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Apontamentos sobre a (deteção da) mentira em

contexto de reinserção social

Neste trabalho apresento uma síntese de parte da obra de Vrij (2003), sobre a deteção da
mentira. Foquei-me nos capítulos com mais interesse e implicações na intervenção em
reinserção social. A partir dos indicadores e tópicos emergentes atribuo outra significação
aos enganos intencionais que os arguidos constroem no contexto do acompanhamento das
medidas de execução na comunidade.

Focado nessas simulações faço uma demonstração teórica que permite conectar a mentira
com o transgressivo, marcando a sua proximidade criminal. Por fim, apresento o caminho
para a inclusão do episódio mentira nas entrevistas de apoio e vigilância realizadas pelos
TSRS.

1 – Nalgumas famílias e noutros grupos primários em que o domínio do

outro substitui a ligação/cooperação entre os seus elementos, detetamos

a mentira como aliada e/ou a verdadeira face desse poder unilateral e

mortificante.

É pertinente, pois, estudar e conhecer os efeitos da mentira na fragilização do

processo de controlo social, seja na ação dos grupos primários, onde é gerado e

interiorizado o respeito pelo outro, a honestidade e a não-violência, alicerces da

conformidade à vida em comum, seja na reação penal ao crime, o que aqui nos traz.

Cusson (2002) esclarece que “O controlo social procede do interesse que leva

cada um a proteger-se dos atentados à sua pessoa ou à sua propriedade. Cada

um respeita a pessoa, a propriedade e os direitos do outro para poder gozar os

frutos da paz, da cooperação e da amizade, mas também porque a ofensa aos

direitos do outro ofende o espírito da justiça. Geralmente este meca nismo

homeostático mata no ovo a própria ideia de crime”.

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Aceite esta afirmação, suportada pelas ciências biológicas e psicológicas,

lembremos a propósito que “a finalidade do esforço homeostático é produzir

um estado de vida melhor do que neutro, produzir aquilo que nós, seres

pensantes, identificamos com o bem-estar” (Damásio, 2003); e que “Vimos ao

mundo munidos de um programa semiótico de dupla função: interpretar o que

significa amor e proteção e o que significa ódio e predação; o mesmo é dizer,

onde está e quem é o humano protetor – que será objeto de vinculação – e o

humano explorador – que será objeto a evitar ou afastar.” (Matos, 2011).

Podemos então afirmar que em cada um de nós são naturais as tendências para

confiar nos outros e para nos protegermos dos atentados à nossa pessoa. É

neste humano e subtil dilema entre ligar-se ou afastar-se que a mentira

prolifera, diária e transversal à vida interpessoal, social e institucional.

2 -Segundo estudo de Bella DePaulo e colaboradores (1996-98), levado a

cabo com estudantes e outros membros da comunidade americana, as

pessoas em interação, mentem diariamente e em média duas vezes por dia.

Mas, se as pessoas tentam enganar as outras, também tentam descobrir se

estão a ser enganadas. Parece que a razão por que a mentira prolifera é a de

que as pessoas são melhores a mentir do que a detetar a mentira e porque,

frequentemente, as pessoas não querem saber a verdade, assumir as suas

implicações e por tal deixam-se ir.

A deteção da mentira em contexto judicial tem originado várias investigações, quer

sobre a técnica do interrogatório, quer sobre a alteração da actividade fisiológica

do indivíduo quando mente e que é detetada pelo poligrafo. Nenhuma destas

técnicas será aqui abordada.

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Nos últimos anos têm surgido também investigações (Paul Ekman e colaboradores)

sobre as micro-expressões faciais associadas à mentira, assunto que também não

abordaremos aqui.

Comecemos por focar os conceitos. Segundo Furely (1986), fazer uma afirmação

falsa não é necessariamente mentir. Uma comunicação falsa (que não reflete a

realidade) pode ocorrer por erro, acidente ou desconhecimento.

Dizer mentiras não é o contrário de dizer verdades, embora popularmente assim

seja. O contrário da verdade é a falsidade.

Na acessão psicológica utilizam-se preferencialmente os termos

engano/simulação/mentira. Nas várias definições de mentira que entretanto vários


autores foram propondo, surgem como elementos discriminadores constituir-se

como ato intencional e que envolve pelo menos duas pessoas.

