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MERCADO NO DIVÃ
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
O terapeuta tenta apelar para os supostos laços afetivo-familiares de seu analisando, mas
ouve reações irritadas: "Que esposa, porra?"
Para tentar diminuir os efeitos da crise, o especulador tenta se convencer de que não
perdeu nada, uma vez que não tinha nada ("Era tudo papel").
"Hoje atendi um senhor de 53 anos, engenheiro, que fez muitas obras importantes em
São Paulo e que, de repente, com a crise, teve vários contratos cancelados. O dinheiro
da construtora estava todo aplicado na Bolsa, um negócio que batia 70 mil pontos e
passou a bater 39 mil."
Mesmo assim, o engenheiro diz a si mesmo que não está menos rico. "De fato, enquanto
ele não vender os papéis, eles estão lá. Mas a gente sabe que, a curto prazo, dificilmente
a Bolsa vai bater 70 mil pontos de novo", afirma Nabuco.
Questionar o quê?
"Eles não existem por outra razão. O jovem milionário que fez fortuna em um banco de
investimentos, por exemplo, tem um valor social muito limitado. As pessoas não o
respeitam por criar alguma coisa, curar, advogar ou escrever. Ele até compra cultura,
como obras de arte, mas não reflete sobre ela."
Com base em sua clínica, Forbes afirma que o investidor, mesmo quebrado, "não é de
usar remédio". Ele resolve com ginástica, toma vitamina.
"A crise financeira está fora desses especuladores. Em momento algum eles se
responsabilizam por ela ou são penalizados. Porque se alguma sanção for imposta a
essas criaturas "fazedoras de dinheiro" vai haver uma quebradeira pior ainda no
mercado."
Ok, em casos muito extremos, se houver algo que realmente fuja ao controle, o
financista toma um anti-depressivo. "Afinal, para tudo precisa haver um remédio
comprável, palpável, tomável", diz Forbes, que tem ouvido comentários sobre "soluções
genéticas".
"O que eles mais querem é comprar a decodificação do DNA. Vai custar U$ 1.000,
dizem. Aí, sim, acontecerá uma sucessão de orgasmos jubilatórios. Vai dar pra previnir
doenças, programar a felicidade e até agendá-la."
Prótese no psiquismo
McCoy vive para ganhar muito e gastar tudo, com ítens que lhe conferem status: mora
em um apartamentaço na rua mais valorizada de Manhatan, esbanja cartões de créditos,
tem uma mulher adequada, uma amante emblemática, e seus filhos estudam em escolas
particulares caras.
Até esse momento, é como se o psiquismo desse paciente funcionasse graças a uma
espécie de "prótese material". Segundo Montagna, é por isso que a reação ao debacle
pode ser uma idéia ainda mais onisciente, do tipo "sim, podemos prever o futuro".
Direito natural
O outro perdedor é aquele que sempre considerou tudo o que tinha "um direito natural",
indiscutível. Acha que foi mais lesado porque perdeu algo que fazia parte dele, como a
possibilidade de andar, falar ou enxergar. "Para muitos, ser rico equivale a ser
inteligente", afirma o psicanalista.
A principal razão é que ele não obceca com a idéia de recuperar o dinheiro perdido. "O
grande especulador sabe que vai voltar a ter muito, mas é "outro" dinheiro, não aquele
que foi. Então, age como se dissesse: "Vamos enterrar o defunto", e pronto."
A pior morte
Evidentemente, o defunto não pode ser tratado de maneira tão prática quando se fala em
perda do vigor sexual -um fantasma quase tão assustador quanto o do empobrecimento,
concordam os psicanalistas.
"A mulher que esse jovem financista escolhe não é necessariamente a que o atrai, e sim
aquela com a qual vai fazer uma boa dupla social", diz Forbes.
Por sua vez, o investidor ousado, que preferiu optar por uma aplicação de risco, acha
que pode ignorar o fracasso sexual transando com profissionais. Em seu isolamento, o
"dono do mundo" resolve a questão como se fosse apenas uma necessidade fisiológica.
"Ouço gente que freqüenta puteiro quase todo dia", conta Cristiano Nabuco. É nesse
ponto, diz Ari Rehfeld, que fica visível para o próprio analisando o quão fetichista é sua
relação com o dinheiro. E, bom, aí só resta rezar para a crise (a financeira) acabar logo.