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CONTOS

MOSSOROENSE
AS
S

SAMUEL DE O. PAIVA

1
AS MOSSOROENSES

2
As Mossoroenses
Contos
Copyright ® Samuel Paiva – 2015
Mossoró/RN

3
PRÓLOGO

A
tendendo aos pedidos de alguns amigos de vida e de
Facebook, que de uma forma ou de outra acompanharam
a espaçada publicação dessas historietas, resolvi resgatar
os sete episódios do oceano virtual e compilar em e-book,
depois de uma rápida revisão, acrescidas deste prólogo,
sumário e um layout mais confortável para a leitura.

Decerto que os textos não ostentam qualquer pretensão e a


nada mais se propõem que a mera troça com aqueles estereótipos
mais tradicionais que perfazem a identidade dos habitantes de
Mossoró/RN. A propósito, eu não poderia mesmo beber em fontes
mais profundas, seja porque inexista qualquer pesquisa histórica ou
sociológica de fundo, seja porque eu nem mesmo me constituo como
um filho da terra, morador que sou há apenas oito anos dessa cidade.

A inspiração para a abordagem é por demais evidente, sendo


cristalino que me vali da mesma moldura empregada por Sérgio Porto
na coletânea de crônicas “As Cariocas”, bem como de sua adaptação
em forma de minissérie por Daniel Filho para a TV Globo. Partindo
dessa estrutura formal fiz nascer breves alegorias povoadas por
personagens do “país de Mossoró”, destacando sempre uma tipologia
de musa, heroína, desde as mais aguerridas como Gilza, A Bonitinha
da Cobal, até a matreira Marcely, nossa Comissionada da Prefeitura.

Os textos, apesar de possuíram um lineamento padrão, não


possuem identidade na voz narrativa, havendo momentos de maior
construção especulativa e pontos de condução mais apressada. De
minha parte gostaria que se tomassem as mencionadas linhas não
como uma radiografia de escárnio dos mossoroenses, mas como uma
tentativa de fundir o elemento lúdico ao crítico num produto palatável
de pensar a si mesmo e o seu espaço. Divirtam-se!

Samuel de O. Paiva

Mossoró, 28 de agosto de 2015.

4
“Basta ler meia página de certos escritores para
perceber que eles estão despontando para o
anonimato.”

(Stanislaw Ponte Preta – Sérgio Porto)

SUMÁRIO

5
A BONITINHA DA COBAL
..................................................................... 07

A PATRICINHA DA NOVA BETÂNIA


............................................ 10

A SONSA DO SANTA DELMIRA


..................................................... 13

A EMPRESÁRIA DO ALTO DO SUMARÉ


.................................. 18

A IDEALISTA DO ALTO SÃO MANOEL


................................ 23

A UNIVERSITÁRIA DO ULRICK
GRAFF................................... 26

A COMISSIONADA DA PREFEITURA
.......................................... 28

6
A Bonitinha da Cobal

G
iza acorda tão cedo, mais tão cedo, que quando ela se
levanta o Sol ainda está se espreguiçando. Giza não tem
irmãos, a mãe morreu de cirrose, de modo que sua única
herança é o pai velho e doente de cento e setenta quilos.
Com o tempo o aposento do velho não mais dera para cobrir sequer
as despesas com medicamento, foi aí que Giza decidiu buscar outra
fonte de renda. Sem vocação para babar ovo, não quis “fazer jogo”
com seu voto; recusou a oferta de emprego na secretaria de cultura
do município.

— Eu lá quero negócio com cultura. Sou lá mulher de disputar


espaço com fresco... - disse na época.

Assim que acordava Giza ia preparar a merenda e esvaziar o


penico do velho, bem como amarrar parte de sua mercadoria no
bagageiro da Traxx. É dela a maior banca de chá da Cobal.

As pessoas que pela primeira vez veem a jovem mulher de


pele alva e corpo bem desenhado anunciando, desinibidamente, chá
de tudo quando é tipo, não conseguem esconder um particular
espanto. A beleza de Giza logo foi ganhando destaque. Não demorou
para receber o apelido de: “A Bonitinha da Cobal”.

— E aí, será que já dá pra colher? – Perguntava sempre um


descarregador de mamão de Baraúna, apontando Giza a seu colega.

— Eu comeria com casca e tudo... – Respondia esse.

— Viva a Santa Luzia!

Com seus lábios vermelho sangue, seios em forma de gota


d’água e traseira de botar inveja em dançarina do Aviões do Forró,
Giza parecia desconhecer seu poder de deslumbramento. Ela não se
importava com as piadas, continuava seu trabalho, com bom humor
até:

— Olhe o chá de Capim Santo, Ameixa, Boldo, Erva-doce!


Tem pra engordar, pra emagrecer, pra ficar do mesmo jeito...

7
Acostumada a cuidar do pai, Giza só trava relação com
velhos. Não há um em Mossoró que não seja seu cliente. É muito chá
pra pouco aposento...

Aliás, quando o assunto era homem, Giza não relaxava nem


com chá de Camomila. Tinha nojo até do cheiro. E olhe que
pretendente não faltava. Até dono de salina fazia de conta que vinha
atrás de chá, só pra olhar Giza de perto. Recebia cartas e mais
cartas, contendo as mais aberrantes juras de amor:

Por você Giza:

Eu matava Lampião

Alejava Jesuíno

E montava no cavalo do cão

Na vaquejada dos porcino

Posso até ser pobre

Mas doido não sou não

Pois prefiro um chá de Giza

À buchada de Zé Leão

**

A prova de tal aversão pelo sexo masculino foi dada no dia


que, ao guiar sua Traxx, já ao lado do Colégio Pequeno Príncipe, um
guarda “azulzinho” mandou Giza parar a moto. “Azulzinho” é bicho
que apita mais do que juiz caseiro...

