados de “redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes
de desmatamento e degradação florestal” (REDD) pretendem benefi-
ciar países detentores de florestas. A Amazônia, nesse sentido, apare-
ce como uma das regiões mais prioritárias. Portanto, as preocupações
e demandas dos países amazônicos, no que concerne a favorecer seus
modelos nacionais de desenvolvimento em respeito à manutenção das
florestas, precisam ser ouvidas e consideradas. O atendimento a essas
demandas pode vir em parte pelo veículo da cooperação. Essa é uma
janela de oportunidade (Pires, 2011, p.11).

Certamente, seu potencial de geração de benefícios para os países e


as populações amazônicas é grande. Todavia, é preciso estar alerta quan-
to a perspectivas demasiadamente otimistas com relação ao mecanismo
REDD. Não se pode negligenciar quais serão as condições para a ob-
tenção de recursos; quais organismos serão responsáveis pela avaliação,
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 59

implementação e fiscalização dos projetos aprovados; e quais interesses


estarão sendo favorecidos, se serão as demandas das populações e países
amazônicos ou as expectativas do “mercado verde internacional”.

Uma das primeiras tarefas para aproveitar o cenário que se avizinha é a


criação ou aprimoramento de sistemas nacionais de monitoramento flo-
restal, compatíveis entre si e que permitam comparações, linhas de base
claramente definidas. O projeto intitulado “Monitoramento da Pan
-Amazônia”, ora em curso pela OTCA com financiamento da ITTO,
cumpre uma função importante ao capacitar técnicos em cada país e
instalar salas de equipamentos. O governo brasileiro em parceria com a
OTCA vem trabalhando para que o projeto seja ampliado e favorecido
com os recursos do Fundo Amazônia, aproveitando-se da experiência
brasileira no assunto (Pires, 2011, p.11).

Uma discussão mais detalhada de tal instrumento é um excelente


objeto de estudo para os pesquisadores do meio ambiente, porém abor-
dá-lo mais profundamente ultrapassaria as delimitações deste livro.
Passemos agora à análise sumária do posicionamento dos países
signatários do TCA em fóruns internacionais de política florestal,17
nos quais houve intervenções coletivas entre esses países. Soma-
-se positivamente que houve pouca oposição de conteúdo entre as
posturas adotadas pelos países amazônicos, havendo, ao contrário,
bastante convergência, tanto em posições tradicionais de países em
desenvolvimento, como também em outros temas:

Importância de adequação de critérios e indicadores às realidades


nacionais; oposição à proliferação de critérios e indicadores sem
estudos prévios; ampliação das causas de desertificação, de modo a
incluir também as econômicas; caráter prematuro de instrumento
internacional estabelecendo condutas acerca de florestas; fundo in-
ternacional de florestas; aceitação de debt-swaps mas não policy-s-
waps; oposição à certificação voluntária; transferência de tecnologia e

17 Principalmente o Fórum sobre Florestas das Nações Unidas (UNFF), a Organiza-


ção Internacional de Madeiras Tropicais (OIMT), e o Sustainable Forest Manage-
ment (SFM)
60 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

divisão equitativa de benefícios; fato de que a formulação de critérios


e indicadores deve levar em conta circunstâncias nacionais; amplia-
ção das causas de desflorestamento; caráter prematuro de um ins-
trumento legal estabelecendo condutas; e a proteção a conhecimento
tradicionais18 (Torrecuso, 2004, p.80).

Deve-se destacar que o Processo de Tarapoto, por meio do qual


os países amazônicos lograram estabelecer critérios e indicadores co-
muns de sustentabilidade para a Floresta Amazônica é um elemento
muito positivo para os posicionamentos internacionais dos países
da região. Este mecanismo de construção de metodologias regionais
comuns gera coesão e articulação entre os países amazônicos para
a defesa de sua competência soberana na elaboração e execução de
projetos de desenvolvimento para a região por meio de seus próprios
critérios de sustentabilidade ambiental.
Porém, como observamos na análise dos fundamentos e
evidências empíricas da cooperação internacional, um grande
abismo se faz entre as decisões acordadas internacionalmente e a
realidade prática das ações voltadas à conservação e uso susten-
tável do meio ambiente. Exemplo claro disto é que a aplicação
das muitas resoluções obtidas na Conferência do Rio não tem
conseguido, desde então, ultrapassar a barreira dos interesses
econômicos nacionais e internacionais:

Vinte anos após Estocolmo, o mundo parecia pronto a colocar o meio


ambiente entre os temas prioritários da agenda mundial. A perspectiva
de que o desenvolvimento sustentável seria a base de um novo paradig-
ma da cooperação internacional, no entanto, revelou-se ilusória, uma vez
que o processo de globalização se sobrepôs. [...] vários aspectos apontam
para as dificuldades que a globalização representa para a tentativa de se
impor o desenvolvimento sustentável como novo paradigma, como a
incompatibilidade entre o crescimento das empresas transnacionais e a
mudança dos padrões de produção e consumo (Lago, 2007, p.85-86).

18 Earth Negotiation Bulletim: International Forest Policy, v. 13, n.1 a 92. Disponível
em: <http://www.iisd.ca/vol13>..
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 61

A mesma problemática está colocada no momento atual fren-


te às negociações da Conferência Rio+20, a ser realizada no mês de
Junho no Brasil. Em artigo recente, o embaixador Rubens Ricupero
afirmou efusivamente o seguinte:

Se o governo brasileiro sob Sarney ou Collor [por ocasião da Rio-


92] não fugiu do problema amazônico, impõe-se agora seguir linha
semelhante, enfrentando de forma proativa a ameaça que a mu-
dança climática faz pesar sobre a região. [...] Nada melhor para
aproveitar a oportunidade da Rio+20 do que demonstrar que o
Tratado de Cooperação Amazônica está mais vivo do que nunca
na sintonia com a preocupações de toda a comunidade internacio-
nal. Uma decisão dos países amazônicos de estabelecer mecanis-
mos para fomentar e sistematizar as pesquisas, o conhecimento e
as propostas sobre a Amazônia será a prova mais irrefutável da de-
terminação das nações amazônicas de proteger a Amazônia contra
a destruição (Ricupero, 2012).

Porém, a situação atual se configura de forma bastante diferen-


te do que ocorreu em 1992. Naquela ocasião, os países amazônicos
se prepararam para a Conferência Ambiental da ONU, realizando
uma reunião de Ministros das Relações Exteriores e uma Reunião
de Presidentes, que resultaram na elaboração, como vimos, de uma
contundente declaração de posicionamento conjunto quanto aos in-
teresses comuns aos países amazônicos. Declaração esta, reiteramos,
de dez páginas, a qual expressava posicionamentos politizados, cri-
teriosamente, assunto por assunto.

Embora não seja um mecanismo expresso no TCA, os presidentes dos


países signatários já se reuniram duas vezes (em 1989 e 1992). As reu-
niões mostraram uma forte conotação política, transcendendo inclusive
a abrangência temática do Tratado (Antiquera, 2006, p.68).

No ano que marca a renovação do compromisso político das


Partes do TCA, a reunião de presidentes de 1989:
62 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Abordou criticamente o tema da utilização de energia nuclear, e adotou


uma postura de enfrentamento em relação aos países desenvolvidos: es-
peramos ver a criação de condições que permitam o livre acesso ao co-
nhecimento científico e às tecnologias não contaminantes ou destinadas
à preservação ambiental (Antiquera, 2006, p.68).

Por sua vez, a segunda Reunião de Presidentes ocorrida em 1992:

Serviu para que os países se articulassem e defendessem posições em


comum na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento. Também nessa declaração, os países desenvolvidos foram res-
ponsabilizados pela degradação ambiental do planeta, com seu padrão
de consumo insustentável e sua forma de crescimento, de modo que não
poderiam querer impor qualquer limite aos países em desenvolvimento
(Antiquera, 2006, p.68).

Já no contexto atual, a Declaração dos Ministros das Relações


Exteriores dos Países Membros da OTCA para a Conferência
Rio+2019 não passa de um documento formal, reduzido a três pági-
nas de exortações que expressam simplesmente:

“Preocupados porque, decorridos 20 anos da Cúpula do Rio de 1992,


continuam vigentes padrões insustentáveis de produção e consumo”;
alertam para “a relevância que deve ser dada à região amazônica”;
“Comprometem-se a promover um desenvolvimento e modos de vida
sustentáveis em harmonia com a natureza e o meio ambiente, que res-
peitem o direito de nossos países de utilizar seus próprios recursos”;
“Exortam os países desenvolvidos a assumir um forte compromisso
para avançar em direção ao cumprimento das metas e objetivos acorda-
dos internacionalmente” (Declaração, 2011).

Este posicionamento não aparenta ser contundente e forte o


suficiente, visto que região amazônica é um dos principais focos
de políticas multilaterais para o meio ambiente global, envolvendo

19 Disponível em: <http://www.otca.info/portal/admin/_upload/documentos/


declaracao.pdf>..
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 63

interesses de vários países, instituições financeiras e segmentos da


sociedade civil a nível mundial.

No momento em que o valor estratégico da Amazônia se amplia


e que novos paradigmas de desenvolvimento são propostos envol-
vendo os recursos naturais, como é o caso da economia verde que
será a tônica da Rio +20, a OTCA deve ter seu papel fortalecido
(Becker, 2011, p.4).

Porém, mesmo com o processo de “revitalização da OTCA”


que se iniciou em 2009 (Simões, 2011), o posicionamento político
conjunto precisa ser fortalecido. Em entrevista ao atual Secretário-
-Geral da OTCA, Alejandro Gordillo, realizada em abril de 2012,
o mesmo foi questionado sobre por que houve uma diferença tão
significativa no posicionamento conjunto dos países amazônicos
para as Conferências de 1992 e 2012. O Secretário-Geral argumen-
tou que em 1992 havia maior consenso entre os países amazônicos
do que se verifica no presente momento.
Além disso, Gordillo assinala que naquele ano não existia a
ALBA, Aliança Bolivariana para as Américas. Sem se aprofundar
no assunto, a afirmação do SG-OTCA denota que os objetivos e
ideologias da ALBA podem estar dificultando o consenso em tor-
no de temas amazônicos. Em 1992, os países estavam em um con-
texto de renovação do compromisso político, declarada em 1989.
Já no contexto atual, a cooperação amazônica acaba de sair de uma
fase de crise institucional, gerada pelo longo período de interinida-
de no cargo de Secretário Geral da OTCA, de 2007 a 2009.
Porém, o objetivo de “revitalização da OTCA”, declarado na
Reunião de Presidentes Amazônicos em 2009, afirma a retomada do
consenso entre as partes, o que deveria ser suficiente para um posi-
cionamento mais robusto na mais importante conferência ambiental
do planeta, a ser realizada no maior dos países amazônicos. A este
respeito, Pires (2011, p.11) assinala que com a renovação do manda-
to da OTCA pelos chefes de Estados em 2009:
64 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

O caminho é recrudescer a cooperação amazônica, enfrentando os as-


pectos não resolvidos na estratégia, fortalecendo os pontos fortes de
cada parte e, fundamentalmente, favorecendo o intercâmbio entre os
vizinhos detentores da maior floresta tropical do planeta [...] A nova
Agenda Estratégica, recentemente aprovada, esboça atividades neces-
sárias para traduzir o compromisso em realidade.

Espera-se, entretanto, que os posicionamentos dos países amazônicos


durante a Conferência Rio+20 sejam mais coerentes com a realidade da
política internacional na área ambiental, a qual, não se pode negligenciar,
permanece orquestrada pela relação de forças e o conflito de interesses.
Não obstante, verifica-se que o sistema internacional precisa ad-
quirir novas dinâmicas para conseguir responder aos desafios trans-
nacionais e atender às demandas socioambientais contemporâneas.
Para tanto, faz-se necessária a renovação das bases elementares da
política mundial, mesmo frente às perspectivas mais pessimistas:

Estamos assistindo, entretanto, à predominância do realismo político


nas esferas de decisão da ordem ambiental, inclusive nas anteriores a
ela. Sendo assim, torna-se difícil acreditar que ela será capaz de pro-
mover mudanças radicais no modo de vida das camadas dominantes, as
responsáveis pela degradação ambiental (Ribeiro, 2005, p.146).

Assim, constata-se novamente que optar pela cooperação é assumir


o difícil objetivo de conciliar interesses de diferentes atores, aprofun-
dando a relação entre interesses complementares, mas, reconhecendo a
influência das relações de força entre interesses conflitantes.

Para o equacionamento dos problemas ambientais, certamente haverá


necessidade de alguma mudança de posicionamento no sistema, seja de
parte dos mais fortes, mas também dos mais fracos. Seria uma oportu-
nidade para repensar essas mesmas relações. [...] Pode-se dizer que na
questão ambiental será preciso inovar. A política sugere a necessidade
de encontrar um campo comum, negociar, evitar a luta de todos contra
todos, buscando chegar a conclusões reciprocamente aceitáveis (Vige-
vani; Scantimburgo, 2011, p.68-69).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 65

Desta forma, encontrou-se um relativo consenso na literatura em


torno da definição da cooperação como sendo uma dinâmica de ajuste
no comportamento dos atores às preferências atuais ou antecipadas
de outros atores, por meio de um processo de coordenação política
(Keohane, 1984). Porém, ao verificar o conteúdo e o andamento das
negociações ambientais internacionais, observou-se que este processo
de ajuste de comportamento dos atores não ocorre devido à coorde-
nação política, mas sim por causa de intensos conflitos de interesses.
Ao analisar as duas principais conferências ambientais da Or-
ganização das Nações Unidas, comprovou-se a influência da corre-
lação de forças do sistema internacional sobre os fóruns ambientais
internacionais (Le Prestre, 2000). Por mais que a problemática am-
biental apresente a necessidade de cooperação e de conjugação de
esforços dos atores, as resoluções acerca das medidas que devem ser
adotadas neste campo são alcançadas mediante o conflito de interes-
ses, e não sob a perspectiva das necessidades e interesses comuns.
Em outras palavras, apesar de a cooperação ser entendida como
o esforço conjunto de atores internacionais em busca de interesses
ou necessidades comuns, os meios pelos quais tais interesses são
buscados não implicam necessariamente uma relação cooperativa,
de ajuda mútua ou solidariedade. É a partir destas condições que
se pode constatar a especificidade do processo de cooperação entre
os países amazônicos. No âmbito da cooperação amazônica, não se
verifica a mesma intensidade de conflitos de interesses na busca pe-
los objetivos comuns. Porém, este fato vem acompanhado do baixo
grau de articulação entre os países da região, característica que vem
se transformando gradualmente.
Diferentemente do intenso conflito de interesses que marca as
negociações ambientais internacionais, o relacionamento entre os
países da região amazônica parece ser marcado pela incapacidade de
dinamizar a cooperação regional. Assim, os países amazônicos apa-
rentemente não disputam pela liderança ou condução de políticas no
nível regional, nem, tão pouco, atuam de forma efetiva e coordenada
para concretizar os objetivos já estabelecidos no TCA e na OTCA,
como expressão de interesses regionais comuns.
2
A dinâmica política da
cooperação amazônica

Desde a época de assinatura do Tratado até os dias atuais,


acadêmicos, ambientalistas, habitantes da região e diversos atores
preocupados com a região esperam encontrar a Amazônia entre os
temas destinados a uma trajetória ascendente na política externa
do Brasil e demais países. Da mesma maneira, os analistas con-
temporâneos das relações internacionais, engajados na temática
socioambiental global, almejam realizar na Amazônia uma expe-
riência modelar de cooperação a serviço dos povos do continente
(Ricupero, 1995).
Assinado a 3 de julho de 1978, em Brasília, pelas Repúblicas da
Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Ve-
nezuela, o TCA abrange uma região caracterizada pela exuberância
natural, diversidade étnica e complexas relações sociais, além de no-
tadas dificuldades políticas e econômicas. Diante do cenário inter-
nacional em processo de globalização e marcado pelo crescimento
da temática ambiental nas relações internacionais a partir de 1970,
os países amazônicos se reuniram em torno de princípios cooperati-
vos expressos no Tratado de Cooperação Amazônica. Para ilustrar a
68 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

área compreendida pelo Tratado, de acordo com dados fornecidos à


OTCA pelos países amazônicos, tem-se o seguinte:

Quadro 1 – Amazônia Continental: países da bacia hidrográfica


País Bacia (Km²) % Nacional % Bacia
Bolívia 824.000 75,00 11,2
Brasil 4.982.000 58,50 67,79
Colômbia 406.000 36,00 5,52
Equador 123.000 45,00 1,67
Guiana 5.780 2,73 0,08
Peru 956.751 74,44 13,02
Venezuela 53.000 5,78 0,72
Suriname 142.800 100,00 -
Guiana Francesa* 91.000 - -
Total Amazônico 7.493.421
*Território extracontinental da França: não faz parte do TCA.
Fonte: “Amazônia sem mitos” (Tratado de Cooperação Amazônica – TCA)

O esforço diplomático em cooperar manifestado no TCA inau-


gurou o “sistema transnacional amazônico”, assim definido pelo
General brasileiro Carlos de Meira Mattos (1980).

As relações entre os governos da área eram até então cordiais mas pouco
substanciosas. Faltava-lhes conteúdo concreto, substância econômica e
comercial. Nos anos recentes, os contatos diplomáticos se multiplicam,
sobem de nível, frutificam em acordos objetivos, produzem não a retó-
rica da integração, mas projetos tangíveis (Ricupero, 1995, p.359-360).

O Tratado é composto de um preâmbulo, 28 artigos, e uma


Emenda. No preâmbulo encontram-se princípios fundamen-
tais do acordo, como a cooperação, o compartilhamento de
experiências e o desenvolvimento socioeconômico harmônico
com a preservação do meio ambiente.
Neste capítulo, serão analisados os aspectos políticos que en-
volvem os países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 69

Primeiramente, serão discutidas as motivações iniciais que levaram


os países a buscarem a negociação e a aproximação regional. Em se-
guida, haverá uma análise do processo de negociação, desde a pro-
posta inicial brasileira até a finalização do acordo. Estes são pontos
muitos importantes deste livro, já que discorrem sobre a construção
de objetivos comuns, que são os parâmetros essenciais para se ava-
liar a efetividade da cooperação entre os países amazônicos.
A reflexão sobre o assunto levanta questionamentos pertinentes
como: por que, apesar da importância global da Amazônia, não se ve-
rifica um profundo engajamento dos Estados na realização de proje-
tos cooperativos notáveis? Os países e governos têm interesse, de fato,
que a coordenação regional funcione efetivamente? Estas são questões
bastante problemáticas e as respostas devem levar em conta as dificul-
dades de construir políticas de âmbito regional, principalmente em
áreas estrategicamente sensíveis, como no caso da Amazônia. Assim,
apesar da evidência de objetivos regionais comuns, deve-se realizar
um esforço para compreender e buscar superar os entraves à coope-
ração regional, que têm suas raízes mais profundas na divergência de
interesses e de visões sobre o que é a Amazônia, qual futuro se deve
buscar construir para a região, e, fundamentalmente, como realizar os
esforços necessários de maneira conjunta.
Será discutida também a questão da Guiana Francesa, os motivos
pelos quais este território não faz parte do TCA, e as atuais reivindi-
cações da França para integrar-se ao acordo regional. Dando sequên-
cia, serão vistos os aspectos formais do Tratado, essencialmente, o
conteúdo de seus artigos, quais foram os principais objetivos estabe-
lecidos e os acordos firmados após a sua assinatura. Como resultado
da articulação regional propiciada pela assinatura do TCA, será anali-
sado, ainda, o Processo de Tarapoto que logrou construir parâmetros
regionais comuns sobre o desenvolvimento sustentável florestal. Ain-
da sob o escopo da articulação regional, apresento uma breve análise
da Associação de Universidades Amazônicas, a UNAMAZ.
Por fim, a última seção deste capítulo observa panoramica-
mente a trajetória da cooperação amazônica desde a assinatura
do Tratado até os dias atuais. Nesta seção, será dada ênfase ao pe-
70 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

ríodo de 1978 a 2002, data da criação da Organização do Tratado


de Cooperação Amazônica. O período posterior à criação desta
Organização será o foco de investigações do próximo capítulo,
que avaliará a atuação institucional da OTCA.
Passemos, então, ao estudo das motivações iniciais que levaram
os países amazônicos a buscar a articulação regional em torno de
objetivos compartilhados.

As motivações iniciais

A região amazônica, em meados do século XX, sustentava-se


com base na exploração de produtos florestais para o mercado in-
ternacional e, internamente, na economia de subsistência. A ocupa-
ção humana, concentrada no curso dos rios, margeada pelo Ocea-
no Atlântico a Leste e pela Cordilheira dos Andes a Oeste, formou
uma civilização de periferia, descontínua e esparsa. “Na ausência de
ocupação contínua, os contatos internacionais na Bacia se limitavam
a três ou quatro portos fluviais de fronteira” (Ricupero, 1984). A
exemplo de Iquitos, Letícia, Benjamin Constant e Tabatinga, com
navegação e comércio esporádicos.

O “tempo” amazônico era sem pressa. Regia-se não pelo homem, mas
pela lentidão dos ciclos biológicos [...] Havia consenso dentro e fora dos
países amazônicos de que a Amazônia, como espaço planetário, não se
inscrevia no horizonte e na agenda do homem contemporâneo. Aguar-
dava-se o próximo milênio (Ricupero, 1984, p.178).

Com o passar dos anos e com o avanço econômico dos países da


região, destacadamente o Brasil, alguns elementos possibilitaram e
tornaram desejável uma ocupação mais intensiva da região amazô-
nica. No Brasil, o impulso desse processo veio com a construção e
transferência da capital nacional para o centro geográfico do país,
Brasília. “Sua primeira consequência prática foi a colonização es-
pontânea da Belém-Brasília por centenas de milhares de brasileiros”.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 71

Começava, então, a se acentuar a ocupação da Amazônia também às


margens de eixos rodoviários, sem, é claro, o devido planejamento
ecológico e econômico.

O marco seguinte no processo de transformação ocorreu em 1966, com a


adoção da política de incentivos fiscais e a organização da SUDAM (Su-
perintendência de Desenvolvimento da Amazônia), seguidas, mais tarde,
pela revitalização de Manaus com a Zona Franca (Ricupero, 1984, p.178).

Essas transformações na ocupação da região amazônica brasilei-


ra serviram de impulso e de modelo para os demais países da região.
Evidentemente, buscando cada um atender a suas necessidades e
demandas internas, focos de dinamismo começavam a intensificar
a exploração da região:

Apoiando-se na exploração do petróleo e na colonização no Peru, Equador,


e Colômbia, no fomento à pecuária na Bolívia, na implantação da siderur-
gia, da indústria pesada e da segunda maior usina hidrelétrica do mundo na
Venezuela (usina de Guri), nos grandes projetos hidrelétricos e de alumínio
planejados para o Suriname e a Guiana (Ricupero, 1984, p.179).

Como bem demonstra o Rubens Ricupero, o “rápido desenvol-


vimento da vida material contagia a diplomacia amazônica” e, as-
sim, “essas transformações vieram a criar, internamente, a condição
básica para que se pudesse pensar em propor uma cooperação mais
ampla para os países da área” (1984, p.179).

Pela primeira vez, o Brasil teve uma política definida para a Amazônia,
e, em consequência, teve a seu alcance, para partilhar com os vizinhos,
não apenas o marasmo e a frustração de 30 anos atrás, mas um acervo
concreto de experiências e de realizações, um receituário de fórmulas e
técnicas de desenvolvimento regional merecedoras de estudo, e, quem
sabe, de possível aplicação em condições similares (Idem).

Os fatores econômicos ilustram o direcionamento das políticas


nacionais dos países para a região amazônica. No entanto, há uma
72 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

relativa discordância quanto às pretensões econômicas da propos-


ta brasileira de estabelecer a cooperação entre os países da região
amazônica. Para Torrecuso (2004):

Em relação à suposta determinante econômica, acredita-se que o desen-


volvimento das relações bilaterais entre o Brasil e os países amazônicos
poderia produzir os resultados econômicos esperados, além do que,
obviamente, o texto do Tratado não permite concluir que seu objetivo
fosse o intercâmbio comercial ou forjar instrumentos para o desenvolvi-
mento econômico da região (Torrecuso, 2004, p.56).

Através destas afirmações, Torrecuso argumenta que, por tais


motivos, não é procedente a afirmação de Román (1998, p.165) de
que os líderes brasileiros “teriam de continuar sua busca por novos
mercados [...] e nesse contexto a região amazônica e os países do nor-
te surgiram como um alternativa”. Já para Miyamoto:

O Tratado tinha como um de seus fins neutralizar o Tratado de Car-


tagena (Pacto Andino, de 1969), que restringia o acesso dos produtos
manufaturados brasileiros aos países signatários. Agora, com o novo
Tratado abarcando os mesmos países, a possibilidade brasileira de ocu-
par espaços se ampliava (2006, p.153).

No mesmo sentido, Montenegro (1993, p.7) aponta que:

Quanto ao elemento econômico, cabe esclarecer que a ligação entre


o acesso aos mercados andinos e o TCA se vinculava à atração dos
fluxos comerciais desses países em direção ao Atlântico. Com efeito,
esse objetivo, de índole econômica, incorporava uma preocupação
também estratégica, na medida em que o Brasil pretendia, com o
acesso às economias andinas, evitar a formação sempre indesejada
de um bloco hispano-americano contrário aos seus interesses.

Esta afirmação encontra algum fundamento no Artigo XII, que


estabelece o seguinte:
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 73

As Partes Contratantes reconhecem a utilidade de desenvolver, em condi-


ções equitativas e de mútuo proveito, o comércio a varejo de produtos de
consumo local entre suas respectivas populações limítrofes, mediante acor-
dos bilaterais ou multilaterais adequados (TCA, 1978, sem paginação).
Complementarmente, Torrecuso (2004, p.56) adiciona que:

Embora o Brasil desejasse uma maior integração física, tal aspiração não
suporta necessariamente interesses econômicos imediatos e, se esse fos-
se de fato um interesse relevante para o Brasil, o país não teria razão para
concluir tão rapidamente as negociações.

Nossa perspectiva é a de que, sem dúvida, o aspecto econômico foi


levado em consideração pela diplomacia e pelo governo brasileiro quan-
do da proposta do TCA. Porém, como os objetivos geopolíticos do pro-
jeto eram consideravelmente mais importantes no contexto da época, os
desdobramentos econômicos da aproximação com os países amazônicos
ficaram em segundo plano, como uma consequência positiva e desejada,
entretanto, abaixo das prioridades estabelecidas para o TCA.
Assim, o Tratado de Cooperação Amazônica partiu de uma inicia-
tiva brasileira, inspirada na necessidade de institucionalizar e orientar
um processo de cooperação regional, com o objetivo prioritário de as-
segurar a soberania dos países da região sobre seus territórios amazô-
nicos. Nas palavras de Geisel, transcritas por Ricupero (1984, p.35):
“os países que dividem o território entre si – e ninguém mais – têm a
exclusiva responsabilidade sobre seu desenvolvimento”.
É muito importante destacar, então, que:

Motivado pelo interesse de reafirmar a soberania dos países da região em


relação ao recrudescimento das pressões “externas”, [...] o TCA tinha, ini-
cialmente, motivações econômicas e de segurança (Montenegro, 1993, p.6).

Nos anos precedentes à assinatura do TCA, o continente ame-


ricano viu surgir grande parte dos acordos destinados à integração
econômica que se desenrolam até hoje. Por exemplo, em 1960, surge
a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC); em
74 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

1965, a Associação Caribenha de Livre Comércio (CARIFTA); em


1966, o Grupo Andino e, em 1968, a Comunidade Andina de Fomen-
to (CAF); no ano de 1969, firma-se o Tratado da Bacia do Prata; em
1973, o CARIFTA se transforma em CARICOM, e em 1975, tem
início o Sistema Econômico Latino Americano e do Caribe (SELA).
A autora Hayle Melim Gadelha (2009, p.21) aponta que:

O surgimento do TCA, em 1978, corresponde a momento histórico em


que convergiram dois importantes processos. Por um lado, a integração
na América Latina ganhava ênfase, em período no qual países e regiões
não diretamente alinhados aos grandes polos de poder da Guerra Fria
reivindicavam espaço no cenário internacional. Por outro lado, a agenda
ambiental crescia em importância, impulsionada pela opinião pública e
por considerações geopolíticas.

Por estes motivos, é indispensável considerar o contexto inter-


nacional no qual foram dados os primeiros passos da cooperação
amazônica. A década de 1970 foi notoriamente marcada pela ascen-
são rápida e intensa da temática ambiental no cenário internacional.
Fato que se deu por vários motivos, entre os quais se costuma des-
tacar as teses drasticamente alarmantes de organizações ecológicas
dos países desenvolvidos, especialmente o Clube de Roma, e os
acirrados debates internacionais da Conferência de Estocolmo sobre
a necessidade dos países adotarem medidas ecológicas em suas eco-
nomias. Segundo Gadelha (2009, p.76):

As insinuações de que os recursos naturais dos países em desenvolvi-


mento deveriam ser usados conforme modelos ditados por instituições
sediadas em países centrais, como o Clube de Roma, indicavam a ne-
cessidade de os países amazônicos reunirem-se em torno de objetivos
comuns. A diplomacia do pragmatismo responsável não se furtou à res-
ponsabilidade de liderar esforços para que os países amazônicos adotas-
sem princípios comuns e autóctones de desenvolvimento.

É notório que a Amazônia tem sua importância reforçada perante a


comunidade internacional e a opinião pública, brasileira e mundial. A
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 75

internacionalização desse debate não é nova, como não é nova a po-


sição do Governo brasileiro. Cabe soberanamente aos países amazô-
nicos desenvolver seus territórios da maneira que lhes aprouver. Esse
paradigma é a base da própria assinatura do TCA em 1978, quando
os governos sul-americanos já refutavam o discurso intervencionista
emanado do Clube de Roma e da Conferência de Estocolmo (Gadelha,
ibidem, p.6-7).

É possível distinguir cinco princípios fundamentais que eram


buscados pelos países amazônicos e tiveram influência nas motiva-
ções à cooperação: 1) a competência exclusiva dos países da região no
desenvolvimento e proteção da Amazônia; 2) a soberania nacional na
utilização e preservação dos recursos naturais e a consequente prio-
ridade absoluta do esforço interno na política de desenvolvimento
das áreas amazônicas de cada Estado; 3) a cooperação regional como
maneira de facilitar a realização dos objetivos; 4) o equilíbrio e har-
monia entre o desenvolvimento e a proteção ecológica; 5) a absoluta
igualdade entre todos os parceiros (Mattos, 1980).
Para explorar melhor estas motivações ao processo de coope-
ração amazônica, elas foram divididas em três âmbitos: as Razões
Estratégicas dos Estados Amazônicos, as Razões Ambientais e as
Razões Socioeconômicas. Estas razões estão intimamente relacio-
nadas, entretanto, para analisar melhor seus elementos, adiante
uma a uma será abordada.

Razões estratégicas

As razões estratégicas dos Estados amazônicos têm como prin-


cipal elemento a reafirmação do princípio da soberania. As décadas
de 1960 e 1970 marcam um período de forte presença militar no
comando de países sul-americanos, como nos casos de Argentina,
Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Peru. Neste contexto, o tema da
segurança passa a ser ainda mais importante na agenda política dos
países. Mesmo não conseguindo estabelecer uma política comum de
76 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

segurança regional, não se pode excluir a influência do tema da segu-


rança no processo de construção política do TCA.

De fato, o TCA, em suas funções, tem o duplo papel de: a) criar oportu-
nidades novas para o contato internacional, no sentido da cooperação; e
b) evitar o surgimento de conflitos. Tanto em um sentido quanto noutro,
o TCA se enquadra entre as preocupações da política externa brasilei-
ra de reafirmar sua soberania e evitar atritos e tendências que pudessem
isolá-lo politicamente dos seus vizinhos (Montenegro, 1993, p.7-8).

A soberania dos países amazônicos estava diretamente re-


lacionada à questão da internacionalização da Amazônia, que
havia sido levantada no cenário internacional desde o Acordo
de Iquitos, de abril de 1948, “pelo qual a UNESCO tentou
criar o chamado Instituto Internacional da Hiléia Amazônica”
(Mattos, 1980, p.123).

O projeto de criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazôni-


ca (IIHA) foi apresentado à Unesco em 1946 pelo cientista brasilei-
ro Paulo Estevão de Berredo Carneiro. A proposta inicial do IIHA
previa a realização de pesquisas nas áreas de botânica, química, zoo-
logia, geologia, além de estudos etnográficos, no intuito de promo-
ver a preservação e a integração cultural da região amazônica [...]
Para esses [os militares], o projeto do IIHA representava um manto
protetor dos interesses imperialistas na região, perspectiva distinta
dos militares desenvolvimentistas, simpáticos ao plano da Unesco.
As controvérsias em torno da internacionalização da Amazônia, no
Brasil, foram marcadas fundamentalmente em torno dessa questão,
dividindo opiniões entre interesses nacionais e estrangeiros. Am-
plamente discutido no parlamento brasileiro, o projeto do IIHA
não chegou a se concretizar. Em face das controvérsias em torno
do programa amazônico da Unesco, em 1949, a Conferência Geral
da Unesco decidiu limitar a atuação da organização internacional à
cooperação técnica. Em 1951, o projeto veio a ser engavetado pelo
Congresso Nacional (Maio; Oliveira, 2009, p.122).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 77

Frente à polêmica quanto à cobiça internacional pela região, os


países amazônicos se encontravam ainda mais motivados a se uni-
rem em favor da manutenção de suas soberanias, o que se tornou
possível por meio de um instrumento jurídico internacional, o Tra-
tado de Cooperação Amazônica.

A característica típica de regimes internacionais de abranger o escopo mais


amplo possível de temas, tornando-os interdependentes entre si, incluía,
no preâmbulo do Anteprojeto do TCA, uma menção à defesa da Amazô-
nia. Esse objetivo, como se recorda, ligava-se à permanente preocupação
com a interferência externa na Amazônia, mas destinava-se também a
apoiar a vigilância da região em termos de atividades ilícitas [...] A primei-
ra versão do TCA (setembro de 1977), portanto, apresentava um progra-
ma ambicioso, que se referia a temas delicados (Montenegro, 1993, p.9).

Porém, dadas as muitas instabilidades políticas históricas na


região, tratar de segurança regional era um objetivo estratégico e
sensível demais para alcançar o consenso por meio do TCA. Estes
motivos levaram a uma diminuição no escopo do Tratado durante
o período de negociação deste acordo, como será visto com mais
detalhes a seguir. No decorrer da década de 1970, a intensificação
dos debates ambientais internacionais colocou em pauta novamen-
te a possibilidade de uma gerência internacional sobre a Amazônia.
Fator que serviu de estopim para que os países da região finalmente
se articulassem para constituir um acordo em nível regional contra
qualquer interferência externa na Amazônia:

Cabe soberanamente aos países amazônicos desenvolver seus territórios


da maneira que lhes aprouver. Esse paradigma é a base da própria assi-
natura do TCA em 1978, quando os governos sul-americanos já refuta-
vam o discurso intervencionista emanado do Clube de Roma e da Con-
ferência de Estocolmo [...] As insinuações de que os recursos naturais
dos países em desenvolvimento deveriam ser usados conforme modelos
ditados por instituições sediadas em países centrais, como o Clube de
Roma, indicavam a necessidade de os países amazônicos reunirem-se
em torno de objetivos comuns (Gadelha, 2009, p.21).
78 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A exclusividade dos países amazônicos na exploração de seus


recursos é central entre os elementos que compõe as razões estraté-
gicas dos Estados da região para se aproximarem, e também está li-
gada ao princípio da soberania. De acordo com o Artigo IV do TCA:

As Partes Contratantes proclamam que o uso e aproveitamento ex-


clusivo dos recursos naturais em seus respectivos territórios é de di-
reito inerente à soberania do Estado e seu exercício não terá outras
restrições senão as que resultem do Direito Internacional (TCA,
1978, sem paginação).

Pode-se ver, portanto, que este primeiro âmbito das motivações


à cooperação amazônica está ligado a fatores estratégicos tradicio-
nais das relações internacionais: soberania e território.

Razões socioeconômicas

No âmbito das motivações socioeconômicas à cooperação ama-


zônica estão contidas três necessidades apresentadas pelos países: a
da integração das regiões amazônicas às respectivas economias na-
cionais, a do desenvolvimento harmônico da Amazônia e a da me-
lhoria da qualidade de vida das populações amazônicas. A primeira
diz respeito a um interesse doméstico comum aos países amazônicos
enquanto a segunda motivação está ligada a um esforço regional em
busca do que mais tarde viria a ser denominado desenvolvimento
sustentável. A terceira constitui um objetivo que seria alcançado
como resultado dos outros dois.
Havia, na proposta inicial brasileira, o objetivo de integrar,
paulatinamente, as economias dos países da região, juntamente
ao objetivo de integrar a região amazônica às respectivas eco-
nomias nacionais.

O desenvolvimento sustentável do Brasil e da Amazônia brasileira não


será possível sem o progresso e o desenvolvimento sustentável de toda a
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 79

Amazônia, em um esquema cooperativo que reforça em conjunto o con-


trole sobre nossos recursos, afasta as tentativas unilaterais de imposição
de interesses alheios e garante que nossos legítimos valores encontrarão
um ambiente internacional mais propício para frutificar, em benefício
da própria região e do mundo (Simões, 2011, p.13).

