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em primeiro lugar cogitei fazer uma explanação teórica sobre a concepção gramsciana
de Estado e a influência do jus naturalismo após a criação da Organização das Nações Unidas
e seu reflexo no Brasil, ao ponto da lei maior com relação a inclusão de pessoas com
deficiência atualmente ser a Declaração Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência,
publicada em 2006 pela ONU. Pretendia pensar as dificuldades de se implantar uma política
de inclusão tão ampla nos moldes jus naturalistas e identificar as várias bases discursivas com
relação a inclusão destas pessoas, bem como seus reflexos na cidade de Uberlândia.
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Universidade Federal de Uberlândia, Mestranda em História Social e Movimentos Sociais, Agência de
Fomento CAPES
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chegam até mesmo a trilhar caminhos diferenciados. Como ficaria inviável estudar a trajetória
de todos os tipos), optei por investigar os objetos que me são mais próximos: a trajetória das
pessoas com deficiência física e visual, bem como de seus aparelhos privados de hegemonia.
Ao longo de minhas pesquisas descobri algo que me fez rever a ideia de que as
associações de pessoas com deficiência foram formadas por elas já com o objetivo político de
lutar por direitos, poisas mesmas são de diferentes naturezas, como no caso da ADEVIUDI,
que foi formada por pessoas ligadas aos clubes tradicionais de caridade (Holtari Clube e Lions
Clube, ambos ligados a maçonaria), enquanto a ADEVITRIM foi uma divisão do seguimento
das pessoas com deficiência visual para tentar se desvencilhar da tutela de pessoas sem
deficiência. As lutas internas e externas provocaram diferentes trajetórias no processo de luta
por direitos, a começar pelo número de instituições formadas por estas duas subclasses.
Enquanto no ano de 1998 chegavam pessoas, que tiveram como base de militância a APARU,
aos órgãos governamentais, as ligadas à ADEVIUDI-ADEVITRIM, ainda lutavam para sair
da tutela dos clubes de caridade.
Quanto a temporalidade optei por partir minhas análises dos anos 80, principalmente
porque em nível nacional e internacional ocorreram marcos importantes tais como o ano
internacional das pessoas com deficiência –AIPD, bem como a legalização de direitos
legítmos destas pessoas , tanto na constituição de 1988 quanto nas constituições estaduais e
municipais de 1989. Isto não significa que não irei voltar a anos anteriores para falar da
trajetória política das associações. Já nos anos 90 e 2000 irei pensar como o movimento se
desenvolveu em Uberlândia e o processo de estatização das políticas públicas, bem como a
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Para tal busco entender através de entrevistas como as relações institucionais e a luta
por direitos na cidade de Uberlândia ultrapassam as estruturas criadas pelos intelectuais
coletivos e o papel destes na efetivação de direitos, na reprodução de ideias Hegemônicas e
Contra-hegemônicas, e, de práticas ideológicas. Com o fim de estabelecer critérios para
entender o movimento em um espaço temporal maior entrevistei militantes com deficiência,
que exerçam a militância a mais de 10 anos, com trajetórias diferentes, ou seja, militantes que
estão nas instituições de base, militantes que saíram desta esfera e estão nos órgãos
governamentais, militantes que se afastaram da base, militantes que estudaram e que não
completaram o ensino básico. Estabeleci pelo tipo de depoimento até 10 entrevistas, sendo
que já realizei 7 delas.