— A senhora quase atropela um aluno! – disse a autoridade.

Giza sabia que era mentira. O “azulzinho”, que era seu


cliente, só queria mesmo era cabimento...

— Nem aluno aqui não tinha...

O “azulzinho”, vendo-se derrotado pelas inquestionáveis


evidências, arrependeu-se de tão arrebatador impulso. Não sabendo
o que fazer, tentou contornar:

— Tem chá de quê? – Perguntou acabrunhado.

8
— Isso é lá situação de comprar chá?! No meio da rua?! –
Bradou Giza, irritada.

— Tem chá pra quem tá doente de amor, Giza? – Confessou.

— A doença de amor que você diz é pau mole? Se for tem...

— Coração Giza! Coração! Eu sou louco por você Giza!

Uma multidão, formada por alunos do CPP, bêbados e


açougueiros se formou para acompanhar a cena. Enciumados,
nenhum homem torcia pelo “azulzinho”.

Giza ainda quis esconder, mas não deu, chorou os olhos,


fazendo todo mundo crer que havia amolecido. Todavia...

— Homem pra mim só existe papai! – Exclamou.

E a multidão de machos comemorou como no Nogueirão em


dia de Potiba.

**

Cá pra nós, Giza não é de ninguém, pertence a todos, um


patrimônio da humanidade no país de Mossoró...

O “azulzinho” depois desse dia nunca mais foi visto. Há quem


diga que tomou chá de sumiço...

**

Velhos, pinguços e repentistas do Brasil inteiro fazem


verdadeira peregrinação até a barraca de chá daquela que é a virgem
do povo, a mulher guerreira, a musa, Giza: “A Bonitinha da Cobal”.

9
A Patricinha da Nova Betânia

C
omo toda moça da parte chique da Nova Betânia, Fernanda
Tanízio falava inglês e espanhol. Era bilíngue - beijava duas
línguas ao mesmo tempo... - e criava um animal exótico
trazido de uma de suas viagens feitas, por puro filantropismo, a um
país subdesenvolvido. Como toda patricinha que se preze, Fernanda
acordava tarde e gostava de se sentar com as pernas atrepadas em
algum de seus móveis planejados. E, como já foi dito, mesmo falando
Inglês e Espanhol, Fernanda, em verdade, não falava mesmo era
com ninguém. Exceto com seus amigos da mesma estirpe. Aliás,
patricinha é que nem Gafanhoto, só ataca de bando. À noite, com sua
turma, Fernanda, com looks trazidos, no mínimo, de Natal e Fortaleza
- já que patricinha nenhuma da Nova Betânia compra roupa nas lojas
“malhadas” de Mossoró... – saia à caça de rapazes de sobrenome no
Sélect Nouveau, Tenda Music Club e etc.

A coisa que mais irrita Fernanda Tanízio é esse hábito que os


pobres de Mossoró possuem de se misturarem com os ricos nas
áreas vips das festas...

Por só sair de casa no período da noite, e só tomar sol no


veraneio em Tibau, Fernanda Tanízio adquiriu uma pela de barroca
palidez. Seus olhos verdes e cabelos que imploram para serem
puxados deixavam embasbacados os colegas de classe do curso de
Fisioterapia da UNP, sobretudo os bolsistas do interior do estado que
não estão acostumados com essa “raça de gado”...

— Ê boi! Ira! – dizia, aos risos, um aluno de Messias Targino


ao ver Fernanda cruzando os corredores da universidade quase à
levitar.

É bom que se diga que, antigamente, toda patricinha da Nova


Betânia estudava Direito. Só que depois que elas descobriram mais
ou menos o que era o Direito, largaram mão. Agora toda patricinha da
Nova Betânia estuda Fisioterapia, por três motivos: Lembra Medicina,
“Não é ela, mas é mesmo que ser ela”; para trabalhar dentro de
piscina e vestir branco. A patricinha sabe que cor fechada é artifício
de pobre para esconder sujo...

10
Fernanda Tanízio é do tipo de patricinha que não se
preocupa em dissimular. Seu sonho, chegou a dizer a uma de suas
amigas mais íntimas, era ser sequestrada duas vezes que nem a filha
de Silvio Santos. Seu pai, enólogo e dono de empresa prestadora de
serviço à Petrobras, há cinco anos que já separara o dinheiro do
resgate.

Fernanda é espírita. Embora confunda Allan Kardec com


Mahatma Gandhi...

Mas o que importa narrar é o fato de que Fernanda Tanízio, a


“chefinha” como lhe chama carinhosamente suas amigas, encontrou o
amor de sua vida – patricinhas acreditam piamente no amor
romântico -, o homem capaz de fazê-la miar sem dar a mordida da
gata, Lucas Tomásio, o Luquinhas Red Bull, herdeiro de uma famosa
concessionária de veículos da cidade.

Fernanda Tanízio conheceu Lucas Tomásio numa festinha


privê dada no Garbos Trade Hotel em louvor do aniversário de sua
amiga Ellen Damasco. Fernanda, sabendo que o rapaz tinha
sobrenome, tratou logo de investir – quase literalmente... -. Para ela,
não importava se ao rapaz faltava um membro, o tronco ou era uma
mula sem cabeça. Bastava ter um sobrenome. E isso Luquinhas Red
Bull possuía.

Como a Alemanha Hitlerista que queria dominar céu, terra e


mar, o pai de Lucas Tomásio, tal qual os demais ricos de Mossoró,
possui uma casa de praia em Tibau, uma chácara no caminho de
Governador de Dix-Sept Rosado, além, também, claro, de uma
mansão na mesma Nova Betânia – só não tem casa na árvore... -.