Porém, como se verá na seção seguinte, o objetivo da integração


física e econômica não foi objeto de consenso para ser incluído como
meta do TCA. A busca pela integração das regiões amazônicas às
economias nacionais foi uma meta relevante à época de assinatura do
TCA, visto que as regiões amazônicas possuem pouca ligação com
as demais áreas dos países amazônicos. No caso da Amazônia, esta
é uma região, em geral, periférica em todos os países amazônicos, o
que dificulta a sua integração aos territórios nacionais e também difi-
culta a interação e integração entre os países amazônicos (Sant’Anna,
2009, p.3). À época de assinatura do TCA, grande parte dos países
da região já vinha empreendendo ações de exploração, ocupação e
desenvolvimento em suas áreas amazônicas nacionais.

O Tratado reforça o conceito de soberania nacional e explicita a necessi-


dade de que a Amazônia seja integrada à economia dos países-membros.
Datam dessa época, por exemplo, políticas e programas do Brasil para
incrementar a migração interna em direção a essa região (Pires, 2011, p.3).

No Brasil, este objetivo se estendia desde o governo de Getú-


lio Vargas, que “propunha a expansão demográfica e econômica na
Amazônia, no sentido de garantir a soberania nacional naquele ter-
ritório e torná-lo um polo produtor de riquezas”. Além disso, “a in-
corporação da Amazônia estava atrelada ao processo de construção
do Estado nacional” (Maio; Oliveira, 2009, p. 61). Aspirações estas
que viriam a ser realizadas com iniciativas governamentais maciças
com o regime militar a partir de 1964.
Na Venezuela, o governo estabeleceu um programa de desenvol-
vimento do sul do país em 1960, com a fundação da Corporación
Venezolana de Guayana (CVG). O imperativo da “conquista del
80 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

sur”, formulado pelo presidente Rafael Caldera em 1969, confirma-


va a importância dada pelo país aos polos de crescimento industrial
de Ciudad Guayana e Ciudad Bolívar, ambas na Amazônia vene-
zuelana. Convertida em dinâmica promotora do desenvolvimento
siderúrgico, a CVG passou a atuar também no Território Federal do
Amazonas (Montenegro, 1993).
Na Colômbia, “país no qual a presença amazônica é tradicional-
mente restrita, com cerca de apenas 1,8% da população nacional”, a
atenção governamental voltada para a região assumiu relativa im-
portância na década de 1970, “com a realização de um Projeto Ra-
dargramétrico, em colaboração com o governo da Holanda, e com a
criação, em 1975, do Departamento Administrativo de Intenden-
cias y Comisariados (DAINCO)”, voltado para a promoção do de-
senvolvimento da região através da elaboração de Plano Trienais de
Desenvolvimento (Montenegro, 1993).
Já o Peru foi o país mais semelhante com o Brasil com relação à
dinâmica e às motivações do seu desenvolvimento amazônico nos
anos 1970. A Amazônia peruana fora dividida geograficamente em
duas sub-regiões: região da Selva e região da Costa. Estas áreas co-
meçaram a ser, nos anos 1950, “área de atração dos agricultores mi-
grantes deslocados da região da serra em vista da escassez de terras
provocada pela concentração fundiária”. O governo peruano, que
depois de 1968 havia passado a adotar um enfoque centrado na área
mais dinâmica do país (Lima e o restante da Costa), passa, a partir de
1979, a privilegiar a descentralização administrativa e institucional,
com vistas a interiorizar o desenvolvimento (Montenegro, 1993).
Processo semelhante ao que ocorre no Brasil no que tange a interio-
rização da capital nacional e o papel governamental na promoção da
ocupação da região amazônica nacional.
O Equador empreendeu ações visando o incremento da produ-
ção agrícola em seu território amazônico – por intermédio do Insti-
tuto de Colonização da Região Amazônica Equatoriana (INCRAE)
– e procurou soluções para um conjunto de problemas existentes, a
exemplo da necessidade de reforma agrária, para a qual foi utilizada
parte de seu território amazônico. De acordo com Kilca (2006):
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 81

O crescimento econômico do Equador lhe outorgou uma maior impor-


tância e margem de ação que não dispunha em períodos anteriores, colo-
cando-o em situação de destaque durante as negociações do TCA. Para
Carrasco1 o Equador encontrou no TCA um “argumento a mais para exi-
gir seu direito à livre navegação no rio Amazonas e seus afluentes, ponto
de especial interesse devido a seus litígios com o Peru” (Kilca, 2006, p.18).

Os demais países da região também viam oportunidades de au-


ferirem ganhos econômicos por meio da ampliação de seu relaciona-
mento com o Brasil. Fator que contribui positivamente, como uma
razão socioeconômica para a adesão dos países ao TCA:

Segundo o Relatório Político Latino-Americano (Latin American Poli-


tical Report), determinados setores venezuelanos e colombianos ficaram
interessados pelo TCA devido à atividade econômica gerada no Paraguai
após sua associação com o Brasil, particularmente no setor hidroelétrico.
A Colômbia estaria interessada na construção de estradas, civilização de
tribos da Amazônia colombiana, e na parceria empresarial, com objetivos
de estabelecer companhia multinacionais latino-americanas; para isso,
necessitaria da experiência brasileira. A Bolívia, por sua vez, poderia,
através do TCA, tentar solucionar o problema da mediterraneidade de
seu território, pois haveria a possibilidade de buscar uma saída para o mar
via sistema fluvial da sua região oriental, tanto pelo território venezuela-
no, quanto pelo brasileiro (Kilca, 2006, p.172).

A incorporação das áreas amazônicas às respectivas economias


nacionais visa, em um primeiro momento, a atender aos interesses
estatais, e em contrapartida, melhorar as condições de vida das po-
pulações amazônicas. Por outro lado, esse vínculo com as dinâmicas
de mercado nacionais e, consequentemente, internacionais, pode ser
muito perigoso, devido à complexidade cultural e ambiental da re-
gião, já que a lógica do capital é expansiva e acaba por transformar
os modos de vida e sobrevivência tradicionais. Motivo que pode ter

1 Carrasco, Juan Pablo. In: El Tratado de Cooperación Amazónica. Nueva Sociedad,


n.37, jul.-ago., 1978.
82 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

levado Ricupero (1995, p.359) a alertar que “o desenvolvimento da


vida material contamina a diplomacia amazônica, que se diversifica
e muda de natureza”.
Não se pode esquecer que entre os objetivos mais essenciais no
âmbito socioeconômico está a necessidade de melhorar as condições
de vida das populações locais da Amazônia, como consta do Tratado.

A porção brasileira, informa o Atlas do Desenvolvimento Humano


(PNUD e FJP, 2003), abriga índices abaixo da média nacional, com eleva-
da concentração de renda. Na mesma direção, a recente publicação da Ar-
ticulación Regional Amazónica, denominada “La Amazonía y los Obje-
tivos de Desarrollo del Milenio”, informa que a porção amazônica dentro
de cada um dos nove países conta com índices inferiores à média nacional
nos quesitos de desenvolvimento humano (Ara, 2011 apud Pires, 2011).

Analisando mais profundamente esta realidade, pode-se inferir


que deve estar entre os objetivos da cooperação amazônica tanto a
melhoria da qualidade de vida dos habitantes das cidades amazôni-
cas como também das comunidades locais, ribeirinhas, indígenas,
tradicionais, extrativistas e tantas outras.

Portanto, não há como falar de conservação ambiental na Amazônia


sem considerar a necessidade de garantir o bem-estar de seus habitantes.
Modelos de desenvolvimento que considerem esse aspecto essencial ten-
derão a reproduzir fórmulas exógenas que a querem como um santuário
intocável, inconcebível tanto para os amazônicos (pessoas que nascem na
região) quanto para os amazônidas (pessoas que têm consciência da es-
pecificidade da região) (ISA, 2007, p.100). Lidar com a diversidade eco-
lógico-humana, as assimetrias e os desafios comuns é tarefa para todos os
países que detêm esse importante patrimônio natural (Pires, 2011, p.2).

Razões ambientais

O TCA expressa em seu preâmbulo que as Repúblicas signa-


tárias estão “Animadas do propósito comum de conjugar esforços
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 83

[...] para promover o desenvolvimento harmônico da Amazônia [...]


para elevar o nível de vida de seus povos e a fim de lograr a plena in-
corporação de seus territórios amazônicos às respectivas economias
nacionais” (TCA, 1978: Preâmbulo).
Os componentes desse desenvolvimento harmônico que podem
ser encontrados no tratado são: “a utilização racional dos recursos
naturais” (Artigo I), “a utilização racional dos recursos hídricos”
(Artigo V) e “o aproveitamento da flora e da fauna racionalmente
planejado, a fim de manter o equilíbrio ecológico da região e preser-
var as espécies” (Artigo VII) (TCA, 1978).
A busca pelo desenvolvimento harmônico da Amazônia foi e
continua sendo uma motivação à cooperação na região, mesmo este
desenvolvimento sendo hoje entendido de forma atualizada e ex-
pressa em outros conceitos. Como no caso da seguinte afirmação da
Secretária-Geral da OTCA de 2006:

A necessidade de proteger a Amazônia, o exercício da soberania, bem


como, ainda, as tarefas ineludíveis da luta contra a pobreza, a melhoria
da qualidade de vida e, evidentemente, o que se podia considerar como
uma espécie de apelo ao desenvolvimento sustentável foram as conside-
rações constantes da agenda dos chanceleres dos oito países com sobe-
rania sobre a Bacia Amazônica, quando assinaram o Tratado de Coope-
ração Amazônica, pelos idos de 1978; com uma atitude que poderíamos
qualificar como visionária para a época (Serrano, 2005, p.86).

As razões ambientais motivaram desde o início o processo de


cooperação amazônica. Trata-se de um ponto essencial desta pesqui-
sa, pois é neste âmbito que está a particularidade deste processo de
cooperação. Sabe-se hoje que alguns processos de regionalismo, como
o da União Europeia e do Mercosul, já buscam incorporar questões
ambientais à sua estrutura. Porém, a experiência amazônica de re-
gionalismo foi a primeira em que as motivações ambientais estão no
cerne do processo de cooperação. Isto pode ser verificado também na
seguinte afirmação publicada dois anos depois da assinatura do TCA:
84 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Uma das características essenciais do Tratado de Cooperação ama-


zônica é a sensibilidade de seus negociadores para um dos principais
apelos sociológicos do nosso tempo – a consciência ecológica. A im-
portância dos problemas do meio ambiente ali está consignada na pos-
tulação do propósito de equilibrar as necessidades do desenvolvimen-
to com o harmônico equilíbrio ecológico. Neste sentido, amparando
tese tão atual, o Pacto Amazônico é o primeiro acordo dessa dimensão
multinacional a acolher a moderníssima tese da preservação ecológica.
(Mattos, 1980, p.123).

Tendo sido o TCA firmado em 1978, as questões ambientais


em discussão no cenário internacional até o momento, com desta-
que para os debates alarmantes da Conferência de Estocolmo em
1972, certamente fizeram parte do processo de construção política
do Tratado. Paralelamente, também é fundamental situar as ex-
periências particulares dos países da região acerca da situação em
que se encontravam seus respectivos territórios amazônicos. É a
partir desta conjugação dos fatores internos e internacionais que o
processo de cooperação busca identificar quais desafios serão en-
frentados daí em diante.
Neste sentido, a preservação ambiental e o desenvolvimento
harmônico, expressos no preâmbulo do TCA, foram elementos fun-
damentais nas motivações ao processo de cooperação amazônica. De
acordo com Celso Amorim, embora O TCA tenha sido elaborado
anteriormente a algumas das formulações hoje correntes no trata-
mento das questões ambientais, “o Tratado de Cooperação Amazô-
nica guarda simetria com conceitos e proposições que passaram a
frequentar as mesas de negociações a partir da Conferência de Esto-
colmo” (Amorim, 2003, p.6).

O TCA foi um dos primeiros documentos jurídicos internacionais a


adotar como regra o desenvolvimento sustentável, tendo por fundamen-
to as características regionais dos países Membros (Kilca, 2006, p.172).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 85

O Processo de negociação do TCA

Aqui, será acompanhado o processo de negociação do TCA em


suas distintas fases. Será importante a avaliação das modificações
verificadas entre o Anteprojeto do Tratado, que fora elaborado pelo
Brasil, e o texto definitivo do mesmo, assinado em julho de 1978
(Montenegro, 1993).
A fase de construção política do Tratado teve início com a proposta
brasileira de um acordo multilateral de cooperação, apresentada pelo
presidente brasileiro Ernesto Geisel ao presidente peruano Morales
Bermudez em 1976. Decorre daí uma ênfase especial para a atuação do
Brasil e, complementarmente, para o papel do Peru, que se constituiu,
à época, no principal parceiro da negociação do tratado amazônico.
Entre os resultados do encontro entre Geisel e Bermudez, desta-
ca-se que foram estabelecidos importantes mecanismos de coopera-
ção e de comércio, simultaneamente com a aprovação preliminar, por
parte do Peru, de um projeto de cooperação multilateral na Amazô-
nia, idealizado pela parte brasileira.

Contudo, cabe esclarecer que constava, entre as preocupações autono-


mistas da estratégia peruana no sentido de, desde um princípio, condi-
cionar o TCA à não-adoção de compromissos rígidos, ao não-estabele-
cimento de uma “autoridade” amazônica e à limitação do Brasil a um
papel não-hegemônico (Montenegro, 1993, p.9).

O anteprojeto elaborado inicialmente pelo Brasil era baseado na


integração física da região, e foi apresentado aos outros sete países
amazônicos no ano de 1977 (Antiquera, 2006).

Os objetivos de vinculação física e econômica eram, portanto, inter-


dependentes na formulação do regime e nele se incluiriam como um
conjunto de normas a ser regulamentado posteriormente, por meio de
acordos específicos – desde bilaterais até multilaterais, como no caso
concreto do acordo brasileiro-peruano-boliviano de vinculação rodo-
viária (Montenegro, 1993, p.8).
86 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Com a repercussão da proposta na região, Peru e Venezuela


mostraram resistência ao texto original. A iniciativa brasileira pas-
sou a ser vista como uma disputa por influência regional: “o fato
de que a ideia de criação do Pacto Amazônico tenha sido lançada
oficialmente num momento de crise do Pacto Andino [com a saída
do Chile], fez que Peru, Equador, Colômbia e Venezuela expressas-
sem reservas sobre as formas como o novo pacto afetaria o Grupo
Andino” (Carrasco apud Antiquera, 2006).
Entretanto, a diplomacia brasileira insistia na necessidade do
acordo em vista da inexistência de qualquer forma de cooperação na
região amazônica:

Com relação ao Pacto Andino a diplomacia brasileira realizou grande es-


forço para deixar explícito que o TCA não representaria qualquer risco
deste suplantar aquele, mas seria um acordo complementar, numa área
que não havia ainda cooperação internacional (Antiquera, 2006, p.60).

Além da posição dos países andinos, contrários à fragilização de


seu acordo sub-regional, outro argumento geopolítico era usado pe-
los demais países contra as pretensões do Brasil com a proposta do
Pacto Amazônico. Soma-se a isto que as ações da política externa
brasileira sob o regime militar se caracterizavam pelo interesse de
elevar o Brasil ao nível de potência mundial, causando nos vizinhos
uma forte resistência contra possíveis pretensões hegemônicas bra-
sileiras no continente.2

Os intentos brasileiros na Bacia do Prata, com a construção de Itaipu,


revelavam aos vizinhos sul-americanos o propósito de ampliar o poder
nacional, com vistas a atingir a condição de grande potência, gerando
nos países vizinhos reações de desconfiança quanto às eventuais inten-
ções “hegemônicas” do Brasil. Esses receios se viam alimentados, no

2 A respeito da desconfiança histórica dos países amazônicos em relação ao Brasil ver:


Imbiriba, Maria de Nazaré Oliveira e Affonso, José Augusto F. A importância da
análise histórica no processo de cooperação: o caso amazônico. In: Revista Brasileira
de Política Internacional, ano XXVIII, v.109-110. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro
de Relações Internacionais, 1985.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 87

âmbito amazônico, pela notória aceleração do processo de integração


da região, que reavivou em alguns setores das elites e da opinião pú-
blica dos países limítrofes o espectro do “expansionismo brasileiro”
(Montenegro, 1993, p.9).

Assim, a negociação e assinatura do TCA foi um ponto bastante


positivo para a diplomacia brasileira, que conseguiu contrapor sua
imagem negativa na região por meio da crescente aproximação com
os países amazônicos.3
Havia também em pauta o anseio de alguns países amazônicos
em não firmar compromissos rígidos sobre temas sensíveis como in-
fraestrutura e segurança. Além, principalmente, de não querer esta-
belecer uma “autoridade amazônica”, o que pode ser verificado na
posição do Equador, que exigiu que o TCA não interferisse de forma
alguma nas reclamações territoriais que este país mantinha junto ao
Peru, posição acatada no Artigo XIX do Tratado (Gadelha, 2009).

Muitas das querelas lindeiras4 atravessaram esse período de constitui-


ção dos Estados nacionais sul-americanos e resistem à integração regio-
nal buscada atualmente. Não se pode negligenciar o fato de que entre
os países que se comprometeram a “realizar esforços e ações conjuntas
para promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos ter-
ritórios amazônicos” persistem graves discordâncias políticas, disputas
históricas e até rompimentos diplomáticos (Gadelha, 2009, p.22).

No âmbito do entendimento político, sabe-se que a instabilida-


de é bastante presente no relacionamento entre os Estados da região.
A este respeito, basta mencionar o histórico de mais de 25 disputas
fronteiriças entre os Estados da região,5 além da repercutida crise de
2008 entre Colômbia e Equador, onde, inclusive, houve violação de
soberania por causa de invasão de território.

3 Os detalhes da aproximação brasileira com cada um dos países amazônicos podem


ser encontrados no Capítulo 3 da obra de Torrecuso (2004).
4 Gadelha (2009) apresenta uma análise histórica detalhada de cada um dos casos e
problemas relativos a questões de fronteiras entre os países amazônicos.
5 A este respeito também vale consultar Antiquera (2006) p.137-138.
88 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A primeira rodada de negociações acerca do Tratado de Coo-


peração Amazônica ocorreu em novembro de 1977. A proposta
discutida nesta primeira negociação era baseada na integração física
da região amazônica, prezando pela construção de infraestrutura de
transportes e comunicações. De acordo com Antiquera (2006), Bolí-
via e Peru foram os principais opositores à ideia da integração física,
visto que preferiam realizar a integração de suas respectivas regiões
amazônicas às economias nacionais antes de se comprometerem com
o âmbito regional. Provavelmente tenha partido daí a identificação
de que integrar as regiões amazônicas às economias nacionais era um
objetivo doméstico comum a todos os países amazônicos.

Com efeito, a possibilidade de cooperação econômica, que seria um in-


centivo para a participação, convivia na proposta original brasileira com
dois elementos que, para o Peru, se identificavam tradicionalmente com
riscos de coerção por parte do Brasil. [...] A possibilidade de uma vin-
culação física com o território brasileiro tem sido considerada um risco
pelos militares peruanos. [...] Ligada a essa preocupação, a inclusão da
área de interesse estratégico-militar que se tencionava abranger no TCA
apresentaria riscos de uma maior presença brasileira na área de fronteira
peruana, despovoada tanto em função da fragilidade da infraestrutura
viária e da economia da região (Montenegro, 1993, p.9).

Outra limitação das atribuições do TCA ocorrida durante as


negociações de novembro de 1977 foi o corte da menção à “defesa
da Amazônia” que a cooperação multilateral pretenderia promover.
Dada a sensibilidade estratégica do tema, que dificultaria e prolon-
garia muito as negociações e conclusões do instrumento multilateral,
integração física e segurança foram os temas para os quais se delibe-
rou por não firmar compromissos claros.

Evidentemente, os receios históricos com relação ao Brasil impediriam


que se avançasse nessa direção, tanto em função das elites militares
quanto da opinião pública dos outros países, em especial a do Peru, que
poderia ser mobilizada contra o TCA como recurso político por parte
dos opositores ao regime militar (Montenegro, 1993, p.10).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 89

Estes motivos que levaram a uma diminuição no escopo do Tra-


tado durante o período de negociação deste acordo, como veremos
mais detalhadamente na seção seguinte.

A opção pela cooperação entre os signatários suplantou os anseios da in-


tegração física e comercial da Bacia Amazônica propostos pelo governo
brasileiro, em um primeiro momento (Kilca, 2006, p.172).

Devido a estes fatos, na segunda rodada de negociações ocor-


rida em 1978, a expressão integração física foi substituída pelo
“desenvolvimento harmônico”. Do texto que reproduz a pro-
posta inicial brasileira, Kucinski (1978)6 aponta que constava o
seguinte trecho:

As partes contratantes reconhecem que a integração física da região


amazônica mediante o estabelecimento de uma infraestrutura adequada
de transportes e comunicações constitui condição indispensável para o
processo de desenvolvimento da região (Kucinski, 1978, p.11).

Segundo Kilca (2006), “essa passagem ocasionou reações contrá-


rias do governo venezuelano, peruano e boliviano. Esses países insis-
tiam na eliminação de qualquer referência à integração física da região
amazônica”. O autor aponta, ainda, que os países andinos propuseram
a substituição de “integração física” por “cooperação econômica”.
Um exemplo elucidativo do anseio de alguns países amazôni-
cos em não firmar compromissos rígidos sobre temas sensíveis como
infraestrutura e segurança, além, principalmente, de não estabele-
cer uma “autoridade amazônica”, pode ser verificado na posição do
Equador, que exigiu que o TCA não interferisse de forma alguma
nas reclamações territoriais que este país mantinha junto ao Peru,
posição acatada no Artigo XIX7 do Tratado (Gadelha, 2009).

6 Kucinski, Bernardo. La Amazonia e y La geopolítica del Brasil. Nueva Sociedad,


n.37, 1978.
7 O Artigo XIX do TCA estabelece que: “Nem a celebração do presente Tratado, nem
a sua execução terão algum efeito sobre quaisquer outros tratados ou atos interna-
90 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Muitas das querelas lindeiras atravessaram esse período de constituição


dos Estados nacionais sul-americanos e resistem à integração regional
buscada atualmente. Não se pode negligenciar o fato de que entre os
países que se comprometeram a “realizar esforços e ações conjuntas
para promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos ter-
ritórios amazônicos” persistem graves discordâncias políticas, disputas
históricas e até rompimentos diplomáticos (Gadelha, 2009, p.23).

Entretanto, a diplomacia brasileira insistia na necessidade do


acordo em vista da inexistência de qualquer forma de cooperação na
região amazônica:

Com relação ao Pacto Andino, a diplomacia brasileira realizou grande es-


forço para deixar explícito que o TCA não representaria qualquer risco
deste suplantar aquele, mas seria um acordo complementar, numa área
que não havia ainda cooperação internacional (Antiquera, 2006, p.60).

Ao término da segunda fase [de negociações] e percebendo a existência


de complicadores, a chancelaria brasileira realizou um intenso trabalho
diplomático em nível bilateral. Focalizando sua atenção para negociações
em separado com cada um dos países amazônicos, a diplomacia brasilei-
ra trabalhou no sentido de diminuir, ou mesmo anular, os receios sobre
a pretensa hegemonia que a iniciativa do governo brasileiro poderia fo-
mentar entre os futuros signatários através do TCA (Kilca, 2006, p.53).

Por meio desta postura, o Brasil deu ênfase na ideia de que


não buscava primordialmente a integração física, o que possi-
bilitou a continuidade da negociação com os países andinos.
Assim, na terceira rodada de negociações se tornou possível
a aprovação do texto do Tratado, para poder ser finalmente
subscrito pelos seus membros.

cionais vigentes entre as Partes, nem sobre quaisquer divergências sobre limites ou
direitos territoriais existentes entre as Partes, nem poderá interpretar-se ou invocar-
-se a celebração deste Tratado ou de sua execução para alegar aceitação ou renúncia,
afirmação ou modificação, direta ou indireta, expressa ou tácita, das posições e inter-
pretações que sobre estes assuntos sustente cada Parte Contratante” (TCA, 1978).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 91

Para Antiquera (2006, p.62): “É notável que o período de nego-


ciações, surpreendentemente curto, resultou numa drástica redução
do alcance do TCA, inclusive naquele que talvez fosse a essência da
ideia brasileira: a criação de infraestrutura na região”.

Embora o principal objetivo concernente à assinatura do Tratado de Coo-


peração Amazônica tenha sido alcançado – a adesão de todos os membros
da Bacia Amazônica –, o êxito da iniciativa foi obtido ao preço da diminui-
ção dos alcances inicialmente propostos pelo Acordo (Kilca, 2006, p.55).

Muito se discutia acerca das intenções brasileiras ao propor o Tra-


tado para a região amazônica, já que o país, possuindo mais de 60% de
todo território amazônico, era acusado de possuir intenções imperia-
listas. Porém, o Brasil aceitou sem enfrentamentos a diminuição no al-
cance do Tratado em função da adesão dos demais países amazônicos.

Mesmo os aspectos de comércio, a que o Anteprojeto do TCA atribuía


um alcance mais amplo, que propiciaria a integração econômica das
áreas de fronteira, foram modificados em favor de uma fórmula muito
mais limitada de “comércio a varejo” nessas faixas. Novamente, a moti-
vação foi a postura coordenada dos países andinos em defesa do expurgo
do texto do TCA de artigos que pudessem vir a interferir nos compro-
missos assumidos no Acordo de Cartagena (Montenegro, 1993, p.8).

Antiquera (2006) ressalta um ponto importante a respeito das


pretensões brasileiras de exercer liderança sobre a região:

Pode-se enxergar o sucesso diplomático da assinatura do Tratado em


tão pouco tempo, bem como a relativa derrota em pontos cruciais do
projeto. Dessa constatação é possível tirar já uma importante conclusão:
o Brasil priorizou a adesão dos países amazônicos, em detrimento da
defesa enfática da sua proposta original (Antiquera, 2006, p.62).

Assim, ao analisar os resultados imediatos do estabelecimento


do Tratado de Cooperação Amazônica, Ricupero (1995, p.359-360)
afirma com a tradicional eloquência diplomática que:
92 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

As relações entre os governos da área eram até então cordiais, mas pouco
substanciosas. Faltava-lhes conteúdo concreto, substância econômica e
comercial. Nos anos recentes, os contatos diplomáticos se multiplicam,
sobem de nível, frutificam em acordos objetivos, produzem não a retó-
rica da integração, mas projetos tangíveis.

Considerando-se as frequentes tensões diplomáticas da região


norte da América do Sul, abrangida pela Amazônia, pode-se notar
que “o desarmamento dos espíritos a que conduziu a negociação [do
TCA] pode, de fato, ser considerado o principal êxito da política ex-
terna brasileira em relação ao tema” (Montenegro, 1993).

De fato, embora o TCA seja alvo de críticas por não ter desempenha-
do papel marcante na década de 1980-1990, seus principais objetivos,
entre os quais estava o referido desnuviamento [redução das instabili-
dades políticas entre países amazônicos] foram amplamente atingidos
(Montenegro, 1993, p.11).

Ao fim, apesar das desconfianças e muitas dificuldades, di-


ferentes fatores contribuíram para que o TCA fosse finalmen-
te objeto de consenso, assinatura em 1978 e ratificação por todos
membros em 1980. De acordo com Torrecuso (2004) “a atuação
brasileira foi decisiva para mitigar as desconfianças em relação às
suas supostas pretensões expansionistas” o que contribuiu bastan-
te para a construção de confiança entre os participantes do acordo.
Segundo este autor:

No plano interno, o TCA refletia a vitória da ala moderada dos mili-


tares, sendo Geisel e Golbery seus representantes imediatos, além da
própria atuação do Itamaraty [...] indica a sintonia entre a Presidência e
a Chancelaria, de onde surgiu a proposta de criação do Tratado. [...] Por
outro lado, percebe-se no instrumento político em análise uma posição
ativa da Política Externa Brasileira de incrementar suas relações bila-
terais com os países da região, por meio de um instrumento flexível e
programático (Torrecuso, 2004, p.53-54).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 93

A finalização do acordo foi possível depois de três rodadas de


negociação, ocorridas em novembro de 1977, e março e maio de
1978. Os países assinaram o TCA em julho de 1978, no Palácio do
Planalto, em Brasília, por meio da presença de todos os chanceleres
dos países-membros. Após os processos de validação nacionais, o
TCA entrou em vigor em agosto de 1980.

A questão da Guiana Francesa

A identificação regional do TCA se refere a uma característica


geográfica e ecológica, que é a existência do bioma amazônico no ter-
ritório dos países que compõem o acordo. Ou seja, possuir território
e soberania na área da Bacia Amazônica é condição sine qua non para
participação no TCA. É por este motivo que o Departamento Ultra-
marino da Guiana Francesa não é parte integrante do Tratado.
Por mais que a região amazônica abranja praticamente a tota-
lidade do território da Guiana Francesa, este território não cons-
titui um Estado soberano. Suas condições internas são bastante
semelhantes às de seus vizinhos, Guiana e Suriname. Porém, tra-
ta-se de uma região sob o comando e soberania da França, que,
por sua vez, é um país europeu, localizado à outra margem do
Oceano Atlântico, com interesses e características políticas, eco-
nômicas, sociais e ecológicas bastante distintas dos países do norte
da América do Sul.
Assim, nem o Departamento da Guiana Francesa nem a França
fazem parte do TCA. Todavia, há alguns anos a França vem reivindi-
cando participação na OTCA. Inicialmente pleiteou um lugar como
membro observador permanente, mas, com interesse de adquirir o
status de país amazônico e, assim, passar legitimamente a fazer par-
te do processo cooperação amazônica, podendo, consequentemente,
participar das benesses e dificuldades que isto pode acarretar.

A França, que possui território amazônico no Departamento da Guiana


Francesa, pleiteia integrar a OTCA, na qualidade de observador perma-
94 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

nente, e ser reconhecida como país amazônico. Brasil e Peru, propensos à


aproximação, e Venezuela e Colômbia, com postura de distanciamento,
manifestaram posições conflitantes sobre o tema (Gadelha, 2009, p.31).

O reconhecimento de que a Guiana Francesa é um território


amazônico é inevitável, porém, o ingresso da França no processo de
cooperação amazônica é um tema extremamente sensível para a di-
nâmica política regional. Isto porque o objetivo máximo do TCA
foi a segurança regional contra ingerências externas na região ama-
zônica. Com o ingresso da França, por mais que possua a Guiana
Francesa como um departamento amazônico, pode-se considerar
que os países amazônicos estariam dando abertura à interferência de
interesses exógenos na cooperação regional. Isto porque quem teria
seus interesses representados no interior do processo regional seria
obviamente a França e não a Guiana. Isto se verifica pela reivindica-
ção francesa de ser reconhecida como um país amazônico.

A França é o único país do Atlântico Norte com presença amazônica,


por meio de seu Departamento guianense. O Governo francês busca ob-
ter dos países da OTCA reconhecimento como ‘país amazônico’. Tem
ainda manifestado interesse em participar de todos os órgãos e instâncias
da OTCA em caráter de observador permanente (Gadelha, 2009, p.31).

Em 2004, uma resolução aprovada na VIII Reunião de Chance-


leres da OTCA em Manaus, decidiu:

Instruir a Comissão de Coordenação do Conselho de Cooperação Ama-


zônica – CCOOR para que, em coordenação com a Secretaria Perma-
nente, elaborem propostas e critérios para a possível participação de
observadores em futuras reuniões da OTCA (Gadelha, 2009, p.31).

Um grande problema, passível de extensas discussões, é que


alguns países, principalmente o Brasil, têm mostrado apoio à pos-
sibilidade de ingresso da França na dinâmica regional. Na VIII
Reunião de Chanceleres da OTCA, Brasil, Equador, Peru e Suri-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 95

name manifestaram apoio à participação da França como membro


observador na Organização. Na IX Reunião dos Chanceleres em
Iquitos, em 2005, o Brasil corroborou apoio à França como país ob-
servador enquanto Colômbia e Venezuela ofereceram resistências a
essa proposta. O fato é que:

Não houve, até o presente momento, avanço sobre o assunto. A França


segue solicitando estatuto de membro associado ou figura similar, con-
forme Nota OTCA/SP/c-250/2008 de 7 de abril de 2008, nos arqui-
vos do DAS II/MRE. Em resposta, o Itamaraty, por meio de Nota de
28 de abril, reiterou:
Sua concordância com um estatuto diferenciado para a França nas ins-
tâncias da OTCA, uma vez que esse país compartilha o espaço ama-
zônico. Ressalva-se que se fazem necessárias mudanças estatutárias na
OTCA para que seja facultada à França participação nas reuniões da
Organização (Gadelha, 2009, p.32).

Levando em consideração o que consta do Tratado, “terceiros


países e organismos internacionais podem participar, na quali-
dade de observadores, de Reuniões de Chanceleres ou do CCA,
mediante aprovação dos países membros da Organização” (Gade-
lha, 2009). Entretanto, não se pode passar por cima do que o texto
estabelece, e, de acordo com o seu Artigo XXVI, o TCA “não é
aberto a adesões”. Dessa maneira, eventual ingresso da França na
Organização dependeria de emenda ao Tratado.

A proposta de ingresso da França na OTCA, que divide os países-


membros, possibilitaria, por um lado, o aumento das contribuições, o
que poderia melhorar a delicada situação financeira da Organização.
Por outro lado, faria parte da OTCA um país europeu, rico, com ca-
racterísticas, história e interesses dificilmente similares aos dos países
sul-americanos reconhecidamente amazônicos (Gadelha, 2009, p.32).

Para além das dificuldades financeiras, deve-se refletir sobre


as implicações que o ingresso da França traria para o processo
decisório da cooperação amazônica. Baseadas no princípio da
96 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

unanimidade, as decisões no âmbito da OTCA estariam su-


jeitas a veto de um país com interesses totalmente diferentes,
mesmo que a matéria fosse objeto de consenso entre os países
tradicionalmente amazônicos.

Há que se considerar atentamente eventuais implicações de um hipo-


tético ingresso francês na OTCA, cotejando-se os possíveis benefícios
financeiros e a inclusão de interesses até certo ponto alienígenas no já
complexo processo decisório da Organização (Gadelha, 2009, p.32).

De acordo com o argumento de Ricupero (1995, p.365), pensa-


mos que a entrada da Guiana e, consequentemente, da França não
deve ser aprovada pelos países amazônicos, já que o processo de coo-
peração fundamenta-se no princípio da soberania sobre territórios
de natureza amazônica, assim, “Não pode haver critério mais objeti-
vo e imparcial. Nenhum país poderá arrogar-se o direito de conceder
ou negar a outro a condição de amazônico, já que ela constitui um
dado da Geografia”. Então, por mais que a Guiana possua esta ca-
racterística, a soberania na região é exercida pela França, que diverge
em muito das características dos demais países, e, portanto, consti-
tuiria um ponto fora da reta para a cooperação amazônica, capaz de
gerar profundas dificuldades políticas.

O Tratado de cooperação amazônica

Aspectos formais

O Tratado é constituído de um Preâmbulo e 28 artigos. A aná-


lise dos aspectos formais do Tratado, feita por Adherbal Mattos
(1981), organiza os artigos em três subdivisões: aspectos materiais
e a noção de território amazônico (artigos de n. I a XIX); aspectos
organizacionais com a apresentação de seus cinco órgãos (artigos de
n. XX a XXIV); e, aspectos formais, reservas, adesão, ratificação e
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 97

depósito (artigos XXV a XXVIII). Seguindo essa divisão, faremos


alguns comentários destacando as partes principais dos artigos.
Os aspectos materiais e a noção de território amazônico aos
quais Adherbal Mattos faz referência analisando os primeiros 19 ar-
tigos de forma agrupada são diversos e muito importantes. Por isso,
a partir da leitura e estudo do TCA, pode-se identificar os seguintes
elementos, presentes nos respectivos artigos:
Elementos do território amazônico: Noção de território (Ar-
tigo II), Navegabilidade (Artigos III e VI), Utilização de recursos
naturais (Artigos IV, V e XIV). Elementos de ação conjunta: Saúde
(Artigo VIII), Estímulo à troca de Informações e à Pesquisa (I, VII,
IX, XI e XV), Infraestrutura (X), Comércio (XII), Turismo (XIII),
Posição do TCA sobre acordos paralelos (XVI, XVIII e XIX).
Partindo para a segunda subdivisão dos artigos do TCA,
realizada por Mattos (1981), pode-se destacar entre os aspec-
tos organizacionais as Reuniões dos Ministros das Relações
Exteriores que, sendo o órgão supremo do Tratado de Coope-
ração Amazônica, têm, de acordo com o Artigo XX, o “fim de
fixar as diretrizes básicas da política comum, apreciar e ava-
liar o andamento geral do processo de cooperação amazônica
e adotar as decisões tendentes à realização dos fins propostos
neste instrumento” (TCA, 1978).
Em seguida, os Artigos XXI, XXIII e XXIV versam respecti-
vamente sobre o Conselho de Cooperação Amazônica, as Comis-
sões Nacionais Permanentes e as Comissões Especiais da Região
Amazônica, órgãos estes que se constituem como mecanismos ins-
titucionais de atuação, os quais serão abordados especificamente no
próximo capítulo. O Artigo XXII diz respeito às funções de Secre-
taria, que adquiriu caráter permanente com a Emenda de 1998 e a
consequente institucionalização da OTCA em 2002. Por isso, será
tratada a Secretaria Permanente no próximo capítulo, que aborda
especificamente a fase institucional do Tratado.
Dando sequência ao estudo formal do TCA, o Artigo XXV esta-
belece que as decisões adotadas no âmbito das Reuniões dos Minis-
tros das Relações Exteriores, do Conselho de Cooperação Amazônica
98 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

e da criação de Comissões Especiais “requererão sempre o voto unâ-


nime dos Países Membros do presente Tratado” (TCA, 1978).
Chegamos, então, à terceira parte da subdivisão dos artigos do
TCA, realizada por Mattos (1981). O Artigo XXVI é bastante cla-
ro ao apontar que “As Partes Contratantes acordam que o presente
Tratado não será susceptível de reservas ou declarações interpretati-
vas”. O artigo seguinte define que o TCA “terá duração ilimitada e
não estará aberto a adesões” (TCA, 1978).
O Artigo XXVIII trata do processo de ratificação do Tratado,
declarando que este entrará em vigor trinta dias depois de deposita-
do o último instrumento de ratificação das Partes Contratantes e que
o mesmo será redigido nos idiomas português, espanhol, holandês e
inglês, fazendo todos igualmente fé.
O diplomata brasileiro Rubens Ricupero teve “destacada
atuação na elaboração e negociação do Tratado de Cooperação
Amazônica”, para ele “as características essenciais desse com-
promisso são as seguintes”:

Em sua forma definitiva, o Tratado apresenta características de um am-


plo Acordo-Quadro, que estabelece as coordenadas gerais da coopera-
ção, com a flexibilidade suficiente para amoldá-la às circunstâncias das
Partes (Ricupero apud Mattos, 1980, p.121).