A definição mais abrangente e aceite resulta das proposta de vários autores, como

Ekman (1992) e Vrij (2003), e postula que mentira é “uma tentativa deliberada,

bem ou mal sucedida, sem aviso prévio, de criar no outro uma crença que o
comunicador considera falsa”.

E porque é que as pessoas mentem, porque fazem essas tentativas deliberadas

para enganar o outro?

Segundo vários autores (DePaulo, Kashy, Kirkendol, Wyer&Epstein, 1996 e

Robinson, Sheperd e Heywood, 1988), é possível identificar cinco razões:

Para evitar uma punição

Para obter uma vantagem;

Para causar boa impressão;

Para benefício de uma outra pessoa ou para beneficiar essa outra pessoa;

Para manter pacificadas as relações sociais, designadas de “mentiras


sociais”.

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Estas diferentes razões permitem distinguir tipos de mentiras. As primeiras três

razões dão origem às “mentiras orientadas para o próprio”, as outras duas são

“mentiras orientadas para o outro”.

Há uma outra classificação apresentada por DePaulo, Kashy, Kirkendol, Wyer &

Epstein (1996): as “falsificações” segundo os investigadores, as mentiras mais

frequentes, consistem nas mentiras em que a informação é completamente

diferente ou contrária ao que o mentiroso considera ser verdade. Já os “exageros”

são as mentiras em que os factos são distorcidos por aumento da informação que o

mentiroso considera verdadeira. Por fim, as “mentiras subtis” são aquelas em que

são omissos detalhes relevantes, praticadas habitualmente por sujeitos com um

nível de inteligência superior.

DePaulo (1996) e os colaboradores atrás citados revelaram ainda que os homens

dizem mais mentiras “orientadas para o próprio”, enquanto as mulheres dizem mais

mentiras “orientadas para os outros”, tal aliás, como as crianças.

3 - Várias investigadores (Kashy & DePaulo, 1996; Drij & Holland, 1999;

Hunter, Gerhing & Boster,1982; Wilson, Near & Miller, 1998) apresentaram

uma tipologia de personalidades em função da forma diferente como lidam

com a mentira:

As “pessoas sociáveis”, aquelas que revelam maior apetência e à vontade pela vida

social, as mais extrovertidas e confiantes nas relações humanas, são também

aquelas que se revelam mais à vontade para mentirem e, efetivamente, mentem

mais do que aquelas mais retraídas no contacto e interação sociais.

As pessoas “adaptáveis” são aquelas que revelam acentuada consciência da sua

posição nas relações pessoais e no estar em público, lidando melhor com as

inseguranças, moldando-se às circunstâncias e às outras pessoas. Estes

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“adaptáveis” estão muito motivados para darem uma impressão positiva aos outros,

mesmo que, para tal, seja necessário mentir.

A investigação (Kashy & DePaulo, 1996) confirma ainda que o facto de as pessoas

se revelarem inseguras e ansiosas nas interações sociais não as impede de

recorrerem à mentira.

Os “atores” são aqueles mentirosos que revelam grande competência na regulação

do seu comportamento verbal e não-verbal. Tal talento resulta das capacidades de

controlo emocional (escondem bem as suas emoções e sentimentos autênticos), de

controlo social e agir (são hábeis a representar papeis e põem-nos em prática para

atingir certos objetivos) e de expressividade social (as aptidões verbais, de

fluência verbal e não-verbais indispensáveis para o processo mentiroso).

Por fim, os “manipuladores” ou “simuladores” são aqueles que contam mentiras

auto-orientadas e que persistem nelas, mesmo quando desafiados a contarem a

“verdade”. Mentem com grande à vontade, de modo relaxado e confiante,

dominando as relações sociais em que se envolvem. Os manipuladores revelam

desprezo relacional, admitindo abertamente que enganarão para atingir os seus

objetivos.

4 – Embora a investigação sobre a deteção dos sinais de mentira seja

realizada em contexto artificial de laboratório, diferente das situações de

dia-a-dia, os investigadores concluíram que:

Não há nenhum indicador infalível na deteção da mentira;

Os sinais de mentira têm mais probabilidade de ocorrer quando intervém a

emoção ou emoções (o medo, a culpa ou a excitação);

Os sinais de mentira têm mais probabilidade de ocorrer quando o conteúdo

da mentira é complexo e exige processamento cognitivo relevante;


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Tais sinais são primordialmente não-verbais, porque há conexão

automática entre emoção e comportamento não-verbal, o que significa que,

em situação de interação, estes sinais não-verbais não podem ser

silenciados, contrariamente ao comportamento verbal que é mais

facilmente controlado;

Os sinais verbais, no entanto, também se devem considerar, já que os

depoimentos verbais falsos acarretam certos aspetos que os distinguem

dos depoimentos “honestos”. Concretamente, as investigações permitem

descriminar os depoimentos falsos porque os “simuladores” dão respostas

mais implausíveis, fazem menos autorreferências, dão respostas mais

curtas e constroem mais depoimentos negativos.