A mãe de Lucas gerencia uma butique no Partage Shopping.

À tardinha em Tibau, no veraneio, Fernanda e Luquinhas


passeavam agarrados de quadriciclo, e gravavam seus nomes no
interior de um coração nas areias da praia...

Logo uniram suas contas no Facebook...

Noivaram mês passado.

A notícia, junto a uma poesia de Mário Quintana, saiu na


coluna social de “O Mossoroense” com a legenda: “Os Pombinhos da
Vez”.

O casamento está marcado para o final do ano. O casal ainda


está a procura de um lugar espaçoso para o evento:

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— Mossoró é tão carente de boas opções... – suspira
Fernandinha.

Assim que concluir seu curso de Fisioterapia na UNP


Fernanda e Lucas irão morar na Bélgica. Lucas pretende expandir o
negócio do pai. Fernanda não pretende exercer a profissão:

— A casa vai consumir todo meu tempo... – diz ela, que


levará duas empregadas domésticas de Upanema para lhe ajudar na
Bélgica.

Fernanda sonha em ter gêmeos. Um branco e um negro.

**

Aqui vão meus sinceros votos de felicidade ao casal!

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A Sonsa do Santa Delmira

O
Santa Delmira é um bairro tão distante, mais tão distante,
que quando a notícia de uma morte chega até lá, é sinal de
que já estão celebrando a missa de trigésimo dia na Capela
de São Vicente. No Santa Delmira ninguém usa relógio, observa-se o
meridiano de Greenwich para saber o fuso horário. De modo que toda
mocinha do Santa Delmira sabe que se quiser arrumar namoro, tem
que ter o dobro das qualidades de uma mocinha de qualquer outro
bairro, pois ela precisa repassar para o namorado a sensação de que
a viagem valeu a pena...

Não é à toa que o Santa Delmira é próximo do Resistência,


haja fôlego...

A mocinha da qual vamos falar, se tiver alguma coisa é de


Delmira, porque de Santa ela não tem nada...

O nome dela é Aline, morena fechada da cor de Embaré, que


tanto namora sentada como de pé.

Única solteira das filhas de Seu Jonas e Dona Adélia, Aline


carregava nas costas o fardo dos casamentos bem sucedidos das
irmãs. De família religiosa, Aline sempre compareceu aos templos de
livre e espontânea pressão. Aos quinze anos havia enchido o saco
de, sobretudo nos carnavais, acampar com o pessoal do Shalom.

Quem nunca teve fogo, que atire a primeira brasa...

“Começo a suspeitar, aos quinze anos, que não prestar é o


que mais presta nesse mundo...”, escreveu ela em seu diário.

Não demorou para Aline trocar o menino Jesus pela Garota


Safada...

Todavia, essa mudança na personalidade de Aline não era


perceptível a olho nu. Só um microscópio apurado e um narrador
onisciente eram capazes de desvelar o aquecimento global que
derretia lentamente as calotas internas de uma alma em ebulição.

Aline era do tipo que dava a unhada e escondia a unha.


Dissimulada. Semelhante a um animalzinho de estimação que

13
quando o dono pede a pata faz que não sabe, mas que quando é um
estranho que pede balança até o rabinho.

Com o aval dos pais, analfabetos digitais, e com a desculpa


de difundir o evangelho na rede mundial de computadores, Aline criou
uma página chamada “Dá sem olhar a quem!”.

Com dois meses de existência, a página “Dá sem olhar a


quem!” já havia feito mais pelo sexo do que a descoberta da pílula
anticoncepcional.

Foi através da página que Aline conheceu Adriano Maromba,


funcionário da Azevedo & Travassos e lutador de jiu-jítsu. Adriano era
um daqueles que trabalham quinze e folgam quinze. Aliás, fora
realmente em uma de suas férias, enquanto peregrinava pela internet,
que Adriano deu de cara com o “Dá sem olhar a quem!”. Uma
postagem lhe chamou atenção: Os 10 mandamentos do beijo na
boca. Já que Aline estava sempre online tirando as dúvidas dos
leitores, foi amor a primeira teclada.

Em casa, Aline se virava. Sempre que seu pai pedia para ver
a página ela fingia que o sinal da internet havia caído e botava a
culpa na TCM...

Depois de dois meses de namoro virtual, Aline decidiu que


estava na hora de chegar às vias de fato. Foi com essa ideia fixa na
cabeça que interpelou os pais:

— Painho! Mainha! Na página, sabe, eu encontrei um rapaz,


parece que ele nem tem mãe mais, que andava meio descrente, já
tinha pensado até em suicídio, só que eu falando com ele, ouviu
painho, preste atenção mainha, estou quase conseguindo trazê-lo de
novo para a Santa Igreja! – disse Aline marejando os olhos.

Toda sonsa é que nem locutor de radio, fala rápido para


ninguém perceber a mentira...

— Eu estava pensando, junto com umas leitoras do blog, de


fazer um encontro para Jesus na casa dele. A senhora deixa eu ir
mainha?

— Por mim, não faço questão, seu pai é quem sabe... – disse
Dona Adélia.

O senhor deixa? – disse Aline, já preparada para o choro


caso o pedido não fosse concedido.

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— Onde esse rapaz mora, Aline? – perguntou Seu Jonas,
que assim como qualquer morador do Santa Delmira a primeira coisa
que pergunta é pela distância.

— No 30 de Setembro, painho...

— Quem são essas leitoras do blog? – todo pai de sonsa


acha que as filhas dos outros é que são sonsas.