A respeito dos princípios que presidiram a construção do TCA


Mattos (1980) afirma o seguinte:

Debaixo do arcabouço formado pelos 28 artigos do Tratado podem dis-


tinguir-se as vigas-mestras dos seus cinco princípios fundamentais:
1º) a competência exclusiva dos países da Região no desenvolvimento e
proteção da Amazônia; 2º) a soberania nacional na utilização e preserva-
ção dos recursos naturais e a consequente prioridade absoluta do esforço
interno na política de desenvolvimento das áreas amazônicas de cada
Estado; 3º) a cooperação regional como maneira de facilitar a realização
desses dois objetivos; 4º) o equilíbrio e harmonia entre o desenvolvi-
mento e a proteção ecológica; e 5º) a absoluta igualdade entre todos os
parceiros (Mattos, 1980, p.122).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 99

Os objetivos prioritários do tratado de cooperação


amazônica

Entre o reduzido número de trabalhos acadêmicos que anali-


sam, de alguma maneira, a articulação política regional, é muito
comum encontrar uma perspectiva bastante pessimista quanto ao
passado, presente e futuro do processo de cooperação entre os países
amazônicos. Os analistas, certamente buscando implicações empí-
ricas da assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica, na forma
de instituições, infraestrutura física, integração regional e comércio,
não encontram resultados convincentes.
Em algumas publicações, o processo de coordenação política
entre os países amazônicos é analisado como sendo ineficiente, afir-
mando-se também que não há vontade política dos países em lidar
de maneira responsável com a região, marginalizada dentro dos ter-
ritórios nacionais. Já que, no caso da Amazônia, esta é uma região,
em geral, periférica em todos os países amazônicos, o que dificulta a
sua integração aos territórios nacionais e também dificulta a intera-
ção e integração entre os países amazônicos (Sant’Anna, 2009, p.3).
Soma-se, ainda, a mais incisiva acusação, e, como de costume em
afirmações contundentes, também é a mais errônea a afirmação de
que a cooperação amazônica sob as diretrizes do TCA é um fracasso.
Estas análises causam grande frustração, frente à importância e
ao apreço que a região desperta. O resultado é o julgamento de que
o Tratado de Cooperação Amazônica é mais um acordo sem efeti-
vidade na América Latina, que não é capaz de gerar nada mais do
que discursos e burocracias diplomáticas. Trata-se, para alguns, da
“elaboração de mais um acordo entre os tantos existentes na Améri-
ca Latina, boa parte dos quais enfeites ou letras mortas do mundo da
diplomacia do subdesenvolvimento” (Procópio, 2005, p.233).
Para poder analisar seus resultados, é necessário ir às origens
do TCA, explorando seu processo de negociação e construção po-
lítica para entender quais eram os objetivos iniciais da proposta de
cooperação. Para tanto, em diálogo com o trabalho de Torrecuso
(2004) buscarei compreender “as insuficiências dessa cooperação
100 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

amazônica, mas procurando realizar uma análise do TCA de acor-


do com seus objetivos e com os meios que estavam disponíveis para
a realização dos mesmos”.
Não defendo aqui que a coordenação política e institucional na
região seja satisfatória perante as necessidades e aos complexos de-
safios da região. Porém, analisarei, a seguir, os objetivos prioritários
do Tratado de Cooperação Amazônica para poder analisar substan-
cialmente os seus resultados. Um dos objetivos desta análise é com-
preender porque é falsa a afirmação de seu fracasso. Buscarei, com
isso, dar passos iniciais na desconstrução do pessimismo estabeleci-
do com relação à efetividade e ao potencial de desenvolvimento da
cooperação amazônica.

Se a menção, no texto do Tratado, é à conjugação de esforços para pro-


mover o desenvolvimento da Amazônia, é preciso lembrar que as ativi-
dades sobre sua atribuição não envolvem a execução de ações, mas sim
a coordenação de políticas e instituições, no âmbito do Tratado, e a pro-
dução e divulgação de conhecimento sobre a região amazônica. Não faz
sentido, portanto, cobrar de tal instituição a responsabilidade pelo cres-
cimento do desmatamento na Amazônia, ou a inexistência de políticas
públicas adequadas, pois essas são responsabilidades das burocracias
nacionais (Torrecuso, 2004, p.87).

Um dos motivos que levam a uma análise negativa da eficácia do


TCA e de sua trajetória é o desconhecimento dos reais objetivos des-
te acordo. Tendo em vista a grandeza da Amazônia, espera-se de um
acordo firmado entre todos os países da região que produza resulta-
dos também grandes e significativos. Muitas vezes, a urgência das
necessidades regionais faz que os analistas negligenciem os objetivos
acordados e imputem ao processo de cooperação obrigações que não
foram matéria de comprometimento entre os países.

Para a compreensão do fato de que o objetivo que levou à assinatura do Tra-


tado foi garantir a primazia dos Países Contratantes sobre seus respectivos
territórios amazônicos e que, posteriormente, o tema do desenvolvimento
sustentável passou a corresponder a sua principal área de cooperação, é im-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 101

portante analisar a constituição histórica do TCA. É necessário olhar para


além do texto do Tratado para observar os reais interesses e condições dos
países amazônicos à época de assinatura (Torrecuso, 2004, p.6).

Cabe-nos a tarefa de buscar sedimentar que, como demonstra


Torrecuso (2004, p.96):

Quando da análise histórica do Tratado, o contexto externo foi de-


terminante para a proposição do Tratado, em 1977, e entre os fatores
regionais e internacionais identificados, este foi preponderante. Com
efeito, o TCA foi assinado como resposta dos países amazônicos às
supostas crescentes pressões sobre o padrão de desenvolvimento apli-
cado na região, que tendiam, segundo acreditavam, a propor uma in-
gerência internacional sobre a mesma. O texto do Tratado procura,
claramente, reafirmar a soberania dos países signatários sobre seus
respectivos territórios amazônicos.

A influência dos constrangimentos externos foi tão marcante


para a iniciativa brasileira de propor a cooperação amazônica que,
após detida análise do caso, Torrecuso (2004, p.55) afirma que “en-
tre os fatores que concorreram para a assinatura do TCA, o elemen-
to externo foi preponderante, e, em relação a este, particularmente a
pressão internacional sofrida pelo governo brasileiro se destacou”.
O autor chega a afirmar que “de fato, se não houvesse existido tal
constrangimento, o país poderia continuar em seus entendimentos
bilaterais, os quais apresentavam bastante sucesso”, sem ter a neces-
sidade de trabalhar pela cooperação a nível regional.
O trabalho de Pimenta (1982), realizado na George Washington
University, aponta em suas conclusões que a arena internacional im-
pôs mais constrangimentos para a elaboração e assinatura do TCA
do que os incentivos de caráter regional.

From the proceding analysis of the Traty for Amazonian Cooperation


in the light of Brazil’s regional and international constraints, I have
arrived at some specific and basic conclusions. The first and most im-
portant one is that the international arena has tended to impose more
102 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

pressing constraints on Brazil than has the regional realm and has be-
come the main area of concern of Brazilian diplomacy. This tendency
could very well not be perceived if one attempted to analyse and explain
the Treaty by means of a balance of power or a power politics approach
restricted to the regional subsystem. The Treaty is rather a juridical and
political means to respond to challenges located outside the boundaries
of that subsystem, in order to protect the Brazilian national goals of de-
velopment – specifically the development of the Amazonian area – and,
above all, of sovereignty (Pimenta, 1982, p.130).

Para este autor, em contraste com os objetivos típicos do regio-


nalismo, que visam a integração regional, o Tratado de Cooperação
Amazônica foi realizado em função da autonomia nacional e para
aumentar as vantagens de barganha vis-à-vis o ambiente global.
Como fica bem claro pela leitura do Tratado de Cooperação Ama-
zônica, em seu Artigo IV, o principal interesse comum acordado
entre os países da região foi e continua sendo o seguinte: “As Partes
Contratantes proclamam que o uso e aproveitamento exclusivo dos
recursos naturais em seus respectivos territórios é direito inerente
à soberania dos Estados e seu exercício não terá outras limitações
senão as que resultarem do Direito Internacional” (TCA, 1978).
Por meio deste Artigo é fácil constatar duas afirmações, presen-
tes em grande parte dos estudos sobre a cooperação amazônica. A
primeira é a de que o TCA desejou reafirmar a soberania dos países
amazônicos frente a interferências externas, frequentemente dis-
cutidas por órgãos de países desenvolvidos à época de negociação
do Tratado. Outra constatação é a de que os países amazônicos não
iriam submeter suas estratégias de desenvolvimento às crescentes
preocupações ambientais, alarmadas principalmente após as in-
ferências do Clube de Roma e da Conferência de Estocolmo, em
1972. Esta resposta fica evidente pela afirmação de que a “soberania
dos Estados e seu exercício não terá outras limitações senão as que
resultem do Direito Internacional”.
A supremacia deste objetivo no âmbito da cooperação amazô-
nica é tão grande que se pode encontrar autores afirmando até que:
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 103

O principal objetivo do Tratado foi “o interesse comum dos oito Esta-


dos em reafirmar sua soberania contra as ameaças externas” e não apro-
fundar as relações de cooperação entre si próprios (Caubet, 19848 apud
Torrecuso, 2004, p.48).

Porém, discordo radicalmente desta tese, uma interpretação de


Torrecuso (2004) sobre o artigo de Caubet (1984). Considera-se que
tal exagero tenha sido utilizado como um recurso para dar ênfase à
necessidade de reafirmação da soberania.
Como demonstra Gadelha (2009), a postura defensiva e sobera-
nista da cooperação amazônica frente ao contexto internacional era
bastante clara, e o governo brasileiro teve grande influência nesse
posicionamento:

A internacionalização desse debate não é nova, como não é nova


a posição do Governo brasileiro. Cabe soberanamente aos países
amazônicos desenvolver seus territórios da maneira que lhes aprou-
ver. Esse paradigma é a base da própria assinatura do TCA em
1978, quando os governos sul-americanos já refutavam o discurso
intervencionista emanado do Clube de Roma e da Conferência de
Estocolmo [...] As insinuações de que os recursos naturais dos paí-
ses em desenvolvimento deveriam ser usados conforme modelos
ditados por instituições sediadas em países centrais, como o Clube
de Roma, indicavam a necessidade de os países amazônicos reuni-
rem-se em torno de objetivos comuns. A diplomacia do pragmatis-
mo responsável não se furtou à responsabilidade de liderar esforços
para que os países amazônicos adotassem princípios comuns e au-
tóctones de desenvolvimento (Gadelha, 2009, p.54).

No entanto, o Tratado atribuiu uma série de outros objetivos e


temas a serem conduzidos pela cooperação regional. Assim, é bas-
tante pertinente compartilhar o seguinte conjunto de fatores, des-

8 Caubet, Christian. Le Traité de Coopération Amazonienne: régionalisation et déve-


loppement de l’Amazonie. Annuaire Français de Droit International, XXX, p.803-
818, 1984.
104 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

tacados por Montenegro (1993), acerca dos objetivos essenciais do


TCA, que são:

a) O interesse de reafirmar a soberania dos países da área sobre seus


respectivos programas de desenvolvimento amazônico, que poderia
ficar comprometida por renovadas pressões internacionais na medida
do esgotamento dos recursos naturais e das necessidades dos países in-
dustrializados;
b) O reconhecimento da importância da preservação do meio ambiente
sem prejuízo do desenvolvimento da região, como meio de resistir às
“cruzadas ecológicas” – vistas como outra forma de pressão dos países
centrais para manter a Amazônia como área de reserva estratégica;
c) A relevância da cooperação regional como meio de fortalecer a capaci-
dade nacional de promover o desenvolvimento amazônico, em face das
limitações de recursos do país;
d) A necessidade de reafirmar, por meio da cooperação, a igualdade ab-
soluta dos países da região em um quadro de cooperação, como meio de
“desarmar os espíritos”, afetados pelas dificuldades diplomáticas moti-
vadas pela questão de Itaipu;
e) O interesse de reservar o maior espectro possível de temas relativos ao
“desenvolvimento e à proteção” da Amazônia à “competência exclusiva
dos países da região (Montenegro, 1993, p.14).

Pode-se notar que o acordo possui pretensões bastante amplas,


visando contemplar todos os temas sensíveis que envolvem interes-
ses compartilhados pelos países amazônicos.
Por esta natureza, não se buscava estabelecer processo vincu-
lantes ou obrigatoriedades às partes, posto o princípio da igualdade
e unanimidade das decisões, e principalmente dado que o fortale-
cimento da soberania dos países sobre seus territórios é o primeiro
objetivo destacado. Assim:

Uma das ideias-força do Tratado de Cooperação Amazônica, expressa


em seu texto fundador e reiterada em declarações que se sucederam, é
a de que corresponde única e exclusivamente aos países amazônicos a
responsabilidade no desenvolvimento e na proteção da região. Quase
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 105

um quarto de século depois de haver sido formulada, essa postura mos-


tra-se cada vez mais oportuna e necessária. Na articulação de sua defesa
torna-se instrumental a existência de um mecanismo regional, dotado de
elementos de solidariedade [grifo meu] (Amorim, 2003, p.6).

Como o acordo trata de assuntos de alto nível estratégico, os paí-


ses buscaram contemplar um grande número de temas, expressando
sua disposição em cooperar para resolver problemas e melhorar a ar-
ticulação regional. Porém, esta abrangência ampla, deliberada pelos
negociadores, também resguardava a cautela dos países em não com-
prometerem ou subordinarem seus interesses nacionais ao Tratado.

A característica típica de regimes internacionais de abranger o escopo


mais amplo possível de temas, tornando-os interdependentes entre si,
incluía, no preâmbulo do Anteprojeto do TCA, uma menção à defesa
da Amazônia. Esse objetivo, como se recorda, ligava-se à permanente
preocupação com a interferência externa na Amazônia, mas destina-
va-se também a apoiar a vigilância da região em termos de atividades
ilícitas [...] A primeira versão do TCA (setembro de 1977), portanto,
apresentava um programa ambicioso, que se referia a temas delicados
(Montenegro, 1993, p.14).

De fato, trata-se de um acordo elaborado conscientemente para


ter um escopo amplo ao invés de determinações limitantes. Isto se
deve à posição extremamente sensível e estratégica que a Amazônia
ocupa na política interna e externa dos países que a compõe.

A flexibilidade é uma das grandes virtudes do Tratado de Cooperação


Amazônica. Seus negociadores quiseram-no suficientemente elástico para
permitir a acomodação das assimetrias, das prioridades, das característi-
cas de cada ordenamento interno. [...] Esse traço ocasionou, de um lado,
o lento amadurecimento dos mecanismos de implementação do Tratado.
De outro, porém, permitiu que permanecesse um instrumento válido, um
referencial de integração através dos anos, que não se viu afetado por mu-
danças às vezes radicais no contexto regional (Amorim, 2003, p.6).
106 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Além disto, “tais fatores levaram à celebração de um Tratado de con-


teúdo mais político do que técnico ou jurídico” afirma Torrecuso (2004,
p.54), “caráter que tende a favorecer a continuidade da cooperação, já
que requer a conclusão de acordos complementares para sua eficácia”.
Há que se considerar que, dada a instabilidade política histórica
existente entre os países da região, muito dificilmente, ou melhor, se-
ria praticamente impossível, estes países conseguissem alcançar o con-
senso necessário para assinar um acordo regional que impusesse, de
imediato, consequências diretas na administração e desenvolvimento
de seus territórios tão valiosos quanto as áreas amazônicas. De tal for-
ma, a característica de uma regulamentação limitadora se faz presente
sim no Tratado de Cooperação Amazônica. Porém, esta regulamenta-
ção é limitadora em relação à ingerência de países e interesses externos
à região, a partir do momento que a coesão regional reforça a garantia
das soberanias nacionais sobre seus territórios amazônicos.
Assim, é evidente que a característica de “diplomacia de pro-
jeto” possui certo grau de eloquência quando se analisa a coopera-
ção amazônica. Isto porque estes países, reunidos em torno de um
tratado internacional firmado em 1978, expressam sua disposição
em cooperar em diversas áreas de extrema relevância para a região.
Mas, àquela época, não se encontravam ainda preparados ou pos-
sibilitados para definir técnica e especificamente como proceder na
conjugação de esforços e na implantação de ações práticas. Por este
motivo, essencialmente, a cooperação amazônica é julgada até hoje
como um ideal que parece ser permanentemente relegado ao futuro.

Fontaine (2006) critica a Organização [OTCA] no sentido de que existe


uma contradição entre os critérios que orientam a formulação das polí-
ticas da OTCA, fazendo com que muitas das decisões sejam tomadas
como declarações ou discursos reiterativos, sem implicações concretas.
Ademais, indica o mesmo autor, existe uma baixa interação e coordena-
ção entre os Estados-Membros e a Organização, o que demonstra pou-
co entusiasmo para fazer da OTCA um instrumento de integração sub
-regional. Como aponta Aragon (2002), a Organização tenta formular
e implementar propostas que levem à integração e ao desenvolvimento
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 107

sustentável da região amazônica como um todo, no entanto, são maio-


res as iniciativas nacionais existentes e poucas as propostas coordenadas
entre os Países-Membros e a OTCA, o qual demonstra que ainda falta
muito para concretizar esse espaço de cooperação tão almejado (Piedra-
Calderon, 2007, p.73-74).

Um processo de cooperação em uma região tão complexa como


a Amazônia, com disparidades, divergências e assimetrias tão mar-
cantes e históricas entre seus componentes não pode ser cobrado na
perspectiva do curto prazo. É claro que se deve lembrar que a coope-
ração amazônica, iniciada com a assinatura do Tratado em 1978, já
completa mais de 30 anos, porém, a análise detalhada do período nos
mostrará que um processo de tal magnitude exige constantes reno-
vações de compromisso e vontade política para que seu engajamento
seja duradouro e produtivo. Assim, perceberemos mais adiante que
apesar de ultrapassar três décadas de duração, é partir de 2002 que a
cooperação amazônica se volta para a execução de projetos, ou seja,
para a materialidade.
Há necessidade de compreender também que a cooperação
amazônica, conforme estruturada pelo Tratado, especialmente em
seus artigos finais, é um processo multilateral, com características
decisórias ancoradas na unanimidade, e onde todas propostas, deli-
berações e resoluções devem se dar por meio da via diplomática. Ou
seja, a complexidade da cooperação amazônica exige o consenso a
todo o momento, e, além disso, precisa percorrer os longos caminhos
da consulta e aprovação política para que a diplomacia de projeto
passe a ganhar contornos mais visíveis e concretos.
Tem-se ainda que esclarecer que o recorrente negativismo na
análise da cooperação amazônica se deve à perspectiva equivocada
com a qual se observa este processo. Entre os aspectos do TCA que
causam certa perplexidade entre alguns especialistas, está o fato de
o analisarem no quadro das teorias ou dos projetos de integração re-
gional, comparando-o com tratados do gênero assinados anterior-
mente e seus resultados, acabando por definir o acordo da região
amazônica comumente como um “acordo-quadro”.
108 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Não se deve, de fato, esperar do TCA comportamento semelhante


ao de organismos de integração regional dotados de personalidade
jurídica. Contudo, no plano da coordenação de políticas nacionais,
a influência do TCA na última década [1980] se fez sentir, entre ou-
tros aspectos, ao estabelecer as bases, conquanto gerais, da negocia-
ção, ora em curso, de diversos esquemas de integração fronteiriça
(Montenegro, 1993, p.14).

Decorridos mais de 30 anos da assinatura do TCA pelos países


amazônicos, e tendo em vista que seu objetivo geopolítico principal
era garantir a soberania dos países na utilização e na conservação de
seus territórios amazônicos, não se pode afirmar que o acordo tenha
fracassado. É evidente que seu desempenho está muito aquém das
potencialidades e das necessidades das populações amazônicas, po-
rém, do ponto de vista das relações internacionais, não se pode afir-
mar sobre o TCA que se trata de um acordo “letra morta”, que não
atingiu seus objetivos. Desta forma:

Muitas das críticas feitas ao TCA partem de uma visão equivocada


de seu propósito, ao menos em relação ao que foi estabelecido inicial-
mente, e superestimam sua capacidade operacional. Se, como tivemos
oportunidade de observar, o propósito inicial do TCA, que levou à sua
assinatura, foi o de reforçar a soberania dos Países-Contratantes sobre
seus respectivos territórios amazônicos, a análise da eficácia do Tratado,
enquanto este objetivo único persistiu, deve reconhecer que o mesmo
foi alcançado e que, portanto, o mesmo foi eficaz, para este propósito
(Torrecuso, 2004, p.86).

Do ponto de vista da segurança, as décadas de 1960 e 1970


marcam um período de forte presença militar no comando de
países sul--americanos, como nos casos de Argentina, Bolívia,
Brasil, Chile, Paraguai e Peru. Kilca (2006) ressalta que naquele
período “alguns dos futuros membros do TCA estavam ou no
início dos respectivos regimes militares, como no caso do Peru
(1968), Bolívia (1971) e Equador (1972), ou no ápice do recrudes-
cimento destes regimes, como no caso brasileiro (1969-1974)”.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 109

Mostra, ainda, que “em termos de Bacia Amazônica, somente a


Venezuela e a Colômbia não enfrentavam golpes/Revoluções de
Estado no período”.
Neste contexto, o tema da segurança passa a ser ainda mais im-
portante na agenda política dos países. Mesmo não pretendendo es-
tabelecer uma política comum de segurança regional, não se pode
excluir a influência do tema da segurança no processo de construção
política do TCA.

De fato, o TCA, em suas funções, tem o duplo papel de: a) criar


oportunidades novas para o contato internacional, no sentido da
cooperação; e b) evitar o surgimento de conflitos. Tanto em um sen-
tido quanto noutro, o TCA se enquadra entre as preocupações da
política externa brasileira de reafirmar sua soberania e evitar atritos
e tendências que pudessem isolá-lo politicamente dos seus vizinhos
(Montenegro, 1993, p.7).

A soberania dos países amazônicos estava diretamente relacio-


nada à questão da internacionalização da Amazônia, que havia sido
levantada no cenário internacional desde o Acordo de Iquitos, de
abril de 1948, “pelo qual a Unesco tentou criar o chamado Instituto
Internacional da Hiléia Amazônica” (Mattos, 1980, p.123). Frente
à polêmica quanto à cobiça internacional pela região, os países ama-
zônicos se encontravam ainda mais motivados a se unirem em favor
da manutenção de suas soberanias, o que se tornou possível por meio
de um instrumento jurídico internacional, o Tratado de Cooperação
Amazônica.

O acordo, que entrou em vigor em 1980, inseria-se em uma lógi-


ca defensiva, soberanista, refratária a intervenções estrangeiras em
nome da preservação ambiental. A construção de uma visão co-
mum de Amazônia amparava-se em conceitos como o direito ao
desenvolvimento, o respeito à soberania, a cooperação e a integra-
ção regional. Ainda sob regime militar, o Brasil, segundo Fonseca
Jr. (1988), mantinha, junto à comunidade internacional, hipotecas
relativas às questões do meio ambiente, dos direitos humanos e da
110 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

tecnologia nuclear, e a assinatura do TCA era uma sinalização de


que a inserção brasileira na agenda internacional assentava-se sobre
as bases da cautela e da gradualidade (Gadelha, 2009, p.18).

Pode-se ver, portanto, que as motivações iniciais do processo


de cooperação amazônica estão ligadas a fatores estratégicos tradi-
cionais das relações internacionais: soberania e território. Este é o
motivo pelo qual tem surgido análises sobre o papel do TCA frente à
possibilidade de uma “Intervenção Ecológica” internacional, como
é o caso do trabalho de Kilca (2006).
Para o autor, a ampliação do conceito de intervenção/ingerência
humanitária para a intervenção/ingerência ecológica no âmbito da
Organização das Nações Unidas pode gerar muitos riscos à soberania
dos países amazônicos. De acordo com Kilca (2006), o histórico inte-
resse internacional pelas riquezas da Amazônia, somado ao aumento
da demanda por recursos naturais e, principalmente, à militarização da
questão ambiental, são fatores que devem preocupar os países amazô-
nicos em escala crescente, desde a assinatura do TCA até a atualidade.
Por isto, o autor questiona se:

O Direito de Intervenção Ecológica pode representar um estratagema


que teria por desígnio legitimar a apropriação dos recursos naturais da
região amazônica, utilizando para isso um discurso de preocupação am-
biental e proteção dos direitos humanos. (Kilca, 2006, p.54).

A partir desta reflexão, o autor infere que:

[...] em uma conjuntura de globalização econômica – com efeitos na


mudança das relações de poder – e militarização da questão ambiental,
a elaboração da noção de Intervenção Ecológica – nos moldes como está
sendo arquitetada – necessita de profunda reflexão, não somente pelos
países signatários da OTCA, mas pelos demais países que se encontram
na periferia das relações de poder global (Kilca, 2006, p.54).

De fato, fica bem claro que a atenção dada pelos países amazô-
nicos à necessidade de garantirem sua soberania possuía motivos
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 111

reais, já na década de 1970, que ganharam complexidade crescente


ao longo do tempo até alcançar esta problemática situação explo-
rada por Kilca (2006). No mesmo sentido, encontra-se o trabalho
de Oliveira (2007), realizado no Colégio Interamericano de Defesa,
em Washington, que analisa o “Tratado de Cooperação Amazônica
como Instrumento de Segurança Hemisférica e de Desenvolvimento
Econômico-Social da Região Amazônica”.
A perspectiva de Oliveira (2007) é a de que, ao atuar como or-
ganismo regional multilateral, com base no princípio da soberania
dos países-membros do Tratado, a OTCA é capaz de incrementar
iniciativas, medidas, programas e projetos estratégicos nos vários
campos do poder (político, econômico, social e militar), para impul-
sionar a integração e o desenvolvimento sustentável da região. “O
que contribuirá para solucionar ou minimizar os problemas existen-
tes na região, contribuindo, assim, de forma concreta e eficiente para
a segurança hemisférica” (Oliveira, 2007).
Muitos são os estudos e indícios que demonstram a pujança do
objetivo de garantir a soberania nacional dos países da região mani-
festado na assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica. Por ou-
tro lado, é óbvio que a refirmação da soberania não constituiu o único
objetivo do TCA, mas é dado que foi eficaz em salvaguardar a Ama-
zônia contra a ingerência externa direta, que de fato não ocorreu.
Em função justamente de sua baixa efetividade frente ao po-
tencial e às suas demandas, é comum encontrarmos na literatura
sobre o assunto a denominação do Tratado de Cooperação Ama-
zônica como um acordo deliberadamente amplo, incorporando
antes características de “diplomacia de projeto”9 do que traços
de uma regulamentação limitadora (Montenegro, 1993). Esta de-
nominação é bastante controversa, e merece um debate capaz de

9 O valor da diplomacia de projeto como “a que melhor convém a uma situação de


fronteira, onde não valem os métodos de outras terras e tudo tem de ser reaprendido
e reinventado” é destacado por Ricupero, op.cit. O tema da “diplomacia de projeto”
fora usado também pelo então chanceler Azeredo da Silveira, no discurso por ocasião
da assinatura do TCA, em 3 de julho de 1978. Resenha de Política Exterior do Brasil,
18, jul.-set. 1978, p.15.
112 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

realizar alguns esclarecimentos. Abordemos parte a parte os ele-


mentos desta discussão.
Feita a devida revisão dos objetivos que motivaram os países
amazônicos a ampliar seus padrões de negociação e relacionamento
em temas de interesse comum, Torrecuso afirma que:

Foi obtida uma conclusão distinta da percepção comum nos meios aca-
dêmico e político de que o TCA foi uma instituição ineficaz e que não
realizou atividades para atender aos seus objetivos. A partir da constata-
ção de que o objetivo que levou à assinatura do Tratado foi o de garantir
a soberania dos países signatários sobre o território em face das ameaças
externas percebidas e que, ademais, a concertação política desenvolvida
no âmbito do Tratado, entre outras esferas, permitiu a diminuição das
tensões em relação ao Brasil e a consolidação de sua influência, conclui-
-se que o TCA atendeu ao seu propósito inicial (Torrecuso, 2004, p.86).

Estas constatações são fundamentais no estudo da coopera-


ção amazônica. Não para que se passe a considerá-la como uma
dinâmica positiva. Mas sim porque o reconhecimento devido
de sua eficiência reforça as bases do processo e confere motiva-
ção para que os próximos passos sejam dados com a perspectiva
de maiores avanços. Sem negligenciar as dificuldades existen-
tes, deve-se ter em mente que a cooperação amazônica possui
bases sólidas o suficiente para sustentar um maior aprofunda-
mento das negociações. São estes elementos que serão avalia-
dos mais adiante. Antes disso, percorreremos a trajetória que
possibilitou a criação da OTCA.

Acordos e desdobramentos posteriores à


assinatura do TCA

Após a assinatura do Tratado, a década de 1980 foi permeada de


problemas e transformações políticas, econômicas e sociais no con-
texto internacional e, principalmente, no contexto interno de mui-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 113

tos dos países amazônicos. Como veremos mais detalhadamente na


trajetória analisada neste capítulo, as dificuldades dos anos de 1980,
como a crise das dívidas pública e externa, instabilidade econômica e
processos de redemocratização, levaram os países da região a privile-
giar mais seus interesses e necessidades individuais do que o esforço
conjunto no âmbito regional.

Em um estudo encomendado pela própria OTCA, foram identificadas


várias razões para “o longo período de inatividade do Tratado, entre sua
assinatura e 1989”.
Algumas das razões colocadas ainda persistem e são obstáculo à maior
eficácia da cooperação amazônica, quais sejam: dificuldades econômicas
e de transição política; inexistência de uma agenda política para a Ama-
zônia nos países membros; resistência do Brasil às pressões ambienta-
listas internacionais e sua disposição de responder unilateralmente a tais
demandas; pequena participação de grupos da sociedade civil nas ini-
ciativas do Tratado; e desenvolvimento incipiente da consciência ama-
zônica e pouco compromisso com a agenda política do Tratado (Quiro-
ga e Marcovitch, 2003, p.7 apud Torrecuso, 2004, p.65).

Assim, o TCA entrou em vigor em 1980, mas permaneceu a


maior parte da década na inatividade.

Ao longo desse período, os encontros das instâncias políticas e de coo-


peração, previstas no texto do Tratado, tampouco se realizaram com a
regularidade prevista.10 No entanto, a partir da realização do primeiro
encontro de Presidentes do TCA, em maio de 1989, o Tratado presen-
ciou o início de um processo de revigoramento de sues instâncias políti-
cas, as quais mantiveram reuniões com maior frequência e regularidade,
e de crescimento institucional, o que é percebido pela criação de novas
Comissões Especiais (Torrecuso, 2004, p.60).

10 As Reuniões de Ministros das Relações Exteriores na década de 1980 restringiram-se


a três: 1980 em Belém, 1983 em Cali, e 1989 em Quito. Já o Conselho de Cooperação
Amazônica se reuniu neste período em Lima em 1983, em La Paz em 1986, e em
Brasília em 1988.
114 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

O objetivo nesta seção é demonstrar como a existência do TCA


possibilitou a assinatura de novos e diversificados após sua assina-
tura, traduzindo uma eficiência real na aproximação entre os países
amazônicos. Mesmo que, em termos efetivos, o TCA tenha sido
considerado inativo de 1978 a 1989, sua contribuição para melhoria
e incremento das relações entre os países amazônicos ficará evidente
após o exposto a seguir, com destaque maior após o ano de 1989.
O que se pode verificar na análise política do período posterior à as-
sinatura do Tratado de Cooperação Amazônica é que este configura um
acordo regional que permite celebrar novos acordos sobre temas especí-
ficos. Exemplo disto são os compromissos internacionais firmados en-
tre Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru e Venezuela a partir da assinatura do
TCA. Os dados seguintes estão disponíveis na página virtual da OTCA.11
Com a Bolívia, desde 1978 até 1998, foram celebrados o Acordo
por Troca de Notas, para a Supressão de Visto em Passaportes Diplo-
máticos e de Serviço (1988); Convênio para a Preservação, Conser-
vação e Fiscalização dos Recursos Naturais nas Áreas de Fronteira
(1988); Acordo por Troca de Notas Reversais, sobre a Compra e Ven-
da de Gás Natural Boliviano (1992); Acordo por Troca de Notas, para
a Criação de um Mecanismo Bilateral de Consultas Políticas (1994);
Acordo por Troca de Notas para a Supressão de Visto em Passaportes
Comuns (1995); Acordo para a Isenção de Impostos Relativos à Im-
plementação do Projeto do Gasoduto Brasil-Bolívia (1997); Acordo,
por Troca de Notas, Relativo à Criação dos Comitês de Fronteira Bra-
sileiro-Bolivianos (1997); Convênio para a Preservação, Conservação
e Fiscalização dos Recursos Naturais nas Áreas de Fronteira (1998) e
Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de Programa
de Cooperação Técnica (1998).
Com a Colômbia, desde 1978 até 1999, foram celebrados o
Tratado de Amizade e Cooperação (1985); Acordo de Cooperação
Científica e Tecnológica (1986); Acordo de Cooperação Amazônica
(1986) e Acordo de Cooperação para Impedir o Uso Ilegal de Pre-
cursores Químicos no Processo de Entorpecentes (1999).

11 Disponível em: <http://www.otca.info>.


A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 115

Com o Equador, desde 1978 até 1985 foram celebrados com o


Acordo Básico de Cooperação Técnica (1984); Tratado de Amizade e
Cooperação (1984); Acordo Básico de Cooperação Científica e Tecno-
lógica (1985); Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir
a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre a Renda (1987); Con-
vênio Complementar de Cooperação Técnico-Científica na Área Nu-
clear (1990) e Acordo de Cooperação Cultural e Educacional (1995).
Com o Peru, desde 1978 até 1999 foram celebrados o Convênio
sobre Transportes Fluviais (1979); Acordo sobre Interconexão Ro-
doviária (1988); Memorando de Entendimento sobre Cooperação
na Área Energética (1997); Ajuste Complementar ao Acordo Básico
de Cooperação Técnica na Área de Pequena e Microempresa (1997)
e Acordo de Cooperação Bilateral Brasil-Peru para o Combate ao
Narcotráfico e Delitos Conexos (1999).
Com a Venezuela, acordos foram firmados principalmente a
partir de 1994; a assinatura do Protocolo de La Guzmania enta-
bulou uma agenda ampla e diversificada, que vai desde a inte-
gração física e energética visando o desenvolvimento fronteiriço
até a cooperação em matérias do meio ambiente e reativação do
Conselho Empresarial.

É com o Tratado de Cooperação Amazônica [...] que se começa a


pensar de forma conjunta com os países sobre os quais se estende a
Amazônia, o futuro dessa importantíssima zona geográfica [...] não se
podendo negar, como diz Silveira (2005, p.72), que desde a sua cria-
ção, na década de 1970, até os dias de hoje, houve uma significativa
aproximação entre as nações amazônicas, notadamente na área comer-
cial12 e técnica, em que predominou o interesse econômico das partes
envolvidas (Macedo, 2009, p.196).

Rubens Ricupero expõe da seguinte maneira as relações entre o


Brasil e demais países amazônicos:

12 Quanto ao intercâmbio econômico entre os países amazônicos recomenda-se consul-


tar o Capítulo 4 do trabalho de Torrecuso (2004).
116 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Nos últimos anos as relações amazônicas do Brasil não só ganharam


densidade mas sofreram mudanças qualitativas. [...] a região adquire
dia a dia prioridade mais alta na agenda diplomática brasileira [...] Uma
das mudanças qualitativas a que me referi é a crescente necessidade de
se buscar na cooperação regional a solução para certos aspectos dos pro-
blemas da zona. Embora se esteja longe de haver esgotado o potencial da
colaboração bilateral entre o Brasil e cada um dos vizinhos, há desafios
que exigem a intervenção de 3, 4 ou de todos os países da Bacia (Ricu-
pero, 1995, p.362-363).