* É importante ressaltar que utilizarei depoimentos orais e fontes orais das conferências
nas três esferas que ocorreram em 2012, algumas reuniões do Conselho Municipal da Pessoa
Portadora de Deficiência - COMPODE e registros falados feitos por mim. Eles trazem as
discordâncias sobre as propostas a serem aprovadas como prioridade de implantação e
construção de políticas públicas em Uberlândia, Minas Gerais e na União; também revelam
vários aspectos da diversidade do movimento, que eu encontrei também nos depoimentos
orais: diferenças nas trajetórias e nas demandas de acordo com o tipo de deficiência; de
opiniões das pessoas oriundas de instituições De e Para; de metodologias e formas de se
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Ao pensar nesta heterogeneidade do movimento foi difícil para eu aceitar, pois não
queria discorrer sobre as entidades para pessoas com deficiência, mas elas constituem o saber
técnico para a prestação de serviços de habilitação e reabilitação, estimulação precoce,
também detém o monopólio sobre a transcrição, produção e distribuição dos textos em
formatos acessíveis, da produção de órteses ou materiais específicos para pessoas com
deficiência (tecnologia assistiva, regletes e punções, equipamentos para a confecção de
material didático especializado, etc.). elas são produtoras de políticas públicas mesmo se
reconhecendo como prestadora de serviços e constituem parte importante das instituições
representativas paritárias e das conferências nos três níveis.
física e ocupava cargo comissionado, e que atualmente foi substituído por uma pessoa sem
deficiência, ainda não se pode medir quais serão as consequências em longo prazo, mas já
causa tensão dentro do COMPODE.
A fim de pensar meu objeto de pesquisa trago neste trabalho três temas discutidos por
Gramsci que lançarão luz sobre o exame do movimento das pessoas com deficiência: o
comportamento dos grupos subalternos; a formação dos intelectuais; e a consciência
hegemônica e contra-hegemônica através da filosofia da práxis.
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por meio deste exemplo Gramsci afirma que a história dos grupos subalternos é
episódica e desagregada, pois as suas tentativas de vencer a oposição dos grupos dominantes é
frustrada com a iniciativa destes para manter a hegemonia e incorporar os que agem de forma
contra-hegemônica. Mesmo quando parece que os subordinados tiveram suas reivindicações
atendidas não significa que se tornaram dominantes, pois somente uma vitória permanente
faria a mudança de poder entre tais classes sociais. Mesmo com aparente vitória os
subalternos estão sempre em alerta e na defensiva, e, por esta complexidade, o historiador
deve atentar-se para os detalhes das ações autônomas deste grupo durante o processo
histórico que envolve estes sujeitos, e só podem ser compreendidas após um ciclo completo,
ou seja, após a tentativa deste grupo de efetuar uma contra-hegemonia. Por causa de sua falta
de autonomia os grupos subalternos, ao praticar suas iniciativas defensivas estão sujeitos a
leis próprias de necessidade, cujas características são simples, limitadas, e, politicamente
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Este tópico foi baseado no volume 5 dos Cadernos do Cárcere intitulado :” O risorgimento. Notas
sobre a História da Itália”, e segue a sua paginação
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restritas, diferentes das leis históricas que dirigem e condicionam as iniciativas das classes
dominantes, pois os grupos subalternos geralmente possuem religião, cultura e etnia
dessemelhantes, isto quando não reúne diversas características em um mesmo grupo.
(GRAMSCI, 2001:135-143).
Gramsci coloca em seu texto como pensar a História bem como a relação dos
subalternos com a mesma e Quais as questões que envolvem o estudo destes grupos.
As classes subalternas, por definição, não são unificadas e não podem se unificar
enquanto não puderem se tornar “Estado”: sua história, portanto, está entrelaçada
à da sociedade civil, é uma função “desagregada” e descontínua da história da
sociedade civil e, por este caminho, da história dos Estados oú grupos de Estados.
Portanto, deve- se estudar: 1) a formação objetiva dos grupos sociais subalternos,
através do desenvolvimento e das transformações que se verificam no mundo da
produção econômica, assim como sua difusão quantitativa e sua origem a partir de
grupos sociais preexistentes, cuja mentalidade, ideologia e fins conservam por um
certo tempo; 2) sua adesão ativa ou passiva às formações políticas dominantes, as
tentativas de influir sobre os programas destas formações para impor
reivindicações próprias e as conseqüências que tais tentativas têm na determinação
de processos de decomposição e de renovamento ou de nova formação; 3) o
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Até metade dos anos1990 as associações de pessoas com deficiência visual viviam
uma richa entre si. Enquanto a ADEVITRIM surgiu nos anos 1980 pelo anseio de tal grupo
por autonomia, já que a ADEVIUDI era comandada por membros do Lions Clube e do Hotari
Clube, comprovada pelas falas dos militantes, esta vivia uma apatia porque a diretoria de
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pessoas sem deficiência não conseguiu se aproximar dos usuários e nem do poder público de
forma a exercer um poder contra-hegemônico.