— Umas meninas do coral da Igrejinha do Liberdade I...

Era mentira, claro. Sonsa adora fundamentar suas ações com


o espinhaço alheio.

— Quando é esse encontro para Jesus?

— Sábado.

Curioso. No mesmo dia da festa de Garota Safada no


Mossoró Cidade Junina...

— Pode ir, voltando cedo.

Aline correu para dar a notícia a Adriano. Ela ficou mais


ansiosa para a chegada do sábado do que Celina Guimarães para
votar...

Mas o sábado chegou. O “encontro para Jesus” estava


marcado para as quatro da tarde. Às duas, Aline começou a se
arrumar. Sem carregar muito na maquiagem, claro, pois em cara de
pau a tinta não pega. Conferindo a hora de cinco em cinco minutos,
por fim, Aline deu uma olhada em torno do quarto, ela sabia que
poderia ser a última, não aguentou:

— Não matei ninguém para merecer está presa! – disse.

Despediu-se dos pais.

— Antes das sete é pra estar em casa, ouviu Aline?

— Ouvi, sim senhor!

— Cuidado nas estradas minha filha – disse Dona Adélia.

— Tá bom, mainha.

E Aline foi até o bar da esquina, no qual os mototaxistas


faziam ponto. Mulher é assim, quando está querendo se perder, se
sujeita até a ir de moto-táxi do Santa Delmira para o 30 de
Setembro...

15
**

Deu sete horas, deu oito horas, e nada de Aline. Deu nove
horas, deu dez horas, e haja Aline demorar. Passou o domingo, a
segunda, a terça, e cadê Aline...

Na quarta de manhã, quando Seu Jonas e Dona Adália


concediam uma emocionada entrevista a Carlos Cavalcante do
Programa “Linha de Fogo”, foi que Aline cruzou a sala.

Pálida, assanhada e descarnada, Aline ajoelhou-se no meio


da sala e jurou e bateu de pé que havia sido raptada por um anjo.

Um observador critico poderia ter indagado se havia


necessidade do anjo ter mudado sua roupa...

Dona Adália e Seu Jonas, de pronto, acreditaram na história.


E abafaram o assunto. Todas as famílias religiosas são craques em
abafar assuntos...

A pobre Aline passou dois meses sendo tratada a pão-de-ló.

**

Aline, em verdade, só voltou pra casa devido Adriano


Maromba ter deixado bem claro que não queria nada de sério com
mulher nenhuma:

— A vida de quem trabalha embarcado é assim, aquela coisa


que é hoje e não é amanhã... – esclareceu.

**

O crescimento da barriga de Aline era incontestável. Todo


mundo já comentava. Até porque bucho é que nem espinha na cara,
todo mundo olha logo...

Aline foi proibida pelos pais de sair de casa até mesmo para a
igreja. Segundo eles, não se deve alimentar a maledicência alheia...

**

Mês retrasado Sarinha nasceu. É graúda a menina. Toda


sonsa é parideira...

Aline conseguiu consegui convencer os pais de que o anjo


que lhe raptara era o anjo Gabriel. E Sara, bom, Sara era a filha da
luz. Concebida sem sexo.

**

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Ontem mesmo, ao passar num ônibus leste-oeste, avistei
Aline e Sarinha vindo da padaria. O rapaz que vinha ao meu lado no
ônibus, chamado de Adriano Maromba, cutucou-me no ombro:

— Conhece aquela ali, ó? Aquela é Aline, a Sonsa do Santa


Delmira...

E contou-me essa história, que ora reproduzo.

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A Empresária do Alto do Sumaré

O
Sumaré fica na Zona Leste da grande - gigantesca! –
Mossoró. É um bairro alternativo: ou mora lá ou na rua. Dizer
onde acaba o Liberdade II e começa o Sumaré é algo tão
complexo quanto precisar onde termina a vida e começa a morte. Na
verdade a resolução dessa problemática se dá muito subjetivamente,
se o sujeito é metido a rico e a besta, mora no Liberdade II, se é
humilde, confessa que mora no Sumaré. Enfim, fica na saída para
quem vai pra Natal e na entrada para quem vem do alto oeste. Como
todo bairro, o Sumaré também tem seus pontos turísticos: Magno´s
bar, Pitom bar, Muela´s bar e etc. Sendo um bairro marginal – sem
trocadilhos... -, o Sumaré passa por uma fase de grandiosíssima
especulação imobiliária. De modo que a imbricação dos sumareenses
com “estrangeiros” que lá compram imóveis gerará muito em breve
uma miscigenação capaz de assombrar até antropólogos do quilate
de Darcy Ribeiro. Esse crescimento do Sumaré se dá de forma tão
acelerada que as máquinas, enquanto escrevo esse texto, já estão às
portas de Upanema, o que acarretará uma conurbação chamada
“Seriema”: Sumaré + Upanema.

No Sumaré ninguém anda a pé, embora ninguém também


compre veículo. Lá cada um faz o seu. É moto feita com pneu de
carro-de-mão, outras com motor de geladeira...

Santos Dumont e os Irmãos Wright ficariam boquiabertos com


a criatividade dos sumareenses.

Existe, no que se refere aos ditos bairros pobres, inúmeros


preconceitos. Por exemplo, a lenda de que as mulheres são
oferecidas, dadas. É mentira. Eu boto minha mão no fogo – baixo... -
pelas mulheres do Sumaré. Porque, caro colega, dar cabimento ao
motorista de ônibus da linha única não é oferecimento, é estratégia de
sobrevivência...

Outro grande preconceito é dizer que no Sumaré existem


muitos ladrões. Mentira. Trata-se apenas de coletivização forçada da
propriedade privada...