Nas palavras de Ricupero (1995, p.365), “é razoável esperar que,


tal como ocorreu no Prata, o mecanismo regional favoreça a multi-
plicação de esquemas bilaterais”. Em seguida, oferecemos uma rela-
ção dos desenvolvimentos bilaterais do Brasil com os demais países
amazônicos após a assinatura do Tratado:

A) Bolívia: a Bolívia é o único país sul-americano que participa


ao mesmo tempo dos três grandes sistemas geográficos continen-
tais, a Amazônia, o Prata e os Andes. Com ela o Brasil celebrou
e já está implementando ativamente o Acordo sobre o Gás. Serão
investidos centenas de milhões de dólares não apenas no gasodu-
to que proporcionará ao país nova fonte de energia, mas nos dois
polos de desenvolvimento a serem criados de ambos os lados da
fronteira. (“Para garantir a viabilidade do Polo de Desenvolvi-
mento boliviano, o Brasil, além de uma cooperação material apre-
ciável, ofereceu à Bolívia garantia de uma parcela de seu mercado
para os produtos siderúrgicos e fertilizantes de Santa Cruz”). No
curso destes 5 anos as relações brasileiro-bolivianas registram três
encontros presidenciais, três visitas de Chanceleres e quinze acor-
dos significativos [...] Destacam-se a “contribuição brasileira de
cinquenta milhões de dólares ao Fundo de Desenvolvimento da
Bolívia, o financiamento em dez milhões de dólares dos estudos de
viabilidade do Polo de Desenvolvimento do Sudeste, a construção
pelo Brasil de diversas obras na fronteira amazônica em contra-
partida pela desativação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
inclusive a futura pavimentação da rodovia já implantada de Gua-
jará Mirim a Porto Velho, o Tratado de Amizade, Cooperação e
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 117

Comércio, o Tratado sobre Vinculação Rodoviária, e a Ata de Rio


Branco, entre os Ministros de Transportes do Brasil, Bolívia e
Peru reiterando o interesse internacional da Rodovia Lima-Pu-
callpa-Cruzeiro do Sul-Brasília e da conexão Rio Branco-Cobija
-La Paz” (Ricupero, 1995, p.360).

B) Peru: metade do território dentro da Bacia, tem seguido uma políti-


ca perseverante de valorização econômica da “Zona de Selva”, Iquitos,
maior centro urbano amazônico fora de território brasileiro. Acordo
Brasil-Peru de maior potencial é o de Fornecimento de Produtos a Prazo
Médio, que prevê a importação de cobre e zinco e a venda de soja e mi-
lho. Um encontro entre presidente e 4 visitas de Chanceleres nas rela-
ções brasil-peruanas, tendo 14 acordos importantes. Acordos em temas
amazônicos: constituição de uma subcomissão mista para a Amazônia,
vários atos sobre transportes fluviais e navegação em rios amazônicos,
acordo sobre telecomunicações, sobre Depósito Franco para o Peru em
Belém. Importação pelo rio de petróleo peruano para abastecer a Refi-
naria de Manaus (Ricupero, 1995, p.360).

C) Equador: 40% do território na Bacia Amazônica. Descoberta de pe-


tróleo na sua região amazônica criou condições para uma complementa-
ção comercial com o Brasil em troca de bens industriais e serviços. Já se
concluíram operações diretas entre as respectivas empresas petrolíferas
estatais e as perspectivas de ampliação do comércio são animadoras. Épo-
cas recentes: realizaram-se duas visitas oficiais dos Ministros de Relações
Exteriores do Brasil a Quito e do Equador a Brasília. Com o Equador, o
Brasil desenvolve o mais antigo dos projetos de ligação do sistema ama-
zônico ao Pacífico: o da Via Interoceânica, que tenciona vincular Manaus
ao porto equatoriano de San Lorenzo (Ricupero, 1995, p.361).

D) Colômbia: dinamismo demográfico, em vias de se transformar na


segunda nação mais populosa da América do Sul. Parceiro do Brasil em
complementação econômica. Acordo para a Prospecção de Carvão Coquei-
ficável. Encontro presidencial e três visitas de Ministros das Relações Exte-
riores, desde 1971, e assinatura de 6 Acordos maiores, dentre os quais o de
Cooperação Sanitária para a Região Amazônica. Participação da Braspetro
em perfurações petrolíferas na zona de Magdalena (Ricupero, 1995, p.361).
118 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

E) Venezuela: força internacional em ascensão nos foros (OPEP,


ONU, Pacto Andino), capaz de projetar no cenário mundial um pres-
tígio fundado no petróleo e na estabilidade. “Diálogo político em alto
nível com o Brasil”. Fronteira de 1.800 km. Região tem sido objeto de
um sistemático programa de implantação de indústria pesada de base
a cargo da Corporação Venezuelana da Guyana (p.361). Os resultados
são impressionantes: polo de desenvolvimento de Ciudad Guyana já
ultrapassou os 4 milhões de habitantes, Siderurgia do Orinoco com
capacidade de produção de 1.000.000 de toneladas de aço, a empresa
“Alumínio del Caroni”, com produção de mais de 50 mil toneladas, in-
dústria de cimento, estanho, de polpa, de vidro, hidrelétrica do Guri.
Sistema rodoviário chega à fronteira com o Brasil, estrada Manaus-Ca-
racaraí-Boa Vista, com intenso tráfego de caminhões, sobretudo pela
importação de madeira do Brasil. Época recente: um encontro presi-
dencial e duas visitas de Ministros das RE (Ricupero, 1995, p.362).

F) Guianas: a República da Guiana e o Suriname são os dois mais no-


vos membros da comunidade de nações sul-americanas – processo de
descolonização. Brasil vem mantendo cooperação com a Guiana, assis-
tência técnica. Reuniões de Comissão Mista, visitas de Ministros da RE
e outras Pastas, esforço de colaboração econômica e comercial (Ricupe-
ro, 1995, p.362).

G) Suriname: cooperação desde antes da independência, Tratado de


Amizade, Cooperação e Comércio e Acordo de Cooperação Técnica. 1ª
Feira Industrial e Comercial em Paramaribo (Ricupero, 1995, p.362).

Processo de Tarapoto: a construção de parâmetros


interestatais para o desenvolvimento sustentável
regional amazônico

O Processo de Tarapoto constitui uma negociação política entre


os países amazônicos, membros da Organização do Tratado de Coo-
peração Amazônica, visando estabelecer “Critérios e Indicadores de
Sustentabilidade da Floresta Amazônica”, responsável por construir
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 119

parâmetros e uma metodologia comum para cooperação entre seus


membros na busca do interesse representado pelo desenvolvimento
sustentável da região.
Dada a crescente importância da Amazônia nas negociações
ambientais internacionais, é providencial a articulação entre os paí-
ses amazônicos para administrar, proteger e desenvolver a região de
maneira ecologicamente equilibrada. O desenvolvimento sustentá-
vel surgiu no cenário internacional como um conceito com objetivos
políticos, sua definição foi resultado de conflitos e acordos diplomá-
ticos alcançados em negociações ambientais ocorridas no âmbito da
Organização das Nações Unidas.13
O objetivo político principal, contido no conceito de sustenta-
bilidade, foi estabelecer a conciliação entre as demandas por cresci-
mento econômico e as demandas por preservação ecológica. Assim,
a ideia da sustentabilidade alcançou projeção global e foi incorpo-
rada nos discursos e entre os objetivos da política mundial. O con-
ceito emblemático de desenvolvimento sustentável, que o Relatório
Brundtland utilizou em 1987, incorporou-se à linguagem do Tra-
tado na Declaração da Amazônia, elaborada durante a reunião de
Presidentes dos países amazônicos, em 1989 (Amorim, 2003, p.6).
O debate sobre desenvolvimento sustentável em perspectiva
regional ocorreu por meio do Processo de Tarapoto com a partici-
pação dos oito países-membros do TCA. Este processo negociador
iniciou-se com a Primeira Reunião Regional sobre Critérios e In-
dicadores de Sustentabilidade da Floresta Amazônica, em 1995, na
cidade de Tarapoto, Peru. A Segunda Reunião Regional ocorreu no
mesmo local em 2001, e, em 2004, a OTCA assinou um Programa
de Cooperação Técnica junto à FAO com o propósito de validar es-
tes critérios e indicadores de sustentabilidade.
A proposta de Tarapoto logrou criar ferramentas comuns
para o planejamento do desenvolvimento sustentável, por meio

13 Destacam-se os intensos debates da Conferência de Estocolmo, em 1972, o Relatório


Brundtland, que oficializou um consenso internacional acerca do desenvolvimento
sustentável, e as resoluções da Conferência do Rio, em 1992, especialmente a Agenda
XXI e a Convenção sobre Mudanças Climáticas.
120 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

de instrumentos de análise quantitativa e qualitativa da sustenta-


bilidade, estabelecidos por meio de processos de consulta e vali-
dação a níveis nacional e regional. Assim, no ano de 2001, quinze
indicadores e oito critérios de sustentabilidade para a Floresta
Amazônica foram estabelecidos. Na perspectiva da OTCA, ex-
pressa no Plano Estratégico 2004-2012:

Esse importante avanço é a continuação de um processo pelo qual os


Países-Membros buscam adotar uma metodologia regional comum para
o desenvolvimento sustentável da Amazônia (Plano estratégico, 2004).

Os indicadores aprovados no âmbito regional foram os seguintes:

1. Existência de políticas e marco jurídico para o ordenamento territo-


rial, através do Zoneamento Ecológico-Econômico;
2. Extensão das áreas por tipo de floresta nas categorias de áreas de con-
servação, em relação à área total;
3. Taxa de conversão da cobertura florestal para outros fins;
4. Quantidade e qualidade de tecnologias apropriadas para o manejo da
produção sustentada;
5. Investimentos em pesquisa, educação e transferência de tecnologia;
6. Quantidade e qualidade de projetos de pesquisa e desenvolvimento
sustentável em execução;
7. Plano de manejo florestal e outros planos relacionados com o uso de
recursos florestais aprovados pela autoridade competente;
8. Periodicidade e evolução do cumprimento do plano de manejo e por-
centagem média de cumprimento;
9. Nível de utilização de tecnologias ambientalmente limpas, apropria-
das e compatíveis;
10. Proporção das áreas de proteção ambiental em comparação com as
áreas de produção permanente;
11. Existência de medidas preventivas para proteção dos cursos d’água
contra impactos resultantes da atividade de extração florestal;
12. Número de empregos diretos e indiretos e nível de admissões;
13. Contribuição à conservação da diversidade biológica;
14. Contribuição à manutenção, resgate e proteção da diversidade das
populações indígenas locais;
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 121

15. Contribuição à economia, à saúde, à cultura, à ciência e à recreação;


(Ministério do Meio Ambiente, 2006).

A discussão que se pretende fazer acerca do Processo de Tara-


poto é direcionada aos aspectos políticos desta negociação, e, por-
tanto, não entraremos no mérito técnico e ecológico dos critérios
estabelecidos. O foco de discussão será investigar quais os interes-
ses que lhe dão fundamento, quais as limitações e as potenciali-
dades de estabelecer critérios comuns para uma região complexa
e diversificada como a Amazônia transnacional, e quais resultados
podem ser produzidos por meio deste acordo.
Assim, é preciso investigar quais objetivos dos países ama-
zônicos os levaram a estabelecer critérios comuns de desenvol-
vimento no âmbito de um processo de cooperação regional. Um
ponto extremamente positivo neste aspecto é a contribuição do
Processo de Tarapoto para a articulação no posicionamento dos
países amazônicos/OTCA nos foros internacionais sobre flores-
tas e desenvolvimento sustentável.
De acordo com Torrecuso (2004) a importância de tal processo
decorre da uniformidade que os países amazônicos podem apresen-
tar em foros internacionais quando confrontados com demandas
excessivas de preservação e, mais ainda, da mudança de posição
reativa desse bloco aos critérios apresentados por países de florestas
temperadas, comum anteriormente.
A necessidade de consenso e atendimento das demandas dos
países em desenvolvimento no estabelecimento de critérios e in-
dicadores foi lembrada, na Convenção sobre Desenvolvimento
Sustentável (CDS), por exemplo, por Peru, Brasil e Colômbia,
afirmando que devem ser simples, baseados no interesse nacio-
nal, facilitar a tomada de decisões e sua proliferação deve ser de-
sencorajada até que avaliações de viabilidade sejam concluídas.14
Tal mudança é um elemento que deverá conferir mais força aos

14 Earth Negotiations Bulletim: International Forest Policy, v.13, n.1-92, Disponível


em: <http://www.iisd.ca/vol13>..
122 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

países amazônicos no debate internacional sobre política florestal


(SFM: Principles for Sustainable Forest Manangment).
Observando outro aspecto, verifica-se, em relatórios do Minis-
tério do Meio Ambiente acerca do processo de validação dos crité-
rios de Tarapoto em nível nacional que os parâmetros constituídos
no Processo têm uma função prática muito clara.

Critérios e indicadores são ferramentas para definir, avaliar e controlar


o progresso em atividades de manejo florestal sustentável. Os crité-
rios definem elementos ou princípios essenciais para determinar se a
sustentabilidade foi ou não alcançada [...] Cada critério é definido por
meio de indicadores quantitativos e qualitativos, os quais são medidos
e controlados regularmente para determinar os efeitos das atividades
de intervenção e não-intervenção do manejo florestal (Deusdará-Fi-
lho; Zerbini, 2001, p.42-43).

É preciso identificar quais interesses estarão sendo favorecidos com


o estabelecimento de “Critérios e Indicadores de Sustentabilidade para
a Floresta Amazônica”. Já que, em nota da OTCA (2006) lemos que
“pretende-se explorar a inserção dos indicadores a políticas públicas,
como instrumento de verificação ou referência de sustentabilidade”.

Para o Brasil convém não apenas acompanhar, mas participar ativamente


deste processo, tendo em vista que a indústria florestal é uma das princi-
pais atividades econômicas na Amazônia Legal brasileira, contribuindo
não apenas com parcela significativa do PIB, como também com a gera-
ção de impostos e de empregos (Deusdará-Filho, Zerbini, 2001, p.44).

Nota-se que não é por meio da homogeneização de conceitos,


critérios, indicadores e parâmetros que se alcançará um desenvolvi-
mento sustentável para a região. Muitos projetos de grandes obras
estão no papel e tantos outros já sendo realizados na Amazônia. É
imprescindível que a sociedade civil brasileira e dos demais países
da região se mobilize e manifeste abertamente seus interesses, pois
o principal argumento dos agentes políticos e econômicos é o de que
estas grandes obras infraestruturais são em benefício da população.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 123

A ocupação desordenada e a introdução de modelos de desenvolvimen-


to baseados na conversão da floresta já demonstraram nas últimas déca-
das que devem ser substituídos por políticas que promovam atividades
que mantenham a floresta em pé, e que contemplem a inclusão social e a
geração de renda para as populações locais15 (MMA, 2006).

Da mesma forma, os projetos de integração regional na Ama-


zônia não podem seguir modelos e etapas de integração dos projetos
platinos, europeus, asiáticos, norte-americanos ou qualquer outro.
A realidade social e as características geográficas e biológicas espe-
cíficas da região amazônica não podem ser desprezadas em favore-
cimento de interesses econômicos. A integração infraestrutural da
Amazônia via eixos rodoviários entre centros urbanos não é a alter-
nativa mais viável. Deve-se buscar formas mais adequadas de pro-
mover o desenvolvimento regional que estejam em conformidade
com as necessidades amazônicas em perspectiva local:

Hoje, a cada nova apropriação do solo, da terra, do subsolo, do mi-


nério, das águas, da fauna ou da floresta que grupos empresariais
nacionais e internacionais tentam fazer, há, de outro modo, popu-
lações tradicionais [...] apresentando-se como protagonistas de ou-
tros possíveis usos a partir de outras matrizes de racionalidade, que
não podem ser medidas exclusivamente por uma lógica econômica
(Gonçalves, 2001, p.163).

15 Uma iniciativa brasileira que tem vocação para tornar-se ferramenta útil em toda a re-
gião é o Programa Bolsa Verde, cuja lei foi sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff
no dia 17/10/2011. O Bolsa Verde vai pagar R$ 300,00 por trimestre a famílias em
situação de extrema pobreza que vivam em unidades de conservação e desenvolvam
ações para preservá-las. Até o final de 2011, 18 mil famílias pobres de todo o país vão
receber o benefício, mas a meta do governo federal é chegar até 2014 com 73 mil famí-
lias inscritas. Com a iniciativa, busca-se aliar a preservação ambiental à melhoria das
condições de vida e à elevação da renda. De acordo com os critérios adotados pelo pro-
grama, terá direito ao benefício a família em situação de pobreza extrema, ou seja, com
renda per capita de até R$ 70. A contrapartida consiste no envolvimento da família em
atividades de conservação nas áreas previstas. Por que não pensarmos em um Programa
Bolsa Verde para todos os países amazônicos? A OTCA poderia ajudar a viabilizar a
ideia por meio da cooperação intra-amazônica e internacional (Pires, 2011).
124 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Neste sentido, é preciso considerar atentamente todos os grandes


projetos de infraestrutura e de “desenvolvimento” planejados para a
região desde os níveis nacional, regional e internacional. As políticas
internacionais que têm efeito direto sobre a Amazônia são cada dia
mais numerosas e incisivas. A forma mais eficaz dos Estados da região
exercerem sua soberania com responsabilidade é a articulação regional.
A iniciativa do Processo de Tarapoto também pode represen-
tar um bom exemplo de como compartilhar experiência, inter-
cambiar informações e conhecimentos científicos. A este respeito,
uma pauta importante para o Tratado de Cooperação Amazônica
– TCA consiste justamente na possibilidade de intercâmbio de ex-
periências entre seus países-membros, naquilo em que cada qual
melhor se desenvolveu, com vistas à promoção da defesa de seus
recursos naturais (Aragon, 2003, p.10).

Há interesse brasileiro em compartilhar com os vizinhos amazônicos a sua ex-


periência de redução de desmatamento, haja vista que 70% do desmatamento
da região ocorre em território brasileiro, e, portanto, os seus resultados têm
impactos para todos [...] Essas são expectativas sobre as quais há o desejo de
tratar no futuro da cooperação amazônica. A finalidade é aproveitar os pontos
fortes de cada país-membro no trato da floresta e abordar os desafios comuns
e também as ofertas de cada um para os demais parceiros (Pires, 2011, p.9).

O Brasil, em função da experiência acumulada, dispõe hoje de


um complexo aparato tecnológico capaz de observar a Amazônia a
partir do espaço e monitorar, ano a ano, o avanço do desmatamento.
Acordos bilaterais podem ser firmados com o objetivo de disponi-
bilizar estas tecnologias para os países vizinhos. A experiência de-
monstrou que a manutenção do dano ambiental é apenas o primeiro
passo para o seu controle. Estudos desenvolvidos pelo governo bra-
sileiro permitiram localizar com exatidão a fronteira de avanço das
atividades econômicas, bem como compreender as causas e a dinâ-
mica do desmatamento que causam. Isto feito, é possível formular
e dirigir políticas específicas para cada contexto, controlando o uso
dos recursos naturais (Aragon, 2003, p.10).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 125

O Brasil acumula, também, grande experiência na elaboração e


implantação de acordos multilaterais visando a proteção dos recursos
naturais. O Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais
Brasileiras – PPG7 é, sem dúvida, o mais importante para a Ama-
zônia. Concebido na fase de preparação da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio
de Janeiro em 1992, o PPG7 é hoje um rico acervo de experiências em
políticas públicas, no qual se destaca a elaboração de Planos Estaduais
de Gestão Ambiental Integrada, em implantação nos nove Estados da
Amazônia brasileira. É no âmbito desses planos, voltados para a des-
centralização da gestão ambiental e desenvolvidos em parceria com
os Estados, que o governo federal vem promovendo a realização do
zoneamento ecológico-econômico na região (Aragon, 2003, p.11).
Uma das mudanças mais significativas obtidas por meio do
PPG7 foi a incorporação das populações da floresta aos processos
decisórios relacionados às políticas regionais. Essas populações se
beneficiaram de vários projetos do Programa Piloto, e muitos de
seus bons resultados são creditados à participação de suas organi-
zações. Tal participação tem como antecedentes as lutas das décadas
anteriores, como os “empates” protagonizados pelos seringueiros
do Estado do Acre, que forçaram bancos multilaterais a incorporar
a preocupação ambiental em seus critérios de financiamento para a
construção de estradas (Aragon, 2003, p.11).
No âmbito das políticas promovidas pelo PPG7, a demarcação
de terras indígenas na Amazônia obteve resultados surpreendentes.
Em 1995, somente 211 terras indígenas das 397 existentes na região
(53%), estavam efetivamente demarcadas. Entre 1996 e hoje [2003],
o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas
da Amazônia Legal – PPTAL, subprograma do PPG7 destinado à
demarcação de terras indígenas – propiciou a demarcação de 70 no-
vas áreas, totalizando 281 (71%). Adicionalmente, o PPTAL possi-
bilitou a incorporação efetiva das próprias populações indígenas no
processo de demarcação de suas terras, metodologia inovadora que
pode ser replicada no continente (Aragon, 2003, p.11).
126 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A primeira pergunta que surge, portanto, é que existe dentro dessa re-
gião? Existem pouquíssimos dados agregados em nível de região. Ter
uma cartografia atualizada e um acervo estatístico confiável é o primei-
ro passo para saber onde atuar e identificar prioridades. As estatísticas
variam de país para país em cobertura, sistemas de informação e dados
disponíveis (Aragon, 2003, p.26).

Dessa forma, o que se pode analisar acerca do Processo de Ta-


rapoto, é que o mesmo pode ter implicações positivas e negativas.
Positivas enquanto instrumento de avaliação, acompanhamento e
incentivo ao desenvolvimento regional em perspectivas sustentá-
veis, mas problemáticas à medida que a utilização dos parâmetros
legitime a efetuação de macropolíticas regionais, sobrepondo as
realidades e necessidades locais. As necessidades que estes grandes
projetos visam atender não são necessariamente aquelas existentes
entre a população amazônica, ou entre o restante da população da-
queles países. Estes projetos visam, na realidade, criar ferramentas,
justificação política e condições práticas para usufruir dos recursos
naturais amazônicos.

O modelo de desenvolvimento predominante ainda atribui pouco valor


à manutenção da floresta em pé, que muitas vezes é vista como uma fon-
te inesgotável de recursos para uso imediato, ou como obstáculo ao cres-
cimento econômico baseado na utilização do solo para outros fins, tais
como a agricultura e a pecuária (Deusdará-Filho; Zerbini, 2006, p.18).

Ciente desta problemática, a renomada geógrafa Bertha Becker


esteve presente no Seminário “Desafios e Oportunidades da Coo-
peração Amazônica”, realizado pela OTCA, em Manaus, em no-
vembro de 2011. Para finalizar esta discussão, considero bastante
produtivo fazer uma breve exposição da proposta desta autora. Ao
realizar uma conferência na presença de muitos dos representantes
diplomáticos dos países amazônicos envolvidos com o processo de
cooperação, Becker demonstrou aspectos muito relevantes para pen-
sar sobre o desenvolvimento sustentável no bioma amazônico. Suas
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 127

inferências foram construídas com base na Amazônia legal brasileira,


mas o rigor científico e metodológico permite que o modelo seja estu-
dado e aprimorado de forma a ampliar-se ao alcance regional.

Os desafios do contexto amazônico atual tornam imperiosa a concepção


e a implementação de um novo modelo de desenvolvimento regional,
assim como a redefinição do quadro institucional para viabilizá-lo, co-
locando-se a questão sobre o papel da OTCA no futuro da cooperação
amazônica. [...] O modelo não visa deixar a floresta intocada e impro-
dutiva – pelo contrário, o que se pretende é superar a trajetória histórica
que dificulta o seu desenvolvimento, utilizando os recursos sem degra-
dação, visando gerar emprego e renda para suas populações e riqueza
para a região e o país. Para tanto, propõe-se estratégicas diferenciadas
para as grandes macrounidades ecológicas e o modo pelo qual estão sen-
do utilizadas (Becker, 2011, p.1).

O modelo desenvolvido por Bertha Becker resgata o zoneamen-


to ecológico-econômico da natureza amazônica como um princípio
básico orientador. A autora compreende e demonstra que existem
três “macrozonas” na Amazônia, além do cerrado com o qual in-
terage diretamente. “De sul para norte, sucedem-se, o cerrado, a
floresta de transição, a floresta ombrófila aberta – denominada de
margem da floresta pela Embrapa – e a floresta ombrófila densa,
denominada de “Coração Florestal”. Enquanto o cerrado já foi des-
truído em 40%, e a mata aberta em 50%, o coração florestal se man-
tém relativamente conservado.

Um imenso cinturão soja-boi cerca a floresta densa, configurando um


conflito entre dois modos de uso do território baseados em formas de
produção e ecossistemas distintos, um uso atual e um desejado para o
futuro: a) o uso atual para commodities comandado por grandes conglo-
merados internacionais e nacionais, baseados em poderosa logística que
visa expandir continuamente a produção, reduzindo os custos de trans-
porte; b) o uso que aponta para o futuro, com um modelo capaz de gerar
renda e trabalho sem destruir a floresta, que só poderá ser conseguido
com auxílio da CT/I e de instituições adequadas (Becker, 2011, p.3).
128 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

As estratégias traçadas por Becker para possibilitar o desenvol-


vimento sustentável, ao mesmo tempo preservacionista e adequa-
damente produtivo, são: a) defesa do coração florestal, por meio da
“economia da floresta”16, que tira proveito da diversidade aproveitan-
do seus elementos dentro de limites adequados, com destaque para
o grande potencial na produção de fármacos e os serviços ambien-
tais, que não só o carbono, mas todos os oferecidos pelo ecossistema;
uma rede de cidades localizada no contato entre o coração florestal e a
margem da floresta será a base da industrialização da produção pro-
veniente da biodiversidade, bem como da pesquisa sobre os serviços
ambientais, formando um cinturão de defesa do coração florestal.

Um modelo sustentável para a Amazônia, rumo à fronteira do ca-


pital natural, “trata-se de avançar na economia do conhecimento da
natureza,17 economia que tem alavancado verdadeiras revoluções
no aproveitamento de recursos naturais”. Cabe hoje uma revolução
científico-tecnológica para a utilização sustentável do capital natural
amazônico (Becker, 2011, p.4).

16 Como exemplos adicionais do que constitui a economia florestal, Pires (2011) enumera:
opções econômicas que se baseiam na manutenção da florestal como tal, por exemplo, o
manejo florestal madeireiro e não madeireiro, o ecoturismo, o extrativismo, o reflores-
tamento, sistemas de consórcios e sistemas agroflorestais até opções mais sofisticadas
como biotecnologia, aproveitando-se do potencial fitofármacos da biodiversidade.
17 Também será fundamental que os países amazônicos tenham um foco preciso e prio-
rizem setores estratégicos para o desenvolvimento sustentável, em particular no to-
cante à ciência, tecnologia e inovação. Conforme notam alguns analistas, a floresta e
toda a sua riqueza só deixarão de ser destruídos se tiverem valor econômico para com-
petir com atividades como a exploração da madeira, a pecuária e a soja em algumas
áreas. Ou seja, “está na hora de implementar uma revolução científico-tecnológica
na Amazônia que estabeleça cadeias tecno-produtivas com base na biodiversidade,
desde as comunidades da floresta até os centros de tecnologia avançada.[...] Essa ri-
queza somente será plenamente colocada a serviço dos países da região se soubermos
utilizá-la como alavanca para conectar-nos à economia do conhecimento, o que passa
necessariamente pelo desenvolvimento científico, tecnológico e pela inovação. A pro-
teção dos conhecimentos tradicionais dos povos amazônicos, o estímulo à pesquisa
local e à inovação, a geração de uma massa crítica de centros de investigação sobre a
biodiversidade e seus usos em processos produtivos em diversas indústrias, um me-
lhor sistema de incentivo ao registro de patentes amazônicas e de gestão e proteção do
conhecimento gerado localmente deveriam ser foco de atenção prioritária da coope-
ração no âmbito da OTCA [grifos meus] (Simões, 2011, p.11).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 129

a) Contenção da fronteira agropecuária na margem da floresta


(floresta aberta): a reestruturação desta área, que possui maior den-
sidade populacional, intenso desmatamento e é cortada por grandes
eixos rodoviários, é crucial para a sustentabilidade da região ama-
zônica. A continuidade de seu avanço exponencial pode ser muito
danosa ao bioma. Aí se encontra hoje a fronteira agropecuária, expli-
cando porque essa área já foi destruída em 50%. “Impedir a expan-
são da fronteira agropecuária da margem da floresta para o coração
florestal, tal como vem se delineando, é imperioso”.

Para tanto, a base econômica mais adequada para a região parece


ser a madeira – reflorestamento e industrialização, a mais avançada
possível, da madeira para construir casas, barcos, cidades, tanto na
margem da floresta como para equipamento das cidades no coração
florestal. É lamentável que uma tão extensa área de floresta não tenha
uma indústria madeireira de peso quando no estrangeiro se obtém
etanol a partir da celulose (Becker, 2011, p.7).
A revolução científica e tecnológica, transformando o conhecimento e
a informação em maiores fontes de produtividade, abriu possibilida-
des de utilização da natureza em novos patamares, transformando o
patrimônio amazônico em capital natural (Becker, 2011, p.4).
Efetuar a passagem da fronteira agropecuária para a fronteira do ca-
pital natural é o grande desafio e passo decisivo para promover o de-
senvolvimento regional, capaz de sustentar produção crescente sem
degradar a natureza e beneficiando todos os atores (Becker, 2011, p.4).

b) Recomposição do cerrado: já destruído em 40%, sua base eco-


nômica é o agronegócio produtor de soja, algodão, milho e carne de
forma extensiva. Atualmente, avança a produção de cana-de-açúcar
substituindo pastagens. Segundo Becker (2011, p.8):

Atividades sugeridas para a margem da floresta são adequadas também


para o cerrado, como é o caso do reflorestamento para recuperação do capi-
tal natural e das vilas agroindustriais. Duas condições, contudo, são neces-
sárias à sua recomposição e desenvolvimento: a intensificação da pecuária e
a transformação do agronegócio em um efetivo complexo industrial.
130 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Por fim, Becker (2011) afirma que o modelo pode oferecer uma base
territorial para organizar as múltiplas dimensões da Agenda da OTCA.

A cooperação entre os países amazônicos tem o potencial de tornar-se


exemplar pela contribuição à tradução prática do conceito de desenvolvi-
mento sustentável. Trata-se de uma contribuição tanto mais genuína por
responder aos valores e interesses da própria região, em um contexto inter-
nacional caracterizado por profundas transformações políticas e distribui-
ção desigual dos custos do desenvolvimento e dos ajustes diante de even-
tuais crises econômicas. Nesse contexto complexo, de caráter cambiante,
nossa região tem condições de afirmar-se como exemplo pelo compromisso
real com o desenvolvimento sustentável que gere condições melhores de vida
para a população e contribua para ampliar nossa capacidade de inserção
internacional soberana. Na nossa região, com o exemplo prático que que-
remos dar ao mundo, não há incompatibilidade entre interesses materiais e
valores universais. Ao contrário, a cooperação entre os países amazônicos
demonstra que entre nós há um terreno propício para dar aos valores di-
tos universais, tais como a preocupação com o meio ambiente e o futuro
da vida na terra, uma resposta adequada às necessidades da população. O
que parecia irreconciliável no embate entre muitos opostos, aparece cada
vez mais como uma simplificação que vamos desconstruindo com nosso
exemplo [grifo meu] (Simões, 2011, p.11-12).

Trajetória da cooperação amazônica: do TCA à


OTCA

Observar atentamente a trajetória da cooperação amazônica é um


exercício fundamental para compreender as principais características
deste processo. Através da análise do processo em perspectiva histó-
rica, nota-se um contraste entre a visão estratégica apurada de seus
idealizadores e a baixa efetividade na execução e desenvolvimento de
projetos com resultados sensíveis para suas populações. O Tratado
de Cooperação Amazônica (TCA) foi assinado em um contexto de
presença marcante de governos militares na América do Sul, com
uma valorização estratégica da Amazônia, especialmente no Brasil.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 131

No âmbito internacional, a temática ambiental estava em forte ascen-


são política. Neste cenário, a repercussão dos debates sobre possibili-
dades de gestão internacional da Amazônia levou os países da região
a buscar instrumentos para assegurar sua soberania e competência
exclusiva sobre a conservação e utilização dos recursos naturais de
seus territórios. Assim, o principal fator responsável pelo início da
aproximação e coordenação política entre os países da região amazô-
nica foi a necessidade de reafirmação das soberanias nacionais, reali-
zada por meio de um instrumento diplomático e jurídico, o Tratado.
Vale lembrar que as relações entre os países do norte da América
meridional possuem um histórico de muitas instabilidades e litígios
fronteiriços, além da diversidade social e das assimetrias econômi-
cas existentes. Limitada pelo Oceano Atlântico a Leste e pela Cor-
dilheira dos Andes a Oeste, a ocupação não-indígena da Amazônia
esteve sempre ligada ao curso dos rios. Assim, os contatos inter-
nacionais na Bacia se limitavam a alguns portos de fronteira, com
navegação e comércio esporádicos, como Iquitos, Letícia, Benjamin
Constant e Tabatinga. Destaca-se, ainda, que as atividades econô-
micas na região amazônica em meados do século XX eram baseadas
na exploração de produtos florestais para o mercado internacional e,
internamente, na economia de subsistência.
Com o passar das décadas de 1960 e 1970, e com o avanço
econômico dos países da região, destacadamente o Brasil, alguns
elementos possibilitaram uma ocupação mais intensiva da região
amazônica. No Brasil, o impulso desse processo veio com a cons-
trução e transferência da capital nacional para o centro geográfico
do país, Brasília. Sua primeira consequência prática foi a coloni-
zação do entorno da rodovia Belém-Brasília por milhares de bra-
sileiros. Começava então a se acentuar a ocupação da Amazônia
também às margens de eixos rodoviários, todavia, ainda sem qual-
quer planejamento ecológico e econômico.
Nos demais países da região, focos de dinamismo também co-
meçavam a intensificar a ocupação da Amazônia, apoiando-se: na
exploração do petróleo no Peru, Equador, e Colômbia; no fomento à
pecuária na Bolívia; na implantação da siderurgia, da indústria pesada,
132 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

e dos projetos hidrelétricos na Venezuela (usina de Guri); e, na extração


de alumínio no Suriname e na Guiana. Segundo Rubens Ricupero, o
“desenvolvimento da vida material contagia a diplomacia amazônica”
e, assim, “essas transformações vieram a criar, internamente, a condi-
ção básica para que se pudesse pensar em propor uma cooperação mais
ampla para os países da área” (Ricupero, 1984, p.179).
No entanto, a integração econômica não era o aspecto mais re-
levante na proposta brasileira de estabelecer a cooperação entre os
países da região amazônica, e tampouco houve consenso dos países
nesse tema. Para Torrecuso (2004, p.56): “o texto do Tratado não
permite concluir que seu objetivo fosse o intercâmbio comercial ou
forjar instrumentos para o desenvolvimento econômico da região”.
Isto porque, naquele contexto, cada país buscava atender às deman-
das internas, tendo em vista “o objetivo prioritário de integrar ple-
namente seus territórios amazônicos às suas respectivas economias
nacionais” (Art. X, TCA, 1978).
Assim, o aspecto econômico, de fato, não teve grande impor-
tância ou desdobramentos efetivos em nenhuma etapa do proces-
so de cooperação amazônica. As atenções e declarações políticas
estiveram sempre voltadas aos temas mais sensíveis, pelas carac-
terísticas da região, como proteção ambiental, saúde, educação,
tecnologia e assuntos indígenas. Por estes motivos, verifica-se que
a coordenação política dos países amazônicos foi motivada mais
pela necessidade de resposta a constrangimentos externos do que
pelo dinamismo regional ou pela percepção de uma identidade
amazônica que aproxime seus países e populações.
Desta maneira, a identificação regional limitava-se, ainda,
às características “geográfica, ecológica e econômica” (Artigo
II, TCA, 1978), a saber, a existência do bioma amazônico no
território dos países que compõem o acordo. Ou seja, possuir
território soberano na área da Bacia Amazônica é condição sine
qua non para participação no TCA.18 Estas condições levaram

18 É por este motivo que o Departamento Ultramarino da Guiana Francesa não é parte
integrante do Tratado, já que este território não constitui um Estado soberano. Suas
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 133

os países a adotarem o exposto no Artigo XXVII, segundo o


qual o Tratado de Cooperação Amazônica “não estará aber-
to a adesões” (TCA, 1978). Trata-se, então, de um acordo de
abrangência regional e escopo fechado, dada a impossibilidade
de absorver novos participantes.
Para além do caráter defensivo e soberanista, a amplitude de
temas abordada no Tratado e a evolução dos debates socioam-
bientais exigem da cooperação regional amazônica uma capaci-
dade executiva que ultrapasse o âmbito das declarações políticas
de compromisso. Assim, a cooperação entre os países amazôni-
cos incorporou o desenvolvimento sustentável nas agendas na-
cionais e internacionais como objetivo conciliador de demandas e
interesses. E, para ampliar a capacidade institucional de promo-
ver a cooperação, foi criada em 2002 a Organização do Tratado
de Cooperação Amazônica (OTCA).
Todavia, o período que se estende da assinatura do TCA até os
dias atuais caracteriza-se pela descontinuidade no engajamento dos
países, alternando períodos de inatividade com fases de declarada
renovação do compromisso político. Vejamos esta trajetória mais
detalhadamente. A evolução histórico-institucional do Tratado,
realizada por Aníbal Quiroga (2003) a serviço da própria OTCA,
caracteriza-se em três fases: de 1978 a 1989, fase defensivo-prote-
cionista; de 1989 a 1994, fase de incentivo e fortalecimento políti-
co; e, de 1995 a 2002, amadurecimento institucional. Simões (2011)
afirma que seria possível acrescentar mais duas fases ao processo: de
2002 a 2009: intensificação dos contatos entre os países amazônicos;
e de 2009 a 2014: fase de “revitalização da OTCA”.

condições internas são bastante semelhantes às de seus vizinhos, Guiana e Suriname.