5 - Vrij e Semin (1996) concluíram que a dificuldade em detetar os sinais

de mentira resulta também das “crenças incorretas sobre este fenómeno”

que os pessoas em geral e os profissionais de justiça e polícia parecem

revelar. Os detetores “associam a mentira a um elevado tom de voz, a

perturbações no discurso (hesitações e erros), a uma velocidade do

discurso baixa, a períodos de latência longos, maiores pausas,

evitamento do olhar, sorrisos, pestanejar e muitos movimentos

(automanipulações, movimentos de mãos, dedos, pés, pernas, tronco e

mudanças de posição)”.

Os investigadores sublinham ainda que o evitamento do olhar, as automanipulações

e os movimentos dos pés e pernas são os indicadores a que os detetores mais se

agarram.

No entanto, concluíram que muitos destes comportamentos traduzem apenas

nervosismo, envolvimento em tarefa complexa, ou que tais fenómenos poderão

ser provocados pelo próprio entrevistador.


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Vrij (2008), citando O’Sullivan (2003), refere-se a um erro frequente na deteção

da mentira a que designou de “atribuição”. Trata-se da tendência para formar uma

impressão sobre os outros, em que se sobrevalorizam fatores de temperamento e

se desvalorizam fatores situacionais. Por exemplo, quando o observador crê que

uma pessoa não é de confiança terá maior tendência para julgar essa pessoa como

desonesta, em todas as situações.

Um conjunto vasto de investigações entretanto realizadas tentaram conferir a

validade de tais indicadores e as conclusões não foram inequívocas, de modo que

Vrij concluiu em dois sentidos:

A – “Porque é que as pessoas têm tão poucas habilidades em detetar as mentiras?”

Porque não querem conhecer a verdade (Ekman, 1993);

Porque o comportamento típico de “mentira é coisa que não existe”. O


comportamento do “mentiroso” depende da personalidade e das
circunstâncias;

As diferenças entre “mentir” e dizer a “verdade” são, muitas vezes, muito


diminutas;

As regras sociais e de conversação previnem a análise e a acusação do


“mentiroso”. Manter uma “mentira” é muito mais difícil quando o “mentiroso”
se vê na posição de ter que responder a perguntas sucessivas;

Os julgamentos dos observadores são afetados por um conjunto sistemático


de erros e desvios. A maior parte das vezes acabam por se centrar num
conjunto muito restrito de indicadores e com fraco significado;

Mesmo quando os sujeitos apresentam um comportamento nervoso, ou de


grande complexidade, isso não significa necessariamente que estão a
mentir;

Os observadores falham muito na consideração das especificidades


individuais, pressupondo uma generalização que não existe.”

B – “Recomendações”:

Guia para a deteção da “mentira” usando indicadores comportamentais:

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As “mentiras” só podem ser detetadas via indicadores não-verbais se o
“mentiroso” experimentar alguma emoção (medo, culpa ou excitação/
ativação) ou se a “mentira” for difícil de fabricar;

É importante tomar atenção aos desajustes entre o conteúdo do discurso e


o comportamento não-verbal e tentar explicar os mesmos – a “mentira” é
apenas uma possibilidade;

A atenção deve ser centrada nos desvios daquilo que é o comportamento


normal/típico dessa pessoa. A explicação para esses desvios deve ser
obtida;

A “mentira” deve ser considerada quando todas as restantes explicações


falham;

O suspeito deve ser sempre encorajado a falar. Isto é fundamental para que
possam aparecer os indicadores;

Os indicadores estereotipados (evitamento do olhar, por exemplo) devem


ser abandonados”.