Nos anos 2000 até meados de 2009, após se libertarem do domínio caritativo dos
grupos da alta sociedade a ADEVIUDI vivenciou a desagregação de um grupo que não
possuía uma liga que os fizesse chegar a sociedade política de forma contra-hegemônica. Por
outro lado a ADEVITRIM não se configurou como intelectual coletivo forte,e, apesar do
diálogo com a ADEVIUDI ter se estreitado após o ano de 2009 para que o seguimento
pudesse inserir seus membros nos órgãos representativos como o Conselho Municipal das
Pessoas Portadoras de Deficiência- COMPOD, na tentativa de realizar uma contra-
hegemonia, , a querela entre as duas associações continuou.
Porém as conquistas em maior ou menor grau, bem como a atuação das instituições de
pessoas com deficiência não configura a caracterização deste grupo como dominante e sim
subalterno, e, que em vários momentos luta na defensiva para não perder direitos. Tem-se
como exemplo a súmula que conferem aos monoculares, pessoas que enxergam somente de
um olho, os mesmos benefícios das pessoas cegas ou com baixa visão, o que fere toda a
legislação nacional e internacional vigente no Brasil, cuja expedição a Organização Nacional
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de Cegos do Brasil não conseguiu derrubar.. Outro exemplo, desta vez com prejuízo para
todos os tipos de deficiência é atualmente a transição do governo municipal que acarretou
para o segmento um superintendente sem deficiência e sem histórico na luta do conselho
municipal e das demais instituições por direitos, o que trás uma incógnita do destino do
movimento e acarreta aos militantes a incumbência de defender e restabelecer parcerias com
as secretarias municipais para investir não só na conquista do cumprimento das leis mas para
garantir a manutenção, readequação e melhoria do que já se conquistou.
Uma das características marcantes dos grupos que avançam rumo au status de classe
dominante, é a capacidade de assimilar intelectuais tradicionais e a conquista ideológica dos
mesmos em um processo de luta pela hegemonia, cuja rapidez e eficácia se mede pela
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Este tópico foi baseado no volume 2 dos Cadernos do Cárcere intitulado :” Os intelectuais. O princípio
educativo. Jornalismo”, e segue a sua paginação
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cultural. Isto provoca a separação entre os intelectuais especialistas e os técnicos e faz com
que todas as decisões tomadas pela instituição passe primeiro por especialistas antes de serem
deliberadas. (GRAMSCI, 2001: 32-45)
Este é um ponto de tensão constante nas falas dos militantes que reclamam seu lugar
como representantes do movimento mesmo não possuindo escolaridade. Isto provoca dois
problemas essenciais: o primeiro é a participação nos conselhos de pessoas cada vez mais
especializadas, o que desvincula suas lutas da realidade daqueles que atuam e vivenciam a
realidade de trabalho institucional; a falta de especialização daqueles que atuam diretamente
com as pessoas que buscam auxílio das instituições não permite que estes possam conhecer os
mecanismos políticos de órgãos da esfera política ou até mesmo dos aparelhos privados de
hegemonia, cuja noção da efetividade de uma contra-hegemonia fica limitada.
leitura e escrita natural dos cegos, o Braile, e, à Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, BEM
COMO A ADOÇÃO DE escolas bilíngueS em que a LIBRAS seja a primeira língua falada.
Desta forma pode-se dizer que não há uma filosofia mas sim várias que resultam da
relação entre a lógica intelectual e as ações reais das pessoas. Assim a filosofia e a política são
inseparáveis, pois a escolha e a crítica a uma ação é um fato político. Ao analisar uma
filosofia deve-se levar em conta como esta nasceu, como se difundiu, e, porque ao seguir uma
linha de difusão ela origina várias linhas que podem ser separadas, bem como trilham
caminhos diferentes dentro desta visão de mundo .