Porém, trata-se de uma região sob o comando e soberania da França, que, por sua vez,
é um país europeu, com interesses e características políticas, econômicas, sociais e
ecológicas bastante distintas. Assim, nem o Departamento da Guiana Francesa nem
a França fazem parte do TCA. Todavia, há alguns anos a França vem reivindicando
participação na OTCA e tem conseguido apoio de alguns membros.
134 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Fase defensivo-protecionista (1978-1989)

O contexto internacional na década de 1970 é caracterizado pela


amenização do conflito bipolar da Guerra Fria, que resultou na dimi-
nuição na intensidade da disputa Leste-Oeste, entre EUA e URSS,
e ocasionou um deslocamento da competição internacional para o
eixo Norte-Sul, entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos.
Além disso, este período, também chamado Détente, é marcado pela
ascensão dos chamados novos temas de política internacional, prin-
cipalmente os Direitos Humanos e o Meio Ambiente (Alves, 2001).
Assim, durante a Conferência da Organização das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente Humano, de Estocolmo, em 1972, ocorreram
debates acirrados entre países desenvolvidos e em desenvolvimento
sobre a problemática ecológica emergente. Por sua vez, estes debates
tiveram influência direta na iniciativa brasileira de propor o Tratado
de Cooperação Amazônica, como veremos a seguir.
Durante a Conferência de Estocolmo foram levantadas ques-
tões e propostas sobre a internacionalização das grandes reservas
naturais do planeta, transformando-as em patrimônio da hu-
manidade. A Amazônia, evidentemente, era um dos alvos desta
discussão, sob a alegação das grandes potências de que os países
subdesenvolvidos não possuíam recursos, tecnologia e eficiência
governamental para a preservação e a exploração adequada da
diversidade biológica presente em seus territórios (Lago, 2007).
Assim, o meio ambiente despontou no cenário internacional como
uma temática complexa, que exigia esforços maiores que a capa-
cidade individual de ação dos Estados nacionais e apontava para
a necessidade de fortalecimento da cooperação internacional (Ri-
beiro, 2005; Viola, 2002).
Entretanto, a postura brasileira foi totalmente contrária a possibi-
lidades de gestão internacional sobre a Amazônia. A política externa
brasileira para o meio ambiente no contexto de Estocolmo ficou carac-
terizada pela defesa do direito ao desenvolvimento, em vista de dois
fatores centrais: os níveis de crescimento do chamado “milagre eco-
nômico” no início da década de 1970, o que tornava impensável para
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 135

o governo militar a imposição de barreiras ecológicas ao desenvolvi-


mento econômico; e a defesa da soberania sobre os recursos presentes
no território nacional (Silva, 2012). Isto porque a região amazônica
recebia maior importância estratégica desde a instauração do regime
militar,19 era vista como uma grande fronteira ao desenvolvimento, e,
assim, deveria ser desbravada, povoada e explorada, com o intuito de
assegurar a soberania sobre a região, e, consequentemente, expandir
a aplicação do projeto nacional-desenvolvimentista (Becker, 2001).
Com esta postura soberanista, o Brasil obteve destaque na Con-
ferência de Estocolmo e liderou a coalizão de países em desenvolvi-
mento na argumentação de que fatores sociais e econômicos, como
os níveis de pobreza e industrialização, deveriam ser integrados ao
debate ambiental. Por meio deste posicionamento, os países subde-
senvolvidos conseguiram estabelecer o consenso de que a respon-
sabilidade maior da problemática ambiental pertencia aos países
industrializados, que já tinham padrões elevados de consumo e po-
luição. Este argumento foi o embrião do princípio das “responsabi-
lidades comuns, porém diferenciadas”.
A atuação destacada da diplomacia brasileira na Conferência de
Estocolmo de 1972 e a iniciativa tomada pelo país para a assinatura
de um acordo regional de cooperação em 1978 demonstram que o
Brasil estava atento às implicações que a temática ambiental poderia
trazer para a região amazônica. A partir destes fatores, confirma-se,
também, a hipótese de Antiquera (2006), segundo a qual o estabele-
cimento e a condução da cooperação regional amazônica estiveram
diretamente ligados aos objetivos da política exterior do Brasil. En-
tão, surgiu desta conjuntura a proposta brasileira de reunir politi-
camente os países amazônicos sob um instrumento diplomático e
jurídico, o Tratado, para reafirmar no cenário internacional o direito
legítimo e soberano dos signatários sobre seus territórios.

19 Como se pode notar pela criação da Superintendência de Desenvolvimento da Ama-


zônia (Sudam), em 1966; do Banco da Amazônia (Basa), em 1966; da Superintendên-
cia da Zona Franca de Manaus (Suframa), em 1967; do Programa de Integração Na-
cional responsável pela abertura da Rodovia Transamazônica, em 1967; e do Projeto
Radar da Amazônia (Radam), na década de 1970.
136 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Quiroga e Marcovitch (2003) destacam que a primeira fase


(1978-1989) é caracterizada pela clara intenção dos países sig-
natários em demonstrar para toda a comunidade internacional o
exercício pleno e incontestável da soberania sobre seus territórios
amazônicos, bem como o domínio sobre o uso e a conservação
dos recursos da região conforme seus interesses e necessidades
de desenvolvimento. Porém, esta iniciativa de afirmação política
soberana no plano internacional não foi acompanhada da imple-
mentação imediata das disposições do Tratado. Este período ini-
cial, que compreende a primeira década em que vigorou o TCA,
foi marcado pela inatividade das instâncias do Tratado, “pois os
membros do TCA encontravam-se envolvidos em questões inter-
nas, referentes à transição democrática e a reformas políticas, o
que prejudicou o avanço imediato dos projetos firmados” (Quiro-
ga; Marcovitch, 2003).
A dinamização inicial da cooperação amazônica também foi
dificultada por constrangimentos internacionais que atingiram
fortemente os países sul-americanos nas décadas de 1970 e 1980,
como as crises do petróleo e o aumento da dívida externa. No âm-
bito interno, os entraves foram o processo inflacionário e as insta-
bilidades sociais vigentes durante os regimes militares. Além disso,
neste mesmo período, a região da Bacia do Prata era a prioridade
das iniciativas de âmbito regional, fomentadas pela Comissão Eco-
nômica para a América Latina (CEPAL). Portanto, mesmo com
o objetivo do regime militar brasileiro de povoar e vigiar a região
amazônica do país, estas iniciativas não transbordaram para os paí-
ses vizinhos do norte. A somatória destas condições resultou em
dificuldades para que a região amazônica ocupasse um lugar rele-
vante na política interna e externa dos países. Assim, no primeiro
período da cooperação regional, a característica mais marcante foi a
inatividade do Tratado e de suas instâncias, o que ocasionou a falta
de instrumentos operacionais satisfatórios para conduzir a aplica-
ção dos termos acordados.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 137

Fase de fortalecimento político (1989-1994)

Já a segunda fase foi marcada pela renovação do compromisso po-


lítico e pela ativação das Comissões estabelecidas pelo Tratado. Esta
fase teve início com a primeira Reunião de Presidentes dos Países
Amazônicos, em Manaus, no ano de 1989. Nesta reunião, os chefes
de Estado reconheceram a importância do TCA para a região, em ter-
mos políticos, ambientais e socioeconômicos, e assim decidiram ini-
ciar um processo de intensificação da cooperação regional. Cientes da
crescente visibilidade política da temática ambiental e do conceito de
desenvolvimento sustentável divulgado pelo Relatório Brundtland,
“firmou-se o conceito de desenvolvimento sustentável como senso
comum entre os signatários do TCA” (Quiroga; Marcovitch, 2003).
Vale salientar que, na década de 1990, renova-se o interesse pela
Amazônia como uma fronteira de expansão para as atividades eco-
nômicas, uma ampla oportunidade para a promoção do desenvolvi-
mento, agora justificado pelo viés da sustentabilidade. Então, como
resultado da renovação do compromisso político, os países ativaram
e ampliaram as ações das Comissões Especiais da Amazônia, e ini-
ciaram o estabelecimento de canais de cooperação entre órgãos dos
governos amazônicos, como também com agências internacionais,
aumentando a troca de experiências e captando apoio financeiro
(Quiroga; Marcovitch, 2003).
Considera-se que desde sua assinatura até o ano de 1990 o Tra-
tado esteve inativo. Porém, esta inatividade seria influenciada pela
decisão da Assembleia Geral da ONU ao aceitar a proposta diplo-
mática brasileira de realização da Conferência sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992. Frente ao desgaste
da imagem internacional do Brasil, devido aos elevados índices de
queimadas e desflorestamento da região amazônica na década de
1980, o Itamaraty ponderou que atrair o debate sobre meio ambien-
te para o país poderia representar uma oportunidade de reverter o
quadro ambiental desfavorável.
Assim, na perspectiva de membros do corpo diplomático do
Itamaraty, pode-se perceber que a definição do Brasil como sede da
138 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Conferência é apontada como uma vitória da diplomacia brasileira


(Lago, 2007, p.151). Porém, na literatura acadêmica, encontra-se a
interpretação de que a escolha do Brasil representaria uma forma de
pressão pela diminuição da devastação na Amazônia e pelo julga-
mento dos mandantes do assassinato de Chico Mendes, ocorrido em
dezembro de 1988. Líder sindical dos seringueiros e ativo ambien-
talista, Chico Mendes alcançara reconhecimento internacional com
o prêmio Global 500, conferido pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Ribeiro, 2005, p.107).
Cientes da crescente repercussão internacional dos temas eco-
lógicos, a realização da Conferência levou os signatários do TCA a
articular um posicionamento conjunto para o evento. Assim, for-
mulou-se o primeiro posicionamento político conjunto dos países
da região amazônica no cenário internacional, que foi constituído
pela “Declaração de Manaus sobre a Conferência das Nações Uni-
das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”. Este documento de
dez páginas expõe a posição conjunta dos países amazônicos sobre
os principais temas a serem abordados na Rio-92: Mudanças Cli-
máticas, Diversidade Biológica e Biotecnologia, Florestas, Recursos
Hídricos, Populações Indígenas, entre outros.
Todavia, este primeiro posicionamento conjunto dos países
amazônicos no cenário internacional não teve desdobramentos prá-
ticos, principalmente porque o processo de cooperação ainda não
estava devidamente estruturado para alcançar avanços efetivos.

Depois da Conferência, as posteriores secretarias tentaram implementar


alguns projetos, porém poucos avanços foram conseguidos. Os fatores
que podem ter influenciado neste caso são: a fragilidade institucional do
Tratado – falta de uma organização internacional com presença jurídica
que pudesse, entre outras coisas, desenvolver e propor políticas concre-
tas – e a rotatividade das Secretarias Pro Tempore – sem autonomia para
negociar ou executar ações de longo prazo (Piedra-Calderon, 2007, p.68).

A rotatividade da Secretaria responsável pela organização das reu-


niões entre os representantes diplomáticos dos signatários do Tratado
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 139

de Cooperação foi, por bastante tempo, um fator limitante da dinâmi-


ca política regional. Sempre que o encargo da Secretaria era transferido
de um para outro país signatário, além do trabalho burocrático, per-
dia-se muito dos progressos realizados e do know-how desenvolvido.

A Secretaria Pro-Tempore localizou-se nos seguintes países: Peru (1980-


1983); Bolívia (1983-1986); Brasil (1986-1988); Colômbia (1988-1990);
Equador (1990-1994); Peru (1994-1997); Venezuela (1997-2000); Bolívia
(2000-2003). Em cada uma dessas ocasiões, a SPT funcionou em estru-
turas governamentais do país sede, geralmente o Ministério das Relações
Exteriores, o que comprometeu a sua capacidade de coordenar as ativi-
dades dos órgãos do Tratado, dadas as acentuadas diferenças econômicas
e institucionais entre seus países signatários e a consequente dificuldade
em conferir continuidade às suas políticas (Torrecuso, 2004, p.62).

Com isto, a Secretaria Pro Tempore não possuía efetividade


como um órgão de consulta e articulação dos planos de desenvolvi-
mento entre os países-membros.

Este fraco progresso institucional do TCA teria limitado as atividades


da Secretaria Pro Tempore, as quais desenvolveram microações, que no
seu conjunto foram pouco relevantes para a magnitude de problemas
e possibilidades da Amazônia Continental (Costa-Filho, 2002, p.68).

A partir de então, as necessidades institucionais e os custos fi-


nanceiros decorrentes do aumento da atividade diplomática contri-
buíram para a decisão de criar a OTCA.

Fase de amadurecimento institucional (1995-2002)

O tema do fortalecimento institucional do TCA apareceu pela


primeira vez na III Reunião de Ministros das Relações Exteriores
(RMRE), em 1989, em Quito. Já a decisão de criar a Secretaria Per-
manente ocorreu no V Encontro de Ministros das Relações Exterio-
res, em Lima, 1995, e foi adotada por meio do protocolo de Emenda
140 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

de 1998. Porém, a efetiva criação da OTCA só viria a se materializar


em 2003, funcionando nas dependências do Ministério das Relações
Exteriores do Brasil, até agosto de 2004. Com isto, os países ama-
zônicos davam os primeiros passos no sentido da construção de um
foro político regional permanente.

A cooperação amazônica passava a ter personalidade jurídica própria,


por meio da OTCA e de sua Secretaria Permanente, dirigida por um
Secretário-Geral, com plano de trabalho e orçamentos próprios. Até
a eleição de um Secretário-Geral, atribuiu-se interinamente o cargo
ao Embaixador boliviano Sergio Sánchez Balliván, que vinha atuando
como Secretário Pro Tempore no período de transição (Gadelha, 2009).

Assim, deu-se início à terceira fase da cooperação amazônica, de


1995 a 2002, na qual se constatou uma crescente dinâmica na coo-
peração dos países, materializada na criação da OTCA e na institui-
ção, pela primeira vez, de uma Secretaria Permanente. Nesta fase de
amadurecimento institucional, os países resolveram adotar um ins-
trumento de maior representação institucional para cumprir melhor
os propósitos a que haviam se comprometido (Quiroga; Marcovitch,
2003). Em suma, a função a ser desempenhada pela SP/OTCA se-
ria a de “construir consensos, tomar decisões estratégicas com visão
regional e atuar coordenadamente em função do objetivo comum do
desenvolvimento sustentável da Amazônia (Plano estratégico, 2004,
p.37).
O orçamento da Secretaria Permanente foi definido no VI en-
contro de Ministros das Relações Exteriores (Caracas, 2000), em
US$ 1.139.600, com base nas seguintes proporções: Brasil 35%, Co-
lômbia 16%, Peru 16%, Venezuela 16%, Equador 6,5%, Guiana 2%,
e Suriname 2% (Torrecuso, 2004). A última atualização destes valo-
res ocorreu na X Reunião de Ministros das Relações Exteriores, em
Lima no ano de 2010, da seguinte maneira: atualmente, o total de
contribuições, em valores aproximados, está em US$ 1,668 milhão,
sendo cerca de 88 mil oferecidos pela Bolívia, 678 mil pelo Brasil,
255 mil pela Colômbia, 88 mil pelo Equador, 24 mil pela Guyana,
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 141

255 mil pelo Peru, 24 mil pelo Suriname e 255 mil pela Venezuela.
Dentro do estudo organizacional da OTCA é importante des-
tacar que as Reuniões dos Ministros das Relações Exteriores cons-
tituem o órgão supremo de decisões desta organização e têm o “fim
de fixar as diretrizes básicas da política comum, apreciar e avaliar
o andamento geral do processo de cooperação amazônica e adotar
as decisões tendentes à realização dos fins propostos neste instru-
mento” (Artigo XX, TCA, 1978). Tarefa para a qual os Chanceleres
contam com o apoio do Conselho de Cooperação Amazônica.
A partir de 2002, portanto, a cooperação amazônica entra em
uma nova fase, aparentemente mais apropriada para a consecução
dos objetivos e desafios regionais.

No século XXI, a OTCA tornou-se a única Organização Internacional


sediada no Brasil, e o país firmou-se como um ator global, para o qual ne-
nhum tema internacional é alheio. Essa crescente participação brasileira
na agenda internacional, somada à profusão de novos temas ambientais
e à emergência da Amazônia como área estratégica dos pontos de vista
econômico e de defesa conferiram relevância à OTCA, adensada insti-
tucionalmente e com capacidade de gestão acumulada (Gadelha, 2009).

O estudo e a análise deste período posterior a 2002 serão apro-


fundados no próximo capítulo, e se constituem como a principal
contribuição deste livro. Antes, porém, adianto aqui as característi-
cas principais de tal período. A fase que se estende de 2002 a 2009,
analisada por Simões (2011),20 é marcada pela intensificação dos
contatos entre os países amazônicos, especialmente nas áreas de saú-
de, educação, infraestrutura, meio ambiente e assuntos indígenas.
Certamente, a referência a estas áreas se deve à criação das Coorde-

20 Intitulado “Amazônia e Desenvolvimento Sustentável: a importância da cooperação


entre os países amazônicos”, este artigo de Simões (2011) foi apresentado em um
Seminário organizado pela OTCA, em Manaus, em Novembro de 2011 chamado
“Desafios e Oportunidades da Cooperação Amazônica”. Vale destacar a proximida-
de deste diplomata com o tema visto que ocupa atualmente o cargo de Subsecretário-
-Geral da América do Sul, Central e do Caribe do Ministério das Relações Exterio-
res, e foi Embaixador do Brasil em Caracas (2008-2010).
142 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

nadorias temáticas que passaram a compor a estrutura institucional


da OTCA a partir da Secretaria Permanente, substituindo, na prá-
tica, as Comissões Nacionais Permanentes e as Comissões Especiais
da Amazônia, que ficaram quase totalmente em segundo plano e
inativas neste período.
Ainda segundo Simões (2011) a articulação destes assuntos,
reunidos nas Coordenadorias presentes na sede da SP-OTCA, em
Brasília, tem facilitado a convergência de esforços para desenvolver
uma “identidade amazônica”. Tese esta que considero, ainda, um
tanto quanto difícil de ser comprovada. Todavia, a aprovação do
Plano Estratégico 2004-2012 orientou o trabalho da Secretaria Per-
manente, favorecendo a intensificação de suas atividades.

Como consequência da implementação do Plano Estratégico foram


alcançados os seguintes resultados: participação efetiva dos países
amazônicos no Fórum das Nações Unidas sobre Florestas, que pos-
sibilitou posição consolidada e consensual dos países amazônicos na-
quela instância; foi retomado o exame de um futuro Regulamento de
Navegação Fluvial em rios amazônicos, importante instrumento para
o processo de desenvolvimento econômico e social da região; aumen-
to de recursos para o desenvolvimento sustentável; possibilidade de
estender aos demais países amazônicos benefícios para a segurança e
defesa de seus territórios, por intermédio de cooperação com o Sistema
de Proteção Amazônica e o Sistema de Vigilância da Amazônia (SI-
VAM); promoção dos direitos das comunidades indígenas; coopera-
ção em relação à gestão dos recursos hídricos; e realização de reuniões
ministeriais temáticas, como propriedade industrial e intelectual e de
ciência e tecnologia (Simões, 2011, p.8).

A fase de 2009 a 2014, chamada de “revitalização da OTCA”


inicia-se com o lançamento da Agenda Estratégica 2010-2020, na
última reunião de Presidentes da OTCA, em Manaus, em 2009.

Passados oito anos da constituição da Secretaria da OTCA, atualmen-


te a Organização experimenta processo de relançamento e de fortale-
cimento que foi impulsionado em novembro de 2009, por ocasião da
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 143

Cúpula dos Presidentes Amazônicos, da qual emanou a Declaração


de Manaus. Na oportunidade, os chefes de Estado decidiram “dar à
OTCA um papel renovado e moderno como fórum de cooperação”,
“reconhecendo ser o desenvolvimento sustentável da Amazônia uma
prioridade, por meio de uma administração integral, participativa,
compartilhada e equitativa, como forma de dar uma resposta autônoma
e soberana aos desafios ambientais atuais” (Simões, 2011, p.8).
Em novembro de 2009, na cidade de Manaus, os chefes de Estados reu-
nidos decidiram impulsionar a OTCA para uma nova fase, chegando a
denominá-la como de “relançamento”. O mandato da Organização foi
revisitado, após transcorridos 30 anos da instituição do Tratado. Desta-
ca-se da Declaração de Manaus a decisão de que a Organização tenha
um papel renovado, moderno como fórum de cooperação, intercâmbio, co-
nhecimento e proteção conjunta para fazer frente aos novos e complexos de-
safios internacionais que se apresentam (Declaração de Manaus, OTCA,
2009 apud Pires, 2011, p.8).

Com estas deliberações, os Presidentes dos Países Amazônicos,


“com vistas a fortalecer o processo de cooperação e a unidade sul-ameri-
cana”, “encarregaram os Ministros de Relações Exteriores de preparar
nova Agenda Estratégica da OTCA, fortalecendo-a institucionalmen-
te”, aprovada na X Reunião de MRE do TCA, realizada em Lima em
Novembro de 2010. Como veremos adiante, a Agenda Estratégica “es-
tabelece o papel e as diretrizes de atuação da Secretaria Permanente, o
ciclo de projetos da OTCA, a estrutura institucional para a gestão da
agenda e as distintas modalidades de financiamento” (Simões, 2011).

Duas missões ficaram claras para o organismo: de um lado facilitar a


cooperação entre os países-membros (intercâmbio, diálogo, comunica-
ção) e, de outro, projetar o conjunto da região dentro do contexto das
relações internacionais. Ambas, portanto, devem estar na base da revi-
são da agenda estratégica, tarefa delegada pelos chefes de Estados aos
ministros das relações exteriores, que compõem o órgão supremo dessa
agremiação internacional. Após consultas às instâncias nacionais, essa
nova agenda foi aprovada na reunião de Lima, ocorrida em novembro
de 2010 (Pires, 2011, p.3-4).
144 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Em entrevista ao Secretário-Geral da OTCA, Alejandro


Gordillo, e ao Diretor Administrativo, Carlos Aragon, pode-se
perceber que a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica
tem um papel importante neste novo momento a que se atribui
a OTCA, denominado de “revitalização” e/ou “relançamen-
to”. Diferentemente do que ocorreu na implementação do Pla-
no Estratégico 2004-2012, que foi o plano diretor das ações da
OTCA no período de 2002 a 2009, a nova Agenda Estratégica
é um documento negociado politicamente, ponto a ponto, entre
todos os países amazônicos, membros da Organização. Esta ca-
racterística confere total legitimidade ao documento como guia
de atuação da OTCA, pois este representa o alcance do consen-
so entre os países da região. Assim, as atividades realizadas por
meio da execução da Agenda Estratégica ocorrerão, em tese, em
conformidade com o mandato político que os países-membros
conferem à Organização.

A trajetória do TCA permitiu o acúmulo de experiência institucional e


aproximou os países amazônicos, de modo a conferir ao Tratado condi-
ções para atuar como representante de seus interesses regionais. [...] o
seu desenvolvimento recente e, mais ainda, a constituição da OTCA,
comprovam sua capacidade de se articular com fundos internacionais
para obtenção de financiamentos para o desenvolvimento de suas ativi-
dades (Torrecuso, 2004, p.93-94).

Porém, deve-se destacar também os problemas recorrentes des-


de o início da cooperação amazônica, tal como levantados pelo autor:

Uma crítica que se pode fazer ao Tratado é a sua lentidão em imple-


mentar as suas propostas, como observado na análise da promoção de
projetos executados e mesmo a sua omissão ao não se posicionar mais
energicamente em relação a muitas questões importantes cuja resolu-
ção, embora esteja fora de sua competência, poderia receber mais aten-
ção de uma burocracia especializada e sedimentada como a da OTCA
(Torrecuso, 2004, p.94).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 145

Exatamente por expressar os anseios conjuntos dos países da


região amazônica, a nova fase de revitalização amparada pela Agen-
da Estratégica parece oferecer novo fôlego ao esforço conjunto dos
países amazônicos. Neste sentido, a Agenda Estratégica pode dina-
mizar a execução de projetos de âmbito regional, já que as diretrizes
se encontram estabelecidas e o que resta é captar os recursos para
realizar as atividades estabelecidas consensualmente. Se funcionar
desta maneira, poderemos estar diante, realmente, de um novo e
promissor momento para a cooperação regional na Amazônia.
Como sabemos, a realidade apresenta dificuldades antigas e no-
vas, as quais o planejamento nem sempre é capaz de superar. Não é
pertinente, ainda, analisar a eficácia da Agenda Estratégica e desta
nova fase declarada de “revitalização da OTCA”, apenas nos cabe
apontar suas diferenças e potencialidades em relação aos períodos
anteriores. É esta tarefa que buscaremos aprofundar com uma deta-
lhada análise institucional, a ser realizada no Capítulo 2.
3
A atuação institucional da
Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica

É tarefa muito difícil conseguir alcançar conclusões enfáticas na


análise de organizações recentes como é o caso da OTCA, com ape-
nas dez anos de existência. Dado o longo período de tempo entre a
assinatura do Tratado e a institucionalização, questiona-se também o
seguinte: se a cooperação na Amazônia não mostrou resultados con-
tundentes após trinta e cinco anos da assinatura do Tratado, como o
surgimento da OTCA pode impulsionar o processo de cooperação?
Dois lados devem ser analisados para responder esta pergunta.
O primeiro é que se há continuidade do diálogo e do esforço de coor-
denação regional desde 1978, e, portanto, há trinta e cinco anos este
é um indício de sucesso na consolidação de um canal de diálogo e
articulação regional. Ou seja, a iniciativa de cooperação amazônica
teve êxito em instituir mecanismos, políticos e posteriormente ins-
titucionais, que ampliaram os contatos e negociações diplomáticas
entre os países da região.
Todavia, o outro lado a ser analisado nos revela que esta dina-
mização política não foi acompanhada por um nível satisfatório de
148 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

execução de projetos e atividades cooperativas capazes de gerar re-


sultados sensíveis para a preservação ambiental, a melhoria da qua-
lidade de vida das populações amazônicas, enfim, para a promoção
do desenvolvimento sustentável regional.
Entre as maiores dificuldades estão as deficiências orçamentá-
rias que não conferem autonomia à instituição; o limitado quadro de
funcionários e pesquisadores dedicados exclusivamente ao processo
de cooperação; a falta de prioridade política à Amazônia e ao meio
ambiente nas políticas interna e externa dos países da região; e, re-
centemente, após 2007, os problemas internos na sucessão efetiva do
cargo de Secretário-Geral.
De acordo com o Protocolo de Emenda que deu origem à
OTCA, esta organização visa a reafirmar os princípios e objetivos
do Tratado, aperfeiçoar e fortalecer institucionalmente o processo
de cooperação.

Em nível operacional, e como um foro permanente de consultas, arti-


culação entre os países e promotor de projetos de desenvolvimento sus-
tentável para a região amazônica, a OTCA atuará conjuntamente com
as agências e órgãos responsáveis pela coordenação, implementação e
acompanhamento de programas e projetos de cooperação técnica dos
Países Membros (Plano estratégico, 2004, p.13).

Tendo em vista estas funções, é necessário investigar a capa-


cidade da OTCA em promover efetivamente a cooperação entre
os atores do sistema transnacional amazônico. Por meio do co-
nhecimento dos projetos executados pela instituição e dos resul-
tados alcançados será possível verificar se, e em que medida, a
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica promove a
cooperação entre os atores do sistema transnacional amazônico
nas áreas em que a instituição pretende atuar. Isto implica ana-
lisar o relacionamento entre os Estados presentes na Amazônia e
também como a OTCA se posiciona com relação ao grande nú-
mero de organizações não-governamentais e órgãos multilaterais
de cooperação existentes na região.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 149

Para explorar mais profundamente esta problemática, busca-


remos responder questões como: A OTCA e seus órgãos insti-
tucionais favorecem o compartilhamento de informações entre os
atores do sistema transnacional amazônico? A atuação da OTCA
reduz as incertezas de seus membros sobre as possibilidades de
ocorrência da cooperação? A OTCA possibilita uma redução nos
custos de transações entre seus membros, levando-os a ampliar
seus padrões de relacionamento? A instituição dispõe de um or-
çamento próprio? Como são administrados os recursos de que a
Organização dispõe?
A busca por respostas para questões específicas, como as
mencionadas anteriormente, nos auxiliará na identificação de qual
o papel desempenhado pela Organização do Tratado de Coope-
ração Amazônica nas relações internacionais de seus membros.
Buscaremos, então, compreender e relacionar os resultados obti-
dos na análise política da cooperação internacional com a análise
institucional da OTCA, do Plano Estratégico 2004-2012, da nova
Agenda Estratégica da Cooperação Amazônica, e das atividades
executadas pela Organização. Desta forma, estaremos aptos a
verificar a hipótese de que no período iniciado com a criação da
OTCA intensificou-se a busca por cooperação entre os países
amazônicos, entretanto, a concretização dos interesses regionais
comuns ainda demanda maior comprometimento dos Estados e
maior eficiência institucional.
Nossa hipótese vai ao encontro da seguinte análise:

A OTCA é fórum privilegiado para a harmonização e a execução de


políticas multilaterais. A OTCA, entretanto, não dispõe de suficientes
recursos próprios, seu processo decisório é lento e sua projeção inter-
nacional está aquém do que se espera de uma Organização que trata
de temas tão relevantes como os que concernem à Amazônia. Dessa
maneira, entender a OTCA e torná-la eficiente, em conformidade com
as prioridades definidas pelo Estado brasileiro, surge como tarefa ne-
cessária à gestão estratégica do território amazônico (Gadelha, 2009).
150 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

As funções atribuídas à OTCA pelos países amazônicos estão


envoltas por dificuldades complexas e de naturezas distintas como,
principalmente, entraves políticos, conflitos de interesses, ambições
materiais, diversidades geográfica, biológica, étnica e social. A OTCA
é uma instituição recente, ainda em fase de consolidação e com difi-
culdades internas, sendo ainda incapaz de satisfazer plenamente as
necessidades, conflitos e objetivos da região amazônica transnacional.
Porém, como principal organização internacional intergovernamen-
tal da região, ela tem um importante papel a cumprir, um histórico a
compreender e planos efetivos a serem traçados e executados.

A natureza da cooperação regional amazônica

Após a análise teórica, contextual e empírica da dinâmica


política entre os países amazônicos posteriormente à assinatura
do TCA, concluímos que se trata de um processo de coopera-
ção regional multilateral. De acordo com Ruggie (1993)1 exis-
tem determinadas características que são peculiares ao multila-
teralismo. Entre elas está a verificação de alguns princípios que
ordenam as relações entre os Estados envolvidos. Destacam-se
os princípios da indivisibilidade de condutas, do consenso na to-
mada de decisões e da reciprocidade difusa, caracteres típicos de
ordens multilaterais.
Como indivisibilidade de condutas, denota-se que os atores en-
volvidos em um processo multilateral não devem, em tese, agir unila-
teralmente em matérias regidas pela negociação em processo, ou seja,
sem a consulta e aprovação dos demais atores envolvidos. Em outras
palavras, o comportamento das partes deve variar em uma frequên-
cia determinada ou previsível pela natureza dos acordos firmados, de
modo a não surpreender as partes envolvidas nem contrariar os inte-
resses acordados. Em suma, a indivisibilidade de condutas converge

1 Ruggie, John Gerard. Multilateralism Matters: the Theory and Praxis of an Institu-
tional Form. Nova Iorque: Columbia University Press, 1993.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 151

para a construção de confiança entre os atores dispostos a negociar de


maneira multilateral, garantindo assim a continuidade do processo.
A reciprocidade difusa diz respeito à expectativa de que os
benefícios resultantes do acordo sejam distribuídos de forma
equivalente entre os participantes. Isto significa que, por mais
que haja assimetrias políticas e econômicas, todos os envolvidos
terão o mesmo direito de posicionamento, o mesmo peso nas
votações, e os projetos visarão benefícios para todos os partici-
pantes. No Artigo I do Tratado de Cooperação Amazônica está
declarado o objetivo de garantir a igualdade entre as partes, de
modo que as “ações conjuntas produzam resultados equitativos
e mutuamente proveitosos” (TCA, 1978).
Uma constatação da reciprocidade difusa existente no âmbito da
cooperação amazônica é a rotatividade tanto do país sede das reu-
niões quanto do exercício da Secretaria Pro Tempore, a qual vigorou
desde a assinatura do Tratado até a criação da Secretaria Permanente
SP-OTCA, em 2002. Esta configuração foi firmada entre as partes
no Artigo XX, Parágrafo Terceiro, e no Artigo XXII, que dizem,
respectivamente, o seguinte:

ARTIGO XX, PARÁGRAFO TERCEIRO – A designação do país


sede das reuniões obedecerá ao critério de rodízio por ordem alfabética
(TCA, 1978).
ARTIGO XXII – As funções de Secretaria serão exercidas, Pro Tem-
pore, pela Parte Contratante em cujo território deve celebrar-se a se-
guinte reunião ordinária do Conselho de Cooperação Amazônica.
PARÁGRAFO ÚNICO – A Secretaria Pro Tempore enviará, às Par-
tes, a documentação pertinente.

Pode-se constatar, ainda, que, também após a criação da


OTCA, o princípio da reciprocidade difusa permanece entre
os objetivos da cooperação. No momento atual pelo que passa a
OTCA, com características peculiares que aprofundaremos no
Capítulo 3, os países acordaram pela rotatividade na escolha do
Secretário-Geral da OTCA. Após um período de dois anos, 2007
152 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

a 2009, em que a Organização foi conduzida por um secretário in-


terino, os países recorreram novamente à busca pela igualdade e ao
princípio da rotatividade:

A duradoura interinidade da Secretaria-Geral (abril de 2007 a abril


de 2009) reduziu a capacidade de atuação da OTCA, carente de
representação adequada [...] Em 2 de março de 2009, um dia após
o prazo que a CCOOR determinara para a eleição de um novo
SGOTCA, a mesma Comissão realizou sua L Reunião, em que
se aprovou documento com vistas a acelerar o processo sucessório
na OTCA. Segundo o inovador mecanismo adotado, proceder-
se-ia a sorteio para determinar qual país indicaria inicialmente o
SGOTCA. A partir de então, respeitar-se-ia rotação determinada
por ordem alfabética. O país sorteado teria um mês para anunciar o
nome de sua escolha, cuja aceitação prévia acordava-se entre todos
os países membros. Estipulava-se, ainda, que o SGOTCA abdica-
ria de postular sua reeleição, cabendo ao próximo país, por ordem
alfabética, escolher o sucessor. Se algum dos países não quisesse in-
dicar o SGOTCA ou não o fizesse no prazo de dois meses, caberia
ao próximo fazê-lo (Gadelha, 2009, p.61).

Torrecuso (2004) afirma que “o caráter multilateral do TCA


decorreu da periodicidade de encontros mantidos e da equida-
de percebida em sua estrutura”. Como veremos no capítulo se-
guinte, a partir da análise da trajetória da cooperação amazônica
desde a assinatura do Tratado até a criação da OTCA, a perio-
dicidade das reuniões estabelecidas pelo Tratado não foi severa-
mente regular. No entanto, é inegável a dinâmica crescente dos
encontros, bem como o engajamento político e a profundidade
dos acordos negociados.

Embora a criação de uma Secretaria Permanente haja ocorrido somen-


te no fim da década de 1990, com o surgimento da OTCA, pode-se
afirmar que a institucionalização do TCA se deu pela regularidade,
nem sempre respeitada, de reuniões anuais do seu Conselho de Coo-
peração (1983,1986, 1988, 1990, 1993, 1994, 1995, 1997, 1998, 2000
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 153

e 2002), de reuniões bianuais de seus Ministros de Relações Exteriores


(1980, 1983, 1989, 1991, 1995, 2000 e duas em 2002) e de reuniões de
seus Presidentes2 (1989 e 1992). Nesses encontros, por sua vez, foram
discutidos e propostos, ao longo de 20 anos, tarefas à Secretaria Pró
Tempore (Torrecuso, 2004, p.16).

Apenas a título de atualização, ocorreram na sequência mais


três reuniões do Conselho de Cooperação Amazônica (2004,
2005 e 2010), mais quatro reuniões de Ministros das Relações
Exteriores (2004, 2005, 2010 e 2011) e mais uma reunião de
Presidentes dos países amazônicos, em 2009, a qual resultou
na Declaração dos Chefes de Estado Sobre a OTCA. Há que se
destacar a maciça participação de todos os países da região nas
reuniões e instâncias da cooperação amazônica. Segundo Tor-
recuso (2004), “além de expressar-se por meio de estruturas e
procedimentos institucionalizados, o TCA manteve-se pela in-
teração de todos os seus participantes – apresentando equidade
de participação em suas reuniões”.

O TCA apresentou elementos típicos de multilateralismo (periodicida-


de de encontros, equidade de sua estrutura e reciprocidade difusa) que
foram transmitidos à OTCA e de instituições conhecidas como regimes
internacionais (além dos mencionados para instituições multilaterais:
caráter programático de seu texto, natureza de acordo guarda-chuva -
em cujo âmbito são celebrados outros acordos específicos e atuação em
uma área temática específica) (Torrecuso, 2004, p.44).