6 – Inúmeras investigações experimentais realizadas entre os anos 70 e 90

focaram o comportamento do tipo de pessoas acima tipificadas como

“simuladores”. As investigações debruçaram-se sobre vários indicadores,

como o tom de voz, as pausas, os erros, as hesitações ao falar, a velocidade

do discurso. Os resultados não foram conclusivos e não foi possível definir

um padrão nesses indicadores de mentira que permitisse diferenciar os

simuladores das outras pessoas.

O único indicador que se revelou consistente e discriminador, segundo Ekman e

colaboradores (1988-1992), foi o sorriso. Os autores concluíram que o sorriso está

relacionado com a mentira. Assim, os sorrisos “verdadeiros” “são sorrisos

sentidos”, através dos quais a pessoa exprime uma “experiência emocional positiva”

Tais sorrisos envolvem a ação de dois músculos da face: o “zygotomatic major”

(músculo que surge na sequência ascendente da comissura dos lábios) e o

“orbicularis oculi” (musculo em redor dos olhos). O “falso” sorriso, que acontece

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quando a pessoa pretende fazer crer que está a viver uma emoção positiva, não

ativa o músculo orbicularis oculi. No entanto, os autores sublinham que nem sempre

a presença deste último músculo garante o sorriso “verdadeiro”, nomeadamente,

quando em contexto de sorriso falso, o músculo pode ser ativado por emoções

“verdadeiras” como o mal-estar, tristeza ou a dor. Os autores sublinharam ainda

outra diferença entre sorrisos, pois os falsos “são mais assimétricos, começam

muito cedo ou muito tarde e, muitas vezes, duram mais tempo”.

Outro tipo de conclusões dessas investigações permitiram identificar fatores que

influenciam o comportamento do “simulador intencional”:

Quanto mais complexas (cognitivamente falando) são as “mentiras” mais

aumentam as hesitações e os erros no discurso, e diminui a velocidade do

discurso. Nas “mentiras” fáceis, as bem preparadas, tais indicadores não se

verificam, podendo mesmo surgir o oposto, diminuição das hesitações, dos

erros e aumento da velocidade do discurso;

Um simulador muito motivado para contar a sua “história” faz menos

movimentos com a cabeça, muda menos de posição, fala mais devagar, com

um tom alto de voz e revela menos distúrbios de linguagem. A explicação

para tais indicadores resulta do facto dos simuladores poderem viver

emoções mais fortes decorrentes do medo de serem apanhados, donde

fazerem um maior controlo sobre o seu comportamento, apresentando

mesmo “rigidez no comportamento”.

7 – Vrij (2003) nas suas guidelines diz-nos que mentir é “uma tentativa

deliberada, bem ou mal sucedida, sem aviso prévio, de criar no outro


uma crença que o comunicador considera falsa”; que “não há
comportamento típico de “mentira”; nem qualquer indicador infalível para a

sua deteção”; que há diferenças individuais relativamente à competência

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para produzir mentiras eficazes (difíceis de detetar); e que há duas

modalidades de deteção: o comportamento não-verbal e o conteúdo do

discurso verbal (e ainda uma terceira modalidade, que não abordamos, que

são as respostas psicofisiológicas que o poligrafo, em princípio, deteta).

Identifica ainda as sete características dos “simuladores intencionais”

eficazes: estão bem preparados para simular; são originais; pensam rapidamente;
são eloquentes; têm boa memória; não experimentam sentimentos de medo, culpa

ou prazer quando mentem; e são bons atores. Vrij identifica estas características

nos políticos e nos vendedores, facto que não surpreende.

Por fim o autor alerta-nos, no processo de deteção, para a importância de não

fornecermos a informação que já detemos, pois quanto maior a incerteza do

mentiroso maior a sua dificuldade em sustentar a mentira. Também pedir ao


mentiroso para repetir o que disse é uma boa técnica para o “apanhar”, através das

contradições que os vários relatos poderão registar.

O autor alerta-nos ainda para o facto de que tais técnicas de deteção da

mentira também servirem ao mentiroso, caso leia e estude o livro ou, digo

eu, estes apontamentos. No entanto, o técnico poderá sempre dificultar a

tarefa ao mentiroso.

8 - A obra de Vrij sensibiliza e apetrecha-nos para lidar com a mentira, ou

com os seus sinais, que emergem nas inter-relações que promovemos e

confirmamos nas diligências em situação pré e pós-sentenciais, no contexto

geral da assessoria técnica aos tribunais.