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Este tópico foi baseado no volume 1 dos Cadernos do Cárcere intitulado :” Introdução ao estudo da filosofia. A
filosofia de Benedetto Croce”, e segue a sua paginação
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Uma cultura filosófica somente pode ser assim considerada pelo fato de se criar uma
cultura voltada a grupos sociais específicos mas ao elaborar uma visão de mundo diferente do
censo comum não abandona as coisas simples da vivência das pessoas e retira delas a
inspiração para responder perguntas essenciais à vivência da humanidade. Assim a filosofia se
torna em processo histórico pois deixa de ser produto de pensamentos individuais e torna-se
vida. A consciência individual dos sujeitos como parte de um grupo social se constitui de
elementos teóricos e práticos oriundos da relação entre hegemonias e contra-hegemonias que
seguem várias direções.
interferem de forma decisiva na vida dos indivíduos em suas relações com os outros
indivíduos. A construção da identidade dos indivíduos como seres pertencentes a um
determinado grupo social ocorre primeiramente no campo da ética, depois no campo da
política e em seguida produz a elaboração superior ddas vivências reais. Quando o indivíduo
reconhece que é parte de um grupo hegemônico este atingiu a consciência política.
Nos depoimentos orais e nas diversas documentações produzidas pelas pessoas com
deficiência pode-se ver claramente o quanto todos nós somos filósofos. Muitas vezes estes
saberes não provém da teoria e sim da prática. Muitos trabalhos enfatizam que tem como
objetivo dar voz às pessoas com deficiência, porém o que prevalece são ideias puramente
conceituais.
Outro problema está em transmitir a visão de mundo que se quer deixar para as futuras
gerações de militantes, não o saber fatual mas o atuante, o político. Isto acontece pela
dispersão vivida pelas organizações d pessoas com deficiência, cuja função é preciso
repensar. De nada adianta a cópia de modelos de militância seaqueles que são parte integrante
do movimento não repensarem seu papel político como uma classe que mesmo sendo
subalterna precisa empreender forças para estar junto às classes dominantes e garantir seus
direitos.
ONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante o que está posto até agora em minha pesquisa não sei até onde separo as
minhas preocupações com o rumo da militância da qual faço parte,, e, minhas considerações
como pesquisadora. O mal estar que sinto não é por mim, e sim pelas gerações futuras e como
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posso, na condição de intelectual apontar caminhos para a militância das pessoas com
deficiência.
O problema não é sermos um grupo subalternos, e sim nos pensar como tal. O
processo de construção política que reflita a frase ”nada sobre nós sem nós” é árdoa e
conflituosa, porém dar voz às pessoas com deficiência não significa apenas entrevistá-las para
formular um conceito novo de inclusão, mas levá-las à consciência de seu papel político e de
seu potencial para a construção de contra-hegemonias.
Os rumos desta pesquisa ainda não estão totalmente postos, mas o caminho que serve
de fio condutor nos leva a horizontes que nos dá esperança de uma militância que reúna teoria
e prática, intelectuais orgânicos que estejam dispostos a oferecer à sua geração o que não
tivera, toma-se como exemplo o grau de instrução tão citado nos depoimentos. E, da mesma
forma, intelectuais tradicionais compromissados com a luta e não com seu títulos acadêmicos,
com o processo de inclusão e não com conceitos vagos e distantes da realidade, que se
preocupem com as pessoas com deficiência como todo e não somente com os que estão ao seu
redor.
Diante disto fica aqui meus questionamentos e minhas angústias de minha formação
como intelectual e de meu papel como militante que não se separam e que não me deixam
afastar da luta. Fica a preocupação com os rumos das novas gerações privadas de sua escrita e
língua naturais, em oposição a uma propaganda macissa por uma inclusão teórica e
excludente. Fica a vontade de que nossas lideranças sejam respeitadas e que nos entendamos
como defensores de nossas características, da convivência com nossos pares, com um
processo inclusivo de mão dupla, e, o que me angustia mais é que isto não irá ocorrer, pois o
poder nunca será igual para todos os grupos, mas a capacidade de luta nunca é estática.
BIBLIOGRAFIA