Outro elemento que demonstra o caráter multilateral da coope-


ração amazônica é o fato de que o seu processo decisório é baseado

2 À época de assinatura do TCA, as Reuniões de Presidentes não foram estabelecidas


como uma instância ordinária da cooperação amazônica, portanto, não constam no
texto do Tratado. Todavia, os países reconhecem tratar-se de um “foro fundamen-
tal para o diálogo sobre os interesses comuns, o intercâmbio de opiniões acerca dos
temas que afetam a zona, e o consenso quanto às ações orientadas a alcançar o desen-
volvimento da região por meio de políticas e estratégias comuns”. Disponível em:
<http://www.otca.info>..
154 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

no princípio da unanimidade, segundo o qual todos os países devem


aprovar toda e qualquer resolução para que a mesma seja adotada e
posta em prática. Princípio este que deve ser verificado nas reuniões
de todas as instâncias criadas pelo Tratado, ou seja, as Reuniões de
Ministros das Relações Exteriores, do Conselho de Cooperação
Amazônica e a constituição de Comissões Especiais.

ARTIGO XXV – As decisões adotadas em reuniões efetuadas em


conformidade com os artigos XX e XXI requererão sempre o voto
unânime dos Países-Membros do presente Tratado. As decisões ado-
tadas em reuniões efetuadas em conformidade com o artigo XXIV
requererão sempre o voto unânime dos países participantes (TCA,
1978, sem paginação).

Verifica-se, a partir disto, que também a característica do con-


senso na tomada de decisões está presente no processo de coopera-
ção entre os países amazônicos. Portanto, a soma destes fatores nos
leva a considerar que o processo iniciado com a assinatura do TCA
caracteriza-se, mais corretamente, como um caso de cooperação re-
gional multilateral.
Torrecuso (2004) afirma que:

Além de expressar-se por meio de estruturas e procedimentos institu-


cionalizados, o TCA manteve-se pela interação de todos os seus parti-
cipantes [...] não houve competição entre os membros pelo domínio de
seu objeto, ou mesmo um poder hegemônico que se impôs aos demais
(Torrecuso, 2004, p.16-17).

Por sua vez, Silva (2008) argumenta que:

A caracterização institucional e a observação das relações bilaterais


entre os países amazônicos permitiram que o TCA constituísse um
regime internacional de natureza multilateral, cujo objetivo inicial
foi de cooperação para afirmação da soberania dos países amazôni-
cos sobre seus respectivos territórios e riquezas. Depois, pelas trans-
formações ocorridas nas décadas de 1980 e 1990, o TCA apresentou
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 155

mudanças no seu objeto de cooperação, caracterizando um regime de


desenvolvimento sustentável (Silva, 2008, p.49).

O caráter regional da cooperação multilateral amazônica é evi-


dente, mas vale esclarecer os motivos que especificam este processo.
Primeiramente, a identificação regional refere-se uma característica
“geográfica, ecológica e econômica” (Artigo II, TCA, 1978), a sa-
ber, a existência do bioma3 amazônico no território dos países que
compõem o acordo. Ou seja, possuir território soberano na área
da Bacia Amazônica é condição sine qua non para participação no
TCA.4 Estas condições levaram os países a adotarem o exposto no
Artigo XXVII, segundo o qual o Tratado de Cooperação Amazônica
“não estará aberto a adesões” (TCA, 1978).
Trata-se, então, de um acordo de cooperação de caráter multi-
lateral, abrangência regional e escopo fechado, dada a impossibi-
lidade de absorver novos participantes. Esta última característica
também se faz compreensível pelo motivo de que o TCA advoga a
equidade entre as Partes Contratantes. Ou seja, se todos os mem-
bros devem desfrutar de igualdade na condução e negociação dos
temas correlatos, a coerência exige que suas características consti-
tuintes sejam, da mesma maneira, iguais.
A natureza multilateral que caracterizou a cooperação amazô-
nica desde os princípios firmados pelo TCA talvez seja a principal
razão pela qual os países amazônicos não competem acirradamente
entre si sobre a definição dos problemas ambientais da região e sobre

3 De acordo com definição do IBGE, bioma é o conjunto de espécies animais e vegetais


que vivem em formações vegetais vizinhas em um território que possui condições
climáticas similares e história compartilhada de mudanças ambientais, o que resulta
em uma diversidade biológica própria.
4 É por este motivo que o Departamento Ultramarino da Guiana Francesa não é parte
integrante do Tratado, já que este território não constitui um Estado soberano. Suas
condições internas são bastante semelhantes às de seus vizinhos, Guiana e Suriname.
Porém, trata-se de uma região sob o comando e soberania da França, que, por sua vez,
é um país europeu, com interesses e características políticas, econômicas, sociais e
ecológicas bastante distintas. Assim, nem o Departamento da Guiana Francesa nem
a França fazem parte do TCA. Todavia, há alguns anos a França vem reivindicando
participação na OTCA.
156 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

quais medidas devem ser adotadas. No caso amazônico, o mecanis-


mo da necessidade de construção do consenso em todas as matérias
negociadas, possibilitou, ao que parece, que a cooperação regional
não recaísse no dilema da cooperação que caracteriza as negociações
ambientais internacionais.
Dessa forma, a natureza multilateral da cooperação amazônica,
e sua identificação regional, parecem possibilitar que os países não
disputem entre si para definir as condições de como devem coope-
rar. Porém, o fato de não apresentarem intenso conflito de interesses
pela condução da cooperação regional não pode resultar em um bai-
xo nível de compromisso político. São basicamente estes fatos que
serão avaliados no decorrer dos próximos capítulos.

Características da OTCA

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica é uma


instituição criada para dinamizar a cooperação regional entre os
países amazônicos e, assim, tornar-se referência obrigatória para
projetos e iniciativas de cooperação internacional direcionados para
a região. Foi criada a partir de uma Emenda ao Tratado, datada de
1998, e instituída em 2002, com sede em Brasília-DF.

A Secretaria Permanente será dotada de uma pequena equipe de fun-


cionários administrativos e técnicos, de forma a evitar a constituição
de uma burocracia que tenda a buscar novas formas de justificar-se a
si própria. Sua estrutura foi estabelecida pelas instâncias coletivas do
Tratado, à qual deverá reportar-se. As relações da organização com o
país anfitrião serão regidas por um acordo com o Governo brasileiro.
Seu funcionamento estará regulado por um código de pessoal aprovado
pelos oito membros (Amorim, 2003, p.6).

A OTCA é uma organização internacional intergovernamen-


tal, de caráter decisório multilateral, tendo como base o princípio
da igualdade entre as Partes, já que, de acordo com o Tratado, as
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 157

decisões requerem unanimidade ou consenso entre os atores, e não


a disputa por número de votos. É fechada a adesões, visto que todos
os Estados que contêm o bioma amazônico em seu território já são
membros. Para Ricupero (1995, p.365) “Não pode haver critério
mais objetivo e imparcial. Nenhum país poderá arrogar-se o direito
de conceder ou negar a outro a condição de amazônico, já que ela
constitui um dado da Geografia”.
Neste caso, a única particularidade é referente à Guiana Fran-
cesa que possui o bioma amazônico em seu território, porém, não
integra o TCA nem a Organização, pois se trata não de um Estado
independente e sim de um território extracontinental da França.

Somando-se as populações humanas dos países amazônicos, há algo como


38 milhões de pessoas habitando a região. Apenas no Brasil, são quase 25
milhões de pessoas, e no Peru são mais de 4 milhões de habitantes. Le-
vantamentos da própria OTCA indicam que são pelo menos 420 povos
indígenas, falando mais de 86 línguas e 650 dialetos (Pires, 2011, p.2).

A OTCA é responsável por promover a cooperação entre seus


membros na busca do interesse comum representado pelo desen-
volvimento sustentável da região. A instituição visa promover a
coordenação política entre os países amazônicos, reafirmando a so-
berania destes na utilização e conservação de seus respectivos terri-
tórios. Tendo apenas dez anos de existência, a OTCA se encontra
ainda em período de amadurecimento e consolidação. Entretanto,
diferentes abordagens podem ser feitas sobre o histórico e sobre as
perspectivas futuras da OTCA.

Estrutura organizacional

A estrutura organizacional da OTCA é formada pelas Reuniões


de Ministros de Relações Exteriores (RMRE), instituição decisó-
ria mais importante da OTCA, subordinada apenas às Reuniões
de Presidentes dos países amazônicos, convocadas extraordinaria-
158 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

mente. De acordo com as determinações do Tratado de Cooperação


Amazônica e da Emenda que criou a OTCA, ou seja, originalmente,
os principais órgãos institucionais, responsáveis pelo cumprimen-
to dos objetivos e finalidades da OTCA, são o Conselho de Coo-
peração Amazônica (CCA), as Comissões Nacionais Permanentes
(CNPs) e as Comissões Especiais da Amazônia (CE). Além destes
órgãos, a OTCA dispõe do Plano Estratégico 2004-2012, elaborado
para funcionar como um plano diretor das ações desta organização
no período mencionado, e também da nova Agenda Estratégica da
Cooperação Amazônica, referente ao período de 2012 a 2020.

A SP tem personalidade jurídica e, assim, competência de representar os


interesses dos países-membros no que se refere à cooperação técnica ama-
zônica e de firmar acordos e assumir compromissos com terceiros países,
organismos internacionais ou outras entidades. Entre suas funções, estão:
manter arquivo e informações relativas à OTCA; preparar e distribuir às
Chancelarias a correspondência oficial da Organização; zelar pelo cumpri-
mento eficiente dos projetos de cooperação; promover a cooperação técni-
ca, observando mandato recebido; e apresentar propostas de projetos com
terceiros ao CCA, por meio da CCOOR (Gadelha, 2009, p.55).

A maior frequência de reuniões presidenciais tem sido o indício


mais claro do aumento dos contatos diplomáticos entre os países da
região, e consequentemente do seu engajamento político com a coo-
peração regional. Entre as reuniões destaca-se a Primeira Reunião
de Presidentes dos países signatários do TCA, em 1989, seguida de
uma nova reunião entre os Chefes de Estado, em fevereiro de 1992,
ocasião em que foi elaborada uma Declaração expressando o posi-
cionamento conjunto dos países amazônicos para a Conferência do
Rio. O mesmo não ocorreu na fase preparatória para a Conferência
Rio +20, na qual o posicionamento conjunto dos países amazônicos
foi menos incisivo, e sua elaboração foi feita por meio da Reunião de
Ministros das Relações Exteriores.
Analisaremos, a seguir, as características e atribuições dos ór-
gãos institucionais de acordo com informações extraídas do Trata-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 159

do e do endereço eletrônico da OTCA. Primeiramente, veremos o


Conselho de Cooperação Amazônica cujas funções são as seguintes:

Representantes diplomáticos de alto nível das Partes Contratantes, reu-


nir-se-ão, anualmente, integrando o Conselho de Cooperação Amazô-
nica, com as seguintes atribuições:
– Velar pelo cumprimento dos objetivos e das finalidades do Tratado.
– Velar pelo cumprimento das decisões adotadas nas reuniões dos Mi-
nistros das Relações Exteriores.
– Recomendar às Partes a conveniência ou oportunidade de realizar re-
uniões de Ministros das Relações Exteriores e preparar a agenda cor-
respondente.
– Considerar as iniciativas e os projetos apresentados pelas partes e ado-
tar as decisões correspondentes para realização de estudos e projetos bi-
laterais e multilaterais cuja execução, quando for o caso, estiver a cargo
das Comissões Nacionais Permanentes.
– Avaliar o cumprimento dos projetos de interesse bilateral ou multilateral.
– Adotar as normas para o seu funcionamento (Artigo XXI, TCA, 1978).

Pode-se perceber que na atuação do Conselho de Cooperação Ama-


zônica também estão presentes características de condução política in-
tergovernamental, à medida que este é composto de representantes di-
plomáticos das Partes e não por funcionários vinculados à Organização.

O Conselho de Cooperação Amazônica – CCA constitui-se de diplo-


matas de alto nível das Chancelarias – no caso brasileiro, o Subsecretá-
rio-Geral da América do Sul – e encontra-se anualmente para velar pelo
cumprimento dos objetivos do TCA; velar pelo cumprimento das de-
cisões tomadas nas Reuniões de Chanceleres; recomendar reuniões de
Chanceleres; considerar iniciativas e projetos apresentados pelas partes;
avaliar o cumprimento dos projetos; e adotar as normas de funciona-
mento da Organização (Gadelha, 2009, p.53).

A enumeração das atribuições do CCA esclarece como este órgão


está diretamente vinculado ao cumprimento dos objetivos, das finali-
dades e de projetos no âmbito do TCA, bem como do cumprimento
160 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

das decisões adotadas nas Reuniões dos Ministros de Relações Exterio-


res. Como mecanismo auxiliar do CCA, o Tratado instituiu também a
Comissão de Coordenação do Conselho de Cooperação Amazônica:

A Comissão de Coordenação do Conselho de Cooperação Amazônica


(CCOOR) é formada por diplomatas dos países-membros acreditados
em Brasília. Atribuições: acompanhar planejamento e execução orça-
mentária da SP; preparar a agenda das reuniões do CCA; elevar à CCA
recomendações que considere pertinentes; velar pelo cumprimento das
decisões do CCA; avaliar as atividades de cooperação; servir de canal
entre os Governos dos Estados Partes e a SP; fazer recomendações para
o cumprimento de funções pela SP; recomendar a convocação de Comis-
sões Especiais; atender a consultas feitas pela SP (Gadelha, 2009, p.54).

O próximo mecanismo institucional analisado são as Comissões


Nacionais Permanentes:

As Comissões Nacionais Permanentes são as instâncias encarregadas de


aplicar as disposições do Tratado de Cooperação Amazônica em cada
país membro, bem como executar as decisões adotadas pelas reuniões
dos Ministros de Relações Exteriores e pelo Conselho de Cooperação
Amazônica, sem prejuízo a outras atividades que lhe sejam demanda-
das por cada Estado (Artigo XXIII do TCA).
Entre as principais funções das CNPs podemos mencionar:
– A aplicação das disposições do Tratado em seus respectivos territó-
rios.
– A execução das decisões e dos acordos adotados nas Reuniões de Mi-
nistros e do Conselho de Cooperação Amazônica.
– Assessorar, harmonizar e coordenar as políticas voltadas ao desenvol-
vimento sustentável5 das respectivas regiões amazônicas.
– Propor medidas e ações de política interna e externa relacionadas ao
tema.
– Zelar pelo bom andamento dos planos, programas e projetos do
Tratado.

5 Vale destacar que esta é a primeira aparição, nesta pesquisa, do conceito de Desenvol-
vimento Sustentável em textos oficiais do TCA ou de sua Organização.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 161

– Identificar os pontos focais das diferentes Comissões Especiais Nacio-


nais e coordenar com eles as ações correspondentes.
As Comissões Nacionais Permanentes recebem cooperação financeira
internacional para ajudar em sua consolidação e fortalecimento. Nesse
sentido, vale a pena mencionar o “Programa de Apoio ao Zoneamento
da Amazônia”, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento, que começou a ser executado em março de 1996 e foi finalizado
em dezembro de 1998. Da mesma forma, a FAO, dando prosseguimen-
to a esse Programa, ofereceu assistência técnica às CNPs por 4 meses no
ano de 1999 (COMISSÕES NACIONAIS PERMANENTES).

As Comissões Nacionais Permanentes podem ser entendidas


como as ramificações do processo de cooperação amazônica. Elas são
órgãos criados a partir da iniciativa conjunta, mas que devem atuar
no âmbito nacional dos membros do TCA. Sua atuação é vinculada
às disposições do Tratado, às decisões e acordos das RMRE e uma
de suas atribuições é coordenar ações conjuntas com as Comissões
Especiais, o que mostra uma boa articulação funcional entre os me-
canismos institucionais da OTCA.

Na Declaração de Lima, os chanceleres chamam a atenção para a ne-


cessidade de reavivar as Comissões Nacionais Permanentes, que são
instâncias de cada país destinadas à implantação dos compromissos e
responsabilidades internamente. Isso significa que, embora a OTCA
tenha que fortalecer a identidade amazônica, cada país deve trabalhar
para que as decisões coletivas estejam ancoradas nas agendas nacio-
nais, evitando uma tendência comum dos organismos em descolarem-
se das partes (Pires, 2011, p.4).

No mesmo sentido, a I Reunião Internacional das Comissões Na-


cionais Permanentes, realizada dias 1 e 2 de 2004, na cidade de Bra-
sília, mostra que há uma dinâmica crescente no relacionamento entre
os mecanismos institucionais dos participantes do processo de inte-
gração regional amazônica. Todavia, a partir da criação da OTCA, as
Comissões Nacionais Permanentes e as Comissões Especiais ficaram
no segundo plano do processo de cooperação. Isto porque a Secreta-
162 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

ria Permanente da OTCA passou a contar em sua estrutura com as


Coordenações Temáticas, desempenhadas por funcionários nomea-
dos pelos países-membros, exatamente nas áreas em que atuavam as
Comissões Nacionais. Pode-se dizer que, na prática, as Coordenações
substituíram as Comissões, porém, nas últimas Reuniões de Minis-
tros das Relações Exteriores tem sido reiterada a necessidade de reati-
vação das Comissões Nacionais Permanentes e Especiais.
Já com relação às Comissões Especiais da Região Amazônica, o
Tratado estabelece o seguinte:

Conforme o Artigo XXIV do Tratado, foram criadas sete Comissões Especiais


da Região Amazônica destinadas ao estudo de problemas e tópicos específi-
cos. As Comissões agrupam instituições nacionais competentes de cada setor,
criando uma ativa rede sub-regional de comunicação.
As Comissões Especiais foram divididas em quatro Coordenadorias:
– Saúde (Cesam) e Assuntos Indígenas (Ceaia)
– Meio Ambiente (Cemaa)
– Transportes, Infraestruturas e Comunicações (Ceticam) e Turismo (Cetura)
– Educação (Ceeda) e Ciência e Tecnologia (Cecta) (COMISSÕES ESPE-
CIAIS DA AMAZÔNIA).

As características e atribuições de cada uma das Comissões


Especiais da Amazônia estão disponíveis a seguir. A partir daí po-
demos notar que o TCA atribui funções específicas às Comissões
Especiais, que pretendem atuar onde os Estados são incapazes de se
fazerem presentes, gerando benefícios à população e defendendo a
proteção ao meio ambiente.

Comissões Especiais da Amazônia

Estes órgãos estiveram até o início de 2003 sob a coordenação da


Secretaria Pro Tempore (SPT) (Artigo XXII do Tratado). Este foi
o instrumento mais considerado aos objetivos do Tratado à época
de sua assinatura, por não criar uma burocracia e custos excessivos.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 163

No entanto, a necessidade de criação de uma secretaria permanente


já havia sido levantada nas Reuniões do Conselho de Cooperação
Amazônica e dos Ministros de Relações Exteriores desde o final dos
anos 1980 (Torrecuso, 2004, p.61).
Em um nível maior de especificidade, sete comissões foram
criadas ao longo do desenvolvimento do Tratado. A Comissão Es-
pecial de Ciência e Tecnologia da Amazônica (CECTA) reuniu-se
sete vezes desde sua criação, em 1988, nos anos de 1989, 1991, 1993,
1995, 1996, 1997 e 1999. A Comissão Especial de Saúde Amazôni-
ca (CESAM), de 1988, reuniu-se seis vezes desde sua criação, nos
anos de 1988, 1991, 1993, 1995, 2001, e 2002. A Comissão Especial
de Meio Ambiente Amazônico (CEMAA), criada em 1989, man-
teve encontros nos anos de 1989, 1991, 1993, 1995, 1996, 1998 e
1999. “Estas constituem as principais comissões do Tratado, por
apresentarem maior frequência de reuniões e maior número de pro-
jetos implementados” (De La Torre, 2003 apud Torrecuso, 2004,
p.61). A Comissão Especial de Assuntos Indígenas da Amazônia
(CEIA), de 1989, reuniu-se em 1989, 1991, 1993 e 1995. A Comis-
são Especial de Turismo da Amazônia (CETURA) e a Comissão
Especial de Transportes, Infraestrutura e Comunicação da Amazô-
nia (CETICAM), ambas de 1990, mantiveram reuniões em 1990,
1993, 1995 e 1997, e em 1991, 1993, 1995, e 1997, respectivamente.
Por fim, a Comissão Especial de Educação Ambiental Amazônica
(CEEDA), de 1995, reuniu-se apenas uma vez (De La Torre, 2003
apud Torrecuso, 2004, p.61).

Comissão Especial de Saúde (CESAM)

No Artigo VIII do Tratado, os países amazônicos decidiram pro-


mover a coordenação dos serviços de saúde em seus territórios ama-
zônicos, adotando as medidas cabíveis para melhorar as condições de
saúde da região e elaborar métodos para combater e evitar epidemias.
A CESAM foi criada em março de 1988, como um órgão de
coordenação setorial, durante a III Reunião do Conselho de Coo-
164 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

peração Amazônica. A CESAM já se reuniu quatro vezes, sendo a


última em Lima, em junho de 1995.

Comissão Especial de Assuntos Indígenas (CEAIA)

A CEAIA foi criada durante a III Reunião de Ministros das Re-


lações Exteriores do TCA (Quito, Março de 1989) com a finalidade de
concretizar o interesse regional pelas questões indígenas. Esta Comissão
Especial se reuniu quatro vezes. A última reunião foi em Lima, em 1995.

Comissão Especial de Meio Ambiente (CEMAA)

Esta Comissão foi criada durante a III Reunião de Ministros das


Relações Exteriores do TCA (Quito, Março de 1989) para buscar
objetivos comuns de proteção ambiental, bem como a utilização ra-
cional dos abundantes e variados recursos naturais amazônicos. Esta
comissão já se reuniu cinco vezes; suas duas últimas Reuniões Or-
dinárias foram em Lim, em 1995, e em Santafé de Bogotá, em 1996.

Comissão Especial de Transporte, Infraestrutura e Comunicações


(CETICAM)

A IV Reunião do Conselho de Cooperação Amazônica (Santafé


de Bogotá, maio de 1990) criou a Comissão Especial de Transpor-
te para a Amazônia (CETRAM). Posteriormente, a IV Reunião de
Ministros de Relações Exteriores do TCA, realizada em Santa Cruz
de la Sierra, Bolívia, em novembro de 1991, aprimorou sua área de
abrangência, incluindo as questões de comunicações e infraestru-
tura e alterando seu nome para Comissão Especial de Transporte,
Infraestrutura e Comunicações (CETICAM).
Em termos gerais, os programas e projetos desta Comissão
Especial visam criar estratégias para a promoção do transporte
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 165

em suas diferentes modalidades; preparar um planejamento geral


e projetos em transporte fluvial no rio Amazonas para desenvol-
ver o comércio e contribuir com o bem-estar da região; promover
a criação de um sistema de transporte terrestre (estradas e ferro-
vias) e fomentar o transporte aéreo regional; facilitar as teleco-
municações; realizar estudos prévios de viabilidade e estudos de
viabilidade ou as passagens prioritárias interoceânicas e identifi-
car alternativas intermodais de conexão entre as bacias dos rios
Amazonas, Orinoco e Prata.

Comissão Especial de Turismo (CETURA)

A CETURA foi criada durante a IV Reunião do Conselho de


Cooperação Amazônica (Bogotá, maio de 1990) com a finalidade
de estabelecer mecanismos adequados de cooperação para planeja-
mento e criar a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do
turismo na região amazônica. Esta Comissão já se reuniu três vezes;
a última Reunião Ordinária foi em Lima, em junho de 1995.

Comissão Especial de Educação (CEEDA)

Na V Reunião de Ministros de Relações Exteriores do Tratado


de Cooperação Amazônica, foram adotadas duas decisões associa-
das à educação: a Comissão Especial de Educação (CEEDA) foi
criada como um mecanismo para avaliar as experiências e coordenar
a elaboração de planos educacionais adaptados à realidade amazôni-
ca, para fomentar a educação e o treinamento dos recursos humanos
na região amazônica, bem como o respeito pela identidade cultural
de seus povos; também foi decidido um programa comum para pro-
mover a educação e a conscientização ambiental na escola e, para
tanto, eles solicitaram à CEEDA que organizasse e convocasse um
seminário regional, que deverá propor as diretrizes, o conteúdo e o
escopo dos manuais para esse propósito.
166 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Em 1997, a I Reunião Ordinária desta Comissão Especial, bem


como o “Seminário Regional sobre Preparação de Manuais para um
Programa Comum de Promoção da Educação e Conscientização
Ambiental nas Escolas” foram realizados.

Comissão Especial de Ciência e Tecnologia (CECTA)

A CECTA foi criada durante a III Reunião do Conselho de


Cooperação Amazônica (Brasília, março de 1988). Dentre seus
objetivos estão promover e supervisionar a execução de proje-
tos regionais e outras atividades realizadas pelos países-mem-
bros do TCA nas áreas de ciência e tecnologia, bem como servir
de mecanismo de obtenção de recursos financeiros de fontes in-
ternacionais e como coordenador da utilização desses recursos
em programas regionais. Esta comissão já se reuniu cinco ve-
zes; suas duas últimas reuniões ordinárias foram em Lima, em
1995, e em Iquitos, em 1996.

Nessas comissões, o Tratado e seus condôminos procuraram e exerci-


taram fórmulas de cooperação horizontal e de aproveitamento coletivo
de programa que se materializaram a partir de fontes extrarregionais de
financiamento. O resultado foi um extenso acervo de conhecimentos e
experiências, postos à disposição dos planejadores e administradores
(Gadelha, 2009, p.61).

O sistema de Comissões Especiais, entretanto, mostrou sé-


rias insuficiências. Tornaram-se evidentes dificuldades de arti-
culação no momento de implementar políticas e programas de
maior escala, desenhados para funcionar de forma sincronizada
e complementar, para além das fronteiras nacionais. A neces-
sidade constante de captar recursos no plano internacional e o
fluxo desigual de financiamento que se obteve ao longo dos anos
afetaram tanto a continuidade de projetos encetados como o pró-
prio funcionamento das comissões. Para algumas delas, não se
mobilizaram meios na mesma medida que outras, cujos temas, –
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 167

como os de meio ambiente e saúde – gozavam de maior apelo ou


maior interesse junto às esferas decisórias, quer nacionais, quer
multilaterais (Gadelha, 2009).

Comissões Nacionais Permanentes (CNPs)

AS CNPs são as instâncias encarregadas de aplicar as disposições


da OTCA em cada país-membro. Executam também as decisões
adotadas pelas reuniões dos Chanceleres e pelo CCA. Suas estruturas
organizacionais são adaptadas às realidades administrativas de cada
Estado. A CNP brasileira foi criada por decreto presidencial, em no-
vembro de 2002, abrange 14 Ministérios e órgãos governamentais e é
coordenada pelo Diretor do Departamento da América do Sul II, Mi-
nistro Clemente de Lima Baena Soares. A última vez que ela se reuniu
foi em 21 de agosto de 2009, para a apresentação do novo SGOTCA e
relançamento dos trabalhos da CNP (Gadelha, 2009).
Cabe às CNPS coordenar as atividades pertinentes à aplicação,
no território nacional, das disposições do Tratado; executar deci-
sões adotadas pelas instâncias coletivas do Tratado; assessorar o
Ministro das Relações Exteriores na tomada de decisões relativa à
formulação das posições brasileiras nas reuniões de instâncias co-
letivas da OTCA; oferecer subsídios para a participação brasileira
nas reuniões técnicas e de comissões especiais da OTCA; e estabe-
lecer diálogo com instituições e entidades nacionais cujos objetivos
e atividades possam trazer contribuição relevante para as questões
de sua competência.

Processo decisório

O Tratado de Cooperação Amazônica estabeleceu em seus arti-


gos que as decisões adotadas no nível regional seriam sempre regidas
pelo princípio da unanimidade. Esta decisão, que exige a construção
do consenso em todas as matérias e deliberações assumidas, é ne-
168 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

cessária em todas as instâncias decisórias e executivas do Tratado,


a saber, a unanimidade é indispensável nas Reuniões de Ministros
das Relações Exteriores, nas Reuniões do Conselho de Cooperação
Amazônica, e nas decisões para instaurar Comissões Especiais. Se-
gundo o artigo VVI do TCA:

As decisões adotadas em reuniões efetuadas em conformidade com


os Artigos XX e XXI, requererão sempre o voto unânime dos Países-
Membros do presente Tratado. As decisões adotadas em reuniões efe-
tuadas em conformidade com o Artigo XXIV requererão sempre o voto
unânime dos países participantes.

O princípio da unanimidade gera uma série de implicações, tanto po-


sitivas como negativas. A seguir, procuraremos analisar algumas delas.

O engajamento no aperfeiçoamento dos processos de tomada de deci-


sões no âmbito da OTCA é de grande importância para que se possa
transformar a cooperação multilateral em instrumento de concretização
e de otimização das estratégias estatais para o território amazônico, se-
gundo a lógica de afirmação dos interesses dos países envolvidos e a bus-
ca pelo desenvolvimento sustentável. Por meio de uma OTCA atuante
e moderna, será possível que os Estados amazônicos logrem, de maneira
soberana e integrada, promover o desenvolvimento da região em bene-
fício das sociedades locais (Simões, 2011, p.9).

Sem o instituto da unanimidade, dificilmente os países amazô-


nicos concordariam em integrar uma Organização para cooperarem
sobre território tão estratégico como a Amazônia. Particularmente
o Brasil, detentor da maior parte da floresta e com características e
dimensões dissonantes dos demais países, enfrentaria riscos de iso-
lamento dentro da OTCA, já que por muito tempo foi acusado de
ter pretensões hegemônicas sobre a região.
Em segundo lugar, a necessidade do consenso é base da existência do
processo de cooperação. Os recursos naturais e os interesses geopolíticos
abrangidos pela Amazônia envolvem de tal maneira a soberania dos Es-
tados que não seriam passíveis de serem decididos por disputa de votos.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 169

Dessa maneira, se, por um lado, é difícil alcançar consensos en-


tre países que têm visões de integração, modelos de desenvolvimen-
to e diretrizes ideológicas tão díspares quanto as nações amazônicas,
por outro, não menos complexo, é imaginá-los cooperando em ma-
téria estratégica sem contar com o poder de veto que o instituto da
unanimidade lhes confere.

Orçamento

Dois pontos são essenciais para o debate sobre o orçamento


disponível para a OTCA. O primeiro é o volume da contribuição
dos países da região, que deve ser discutido levando em conside-
ração a importância estratégica que a Amazônia tem para eles, a
capacidade de cada um em contribuir, e os retornos que podem
ser obtidos por meio de uma contribuição, ou investimento, mais
expressivo. O segundo ponto a ser discutido é a autonomia da ins-
tituição frente aos financiamentos externos. Esta situação passou
por diferentes fases, aparentemente sempre progredindo, de um
alto nível de dependência, para uma dependência relativa e atual-
mente com perspectivas de autonomia crescente frente aos recur-
sos externos. Estes dois pontos são fundamentais e procuraremos
debatê-los a seguir.
O Quadro 1, fornecido pelo Diretor Executivo da OTCA,
Carlos Aragon, mostra a contribuição financeira anual dos paí-
ses-membros para a OTCA. Na primeira coluna estão os valo-
res acordados na VI Reunião de Ministros de Relações Exterio-
res, ocorrida em Caracas, na Venezuela, em 2000, ou seja, antes
do início das atividades da Secretaria Permanente. Já na segunda
coluna, estão os valores acordados na X Reunião de Ministros
das Relações Exteriores, ocorrida em Lima, no Peru, em 2010,
onde os países-membros resolveram aumentar as contribuições
para a Organização.
170 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Quadro 2 – Contribuição financeira anual dos países-membros para a OTCA


Country Contributions (Approved Contribution am-
in VI MRE Meeting) mount (Aproved in
the X MRE Meeting)
Bolívia 74.074,00 87.829,54

Brasil 398.860,00 678.062,00

Colômbia 182.336,00 255.270,40

Equador 74.074,00 87.829,54

Guyana 22.792,00 24.093,42

Peru 182.336,00 255.270,40

Suriname 22.792,00 24.093,42

Venezuela 182.336,00 255.270,40

Total 1.139.600,00 1.667.719,13

Fonte: OTCA.

A necessidade de aumento das quotas e contribuições finan-


ceiras dos países-membros foi agravada pela defasagem no poder
de compra da instituição devido à inflação e as variações cambiais
no período de 2000 a 2010. Na Resolução RES/X MRE-OT-
CA/4,6 por ocasião da X Reunião de Ministros das Relações Ex-
teriores, era consenso entre os representantes que “urge dotar a
Secretaria Permanente da Organização do Tratado de Coopera-
ção Amazônica de um orçamento adequado, para cumprir os no-
vos mandatos e atender às necessidades dos países-membros”.
Assim, decidiram:

Que as quotas e contribuições financeiras anuais dos países-membros,


nos valores estipulados em 1998 e adotados em 2000, sofreram uma
sensível e marcada defasagem, que se traduziu na perda significativa de
valor em decorrência de questões inflacionárias e da desvalorização da

6 Disponível em: <http://www.otca.info/portal/admin/_upload/res_ministros/4_


Res_X_MRE_4_cuotas_port.pdf>.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 171

taxa de câmbio acima de 100%, limitando operacional e tecnicamente


a atuação da Secretaria Permanente, sendo premente e imprescindível
corrigir tal situação (RES/X MRE-OTCA/4, 2010).

É evidente que o acréscimo é positivo, mas é evidente da mesma


maneira que o orçamento da OTCA está longe do patamar adequado
perante os desafios e responsabilidades atribuídos a esta Organização.
O valor de US$ 1.667.719, cerca de um milhão, seiscentos e setenta
mil dólares anuais, que dividido pelos doze meses do ano dá um resul-
tado de cerca de 140 mil dólares mensais, não pode se comparar ao va-
lor que a região amazônica possui para os oito países que a compõem.
Nesses parâmetros, as contribuições dos países-membros cus-
teiam apenas os gastos operacionais da Secretaria Permanente, ou seja,
a manutenção de sua sede, os salários de seu corpo funcional, e o alu-
guel da residência do secretário-geral, que foi acordado entre as Partes.

Já por muitos anos, a defesa e a integração da Amazônia são apresenta-


das e reconhecidas como questões do mais elevado interesse nacional
brasileiro, apesar da escassez, por parte do Estado, dos recursos neces-
sários para colimar aqueles desígnios, situação que se reproduz nos paí-
ses vizinhos. Efetivamente, há ainda um extenso caminho a ser percor-
rido para que os Estados Nacionais que integram a Amazônia possam,
de fato, nela e em relação a ela exercer os atributos e prerrogativas que
lhes são próprios (Costa Vaz, 2008, p.7).

Dessa maneira, os recursos disponibilizados pelos países ama-


zônicos não possibilitam a contratação de consultores extras, confor-
me necessidades existentes, muito menos a realização dos inúmeros
projetos temáticos que constam da Agenda Estratégica da Coopera-
ção Amazônica. Para esta finalidade, a Organização depende, desde
sua criação, da obtenção de recursos externos.

O exame do orçamento da OTCA revela escassez de recursos e signi-


ficativa dependência de parcerias com agentes exógenos à região, des-
tacadamente a Agência de promoção do desenvolvimento alemã GTZ
(Gadelha, 2009, p.24).
172 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

No período atual, há indícios de que esta situação de dependên-


cia com relação a recursos externos e de influência dos financiadores
nos projetos da OTCA parece estar começando a ser neutralizada e
revertida. Em entrevista ao atual Diretor Administrativo da OTCA,
Carlos Aragon, o mesmo destaca que na conjuntura atual, dentro do
processo de relançamento da OTCA, orientado pela Agenda Estra-
tégica da Cooperação Amazônica, os projetos executados atualmen-
te não sofrem a influência dos agentes financiadores.
Ou seja, estes órgãos são informados desde o início que os re-
cursos serão destinados para a execução do mandato político dos
países amazônicos. Desta forma, os recursos disponibilizados pelos
organismos de cooperação e financiamento buscados pela OTCA
são aplicados na execução do ciclo de projetos determinado pela
Organização, e tais organismos internacionais não interferem nas
condições ou nos resultados esperados para cada projeto. Este ciclo
de projetos é o que consta da Agenda Estratégica, tendo sido for-
mulado por meio de negociação e consenso entre os Ministros das
Relações Exteriores de todos os países amazônicos. Mesmo assim, a
dependência de parceiros externos ainda reduz a autonomia da Or-
ganização. Isto porque a instituição deve aguardar a disponibilidade
de recursos externos, ou se limitar a ela, para que coloque em prática
o planejamento emanado das Reuniões de Ministros das Relações
Exteriores ou do Conselho de Cooperação Amazônica. Além disso,
de acordo com Carlos Aragon, muitos projetos são apresentados e
oferecidos à OTCA, mas, devido ao caráter político da instituição,
subordinada as decisões regionais, tais projetos não podem ser via-
bilizados pela OTCA.

Os projetos elaborados em parceria desdobram-se em numerosos pro-


gramas e propostas cujo teor amiúde não condiz com as prioridades dos
países que compõem a Organização, de acordo com relatório de Grupo
de Trabalho composto por diplomatas dos oito países-membros, de 28
de novembro de 2008, doravante chamado nesta dissertação de GT2008,
que se encontra nos arquivos do DAS II / MRE (Gadelha, 2009, p.58).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 173

Por estes motivos, um dos objetivos futuros para alcançar maior


autonomia e adequação financeira da SP-OTCA é a criação de um
fundo para a cooperação regional amazônica. Ou seja, a disponibi-
lização, pelas Partes e/ou por organismos internacionais, de uma
quantia significativa de recursos para ser aplicado neste fundo. A
partir disto, os projetos da SP-OTCA poderiam ser custeados pela
verba proveniente dos rendimentos deste fundo.