O entendimento destes conceitos e noções, a sua inclusão na bagagem do técnico

de reinserção social, permite e pretende ainda e acima de tudo, conferir nova

significação ao ato de mentir, especialmente quando emerge no


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acompanhamento das medidas de execução na comunidade, levado a cabo pelos
TSRS da DGRSP.

As mentiras a que aqui nos referimos e com que lidamos diariamente são aquelas

instrumentais ao (in)cumprimento dos deveres e obrigações estipulados pelo

tribunal, no âmbito da aplicação de penas de execução na comunidade. A título

ilustrativo, o caso de arguido que informa o TSRS que está a cumprir a prestação

de serviço na entidade beneficiária do trabalho (EBT), conforme o acordado e

homologado, e simultaneamente “justifica” falta, perante a EBT, com a presença

em entrevista com o TSRS.

Evitar a punição ou obter vantagem são razões que facilmente identificamos nos

argumentos enganosos frequentemente utilizados nas justificações, de atrasos e

faltas, apresentadas por alguns arguidos, no contacto com os técnicos de

reinserção social, no âmbito da monitorização das penas de execução na

comunidade. Mentiras para beneficiar terceiros ou para pacificar as relações

sociais, são de considerar no contacto do TSRS com as fontes de informação que

seleciona para recolha de informações.

No processo de acompanhamento das penas de execução na comunidade os enganos

intencionais dos arguidos são provavelmente inevitáveis. Nalguns casos a mentira é

um “acidente de percurso”, logo reparado e com retoma do acompanhamento.

Noutros casos, está associada a anomalias que dão origem a relatório de

incumprimento, enviado ao tribunal. Em qualquer dos casos o episódio “mentira”

frequentemente não tem relevo em si próprio, não é objeto de qualquer

intervenção específica.

No entanto, atente-se que mentir é um dos critérios de diagnóstico para a

Perturbação do Comportamento e Perturbação Antissocial da Personalidade (DSM-

IV, da American Psychiatric Association, 2000). Segundo estudos internacionais

relativamente recentes, citados por Cusson (Hodgins, Cotê,1990; Hodgins 1994),

47% dos reclusos do Quebec apresentavam esse tipo de distúrbio da


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personalidade. Em Portugal, segundo estudo recente, em nove prisões, os

resultados apresentados por Baião & Rijo (2011) indicam que cerca de 80% dos

reclusos reúnem critérios para o disgnóstico de perturbações da personalidade,

dos quais 47,60% com perturbação antissocial.

Mas, a mentira que aqui nos interessa colhe-se noutro tipo de personalidades

menos perigosas (e “menos” perturbadas), que cumprem medidas de execução na

comunidade. Neste tipo de casos, a mentira é frequentemente incongruente com

outras verbalizações ou ações que o arguido manifesta, com vista ao cumprimento

da medida em questão. Tal incongruência poderá traduzir a inconsistência do

arguido na conformidade necessária à vida em comum, hipótese a verificar

conexionando com o conhecimento sobre o processo de socialização do arguido,

bem como sobre eventuais antecedentes criminais.

Também verificamos que, com alguns arguidos, o recurso à mentira emerge do

convívio assíduo com amigos/conhecidos e com práticas criminais. Tal convívio

promove um processo de aprendizagem social, em que a “influência” que os

delinquentes exercem uns sobre os outros tem papel determinante. Cusson (2002)

diz-nos que tal influência se exerce através da “instigação”, da “aprovação”, da

“eficácia” e das “justificações”. Estas últimas são “racionalizações, desculpas,

negações”, argumentos para justificar os seus delitos e infrações. Esta influência

externa tem tanto mais impacto quanto menor for a crença do arguido em si

mesmo, quanto mais baixa for a sua autoestima. Como sabemos, este indicador de

saúde é frequentemente assinalado nos arguidos em cumprimento de medida de

execução na comunidade, dadas as vicissitudes do seu desenvolvimento, a frustre

integração socioeducativa, profissional e social que registam.

Além disso, estas mentiras a que os arguidos frequentemente recorrem durante o

cumprimento de medida de execução na comunidade, mais não são que o

deslocamento para o contexto do acompanhamento, com as finalidades que

conhecemos, dessas justificações, que aprenderam naquele outro contexto

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transgressivo, do grupo, que dirige e direciona a ação. Estes argumentos

enganosos, que geram instabilidade na execução da medida e incerteza no futuro

judicial do arguido, exprimem ainda um funcionamento “imediatista” ou

“presentista” que lhe permite usufruir imediatamente de um prazer ou escapar à

frustração, assim como uma “simplificação da realidade”, em que o arguido,

perante uma questão ou situação mais ou menos complexa, “não atende a todos os

dados, não examina todas as opções possíveis nem todas as suas eventuais

consequências” (Cusson, 2002).