Segundo o dicionário elaborado por Aurélio Buarque de


Holanda, parente de Chico Buarque e conhecido de Bartô Galeno,
Sumaré significa: Orquidácia terrestre de flores amarelas. No entanto,
há outra corrente que diz que a palavra Sumaré tem origem indígena,

18
significando: terreno acidentado com muitos esconderijos para
animais procriarem longe dos predadores.

Preferimos aqui o segundo significado, por ser mais parecido


com uma mentira e consentâneo com a história a ser narrada...

Foi exatamente no Sumaré que Dauzileide nasceu e se criou.


Se criou não, foi criada. Porque pobre vive assim, dá ajudinha de um
aqui, de outro acolá...

Dauzileide casou nova, como toda mocinha do Sumaré, não


casou por amor, mas sim por “avexame”. Desde cedo começou a
trabalhar nas casas “aguentando abuso dos outros” e “miado de
menino novo”, como diz ela. Todavia, logo depois de casar Dauzileide
conseguiu um emprego de selecionadora de Castanha na USIBRAS.
Ganhava um salário mínimo por mês, acrescido de adicional por
hérnia de disco. Seu ganho somado com o de Joaquim, seu marido,
só dava para comer, e mal. Joaquim trabalhava avulso, ou seja, fazia
de tudo um pouco.

Ocorre que, com o tempo, Joaquim passou a fazer de pouco


um tudo...

Se a crise financeira já era um problema grande, a gota d


água foi o dia em que Dauzileide descobriu que Joaquim era assíduo
frequentador do Bilica Drink´s...

Sandra Pereira da Cunha, a “Bilica”, é a única personagem


mossoroense mundialmente conhecida. Aliás, arrisco-me a dizer que
só não é a maior figura folclórica do mundo por causa do imbatível Zé
Garcia, ele mesmo, o cigano dono da burra enfeitada.

Dauzileide, no dia em que ficou sabendo das ações de


Joaquim, tratou de mandá-lo embora de casa imediatamente. Ela não
era mulher de mundiça, limitou-se a despachar Joaquim com essas
singelas palavras:

— Cale a boca e se suma, filho de rapariga!

E Joaquim se foi.

Dauzileide em conversa com sua mãe, que, obviamente, na


época ainda era viva, já que morto não fala, a não ser com Chico
Xavier, assim avaliou seu casamento:

— Tá bom né mãe, pelo menos não embuchei...

19
O importante mesmo foi a jura que Dauzileide fez logo que
ficou sabendo da traição:

— Eu ainda vou deixar essa Bilica de tanga!

Como se ficar de tanga para Bilica fosse alguma coisa...

Movida por esse sentimento de vingança, Dauzileide largou o


emprego na USIBRAS e decidiu abrir um cabaré para quebrar o
monopólio de Bilica no Sumaré.

Mal sabia ela da crise e dificuldade pela qual o ramo passava.


Nunca é demais lembrar as célebres palavras do magnata do
meretrício de Mossoró, Orlando Cocotinha, em entrevista concedida
ao “O Mossorense”, anunciando a crise do sistema das casas de
prazer. Cocotinha apontava que o motivo de tal declínio é a confusão:
“Porque hoje em dia ninguém sabe mais quem é puta”.

Ademais, Bilica, assim como Sineide, perto da rodoviária, e


Gabriel, da Nova Betânia, já estavam estabelecidos no mercado,
possuíam o seu público fiel. Embora “fiel” não seja um bom termo
tratando-se de cabaré...

Em suma, a missão de Dauzileide não era das mais fáceis.


Inclusive uma de suas amigas lamentava:

— Você podendo ter feito jura numa coisa mais fácil, não
cortar mais o cabelo, usar só vermelho...

Mas a jura estava feita. E Dauzileide pôs mãos à obra.

Sua primeira atitude foi fazer um empréstimo no nome da


velha mãe dela. Depois, formou a equipe. Contratou um estagiário de
Direito para cuidar da parte burocrática, um administrador de
empresa, um contador e oito moças de Aracati/CE.

— Se as quengas de Bilica gemem, as minhas chiam! – disse


Dauzileide, emocionada.

Reunida, a equipe discutia:

— A Constituição veda o monopólio! – disse o estagiário de


Direito.

— Até da prostituição? – perguntou Dauzileide.

— Claro. Onde existir função social deve haver livre


concorrência! – defendeu o estagiário.

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— E qual é a função social da prostituição? – perguntou,
intrigado, o administrador.

— Para os clientes é o lazer, para as profissionais é a


alimentação etc...

— Eu acho que era bom contratar um publicitário... – disse o


administrador.

— Precisa não. Quenga é que nem cocada, a gente vende no


grito – disse Dauzileide, que naquela altura já estava lisa.

— E você? Tem alguma colocação a fazer? – perguntou o


estagiário ao contador.

O contador, que cochilava, não respondeu.

**

A promoção de inauguração era a seguinte, só se pagava a


entrada. A senha lhe possibilitava brincar em todos os brinquedos...

Só que a coisa fedeu.

Nenhum cliente apareceu no cabaré de Dauzileide, nenhum


mesmo...

O contador, que era um espião infiltrado por Bilica, fez um


ótimo trabalho de x-9.

Bilica, experiente, dona de Cabaré há mais de trinta anos,


simplesmente fez uma “noite franca” e a casa lotou.

O administrador de Dauzileide, recém formado, não a alertou


da necessidade de ter um capital de giro. Resultado: Dauzileide
quebrou logo na estreia.

O estagiário foi o primeiro demitido, depois o administrador, o


contador – que ela nunca veio a saber que era um Judas – e, por fim,
as moças de Aracati/CE, que nem estrearam o uniforme.