No âmbito da Agenda Estratégica, será necessário, além de conti-


nuar formulando projetos tecnicamente consistentes e viáveis com
o apoio da Secretaria Permanente da OTCA, identificar fontes de
financiamento nacionais, regionais e internacionais. Algumas ini-
ciativas nacionais nesse campo certamente poderão ser colocadas à
disposição dos países amazônicos com a ajuda da OTCA. É o caso,
por exemplo, do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e composto por
contribuições voluntárias internacionais. O objetivo é fornecer apoio
financeiro não-reembolsável para projetos de prevenção e o combate
ao desmatamento e também para a conservação e o uso sustentável
das florestas no bioma amazônico do Brasil (Pires, 2011, p.8).

Vê-se nesse momento que o fundo brasileiro pode servir de


estímulo e exemplo para pensarmos em instrumento semelhante
adaptado às necessidades de todos os países amazônicos. Deve-se
discutir a criação de um fundo para captar recursos e direcioná-los
para projetos nos Estados membros com escopo mais amplo, de
âmbito regional ou fronteiriço, voltados não apenas para o controle
e monitoramento, mas também para outros projetos e áreas men-
cionados na Agenda Estratégica. “O know-how do BNDES na ad-
ministração do Fundo Amazônia poderá ser colocado à disposição
da OTCA e dos Estados Membros” (Pires, 2011, p.11).
Portanto, a análise do Orçamento da OTCA, e consequente-
mente da cooperação amazônica, nos revela debilidades reais que
limitam a capacidade de ação desta instituição na promoção da coo-
peração regional. As contribuições dos países-membros devem au-
174 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

mentar progressivamente, ao mesmo tempo em que a relação com os


investidores externos deve ser cada vez mais autônoma, fortalecen-
do a premissa de que os recursos disponibilizados por tais agências
serão utilizados exclusivamente para realização dos projetos delibe-
rados conjuntamente pelos países amazônicos.

A atuação da OTCA de 2002 a 2007

Foi assinado, em 14 de dezembro de 2002, o Acordo de Sede da


Organização. Após a criação da OTCA, foi designado como primei-
ro Secretário-Geral da Organização o Embaixador Sérgio Sanchez
Ballivián, da Bolívia, na Reunião Extraordinária de Ministros de
Relações Exteriores dos Países-Membros da OTCA, ocorrida em
Brasília, em 6 de dezembro de 2002 (Amorim, 2003).
De acordo com Celso Amorim, nos primeiros meses de 2003, a
OTCA avançou rapidamente no seu processo de consolidação como
organismo internacional. Elaborou o Plano de Trabalho 2003-2005,
tarefa pela qual contratou três consultores internacionais, financia-
dos pela CAF, os quais estabeleceram estreita colaboração com os
governos dos países-membros, por meio de suas respectivas Co-
missões Nacionais Permanentes, e definiram a estratégia de ação da
OTCA nesse período fundacional (Amorim, 2003).
Outro avanço importante ocorrido no ano de 2003 foi a assina-
tura, por parte da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e de
minuta de portaria, designando os integrantes da Comissão Nacio-
nal Permanente do TCA no Brasil, composta de representantes de
13 Ministérios. Esta Comissão ficou responsável pela aplicação em
território nacional das disposições do TCA e da execução das deci-
sões adotadas pelas Reuniões de Ministros de Relações Exteriores e
pelo Conselho de Cooperação Amazônica (Amorim, 2003).
Na sua formação inicial, o organograma diretivo da OTCA foi
composto de: como Diretor Executivo assumiu o Embaixador boli-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 175

viano, Mauricio Dorfler. Como Diretor Administrativo, o brasileiro


Flávio Sottomayor. Como Coordenador de Meio Ambiente, assumiu o
equatoriano Antonio Matamoros Burgo. Como Coordenador de Saúde,
o colombiano Dr. Durfay Campiño Rodríguez. Na Coordenadoria de
Transportes, Comunicação, Infraestrutura e Turismo, o cargo foi para o
guianense Donald Sinclair. Na Coordenadoria de Assuntos Indígenas,
assumiu o surinamês Jan Tawjoeram. E, na Coordenadoria de Ciência
e Tecnologia, o cargo foi assumido pelo venezuelano Germán Gómez.
Nesta seção, daremos ênfase ao período que ficou sob a gestão de
Rosalia Arteaga como Secretária Geral da OTCA, que foi a primeira
SGOTCA eleita por todos os países amazônicos.

Durante o mandato da primeira Secretária-Geral eleita, a equatoriana


Doutora Rosália Arteaga, essa institucionalização da OTCA traduziu-se
na realização de três encontros de Chanceleres, seis reuniões do CCA e
39 da CCOOR. Além do fortalecimento organizacional, logrou-se maior
projeção internacional da OTCA, captou-se expressivo volume de re-
cursos para parcerias de cooperação, elaboraram- se o Plano Estratégico
2004-2012 e diversos projetos de cooperação nas diferentes áreas de atua-
ção da OTCA (Gadelha, 2009, p.67).

O período sob a administração de Rosalia é reconhecido pela


ampliação das atividades da OTCA no âmbito regional e pela proje-
ção desta organização nos fóruns internacionais.

Outros aspectos que estão requerendo trabalho imediato e contínuo são


a harmonização de posições em foros internacionais [...] Ainda dentro
desta mesma área, a OTCA empenha-se na construção de mecanismos
de diálogo e de consulta com a sociedade civil, tarefa nada fácil, mas
indispensável, se tomarmos em consideração que a OTCA representa
os governos, mas trabalha com os povos (Serrano, 2006, p.94).

Em artigo publicado por Rosalia destaca-se que:

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica está destinada a


intervir, como de fato o faz, em diversos temas que se relacionam com
176 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

o diálogo político, as estratégias e programas regionais e algumas ini-


ciativas e projetos de caráter supranacional, no contexto de um enfoque
estratégico (Serrano, 2006, p.90-91).

No artigo de Serrano (2006), à época, Secretária-Geral da


OTCA, afirma-se que uma das principais atividades institucionais
da OTCA ocorre no sentido da cooperação desta com outras Orga-
nizações Internacionais.

A organização funciona como uma pequena central diretora de técni-


cos, peritos e funcionários, financiada pelas quotas que cada um dos
países lhe paga com tal finalidade, gere outros recursos provenientes da
cooperação internacional de organismos internacionais, países coope-
rantes, setor privados etc., e aspira a criar, com a ajuda dos governos
dos países e das instâncias cooperantes, um fundo de desenvolvimento
solidário para a Amazônia e, para isso, iniciou processo de consulta com
a CAF (Serrano, 2006, p.98).

Serrano (2006), primeira Secretária-Geral da OTCA, publicou,


por meio de um artigo, uma listagem parcial das atividades execu-
tadas e planejadas pela Organização. Além disto, a OTCA publica
periodicamente Informes de Gestão11, nos quais estão contidas re-
soluções, declarações, e atividades desempenhadas pela instituição.
A publicação de Serrano (2006) oferece o seguinte quadro de ativi-
dades da OTCA em execução:

Quadro 3 – Projetos da SP-OTCA em execução


1. Projeto de Gestão Regional de Biodiversidade – BID.

2. Projeto de Uso Integrado e Sustentado dos Recursos Hídricos GEF/PNU-


MA - OEA.
3. Projeto de Uso Econômico da Biodiversidade – Unctad/Governo Holandês/
GTZ/UNF.
4. Proposta de projeto de Conservação da Floresta Tropical Amazônica II –
GTZ/BMZ.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 177

5. Projetos Culturais “Prêmio OTCA” e “Descobrindo a Amazônia: A OTCA e


os Jovens Caminhos de Orellana” – Governos/Setor privado.

6. Validação de Indicadores de Sustentabilidade da Floresta Amazônica - FAO.

7. Proposta de participação da sociedade civil na OTCA: Uicn/FLA – BID.


8. Prevenção e combate à contaminação por Mercúrio – Governos dos EUA.

9. Proposta de delimitação da região amazônica – IES-UE.

Fonte: Serrano (2006).

Na mesma obra encontramos o seguinte quadro de projetos da


SP-OTCA em fase de preparação:

Quadro 4 – Projetos da SP-OTCA em fase de preparação


Prevenção e combate à contaminação por mercúrio – Governo dos EUA – EPA
– UNEP –
MMA/Brasil.

Estudo da viabilidade técnica, financeira e política para a constituição de um


Fundo
Solidário de Desenvolvimento – CAF.
Proposta de projeto na área da saúde – Opas.

Projeto Amazônia – Fundação Moore.

Projeto Regional para OIMT – Governance, monitoramento de cobertura


florestal.
Programa de Áreas Protegidas; WWF – Cirad.

Programa Andes Amazônia – GTZ/Icraf.

Parques Transfronteiriços – KFW.

Aspectos econômicos para desenvolvimento sustentável e gerenciamento de


terras indígenas – Governo dos Países Baixos.

Fonte: Serrano (2006).

Além destes dois quadros referentes a projetos específicos da


OTCA em parceria com outras Organizações, o artigo de Rosalía Ser-
rano (2006) ainda nos apresenta o Quadro 4, demonstrativo das alian-
ças realizadas entre a SP-OTCA e outros organismos cooperantes.
178 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Quadro 5 – Alianças entre a SP-OTCA e outros organismos cooperantes (anos


2004 e 2005)
Acordo OTCA - FAO. Gestão florestal inte- Brasília, 25 de maio de 2004
gral, critérios e indicadores de sustentabilidade
da Floresta Amazônica, “Processo de Tarapoto”

Memorandum de Entendimento OTCA – São Paulo, 15 de junho de


UNCTAD, para impulsionar o comércio 2004
sustentável e os investimentos em produtos e
serviços da biodiversidade na região amazônica

Carta de Entendimento OTCA – Comitê Brasília, 30 de agosto de 2004


Intergovernamental Coordenador dos Países
da Bacia do Prata (CIC), para intercâmbio de
informações e cooperação em atividades de
interesse comum
Convênio de Cooperação OTCA – Unamaz, Sta. Cruz de la Sierra, 21 de
reforço da rede de Universidades Amazônicas setembro de 2004

Memorandum de Entendimento OTCA – Lima, 29 de setembro de 2004


CAN
Carta de Entendimento OTCA – Ambi, sobre Brasília, 15 de outubro de
colaboração na realização da Expedição An- 2005
des-Amazonas

Memorandum de Entendimento OTCA – Quito, 25 de outubro de 2004


Coica
Convênio de Cooperação OTCA – CAF, Caracas, 17 de janeiro de 2005
Elaboração de proposta de Fundo de Desen-
volvimento Solidário
Acordo de Cooperação OTCA – OEA Washington, 27 de janeiro
de 2005
Acordo Quadro OTCA – OPS/OMS. En- Washington, 3 de fevereiro
demias. Vigilância Epidemiológica de 2005

Acordo de Cooperação OTCA – OEA, para Bahia, 25 de junho de 2005


execução dos recursos provenientes do Fundo
para o Meio Ambiente Mundial (Fmam/GEF),
destinados a preparar e executar o projeto
“Gestão Integrada e Sustentável dos Recursos
Hídricos Transfronteiriços na bacia do Rio
Amazonas”
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 179

Convênio OTCA – BID, para promover a Washington, 25 de julho de


conservação e o aproveitamento sustentável 2005
da biodiversidade amazônica. Plano de ação
regional para a biodiversidade
Fonte: OTCA 2006

A maior parte dos projetos da OTCA concentra-se na área de


meio ambiente (46%) ou é voltada à própria existência do Tratado
(fortalecimento institucional) e à execução de suas atividades (23%).
Em menos quantidade, podem-se encontrar também projetos nas
áreas indígena (11%) e tecnológica (8%). Os parceiros internacionais
são principalmente países europeus (Finlândia e Holanda) e orga-
nismos (FAO, PNUD, OEA, Banco Mundial, WWF e GEF) (De
La Torre, 2003 apud Torrecuso, 2004, p.63).
Como exemplo de projetos realizados, destaca-se o Programa
Regional de planejamento e manejo de áreas protegidas da região
amazônica, desenvolvido entre 1992 e 1996 em parceria com a União
Europeia, que requereu financiamento de 4,3 milhões de euros. O
projeto Fortalecimento de instituições indígenas locais, estudos de
apoio à formulação de projetos, foi também desenvolvido entre 1992 e
1996, com recursos do FIDA (Fundo Internacional para Desenvolvi-
mento da Agricultura) e da CAF (Cooperação Andina de Fomento),
ao custo de 2 milhões de dólares. O funcionamento da Secretaria Pro
Tempore foi objeto de cooperação com a Holanda e a FAO, entre os
anos de 1989 e 1995 (De la Torre, 2003 apud Torrecuso, 2004, p.63).
Além destes, outra instituição que trabalha em coordenação com
o TCA é o Programa de Cooperação e Transferência de Tecnologia
para os Trópicos Sul-americanos (PROCITROPICOS), iniciativa
resultante da conjugação de esforços das instituições de pesquisa
agropecuária de sete países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia,
Equador, Peru, Suriname e Venezuela), que firmaram um convênio
com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
(IICA), e do apoio financeiro do BID e da União Europeia. O pro-
grama cumpriu a sua primeira fase, de 1991 a 1997, e foi renovado a
partir de 1998 até o presente momento. Foi aprovada uma proposta
180 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

de vinculação entre PROCITROPICOS e os órgãos competentes


do TCA, em especial a CECTA, para realização de atividade de pes-
quisa e desenvolvimento tecnológico associados.7
Mais um exemplo de atividade de padronização exercida
pelo Tratado, facilitando a intensificação da cooperação regio-
nal, é o longo estudo das condições de navegabilidade dos rios
amazônicos, do qual resultou o regulamento geral de navegação
comercial dos rios amazônicos internacionais. Embora o regu-
lamento haja sido concluído, sua implementação não foi inicia-
da ainda por atrasos na legalização interna de suas conclusões
(Torrecuso, 2004, p.64).
A comparação entre as deliberações emanadas dos principais
órgãos do TCA e as atividades desenvolvidas no âmbito do Tratado
reitera a conclusão de que muitos projetos e atividades são propos-
tos, revelando um grande interesse em fazer avançar a cooperação
amazônica, mas poucos vêm a ser executados (Torrecuso, 2004,
p.65). Quanto ao posicionamento da OTCA em fóruns internacio-
nais, Torrecuso argumenta que não foi percebido grande trabalho de
articulação, pela análise das atas de reuniões do CCA e das RMRE,
de posições com vistas à participação em fóruns internacionais, salvo
com relação à Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambien-
te em 1992, a Cúpula das Américas sobre Desenvolvimento Susten-
tável em 1996 e uma das rodadas internacionais de negociação de
Política Florestal8 (Torrecuso, 2004, p.65).

As Coordenadorias

As Coordenadorias surgiram com a criação da OTCA para dina-


mizar o tratamento das atividades e projetos temáticas da cooperação
amazônica. Com o incremento de suas atividades e sua vinculação

7 TRATADO DE COOPERACIÓN AMAZÓNICA: MEMORIA INSTITU-


CIONAL, Caracas: Secretaria Pro Tempore de Venezuela, 2000, p.89.
8 TRATADO DE COOPERACIÓN AMAZÓNICA: MEMORIA INSTITU-
CIONAL, Caracas: Secretaria Pro Tempore de Venezuela, 2000, p.126-356.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 181

direta com a Secretaria Permanente, as Coordenadorias praticamente


substituíram as Comissões Especiais. Analisando estes fatos, Gade-
lha (2009) afirma que “o Tratado não sofreu alterações em sua estru-
tura institucional, houve, porém, sensível evolução na reflexão sobre
o papel e funcionamento das suas instâncias executoras”.

As coordenadorias, na prática, substituíram as Comissões Especiais


temáticas, cuja reativação já foi sugerida diversas vezes, inclusive pelo
Brasil, que se ofereceu a sediar uma reunião da Comissão Especial
de Meio Ambiente – CEMA em 2009, conforme ata da reunião do
CCOOR de 10/12/08 (Gadelha, 2009, p.56).

O Plano Estratégico 2004-2012

O Plano Estratégico é um indício de que a institucionalização da


OTCA dá início a uma nova fase no processo de cooperação entre os
países amazônicos, marcada por uma dinâmica crescente da coopera-
ção entre as Partes Contratantes, entre a OTCA e outras instituições
internacionais e entre os órgãos da própria Organização. A interação
entre os órgãos institucionais da OTCA pode produzir resultados
positivos no tocante ao compartilhamento de informações, gerando
maior coordenação entre os mesmos.
O Plano Estratégico 2004-2012 foi estruturado ao redor de qua-
tro eixos estratégicos: Conservação e uso sustentável dos recursos
naturais renováveis; Gestão do conhecimento e intercâmbio tec-
nológico; Integração e competitividade regional; e, Fortalecimento
Institucional. Além dos quatro eixos estratégicos, a Matriz Lógica
do Plano Estratégico também é composta de seis áreas programáti-
cas9 e por quatro instrumentos operacionais.10

9 São elas: Água; Florestas/Solos e Áreas Naturais Protegidas; Diversidade Biológica,


Biotecnologia e Biocomércio, Ordenamento Territorial, Assentamentos Humanos
e Assuntos Indígenas; Infraestrutura Social, Saúde e Educação; e Infraestrutura de
Transportes, Energia e Comunicações.
10 São eles: Planos Bianuais de Ação; Uso dos Sistemas de Informação Geo-Referen-
182 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Como se pode notar, o referido Plano Estratégico é um


documento com amplas pretensões. Por este motivo, estando
próximo o final da vigência deste Plano, é indispensável uma
análise sobre qual foi seu desempenho. O estudo de seus re-
sultados como plano diretor das ações da OTCA é essencial
para o conhecimento da dinâmica atual e de perspectivas futu-
ras para o processo de cooperação entre os países amazônicos.
Segundo Informe de Gestão da OTCA, como resultado da
atuação coordenada desta instituição:

Espera-se maior ganho de visibilidade e reconhecimento institucional,


convertendo a OTCA em uma organização de referência regional obri-
gatória para o desenvolvimento e financiamento das atividades de coo-
peração (OTCA, 2006, p.2).

A diversidade de desafios postos à OTCA levou a instituição a


elaborar o Plano Estratégico 2004-2012. Este Plano aborda ques-
tões indispensáveis ao debate sobre a cooperação entre os países
amazônicos, como os seguintes temas: Recursos Financeiros e Sus-
tentabilidade Institucional, Redes Interinstitucionais e Coopera-
ção Internacional. Além disto, o final do período de vigência deste
plano está próximo, o que torna indispensável a realização de uma
análise de seu desempenho, tanto para avaliar sua eficiência quanto
para traçar perspectivas futuras.
O Plano Estratégico é uma proposta que pretende orientar o
trabalho da Secretaria Permanente da Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica em médio prazo, para o período 2004-
2012. A abrangência do Plano Estratégico é bastante ampla. Por
este motivo, apresento apenas algumas de suas características, já
que uma análise detalhada do referido plano ultrapassa as possi-
bilidades deste livro.

ciadas SIG; Coordenação com outros atores e iniciativas regionais; e, Informação,


Documentação e Website, 11 Informe de Gestión. Síntesis 2004-2007; Informe de
Gestión: noviembre de 2005 a octubre de 2006; Informe de Gestión: mayo de 2004 a
octubre de 2005; Boletín OTCA 2005; entre outros.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 183

Na perspectiva adotada aqui, o Plano Estratégico se configura


como uma demonstração de que a institucionalização da OTCA dá
início a uma nova fase no processo de integração regional impulsio-
nado pelo TCA. Esta nova fase é marcada por uma dinâmica cres-
cente da cooperação entre as Partes Contratantes, entre a OTCA e
outras instituições internacionais e entre os mecanismos institucio-
nais de atuação da própria Organização.
A interação entre os mecanismos institucionais da OTCA deve
se processar de forma organizada. Por isso, uma das preocupações
expressas no Plano Estratégico é:

Os novos desafios da Amazônia demandam da OTCA a elaboração


de um Plano que estabeleça grandes eixos estratégicos que tenham
correspondência com os diferentes mecanismos de decisão e gestão
da organização, a fim de “ordenar” e dar “coerência” aos programas e
projetos que a OTCA desenvolve e desenvolverá nos anos vindouros
(Plano estratégico, 2004, p.20).

Desta forma, o Plano Estratégico 2004-2012 foi estruturado se-


guindo uma Matriz Lógica (Anexo IV) que estabelece o seguinte:

Do ponto de vista das responsabilidades da Secretaria Permanente, a


seguinte matriz estabelece quatro eixos estratégicos, seis áreas progra-
máticas de caráter transversal, os instrumentos operacionais e os espa-
ços de intervenção, que resumem os consensos alcançados, que deverão
orientar a SP/OTCA (idem, p.21).

As Áreas Programáticas são consideradas de caráter transversal


porque segundo o Plano Estratégico:

Todas as ações da OTCA devem ter impacto sobre um ou mais dos


eixos estratégicos, o que expressa o caráter transversal e o tratamento
multissetorial que deve ser dado a todos os programas e/ou projetos,
se quiserem ser consistentes com o paradigma do desenvolvimento
sustentável (idem, p.21).
184 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Portanto, as seis Áreas Programáticas são as seguintes:

– Água
– Florestas / Solos e Áreas Naturais Protegidas
– Diversidade Biológica, Biotecnologia e Biocomércio
– Ordenamento Territorial, Assentamentos Humanos e Assun-
tos Indígenas
– Infraestrutura Social; Saúde e Educação
– Infraestrutura de Transporte, Energia e Comunicações

Para desempenhar as atividades planejadas dentro dos Eixos


Estratégicos e das Áreas Programáticas, o Plano Estratégico 2004-
2012 utilizará os seguintes Instrumentos Operacionais:

Planos Bianuais de Ação (operacionais)


Uso dos Sistemas de Informação Geo-referenciada SIG – Análi-
se de Mudança (Monitoramento, Avaliação e Relatórios)
Cooperação/coordenação com os outros atores e iniciativas regionais
Informação, Documentação e Website

Além da apresentação da Matriz Lógica que rege o Plano


Estratégico 2004-2012, o documento trata também dos se-
guintes temas: Recursos Financeiros e Sustentabilidade Insti-
tucional, Redes Interinstitucionais, Cooperação Internacional,
Fortalecimento das Comissões Nacionais Permanentes e das
Comissões Especiais da Amazônia, e, por fim, da Composição
das Comissões Nacionais Permanentes e das Comissões Espe-
ciais (Anexo V).
Como se pode ver, o Plano Estratégico, além de ser um
trabalho amplo, trata de questões importantíssimas para o re-
gionalismo amazônico. Portanto, sua matéria é essencial para
o conhecimento da dinâmica atual do processo de cooperação
amazônica.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 185

A crise institucional de 2007 a 2009

No período de 2002 a 2007, a OTCA esteve sob a administra-


ção da Secretária-Geral equatoriana Rosalía Arteaga Serrano. Como
primeira SG-OTCA eleita pelos oito países amazônicos, o período
sob administração de Rosalía é reconhecido pela ampliação das ati-
vidades da OTCA no âmbito regional e pela projeção desta organi-
zação nos fóruns internacionais.
Porém, a fase de 2002 a 2009 foi marcada não só pela dinami-
zação, mas também por uma crise institucional iniciada no período
final do mandato. Algumas críticas faziam-se recorrentes quanto
ao “estilo” da Secretária-Geral de conduzir a atuação da OTCA.
Isso porque as competências atribuídas à instituição pelo Tratado
exigem que as ações desta instituição estejam sempre subordinadas
às deliberações conjuntas dos países amazônicos, representados
nas Reuniões de Ministros das Relações Exteriores. O que ocorria,
e no caso gerava críticas, era a proatividade da Secretária-Geral,
que, por vezes, agia com demasiado protagonismo nas tomadas de
decisão e de representação internacional da OTCA. Esta postura
resultava na dinamização de algumas atividades, mas, por outro
lado, feria a legitimidade da instituição como representante uni-
camente do consenso entre os países amazônicos, portanto, sem
autonomia institucional e decisória.
Assim, pode-se deduzir, por meio das entrevistas ao corpo
funcional da OTCA, que um dos motivos da saída de Rosalía e da
posterior crise institucional tenha sido esta postura proativa da Se-
cretária-Geral, não condizente com a configuração da cooperação
regional amazônica, marcada pelo multilateralismo. Cientes disto,
tornam-se compreensivas e pertinentes as palavras de Pires (2011):

Um ponto a ressaltar nesse sentido é que a Organização, mais particular-


mente o Secretariado, deve continuar mantendo sua postura de animador e
de colaborador, ou seja, de elo entre os países para a agenda comum, e nunca
a de um agente à parte, acima ou abaixo dos demais (Pires, 2011, p.12).
186 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Ao fim do mandato de Arteaga, em abril de 2007, a Chancela-


ria equatoriana apresentou um nome para a recondução ao cargo.
A proposta foi aceita por Brasil, Peru, Guiana e Suriname, mas
vetada pela Colômbia, que se justificou pela necessidade de al-
ternância das nacionalidades à frente da Secretaria Permanente,
já que Rosalia também era do Equador. Apresentaram-se, então,
candidaturas do Peru, com apoio colombiano, e da Bolívia, incen-
tivada pela Venezuela, mas ambas sem aceitação ampla. Na tenta-
tiva de uma solução, o Brasil lançou candidatura, a qual, sem obter
consenso, foi retirada em 2008 (Gadelha, 2009).
Assim, o cargo de SGOTCA ficou vago de junho de 2007 a abril
de 2008, e foi ocupado interinamente pelo Diretor Executivo, o co-
lombiano Francisco Ruíz Marmolejo, visto que os países-membros
não conseguiam chegar a um consenso em torno de um nome para a
sucessão. De acordo com Gadelha (2009), o impasse acerca da elei-
ção do SGOTCA, que durou cerca de dois anos, denota que, três
décadas após a assinatura do TCA, a Organização enfrentava ainda
sérias dificuldades de ordem política, financeira e institucional.
Diante das dificuldades em definir o ocupante do cargo de Se-
cretário-Geral da OTCA, na XLVIII Reunião da Comissão de
Coordenação do Conselho de Cooperação Amazônica (CCOOR),
em 16 de outubro de 2008, decidiu-se criar um Grupo de Trabalho
(GT2008) para diagnosticar os principais problemas e apresentar
sugestões para o melhor funcionamento da Organização. O Grupo
de Trabalho constituído foi formado por diplomatas das Chancela-
rias dos oito países-membros, e incumbido de, em 45 dias:

a) Realizar reuniões com os Coordenadores temáticos, com o propósito


de avaliar a informação proporcionada por eles e definir as prioridades de
cada Coordenadoria; b) Revisar a informação fornecida pelas Chancela-
rias dos países-membros a respeito de suas prioridades na região amazô-
nica; c) Apresentar à CCOOR documento com a avaliação da informação
proporcionada pelos Coordenadores de área e pelos países-membros; e,
d) apresentar à CCOOR projeto de mecanismo para regular a relação en-
tre a OTCA e a cooperação internacional (Gadelha, 2009, p.35).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 187

Assim, dado o objetivo de avaliar a atuação institucional da


OTCA, o GT 2008 elaborou as seguintes recomendações quanto
à cada Coordenadoria temática e quanto à atuação da OTCA em
fóruns internacionais.

Coordenadoria de Transporte, Infraestrutura, Comunicação


e Turismo

Após encontro com o Coordenador de Transporte, Infraes-


trutura, Comunicação e Turismo, o guianense Donald Sinclair, o
GT2008 relatou que as atividades dessa Coordenadoria concentra-
vam-se na área de turismo, campo de especialização do Dr. Sinclair.
O próprio coordenador demonstrou considerar mais apropriado a
segmentação da Coordenadoria, cujo escopo seria excessivamente
abrangente. O único Programa levado a cabo pela Coordenadoria à
época era o Destino Amazônia 2009, relacionado a turismo. O Re-
latório final do GT2008 recomenda maior participação da OTCA
no processo de integração física regional (Gadelha, 2009).

Coordenadoria de Meio Ambiente

Em encontro entre o GT2008 e o peruano Luiz Oliveiros, então


responsável pela Coordenadoria de Meio Ambiente, constatou-se
que esta era a Coordenadoria que tinha o maior número de projetos
em execução, divididos em quatro áreas que, segundo o Coordena-
dor, a OTCA abordava, quais sejam, florestas; recursos hídricos;
biodiversidade e mudanças climáticas. O Dr. Oliveiros mencionou
como problemas graves da Organização a falta de recursos huma-
nos, a atuação independente de consultores externos, a demora dos
países em se pronunciar sobre projetos e a falta de comunicação en-
tre as coordenadorias (Gadelha, 2009, p.37).
Em agosto de 2011, ocorreu o Encontro de Coordenação da
Agenda de Meio Ambiente na OTCA, em Brasília, que possibilitou
188 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

a discussão de temas como Rio+20, promover o diálogo entre os paí-


ses nessa agenda e explorar temas de interesses e de cooperação. Eis
uma iniciativa que deveria ser replicada, o que irá requerer interesse
e franca participação das partes (Gadelha, 2009).

Coordenadoria de Assuntos Indígenas

O surinamês Jan Tawjoeram esclareceu que quando assumiu


a Coordenadoria de Assuntos Indígenas não existia projeto algum
ou atividade em andamento e que, desde então, logrou estabelecer
canais de comunicação com todos os países, exceto o Peru, que não
designara ponto focal para o tema. O Coordenador apontou como
dificuldades a falta de recursos financeiros e humanos e a ineficiente
comunicação interna da OTCA. O relatório final do GT2008 consi-
derou que a Coordenadoria de Assuntos Indígenas tem sido a mais
afetada pela escassez de recursos. É preciso captar novos fundos para
as suas atividades (Gadelha, 2009).

Coordenadoria de Ciência, Educação e Tecnologia

O cargo de Coordenador de Ciência, Educação e Tecnologia está


vago desde que o venezuelano Alirio Martinez deixou a OTCA, no
início de 2008. Por essa razão, o GT2008 se reuniu com o SGOTCA
interino, o colombiano Francisco Ruiz, que destacou o bom relacio-
namento com a rede de universidades amazônicas como um êxito da
organização. O GT2008 considerou positiva essa relação, que, in-
clusive, permitiria a contratação de técnicos e consultores da própria
região, comprometidos e familiarizados com as questões da Amazô-
nia. O relatório final, contudo, classificou de insatisfatório o desem-
penho da Coordenadoria e aventou a possibilidade de fundi-la com
outra Coordenadoria, de modo a garantir recursos compatíveis com
a relevância de seu escopo (Gadelha, 2009).
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 189

Coordenadoria de Saúde

A partir da reunião com a Dra. Janette Aguirre, Coordenadora de


Saúde, o GT2008 recomendou à CCOOR que uma abordagem inte-
grada fosse impressa à atuação da OTCA, em detrimento de sua ma-
neira setorial e estanque como temas transversais por natureza vinham
sendo tratados. A escassez de recursos orçamentários dessa Coorde-
nadoria, segundo o Grupo de Trabalho, iam de encontro ao grau de
prioridade declarado pelos países à área de saúde (Gadelha, 2009).

OTCA e a Cooperação Internacional – Representatividade


da OTCA – Consultores

No que toca à relação entre a OTCA e a cooperação internacional


(tópico D), criticou-se o fato de consultores externos não se articularem
devidamente com os Coordenadores e participarem de reuniões em fó-
runs internacionais representando a OTCA. De modo a conferir maior
transparência e estimular novas parcerias, sugeriu-se: maior regula-
mentação no repasse de financiamentos à Secretaria Permanente e na
contratação de consultores; participação tão somente de funcionários
da Organização como representantes da OTCA em fóruns internacio-
nais; tentativa de reduzir as assimetrias de recursos entre as Coorde-
nadorias, por meio de uma “cota” negociada com os parceiros coope-
rantes, que seria destinada às áreas menos atendidas (Gadelha, 2009).

Participação da OTCA na discussão sobre Mudanças Cli-


máticas e em fóruns internacionais

O GT2008, em seu relatório final, condenou a participação da


Secretaria Permanente da OTCA na discussão sobre mudanças
climáticas em fóruns internacionais, o que, na visão do Grupo de
Trabalho, extrapolaria as funções do órgão. Embora houvesse um
mandato genérico para o aprofundamento da questão no âmbito da
190 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

OTCA, emanado da declaração Ministerial de Iquitos, não have-


ria ainda uma posição comum que pudesse ser levada a outros foros
(Gadelha, 2009, p.37).
Então, após a análise detalhada do funcionamento organizacio-
nal da OTCA, o Grupo de Trabalho fez as seguintes recomendações:
a) eleger, em caráter de urgência, novo SGOTCA; b) cancelar todas as
atividades da OTCA, salvo os projetos que disponham de recursos e
que tenham respaldo nos acordos firmados pela OTCA com terceiros;
c) instruir o SGOTCA interino a não iniciar quaisquer novas atividades
sem a aprovação da CCOOR; d) solicitar à Secretaria Permanente uma
relação de todos os consultores e funcionários que dependem da coope-
ração internacional, especialmente da GTZ; e) aprovar no CCA a rede-
finição da relação entre a OTCA e a cooperação internacional; f) reati-
var as Comissões Especiais da OTCA; g) reorganizar a estrutura atual
da OTCA com vistas a aprimorar seu funcionamento, levando-se em
consideração sua situação orçamentária; h) elaborar novo instrumen-
to administrativo e financeiro; i) reformar o regulamento da Secretaria
Permanente sobre o funcionamento das Coordenadorias; j) examinar a
possibilidade de aumentar as contribuições anuais dos países, a fim de
diminuir sua dependência de terceiros países (Gadelha, 2009, p.38).

Por sua vez, mostrando disposição em incorporar as resoluções


e responder às deficiências institucionais levantadas, a CCOOR, em
10 de dezembro de 2008, decidiu que:

a) até primeiro de março de 2009 os países deveriam eleger o novo


SGOTCA (o Embaixador Manuel Picasso tomou posse em 23 de abril,
o que, considerado o longo período de interinidade encerrado, foi próxi-
mo à data estipulada pela CCOOR); b) suspender qualquer novo proje-
to (de fato, não se iniciou nenhum projeto); c) suspender qualquer nova
atividade onerosa (a proposição de iniciativas pela Secretaria Permanen-
te cessou durante o período); d) determinar à Secretaria Permanente que
apresentasse, em 15 dias, lista de todos os consultores e funcionários
que prestavam serviços à OTCA e eram financiados pela cooperação
internacional bem como proibi-los de representar a Organização em fó-
runs internacionais (a determinação foi atendida); e) reativar as Comis-
sões Especiais da OTCA (o que ainda não ocorreu); f) determinar que
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 191

o GT2008 apresentasse, em 60 dias, proposta de nova estrutura funcio-


nal da OTCA (o que não ocorreu); g) solicitar a elaboração de um novo
instrumento administrativo financeiro (o que deverá ocorrer sob a nova
direção da Secretaria Permanente) (Gadelha, 2009, p.38-39).

A conclusão a que se chega com a análise destas dificuldades


institucionais no processo de sucessão do cargo de SG-OTCA, é
que foi realizado um esforço significativo para a manutenção e for-
talecimento do multilateralismo como característica central do pro-
cesso de cooperação entre os países amazônicos. Isto se deve a três
motivos principais: a busca pela alternância entre os países na con-
dução do cargo de Secretário-Geral; a instauração de um Grupo de
Trabalho para apurar o desempenho e as dificuldades institucionais
na atuação da OTCA; e, mais uma vez, a renovação do compromis-
so político dos países com a cooperação amazônica, à medida que
houve participação direta dos Ministérios de Relações Exteriores na
resolução do impasse e também houve a participação dos Chefes de
Estado no processo de relançamento da OTCA como foro regional.
No entanto, todas estas não deixam de ser ações diplomáticas, cujos
reflexos práticos ainda precisam surtir efeito.