Em síntese, o recurso mais ou menos frequente à mentira, a sua maior ou menor

complexidade, o tipo de personalidade que a emite, nomeadamente se for um

“simulador” e a classificação das mentiras, são indicadores relevantes no contexto

da monitorização das medidas penais, que importa e faz sentido considerar. O

contexto em que a mentira é produzida, a sua finalidade, a auto-orientação

predominante, a carga emocional que envolve, o comprometimento cognitivo que

implica, são indicadores que permitem conexionar a mentira com o transgressivo.

Portanto, a mentira produzida em contexto de medida de execução na comunidade,

tem uma proximidade criminal que obriga à sua inclusão nessa monitorização, no

contexto das entrevistas de apoio e vigilância. Não se trata de acusar o arguido,

mas de com ele verificar e refletir o acontecimento e não apenas a consequência.

O TSRS verificará e procurará conjuntamente com o arguido entender o sucedido,

escutará a sua argumentação e emitirá opiniões justificadas e fundamentadas. Este

processo é condição para que o arguido se dê conta da necessidade de recorrer à

mentira, da razão por que a utiliza e o que pretende alcançar; poderá gerar alguma

tensão na relação entre arguido e TSRS, mas tal é uma oportunidade e condição

necessária à reformulação e superação da sua narrativa enganosa e transgressiva,

bem como permitir que aceda ao sentimento de responsabilidade pelas suas ações.

Com tal procedimento, o TSRS, no contexto de entrevista, gera uma interação com

envolvimento emocional e potencial de mudança, superando um processo funcional e

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administrativo de mera verificação de anomalia/incumprimento. Caso o arguido

aproveite este enquadramento, que permite planear ações inteligentes que evitem a

prossecução dos incumprimentos/anomalias, o TSRS passa a dispor da possibilidade

de influenciar o arguido para a efetiva cooperação. Esta interação é pois fator e

processo de mudança, e quem sabe o princípio do abandono da prática criminal,

dado o envolvimento emocional e esforço cognitivo que o processo cooperativo

engendra.

Não esqueçamos que as nossas palavras produzem alterações no cérebro de quem

nos ouve. É essa uma das evidências das neurociências, os conceitos de

modificabilidade dos circuitos cerebrais pela experiência de vida. Em particular, a

experiência dos comportamentos cooperativos, que ativa os centros cerebrais do

prazer e da recompensa e a produção de Dopamina (Damásio, 2003),

neurotransmissor responsável “por termos juízo, isto é, dois dedos de testa”

(Antunes, 2009).

Amadeu Baptista.

Coimbra, Dezembro de 2014

Agradecimentos: Ana Leonor pelo incentivo e leitura atenta. Belarmina Xavier, Joaquim
Lourenço e Mário Simões pela disponibilidade.

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Referências bibliográficas:

VRIJ, A. (2003). Detecting Lies and Deceit: The Psychology of Lying and the

Implications for Professional Practice. England: Jhon Wiley & Sons, Ltd.

VRIJ, A. (2008). Porque falham os profissionais na deteção da mentira e como

podem vir a melhorar. Psicologia e Justiça, Coimbra, Edições Almedina, pp. 255-

296.

PAIXÃO, R. (2014), Extractos da obra de Vrij (2003). Coimbra, Faculdade de

Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

CUSSON, M. (2006). Criminologia. Cruz Quebrada, Casa das Letras.

GASSIN, R. (1994). Criminologie. Paris, Dalloz.

DAMÁSIO, A. (2003). Ao Encontro de Espinosa. Mem Martins, Europa-América.

MATOS, A. (2011). Relação de Qualidade: penso em ti. Lisboa, Climepsi Editores.

BAIÃO, R. & RIJO, D., (2011). Personality Disorders and self-concept in

Portuguese Prision Inmates. Comunicação apresentada no 7th International


Congress of Cognition Psychoterapy, Istambul.

ANTUNES, A.L. (2009). Mal-entendidos. Lisboa, Verso da Kapa.

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