O banco começou a cobrar o dinheiro do empréstimo.

Dauzileide se desesperou:

— Meu Deus do céu, vai ser o jeito...

**

21
Ainda era cedo quando Bilica ouviu uma batida na porta,
seguida de um clamor angustiado...

**

Hoje, Dauzileide, a “Empresária Do Alto do Sumaré”, é sócia


de Bilica e, sobretudo, sua melhor amiga.

22
A Idealista do Alto de São Manoel

S
e Havana tem a Sierra Maestra, Pequim a Praça da Paz
Celestial e São Paulo a Praça da Sé, Mossoró tem o Alto de
São Manoel. Maior dos bairros em tamanho, fica na Zona
Leste da cidade, e tal qual ralo de banheiro de motel, tudo desce por
ele. Logo se vê que trata-se de um epicentro ideológico. Pelo Alto de
São Manoel sobe e desce: santo, viado, político... Não há um
mossoroense, por melhor que ele seja, que já não tenha sido besta
um dia, a ponto de descer o Alto de São Manoel com as alpercatas na
mão por um motivo ou por outro...

Como todas as portas dão ao Alto de São Manoel, o sonho


de todo caroneiro é morar lá. Se um time é campeão, desce o Alto.
Se um vereador foi eleito, desce o Alto. Se se coroa uma Santa,
desce o Alto. Se uma menina chegou à menarca, desce o Alto...

É Horácio... entre o Bar da Tripa e o Hotel Normandie há mais


mistérios do que o que pressupõe a nossa vã filosofia...

Aliás, já que tocamos na matéria, como diria o proctologista, é


salutar que passemos a qualificação de nossa musa. Tércia, 22 anos,
baixinha do tipo conversível, daqueles que cabem em qualquer canto
e que você só precisa desembrulhar na hora de usar, era branquinha,
mas tão branquinha, que a gente morria de vontade de dar uma tapa
só pra vê-la rosada.

Tal singeleza física em nada combinava com a recalcitrância


moral...

Tércia estuda Ciências Sociais, à noite, na UERN. É


socialista, vegetariana e regionalista. Muito embora, que um
nordestino verídico só seja vegetariano em duas situações: quando
não tem carne ou quando não tem dente. Mas, vai saber, idealista é
bicho que assim que nem puta tem resposta na ponta da língua.

Tércia, ainda que seus pais sejam vivos, divide um


apartamento com duas amigas e um doido, perto do Bambino´s. O
doido estuda filosofia, também na UERN. Estuda não, é matriculado.
Segundo o doido a Filosofia está no mundo, e não no hermetismo de
uma sala de aula. Por ser doido era inofensivo, assim, mesmo que as
meninas trocassem de roupa em sua frente, ele seguia impassível em
sua leitura de Wittgenstein. Logo se vê que era doido. Pois por mais
feia que seja a moça nua, ainda é muito melhor do que Wittgenstein.

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Todas as noites, Tércia e suas duas amigas, e o doido,
aventuravam uma carona ao lado da Delegacia. Sempre que chegava
a vez do doido o carro enchia. E lá se iam as meninas, e o doido a pé.
Chegava na UERN suado, e nada do professor que, aliás, na UERN
só existe no mundo das ideias...

Tércia tinha um namorado. Só o beijava quando queria. E


olhe que queria pouco. Quem mandava era ela. O pobre do
namorado de tão assustado só falava com a boca virada pro outro
lado.

No dia dos namorados, Tércia foi pega de surpresa com um


beijo na boca tão grande que o pinguelo da goela ficou sustentado só
numa peinha...

— A gente estava precisando desse beijo, não estava meu


amor? – indagou, visivelmente emocionado, o namorado.

Tércia, de pronto, deu por acabado o namoro.

Sentada, degustando sozinha um cachorro-quente do


Sebosão - aliás, o Sebosão não serve cachorro-quente, serve
buchada de pão - assim refletiu:

— Eu lá quero saber mais de porra de homem! Uns merdas


desses que desde a pré-história chupam e cospem a gente que nem
um bagaço de cana! Vai pra puta que pariu!

Tércia, enquanto tomava uns goles numa noite de sexta-feira


no DoSol, assumiu, perante suas duas amigas e o doido, que era
lésbica.

— Normal... – disse o doido, que sequer tinha ouvido, já que


tudo para um doido é normal.

As amigas lhe deram força. E confessaram que também


eram. “Podre” é assim, tudo mundo tem, a única diferença reside no
aspecto cronológico...

**

Tércia tatuou no braço esquerdo os seguintes dizeres em


letras miúdas: “Fodam-se os Rosados e sua numeração brego-
francesa de merda!’’

O sonho de Tércia era ser presa, o que nunca ocorreu.

24
Toda subversiva sonha em ter suas ideias transmitidas em
horário nobre...

Criou um blog, que não deu certo. Culpou os Rosados por


terem o monopólio da informação...

**

Quando Tércia, as duas amigas e o Doido chegaram no 2º


Ofício de Notas pedindo para celebrarem o casamento dos quatro,
tornaram-se indescritíveis as expressões dos que ali estavam.

**

Se o Direito ainda não abriga tão peculiar situação, os quatro


decidiram por colher os frutos da situação fática.

Tércia editou normas de conduta para reger o quádruplo


companheirismo. Aboliu as vestimentas. Todos só andam nus dentro
de casa. O doido ficou responsável por cozinhar, arrumar a casa,
lavar louça, fazer as compras e conseguir dinheiro. Tércia e suas
amigas ficaram com as tarefas afetivas.

Tudo bem divididinho. O doido não reclamava, até porque era


filósofo e não matemático.