O processo sucessório

A duradoura interinidade da Secretaria-Geral (abril de 2007 a


abril de 2009) reduziu a capacidade de atuação da OTCA, caren-
te de representação adequada e em permanente situação de disputa
pelo cargo. Por um lado, o Peru, primeiramente com o Embaixador
Hernán Couturier (este com apoio colombiano) e posteriormente
com o ex-Coordenador de Meio Ambiente Luiz Oliveiros, apresen-
tou candidatura ao cargo. Por outro lado, a Bolívia lançou a Sena-
dora María Esther Udaeta (MAS) como sua candidata, com apoio
venezuelano. Diante do impasse, o Brasil tentou uma solução de
compromisso, apresentando candidatura, que, obtendo apoio ape-
nas de Equador e Guiana, foi retirada (Gadelha, 2009).
192 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Assim, em 2 de março de 2009, um dia após o prazo que a


CCOOR determinara para a eleição de um novo SGOTCA, a
mesma Comissão realizou sua L Reunião, na qual foi aprovado um
documento com vistas a acelerar o processo sucessório na OTCA.
Dados os impasses na escolha do próximo Secretário, foi adotado
um mecanismo bastante peculiar, imparcial e controverso ao mes-
mo tempo. Os países decidiram realizar um sorteio para determinar
qual país indicaria o próximo SGOTCA. A partir de então, o ocu-
pante do cargo seria definido por uma rotação determinada por or-
dem alfabética. O país sorteado teria um mês para anunciar o nome
de sua escolha, “cuja aceitação prévia acordava-se entre todos os
países-membros. Estipulava-se, ainda, que o SGOTCA abdicaria
de postular sua reeleição, cabendo ao próximo país, por ordem alfa-
bética, escolher o sucessor. Se algum dos países não quisesse indicar
o SGOTCA ou não o fizesse no prazo de dois meses, caberia ao pró-
ximo fazê-lo” (Gadelha, 2009).
Na LI Reunião da CCOOR, realizada em 16 de março de 2009,
realizou-se o sorteio do país que indicaria o novo SGOTCA. Brasil,
país sede, e Colômbia, origem do SGOTCA que ocupara interina-
mente o cargo por dois anos, abstiveram-se de participar do pleito.
O país sorteado foi o Peru, que, dentro do prazo, indicou o Embai-
xador Manuel Picasso Botto para ocupar o cargo. Este tomou posse
no dia 23 de abril, mas só assumiu plenamente suas funções em 6 de
julho de 2009. Segundo a Secretaria Permanente, o SGOTCA man-
teve encontros com diferentes autoridades do Brasil e dos demais
países amazônicos, com a intenção de recolocar a OTCA na agenda
política regional (Gadelha, 2009).
Em 31 de julho, de acordo com os arquivos do DAS II/MRE,
o Embaixador Picasso reuniu-se com o Subsecretário-Geral da
América do Sul, Embaixador Enio Cordeiro, no Itamaraty. Nesse
encontro, falou-se sobre a necessidade de conferir à OTCA maior
visibilidade, consoante a relevância da Organização e o grau de im-
portância que lhe dispensa o MRE. Para essa finalidade, acordou-se
conveniente que o novo SGOTCA apresentasse-se às autoridades
brasileiras que lidam com os temas afetos à OTCA. Decidiu-se
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 193

também que as CNPs deveriam ser reativadas; a brasileira reuniu-


se em 21 de agosto, quando o Embaixador Picasso se apresentou
e expôs o programa de ação de sua gestão. Os dois Embaixadores
concordaram que os Chanceleres amazônicos deveriam se reunir
em breve – preferencialmente em 2012 –, o que não acontece des-
de 2005, quando da Reunião de Iquitos. Ainda de acordo com os
arquivos do DAS II/MRE, o Brasil se ofereceu para sediar reunião
presidencial, provavelmente em uma capital amazônica, em 2010
(Gadelha, 2009).
Em continuidade ao acordado entre os SGOTCA e SGAS, o
Embaixador Picasso encontrou-se, em 31 de julho, com o Diretor
da Agência Brasileira de Cooperação – ABC, Ministro Marco Fa-
rani. Nessa ocasião, o Ministro Farani ofereceu apoio da Agência
para a contratação de consultores, com vistas a reformular o Plano
Estratégico 2004-2012 da OTCA, necessidade apresentada pelo
SGOTCA. Segundo a Secretaria Permanente, o SGOTCA man-
teve encontros com diferentes autoridades do Brasil e dos demais
países amazônicos, com a intenção de recolocar a OTCA na agenda
política regional (Gadelha, 2009).

O relançamento da OTCA a partir de 2009

Na Declaração de Chefes de Estado sobre a OTCA adotada


em Manaus, em 26 de novembro de 2009, os Chefes de Estado
reafirmaram a urgência e importância do processo de relançamen-
to da Organização em curso, por meio do fortalecimento de sua
Secretaria Permanente, dispondo que os Ministros das Relações
Exteriores adotem medidas tendentes a ações concretas para seu
fortalecimento institucional visando cumprir os mandatos rece-
bidos dos países-membros, incluindo uma solução definitiva para
sua sede permanente. Diante de tantos desafios, em um momento
no qual a Amazônia tem seu valor estratégico reafirmado nacional
e mundialmente, a OTCA afigura-se como instituição-chave para
194 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

o Brasil defender seus interesses na região amazônica, por meio da


cooperação multilateral (Gadelha, 2009).

O futuro da cooperação na Amazônia é seguir no caminho do fortaleci-


mento do próprio TCA. Isso significa aproveitar-se e aprofundar o de-
senho da OTCA, fazendo com que essa continue a cumprir o seu papel
de facilitação. [...] Um ponto a ressaltar nesse sentido é que a Organi-
zação, mais particularmente o Secretariado, deve continuar mantendo
sua postura de animador e de colaborador, ou seja, de elo entre os países
para a agenda comum, e nunca a de um agente à parte, acima ou abaixo
dos demais (Pires, 2011, p.12).

Assim, o ano de 2009 marcaria o início de mais uma nova fase da


cooperação regional amazônica. A fase de 2009 a 2014, também cha-
mada de “revitalização da OTCA” tem como plano-diretor de suas
ações a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica, elaborada
para os anos de 2010 a 2020, e que foi lançada na última reunião de
Presidentes da OTCA, em Manaus, em 2009.

Em novembro de 2009, na cidade de Manaus, os chefes de Estados reu-


nidos decidiram impulsionar a OTCA para uma nova fase, chegando a
denominá-la como de “relançamento”. O mandato da Organização foi
revisitado, após transcorridos 30 anos da instituição do Tratado. Desta-
ca-se da Declaração de Manaus a decisão de que a Organização tenha
um papel renovado, moderno como fórum de cooperação, intercâmbio, co-
nhecimento e proteção conjunta para fazer frente aos novos e complexos de-
safios internacionais que se apresentam (Declaração de Manaus, OTCA,
2009 apud Pires, 2011).

Mais uma vez a saída encontrada para os impasses da coopera-


ção amazônica foi declarar a renovação do compromisso político dos
países com a articulação regional. Porém, a problemática continua
a mesma, a de que é necessário que o desejo dos países no relança-
mento da OTCA seja traduzido em ações concretas. Esse parece ser
o desafio que cabe a várias instâncias, especialmente às Comissões
Nacionais Permanentes, responsáveis pela implantação em âmbito
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 195

local dos acordos firmados no âmbito regional. É preciso que elas


sejam “empoderadas internamente, para que tenham condições
de atuar em favor da tradução dos compromissos e obrigações do
Tratado e possam orientar as negociações dentro da Organização”
(Pires, 2011, p.12).
Vimos, portanto, que a OTCA vem aumentando seu grau de
atividade institucional desde sua criação, buscando uma postura
atenta e participativa no cenário internacional. Há razões para pen-
sar que a Amazônia terá um papel ainda mais importante do que
já tem e, por este motivo, a OTCA está destinada a representar
uma função de relevância, não somente na região, como no mundo
inteiro. Sem dúvida, a OTCA poderia inspirar e liderar iniciativas
mais aprofundadas de desenvolvimento e cooperação, incluindo a
todos os países amazônicos e com resultados que alcancem as ca-
rentes populações amazônicas com melhorias em sua qualidade de
vida. No entanto, para que isto seja conseguido, aponta Costa-Fi-
lho (2002), é necessário que a capacidade institucional da OTCA
ofereça resultados ágeis, concretos e eficientes. As instituições e
organizações que interagem no espaço amazônico, em especial
a OTCA, devem ser organismos dinâmicos, aptos para seguir a
evolução dos tempos, com capacidade para readequar-se a cada
circunstância e contexto, e adaptar-se permanentemente com as
mudanças mais amplas que esta complexa realidade impõe.
A Declaração dos Chefes de Estado sobre a Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica, publicada no dia 26 de novem-
bro de 2009, é uma demonstração de que a Organização e suas Par-
tes Contratantes estão empenhadas no fortalecimento institucional
do processo cooperação amazônica. Desta declaração salientamos os
seguintes pontos:

Os Chefes de Estado dos Países-Membros da Organização do Tratado


de Cooperação Amazônica (OTCA), reunidos na cidade de Manaus,
capital do Estado do Amazonas, em 26 de novembro de 2009, por oca-
sião da reunião prévia à Conferência das Nações Unidas sobre Mudan-
ças Climáticas:
196 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Afirmando sua determinação de impulsionar a consolidação de áreas


de interesse comum para a cooperação entre os Estados-Membros da
OTCA, como uma contribuição ao fortalecimento da unidade sul-ame-
ricana, no exercício do pleno respeito à soberania.
Reconhecendo ser o desenvolvimento sustentável da Amazônia uma
prioridade, por meio de uma administração integral, participativa,
compartilhada e equitativa, como forma de dar uma resposta autônoma
e soberana aos desafios ambientais atuais, levando em consideração os
efeitos da crise financeira internacional.
1. Dar à OTCA um papel renovado e moderno como fórum de coope-
ração, intercâmbio, conhecimento e projeção conjunta para fazer frente
aos novos e complexos desafios internacionais que se apresentam.
[...]
6. Reafirmar a importância de que os Países Membros estabeleçam ou
reativem as Comissões Nacionais Permanentes, de acordo com o artigo
23 do Tratado de Cooperação Amazônica, como instâncias responsá-
veis pela execução das decisões emanadas das Reuniões de Ministros
das Relações Exteriores (Declaração, 2009).

Há razões para pensar que a Amazônia terá um papel ainda mais


importante do que já tem e, por este motivo, a OTCA, segundo Serra-
no (2006), está destinada a representar uma função de relevância, não
somente na região, como no mundo inteiro. Sem dúvida, a OTCA
poderia inspirar e liderar iniciativas mais aprofundadas de desenvol-
vimento e cooperação, incluindo todos países amazônicos. No entan-
to, para que isto seja conseguido, aponta Costa-Filho (2002), é ne-
cessário que a capacidade institucional da OTCA ofereça resultados
ágeis, concretos e eficientes. As instituições e organizações que inte-
ragem no espaço amazônico, em especial a OTCA, devem ser orga-
nismos dinâmicos de natureza histórica, aptos para seguir a evolução
dos tempos, com capacidade para readequar-se a cada circunstância e
contexto, e adaptar-se permanentemente com as mudanças mais am-
plas que esta complexa realidade impõe.
De acordo com as informações obtidas por meio de entrevistas ao
corpo funcional da OTCA, em abril de 2012, a Agenda Estratégica e
o novo momento de “revitalização da OTCA” representam um au-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 197

mento da capacidade negociadora entre os países amazônicos, entre


suas representações diplomáticas e a OTCA, além da reconstrução da
legitimidade desta instituição como fórum de articulação de posicio-
namentos e coordenação de ações políticas entre os países da região.
Estes processos são resultado dos problemas enfrentados e do acú-
mulo de experiências, que, conjugados, possibilitaram que os países
decidissem oferecer novo impulso à cooperação regional, tendo como
elemento norteador a Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica.
Diferentemente do que ocorreu na implementação do Plano Es-
tratégico 2004-2012, que foi o plano diretor das ações da OTCA no
período de 2002 a 2009, a nova Agenda Estratégica é um documento
negociado politicamente, ponto a ponto, entre todos os países ama-
zônicos, membros da Organização. Esta característica confere total
legitimidade ao documento como guia de atuação da OTCA, pois
representa o alcance do consenso entre os países da região. Assim, as
atividades realizadas por meio da execução da Agenda Estratégica
ocorrerão, em tese, em conformidade com o mandato político que os
países-membros conferem à Organização.
Exatamente por expressar os anseios conjuntos dos países
da região amazônica, a nova fase de revitalização amparada pela
Agenda Estratégica, parece oferecer novo fôlego ao esforço con-
junto dos países amazônicos. Neste sentido, a Agenda Estraté-
gica pode vir a dinamizar a execução local de projetos acordados
regionalmente, já que as diretrizes para tanto já foram estabele-
cidas e o que resta é captar os recursos para realizar as atividades
estabelecidas consensualmente. Se assim for, talvez possamos es-
tar diante de um novo e promissor momento para a cooperação
regional na Amazônia. Como se sabe, a realidade apresenta di-
ficuldades antigas e novas, as quais o planejamento nem sempre
é capaz de superar. Não é pertinente ainda analisar a eficácia da
Agenda Estratégica e, desta nova fase declarada de “revitalização
da OTCA”, apenas nos cabe apontar suas diferenças e potencia-
lidades em relação aos períodos anteriores.
198 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

A Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica

A Agenda Estratégica de Cooperação Amazônica foi aprovada


na X Reunião de Ministros das Relações Exteriores do TCA, rea-
lizada em Lima, em novembro de 2010. A Agenda Estratégica in-
clui visão, missão e objetivos estratégicos da OTCA a partir de dois
eixos de abordagem transversal: i) conservação e uso sustentável
dos recursos naturais renováveis; ii) desenvolvimento sustentável
e social (promoção de qualidade de vida dos habitantes regionais).
Estabelece, ademais, o papel e as diretrizes de atuação da Secretaria
Permanente, o ciclo de projetos da OTCA, a estrutura institucional
para a gestão da agenda e as distintas modalidades de financiamento
consideradas (Simões, 2011 e Becker, 2011).

Embora a cooperação amazônica envolva esforços em variadas e com-


plexas áreas, conforme se depreende a simples leitura das áreas cobertas
pela Agenda Estratégica, é possível identificar um tripé fundamental do
desenvolvimento sustentável na Amazônia. Esse tripé é formado por
três pilares sem os quais será muito difícil avançar em outras áreas: a)
o fortalecimento institucional aliado à mobilização de recursos finan-
ceiros adequados para os projetos prioritários; b) as ações de inclusão
social e combate à pobreza extrema e à miséria; c) o fomento da ciência,
tecnologia e inovação (Simões, 2011, p.9-10).

Além disso, a Agenda Estratégica apresenta uma abordagem te-


mática que integra diversos âmbitos do TCA, tais como: florestas; re-
cursos hídricos; gestão, monitoramento e controle de espécies de fauna
e flora ameaçadas; áreas protegidas; uso sustentável da biodiversidade e
promoção do biocomércio; assuntos indígenas; gestão do conhecimen-
to e intercâmbio de informações; gestão regional de saúde; infraestru-
tura e transporte; navegação comercial; turismo; e temas como desen-
volvimento regional, mudança climática e energia (Simões, 2011).

A nova agenda estratégica aprovada em Lima estabelece um hori-


zonte de oito anos. Conta com a visão comum sobre a Amazônia (al-
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 199

cançar o desenvolvimento sustentável...), a visão de futuro (tornar a


OTCA em referência em matéria de cooperação regional e destaque
para a própria Amazônia) e configura a missão do organismo como
fórum permanente de cooperação, intercâmbio e conhecimento a fim
de diminuir as assimetrias regionais... Para a secretaria permanente
da Organização, são estabelecidos papéis de articulação, facilitação,
coordenação, gestão de apoio à cooperação, geração de informação
regional e promoção de ações. São traçados seis objetivos estratégi-
cos para o período, e todos se referem ora à conservação ou ao uso
sustentável, ora à valorização das culturas e respeito aos modos de
vida das populações (Pires, 2011, p.4).

De acordo com Pires (2011) a Agenda Estratégica atribui no-


tória atenção ao tema das florestas. Para ele, além de ser o primeiro
entre os subtemas, neste quesito a Agenda estabelece um conjunto
amplo de atividades de curto, médio e longo prazos.

A preocupação central é dotar as florestas da Amazônia de reconheci-


mento como ativo ambiental. As ações previstas foram em torno de pro-
mover ou estimular a participação social, o financiamento, a avaliação
econômica e ambiental das florestas e sua inserção nas contas nacionais,
o reflorestamento, a conservação ambiental, e a recuperação de áreas de-
gradadas e a cooperação visando combater o corte ilegal e os incêndios
florestais. No curto prazo, está estabelecida a atividade de monitorar a
cobertura florestal e promover o controle florestal, pontos críticos quan-
do se fala de floresta amazônica (Pires, 2011, p.4).

Evidentemente que todo esse subtema associado a florestas é de inte-


resse ímpar para o lado brasileiro. A recente experiência brasileira vol-
tada tanto para a redução do desmatamento quanto para a valorização
do ativo florestal traz insumos para o aprimoramento da cooperação
amazônica. Isso é essencialmente claro nos aspectos de monitoramento
e controle do desmatamento (Pires, 2011, p.4).

A autora Bertha Becker (2011), ao analisar o conteúdo da Agen-


da Estratégica de Cooperação Amazônica afirma que:
200 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Os dois eixos transversais, na verdade, confundem-se em um só. Porque a


conservação e uso sustentável dos recursos se faz como prático do processo
de desenvolvimento sustentável; e porque o desenvolvimento sustentável
envolve a dimensão econômica assim como a social e a ambiental. Por sua
vez, a extensa agenda temática setorial carece de eixos aglutinadores, per-
manecendo como uma listagem de difícil articulação (Becker, 2011, p.9).

Isto em vista, a autora busca contribuir metodologicamente para


as atividades da Agenda, apontando que:

Uma alternativa metodológica possível seria adequar a agenda setorial à


territorial, geográfica, utilizada como base para o modelo de desenvolvi-
mento sustentável proposto11 [...] Temas prioritários e combinações di-
versas serão priorizadas para as diferentes unidades espaciais, de acordo
com suas particularidades e necessidades. Uma quarta unidade – a andina
– deverá ser incorporada ao modelo, assim como os impactos amazônicos
continentais da nova infraestrutura em construção (Becker, 2011, p.9).

O esforço realizado pela autora é o de que os formuladores


de políticas nacionais e regionais na Amazônia levem em consi-
deração as contribuições científico-tecnológicas do zoneamento
ecológico-econômico ao elaborarem projetos e executarem ativi-
dades para o desenvolvimento sustentável amazônico. Em suma,
a autora demonstra que a Amazônia possui três macrorregiões, a
floresta de transição, a floresta aberta e a floresta densa, ou coração
florestal. Além disso, deve-se considerar também o cerrado, que
interage com a parte sul da Amazônia, e os Andes, que interagem
com a parte leste do bioma. Para cada uma dessas regiões, a autora
destaca a importância de organizar as atividades de forma compa-
tível com as características geoecológicas e com seus respectivos
potenciais econômicos.

11 O modelo de desenvolvimento sustentável proposto por Becker (2011) encontra-se


debatido neste capítulo, em que discutimos “parâmetros regionais para o desenvolvi-
mento sustentável amazônico”.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 201

Se temos por objetivos inserir-nos nas correntes mais dinâmicas do


comércio internacional, ampliar nossa participação nos fluxos de
investimentos, fomentar a exportação de bens e serviços que incor-
poram tecnologia de ponta, não resta dúvida que a região é a pla-
taforma natural para ganhar escala e fomentar nossa competitivi-
dade. O crescimento e desenvolvimento de nossa região, portanto,
é parte de nosso próprio projeto nacional de desenvolvimento, de
nosso projeto de inserção na economia mundial e de busca de meca-
nismos de governança globais mais representativos e equilibrados
(Simões, 2011, p.12).

Por estes motivos, a autora afirma que já foi proposta uma revo-
lução científico-tecnológica para a Amazônia, endossada pela Aca-
demia Brasileira de Ciência (apud Becker, 2011), porém:

A Amazônia, a brasileira e a continental, padece de alguns males histo-


ricamente herdados, expressos na dificuldade de conter o crescimento
à custa da incorporação de mais terra e mais recursos naturais, a difi-
culdade de fazer cumprir as leis, a dissociação entre planejamento e
CT/I, e a ausência de um quadro institucional adequado, entre mui-
tos outros. Políticas de desenvolvimento formuladas segundo a hege-
mônica “lógica administrativa” têm como resultado a fragmentação e
setorialização de planos e projetos. Este parece ser o caso da OTCA
[grifo meu] (Becker, 2011, p.9-10).

Reforçando seus argumentos, Becker (2011) aponta que é


urgente e necessária a introdução da questão da escala nas aná-
lises, ou seja, entre os grandes problemas da governabilidade e
da cooperação regional está a “inexistência de uma escala es-
pacial e temporal fixa adequada para governar ecossistemas,
impondo-se o reconhecimento da natureza multiescalar dos
problemas e das instituições”. Segundo ela, os resultados de in-
teresses comuns dependem da articulação entre escalas, “razão
pela qual as redes tem papel primordial na efetividade das ins-
tituições na medida em que são elas que articulam as escalas”
(Becker, 2011).
202 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Por fim, a autora sugere três arranjos institucionais coletivos


“passíveis de planejamento para atuação na Amazônia, os quais
transcreveremos abaixo:
1. Instituto do Coração Florestal Amazônico na forma de um ar-
ranjo institucional envolvendo MCT, IPEA, centros de pesquisa e
universidades nacionais e regionais, DEFESA, BNDES, centros de
pesquisa de empresas atuantes na região e organizações sociais (de
produtores, trabalhadores e comunidades nativas). Este think thank
estratégico deve ter como missão prioritária, revendo a PNDR, o
PAS e o MACROZEE,12 propor um modelo territorializado de de-
senvolvimento para o Coração Florestal, envolvendo inovações na
produção, na logística e na questão urbana, e também servir de fó-
rum para sua crítica e validação.
2. Parque Tecnológico Florestal com a função de aprofundar o co-
nhecimento sobre a diversidade e conceber novos produtos abrigando
centros de pesquisa de empresas, e dar suporte a novos empreendi-
mentos a partir de incubadoras. Na Amazônia cabe ainda a esses Par-
ques conceber inovações incrementais para aproveitamento da biodi-
versidade em Áreas Protegidas e comunidades extrativistas em geral,
promovendo um modelo de economia florestal em cadeias produtivas,
apontando novas formas de organização e escalas para a Reforma Agrá-
ria e novas metodologias para os Territórios da Cidadania. Este novo
arranjo institucional envolve em rede colaborativa a Secretaria de In-
clusão Social do MCT, a FIOCRUZ, o Instituto Butantã, o IBAMA/
ICMBIO, a Embrapa, os campi universitários interiorizados e o CBA.
Um Parque Tecnológico do Cerrado é também primordial.
3. Madeiramazon. Empresa estatal criada com a finalidade de
coordenar as atividades do extrativismo madeireiro na Amazônia
Legal e sustar o desflorestamento desordenado mediante solução
adequada de áreas passíveis de concessão de exploração e manejo,
áreas para reflorestamento e promoção de iniciativas para a indus-
trialização avançada da madeira.

12 Respectivamente, Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, Plano Amazônia


Sustentável e Macro Zoneamento Ecológico Econômico.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 203

Hoje, estão em execução relevantes programas como o Sistema de Vigi-


lância Ambiental da Amazônia e o Programa OTCA Biodiversidade,
ambos com apoio do BID; e o Programa Regional Amazônia, com fi-
nanciamento das Agências de Fomento de Alemanha e Holanda. Outros
projetos prioritários estão sendo elaborados, como o de Gestão de Recur-
sos Hídricos, com financiamento do Fundo Mundial para o Meio Am-
biente – GEF (Global Environmental Facility), e o de Monitoramento da
Cobertura Florestal, que conta com apoio da Organização Internacional
de Madeiras Tropicais (OIMT), e consiste na capacitação de técnicos de
todos os países para a implementação dos sistemas do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais – INPE de monitoramento de desmatamento, in-
cluindo a transferência da tecnologia brasileira, como o sistema de infor-
mática denominado TerraAmazon (Simões, 2011, p.9).

Como procurei esclarecer, e de acordo com o que me foi infor-


mado pelas entrevistas com o atual corpo funcional da OTCA, a
Agenda Estratégica e o novo momento de “revitalização da OTCA”
representam um aumento da capacidade negociadora entre os paí-
ses amazônicos, entre suas representações diplomáticas e a OTCA,
além da reconstrução da legitimidade desta instituição como fórum
de articulação de posicionamentos e coordenação de ações políticas
entre os países da região. Estes processos resultam tanto dos proble-
mas enfrentados e superados quanto do acúmulo de experiências,
que, conjugados, possibilitaram que os países decidissem correta-
mente oferecer novo impulso à cooperação regional.
Considerações finais

É tarefa muito difícil conseguir alcançar conclusões en-


fáticas na análise de organizações recentes, como é o caso da
OTCA, com apenas dez anos de existência. Foi por este moti-
vo que optei por estudar a trajetória do processo de cooperação
entre os países amazônicos desde a assinatura do Tratado até o
momento atual. Para cumprir esta tarefa, o esforço foi para res-
ponder algumas perguntas centrais, como: qual é o nível real de
cooperação entre os países amazônicos? O processo político e os
meios institucionais criados foram ou são eficientes para promo-
ver a cooperação? Se sim, quais são os resultados mais produti-
vos deste processo? Se não, por que a cooperação entre os países
da região amazônica não apresenta avanços contundentes? Que
resultados podem ser esperados da cooperação regional entre os
países da Amazônia?
Conclui-se, assim, que dois lados devem ser analisados para res-
ponder tais perguntas. O primeiro é que há continuidade do diálo-
go e do esforço de coordenação regional desde 1978, e, portanto, há
trinta e cinco anos. Este é um indício de sucesso na consolidação de
um canal de diálogo e articulação regional. Ou seja, a iniciativa de
cooperação amazônica teve êxito em instituir mecanismos políticos,
206 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

e posteriormente institucionais, que ampliaram os contatos e nego-


ciações diplomáticas entre os países da região.
Todavia, o outro lado a ser analisado nos revela que esta dinami-
zação política não foi acompanhada por um nível satisfatório de exe-
cução de projetos e ações cooperativas capazes de gerar resultados
sensíveis para a preservação ambiental, a melhoria da qualidade de
vida das populações amazônicas, enfim, para a promoção do desen-
volvimento sustentável regional. Entre as principais dificuldades es-
tão as deficiências de recursos financeiros, humanos, e tecnológicos
que não conferem autonomia à instituição, dado o limitado quadro
de funcionários e pesquisadores dedicados exclusivamente ao pro-
cesso de cooperação. Além disso, um agravante significativo é a falta
de prioridade política direcionada à Amazônia e ao meio ambiente
nas políticas interna e externa dos países da região.
Porém, entre estes dois polos, o positivo e o negativo, foi identifi-
cada uma série de questões intermediárias de grande importância para
a compreensão do processo. Como visto anteriormente, o TCA foi efi-
ciente na consecução de seus objetivos geopolíticos iniciais, à medida
que contribuiu para afastar a possibilidade de intervenção externa na
governança da região amazônica, e também intensificou os contatos di-
plomáticos entre os países da região. Contudo, as dificuldades se tornam
evidentes quando se analisa a efetividade desta articulação regional.
Considero que os entraves executivos identificados estão relacio-
nados às principais características estruturais da cooperação amazô-
nica, que foram estabelecidas pelo Tratado e são mantidas até hoje: o
processo decisório, baseado na exigência de unanimidade nas votações;
e a configuração política, identificada com fundamentos multilaterais,
como a necessidade de construção do consenso nos processos de toma-
da de decisão, a indivisibilidade de condutas e a reciprocidade difusa.
Assim, a dinâmica da cooperação amazônica está subordinada
a constantes processos de consulta política por meio das vias di-
plomáticas tradicionais, que, como se sabe, são altamente formais,
burocratizadas, e, portanto, lentas. Outro entrave executivo decor-
rente desta configuração é que as resoluções tendem a reproduzir
o mínimo denominador comum, já que o poder de veto individual
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 207

viabiliza a aprovação apenas de medidas que não desagradem aos


interesses de nenhuma das partes envolvidas. Trata-se de um entra-
ve compreensível, já que dificilmente os países amazônicos concor-
dariam em integrar um acordo sobre território tão estratégico como
a Amazônia, sem a possibilidade de recurso à sua soberania, que o
princípio da unanimidade confere. Mas, também reside neste fato
um dos motivos pelos quais a cooperação regional amazônica apre-
senta poucos resultados concretos.
Devido a esta configuração, é preciso entender que a Organi-
zação do Tratado de Cooperação Amazônica é uma instituição cuja
competência é executar os mandados políticos que emanam das ins-
tâncias decisórias da cooperação interestatal dos países amazônicos.
Portanto, não se trata de uma instituição de caráter transnacional
com autonomia para elaborar e executar projetos e ações, mas sim
de um órgão intergovernamental, diretamente vinculado às delibe-
rações acordadas entre as Partes.
Além disso, outro fator extremamente limitante no processo de
cooperação amazônica é o orçamento disponibilizado pelos países-
membros. A quantia de US$ 1.667.719,00, que dividida pelos doze
meses do ano dá um resultado de cerca de 140 mil dólares mensais,
não pode ser comparada ao valor que a região amazônica possui
para os oito países que a compõem. Nesses parâmetros, as contri-
buições dos países-membros cobrem apenas os custos operacionais
da Secretaria Permanente, ou seja, a manutenção de sua sede, os
salários de seu corpo funcional, e o aluguel da residência do Secre-
tário-Geral, que foi acordado entre as Partes. Os recursos disponi-
bilizados pelos países amazônicos não possibilitam a contratação
de mais funcionários com dedicação exclusiva, de consultores ex-
ternos, muito menos a realização dos inúmeros projetos temáticos
que constam da Agenda Estratégica da Cooperação Amazônica.
Para esta finalidade, a Organização depende, desde sua criação, da
obtenção de recursos externos.
Pode-se notar, portanto, que a cooperação amazônica é bem
definida, e por vezes limitada, pelo seu caráter defensivo, visando
garantir a soberania política e territorial dos países amazônicos.
208 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

Todavia, este caráter não abrange a totalidade dos objetivos regio-


nais comuns. A amplitude de temas abordada no Tratado e a evo-
lução dos debates socioambientais exigem dos Estados amazônicos
uma capacidade executiva que ultrapasse o âmbito das declarações
políticas de compromisso.
Cabe a ressalva de que, pelas informações disponíveis no site
oficial desta instituição, é evidente que a OTCA executa diversas
atividades, projetos, promove relações interinstitucionais, seminá-
rios temáticos etc. Merece destaque a interligação promovida pela
OTCA entre órgãos governamentais relevantes dos países-mem-
bros, especialmente entre seus Ministérios de Meio Ambiente. Em
caráter específico, também se deve ressaltar o projeto de Monitora-
mento do Desflorestamento na região Pan-Amazônica, por meio de
iniciativas de compartilhamento de tecnologia, bem como a inicia-
tiva de elaborar uma agenda regional de Proteção dos Povos Indíge-
nas em Isolamento Voluntário e Contato Inicial.
Entretanto, o conhecimento destes projetos não é divulgado
amplamente para a comunidade acadêmica, negligenciando, assim,
suas possíveis contribuições. Além disto, a maioria dos projetos
estabelecidos ainda parece restrita a avanços institucionais, po-
líticos e, assim, os seus resultados não se refletem diretamente na
melhoria da qualidade de vida de suas populações, ou na proteção
ambiental mais efetiva da região. Sem conseguir escapar do âmbito
normativo-propositivo, a cooperação regional amazônica demanda
uma ampliação exponencial dos recursos financeiros, humanos e
tecnológicos disponíveis para que possa transbordar da alta cúpula
diplomática para o território empírico. É por motivos como estes
que a alcunha de “letra-morta” é erroneamente atribuída ao TCA.
Portanto, a materialização e o aumento das atividades pro-
movidas pela cooperação multilateral amazônica são condições
indispensáveis para que a dinâmica política regional possa acom-
panhar o ritmo intenso dos regimes e instituições internacionais
voltadas para geração de políticas e execução de projetos para o
meio ambiente amazônico. A continuidade dos entraves execu-
tivos no processo de cooperação amazônica pode deixar a região
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 209

comprometida a políticas internacionais formuladas e executa-


das sem a participação da OTCA como referência regional obri-
gatória, a exemplo do mecanismo de Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação (REDD+).
Em suma, o orçamento limitado com dependência de recursos
externos, a estrutura organizacional e a inatividade dos mecanismos
de atuação da OTCA comprometem a capacidade efetiva desta ins-
tituição em favorecer a cooperação entre seus membros por meio da
execução de projetos, do favorecimento à produção científica e do
aumento no grau de relacionamento entre os diversos atores da re-
gião. Assim, foi encontrada uma convergência entre as abordagens
de Antiquera (2006) e de Silva (2008). Na leitura destes autores, a
transformação do Tratado de Cooperação Amazônica em Organi-
zação reflete alguns avanços alcançados pelos Estados-membros,
especialmente do Brasil, na construção de um arranjo institucional
estratégico e conveniente. Este arranjo tem sido estratégico na afir-
mação da soberania dos Estados e na incorporação do princípio do
desenvolvimento sustentável. Porém, do ponto de vista da eficácia
institucional na execução de projetos e na capacidade de influência
na burocracia interna dos governos amazônicos, a situação de baixa
efetividade da OTCA parece conveniente por refletir a carência de
interesse político real dos Estados.
Todavia, após o período de crise institucional, vivenciado de
2007 a 2009, os Presidentes dos países amazônicos, amparados pela
avaliação de seus respectivos Ministérios de Relações Exteriores, de-
cidiram mais uma vez pelo relançamento e revitalização da OTCA,
declarando o renovado interesse em dotar a OTCA de maior com-
petência institucional através do reforço político conferido à Agenda
Estratégica da Cooperação Amazônica.
Por meio desta agenda, negociada por seus chanceleres,
os países amazônicos estabeleceram as diretrizes de atuação da
OTCA, que não poderão ser influenciadas pelos ocupantes dos
cargos da Secretaria Permanente, principal problema verificado
na gestão de 2002 a 2007, muitos menos poderão ser influen-
ciadas pelos interesses dos organismos que decidirem cooperar
210 RODOLFO ILÁRIO DA SILVA

financeiramente com a OTCA. Estes deverão aceitar, desde o


início, que seus recursos não serão utilizados para atender ou
subsidiar seus interesses, mas sim para implementar as decisões
tomadas consensualmente pelos países amazônicos.
Até o presente momento, estes Estados amazônicos não dispo-
nibilizaram volume satisfatório de recursos financeiros, não amplia-
ram o quadro funcional da OTCA, promovendo a contratação de
funcionários e consultores capacitados para subsidiar o processo,
não estabeleceram um programa de pesquisas ou convênio direto
com as instituições de pesquisas existentes. Como agravante, soma-
se que a sede da OTCA, em Brasília, possui sérias limitações físicas,
com Coordenadorias Temáticas, como as de Meio Ambiente e Saú-
de, dividindo uma pequena sala entre si, assim como Ciência, Tec-
nologia e Educação dividem espaço com Infraestrutura, Transporte,
Comunicação e Turismo, ao passo que a Coordenadoria de Assun-
tos Indígenas dispõe de um espaço físico extremamente reduzido.
Dadas estas limitações, é necessário chamar a atenção para o
enorme número de instituições ambientalistas, estatais e não-gover-
namentais, engajadas na execução de projetos de desenvolvimento
para a Amazônia. Muitas destas organizações certamente seriam fa-
vorecidas pelo compartilhamento de informações na construção de
ações conjuntas. A OTCA deve se inserir nessa dinâmica de coope-
ração e exercer um papel coerente com sua representatividade legiti-
mada por todos os Estados amazônicos.
O avanço das atividades de cooperação amazônica é necessá-
rio e urgente para que a dinâmica política regional possa acom-
panhar o ritmo intenso e acelerado dos regimes e instituições
internacionais voltadas para geração de políticas multilaterais
para o meio ambiente. A continuidade dos entraves executivos
no processo de cooperação amazônica pode deixar a região com-
prometida e submissa a políticas internacionais formuladas e
implementadas por agentes externos à região. Além, é claro, de
manter abertos os caminhos para a degradação florestal amazô-
nica que se apresenta como um perigo iminente para a estabili-
dade ecológica de todo o planeta.
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 211

Portanto, diversos elementos dão suporte à comprovação da hi-


pótese inicial levantada, de que os países amazônicos fortaleceram a
busca pela cooperação, principalmente desde 2002, entretanto, com
a criação da OTCA, a concretização dos interesses regionais comuns
ainda demanda maior comprometimento político e maior eficiência
institucional. Isto se dá por que o engajamento político dos países
amazônicos, leia-se a disponibilização de recursos técnicos, finan-
ceiros e humanos no processo de cooperação, é muito deficitário com
relação às capacidades e necessidades reais destes países.
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Entrevistas

ALENJANDRO A. GORDILLO – Secretário-Geral da Organização


do Tratado do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Entre-
vista concedida em 4 abr. 2012, Sede da Secretaria Permanente – SP/
A COOPERAÇÃO MULTILATERAL ENTRE OS PAÍSES AMAZÔNICOS 221

OTCA, Brasília-DF.
MAURÍCIO DORFLER – Diretor Executivo da OTCA. Entrevista concedida
em 4 abr. 2012, Sede da Secretaria Permanente – SP/OTCA, Brasília-DF.
CARLOS ARAGON – Diretor Administrativo da OTCA. Entrevis-
ta concedida em 4 abr. 2012, Sede da Secretaria Permanente – SP/
OTCA, Brasília-DF.
ANTONIO MATAMOROS – Coordenador de Meio Ambiente da
OTCA. Entrevista concedida em 3 de abr. 2012, Sede da Secretaria
Permanente – SP/OTCA, Brasília-DF.
ANTONIO RESTREPO – Coordenador de Saúde da OTCA. Entre-
vista concedida em 3 abr. 2012, Sede da Secretaria Permanente – SP/
OTCA, Brasília-DF.
GERMÁN GÓMEZ – Coordenador de Ciência, Tecnologia e Educação
da OTCA. Entrevista concedida em 3 abr. 2012, Sede da Secretaria
Permanente – SP/OTCA, Brasília- DF.
JAN TAWJOERAM – Coordenador de Assuntos Indígenas da OTCA.
Entrevista concedida em 3 abr. 2012, Sede da Secretaria Permanente –
SP/OTCA, Brasília-DF.
SOBRE O LIVRO

Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 23,7 x 42,5 paicas
Tipologia: Horley Old Style 10,5/14

EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Coordenação Geral
Arlete Quaresma

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