**

Tércia e suas duas amigas chegaram a um consenso quanto


ao doido. Já que ele, na relação, representava o macho e seu nefasto
histórico, merecia, logo, ser capado, extirpando assim o secular mal
pela raiz.

Um aluno de Veterinária da UFERSA, clandestinamente por


óbvio, foi o responsável pela castração do doido.

**

É comum, nas noites de Sábado, encontrarmos Tércia, A


Idealista do Alto de São Manoel, e suas duas companheiras fazendo
compras no Rebouças novo, enquanto arrastam pela coleira o doido
filósofo capado.

25
A Universitária do Ulrick Graff

Z
ona leste do país de Mossoró. O Ulrik Graff fica próximo talvez
dos dois maiores centros educacionais da Terra de Santa
Luzia, o IFRN e o cabaré do Birinight, permitindo assim como
poucos bairros a mais completa união do ensino com a pesquisa e a
extensão...

Se a historiografia raimundononatiana não mente, Ulrick Graff


foi um grande e avermelhado empresário suíço que por aqui resolveu
empreender no fim do século XIX, mexendo, entre outras coisas, com
o comércio de couro. Aliás, de couro Maiara entende...

Natural de Severiano Melo, logo Maiara naturalizou-se


quando comeu o primeiro cachorro-quente de garfo e faca no
Sebosão depois de uma farra homérica com direito a vômito no
banheiro do salão de festas do Garbos. Maiara morava sozinha num
primeiro andar quarto-cozinha que ficava em cima de uma Herbal Life
e estudava Fisioterapia à noite na UNP, com bolsa de 50%. Sem
querer aventurar um dos raros ônibus que pudesse leva-la até a João
da Escóssia, Maiara todas as noites mandava um emoticon tristonho
para um de seus colegas de classe virgem e fazia um tácito pedido de
carona.

De Severiano Melo, Maiara recebia uma feirinha da semana


enviada por seus pais, os quais sofriam como se a filha tivesse sido
enviada para a Guerra do Vietnã. Independente da temperatura do
ventre, Maiara era estudiosa e preenchia cadernos e mais cadernos
de anotações inúteis, como fazem os estudiosos.

Maiara era uma dessas mulheres que quando passam pela


gente nada no mundo mais presta. Covinhas no rosto, pernas
torneadas que davam súbita vontade de apalpar e, principalmente,
uma forma tal de andar que ao cortar o vento com seu gingado
produzia um curioso silvo. Era tão bela que sentíamos assim um
misto de vontade de tê-la com um mero desejo de chorar abraçado a
ela e lavar com lágrimas o insaciável desejo.

Os colegas de Maiara não conseguiram esconder o espanto


quando foram fazer um trabalho em grupo e ao baterem na porta de
seu quarto-cozinha se depararam com a própria vestida unicamente
com uma fina calcinha de renda, num topless que exibia rijos seios
maiores que as vagas reservadas por Silveirinha para os camelôs.

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— O que foi? Um calor desse...

Mas a vida de Maiara iria mudar radicalmente no dia que


recebeu um convite por WhatsApp de um conhecido empresário da
cidade para tomar banho nas relaxantes piscinas do Hotel Thermas.
Poucos minutos depois ouviu-se uma buzina lá fora e Maiara já
entrou no carro de biquíni, coberta unicamente por uma levíssima
canga. O empresário não tinha aliança no dedo, tampouco andava
com certidão de casamento debaixo do braço, de modo que Maiara
também não iria cometer a indiscrição de lhe perguntar se era
casado. A presunção é de inocência.

**

Maiara engravidou do empresário. Àquela altura ela já


morava em um apartamento na Nova Betânia e firmara contrato com
um taxista para deixar e buscá-la na UNP. Tudo financiado pelo
(in)FIES...

**

À pedido do empresário Maiara nunca publicou nada a ele


referente em redes sociais, pelos menos não diretamente, já que não
precisava ser um criptografo para notar que por detrás daquelas suas
constantes citações de Caio Fernando Abreu havia caroço naquele
angu.

Gravida e emotiva, Maiara obrigou o empresário a fazer um


book da gestação no Memorial da Resistência. À revelia deste enviou
inocentemente para a blogueira Karenine Fernandes uma das fotos,
que foi publicada logo no dia seguinte com a legenda “vem herdeiro
por aí!”. Tomando sol na área de lazer do Quintas do Lago, a esposa
do empresário quase sofreu um colapso quando se deparou com a
fatal imagem e só a muito custo conseguiu se arrastar até em casa.

**

Ainda sem barriga Maiara bebericava com um grupo de


amigas no 27 Saideira quando um carro aparentemente
desgovernado espatifou a mesa onde ela estava e por muito pouco
não lhe matou junto com o feto. Era a esposa do empresário.

Tocado com o ocorrido o empresário divorciou-se da esposa


e levou Maiara e o recém-nascido para morar com ele no Quintas do
Lago. A ex-mulher, sem condições de manter o mesmo padrão de
vida alugou um apartamento quarto-cozinha duas ruas antes do IFRN
e virou “A Traída do Ulrick Graff”. Maiara ganhou um quadro na TCM.

27
A Comissionada da Prefeitura

D
iferentemente de nossas outras musas, Marcely, “A
Comissionada da Prefeitura”, não será situada no espaço,
mas apenas no tempo. Ocorre, tal qual mata-pasto, que
Marcely dá em todo canto, na zona norte, sul, leste e oeste de
Mossoró. Marcely tem 31 anos de idade, é formada em Turismo pela
UERN e tem um filho, fruto de um conturbado relacionamento que
não deixou saudades, mas pelo menos deixou pensão. É o que vale.
Tem mais do que razão nesse ponto a Marcely.

Marcely trabalhou para o então prefeito durante o período


eleitoral, inclusive chegou a perder um dos dentes da frente devido
uma criminosa banda de tijolo atirada por um adversário. O prefeito
pagou a prótese e ofereceu um clareamento, que ela não aceitou
alegando que quanto mais amarelos os dentes mais combinavam
com as cores do partido. Marcely perdeu aproximadamente dez quilos
durante o pleito eleitoral e mandou tatuar em itálico a expressão
“BABO MEEERMO E SE ACHAR RUIM BABO MAIS!” na omoplata
esquerda. O então candidato a prefeito comoveu-se com aquela
abnegada correligionária e durante um dos comícios prometeu,
cochichando em seu ouvido, que caso fosse eleito lhe daria um cargo
na Secretaria de Cultura, onde sua única função seria despistar
sequiosos artistas da terra com seus supostos e eternos cachês a
receber.

Não pense o leitor mais açodado que Marcely era uma


parasita, ao revés, ela já tivera inúmeras experiências profissionais, já
trabalhara na Riachuelo, Mercadão das Malhas, Ótica Diniz e já até
vendera produtos eróticos como calcinhas comestíveis sabor
framboesa e réplicas do pênis de Marlon Brando. Acontece que o
leitmotiv da vida de Marcely era o frenesi eleitoral, era algo tão forte
nela que não raro só conseguia chegar ao orgasmo quando fechava
os olhos e lembrava da expressão séria do prefeito em seus
discursos. Aliás, um dos motivos que culminou no divórcio de Marcely
com o pai de seu filho era o incomum hábito de durante o ato sexual
gemer e pronunciar guturalmente as palavras “vai prefeito, vai
prefeito, dá de cambão dá, vai, duas por uma vai...”.

No momento da apuração dos votos Marcely estava com o


canal retal que não passava um filamento capilar. Acompanhou uma
por uma das urnas apuradas com o ouvido colado no rádio, enquanto
amaldiçoava Layre Neto e Bruno Barreto que empolgados numa

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discussão qualquer esqueciam por um momento das urnas. Quando o
resultado saiu foi a mesma emoção do pênalti perdido por Roberto
Baggio, Marcely arrancou a roupa do corpo e desabou a pé para o
Alto de São Manoel como veio ao mundo. Foi a apoteose.

**

— Secretaria de Cultura, Marcely, bom dia – diz nossa musa


com um falsete de seriedade na voz que estaria mais de acordo com
a recepção de uma funerária que com uma secretaria municipal.

Em sua sala na Secretaria há uma fotografia do prefeito logo


acima de sua cabeça, num dos vértices da moldura fitinhas do Senhor
do Bonfim abençoam o gestor. A vida de Marcely mudou da água
para o vinho desde que o prefeito cumpriu a promessa de campanha
de lhe dar o cargo, ela renovou o guarda-roupa, pôs um megahair,
financiou um novo Fiat e passou a ser frequentadora assídua de
Guaramiranga, além de impressionante devoradora de fondue.

Era um dia quente e normal quando Marcely abriu a internet


em seu Iphone para fazer o check-in diário na prefeitura para “lacrar o
cu das recalcadas” quando uma chocante manchete apareceu diante
de seus olhos: “Promotor pede cassação do Prefeito e realização de
pleito suplementar”. Marcely desmaiou e precisou ser conduzida por
populares até a UPA mais próxima.

**

— Esse Promotor só pode ser mal comido, só pode, porque


todo mundo tá careca de saber que em politica todo mundo rouba,
quem não rouba termina doido que nem esse Cinquentinha, que é
correndo atrás do povo e o povo “tangendo” de perto que nem um
Cururu e uma Testemunha de Jeová... – dizia Marcely em conversa
com amiga pelo telefone.

— Aí fica esse lote de puta e de viado com negócio de hastag


de fora prefeito, doidos pra comer da boquinha, fora esses estudantes
metidos a revolucionários. Ora revolucionários! São tudo é
maconheiro, os bichos velhos chega são magros de fumar maconha...
– continuava.

— Pois é mulher... Mas ei... Ei... Perde não! O presidente do


TRE é carne e unha com o Prefeito... Mas é mulher... Esse Promotor
é mal comido...

Essa aparente confiança de Marcely não passava de uma


postura superficial, ela precisou de auxílio psicológico.

29
**

O prefeito foi efetivamente cassado por abuso de poder


econômico e eleições suplementares foram realizadas. Marcely
manteve-se no cargo já que aderira para a oposição três dias antes
da eleição. Na outra semana substituiu a foto do antigo prefeito e em
seu lugar pôs a da prefeita, mantendo as fitinhas do Senhor do
Bonfim.

A única coisa que permanece inalterada, intrigando sexólogos


e psicólogos nacionais e internacionais, é o fato de Marcely só
conseguir atingir o orgasmo lembrando-se do rosto do ex-prefeito. O
caso de Marcely rendeu inclusive uma inédita tese de doutorado
defendida na UFRN, intitulada “Tara Comissionada: Interfaces do
político e do erótico”.

30
Samuel de Oliveira Paiva
nasceu em 14/12/1992, é
natural de Rafael
Godeiro/RN. Bacharelando
em Direito pela UERN,
aprovado no XV Exame da
OAB. Participou da
coletânea “Poesia
Clandestina Vol. I (2012)”,
foi selecionado em
concurso de contos
promovido pela Big Time
Editora, além de já ter
contribuído com poesias,
resenhas e contos para os
AS jornais Clandestino, Gazeta
do Oeste, O Mossoroense e
revista Cruviana.
MOSSOROENSES

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