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A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR

NAS REGRAS DE ROTERDÃO*

Sónia Isabel Caetano**

Sumário: 1. Introdução; 2. A responsabilidade civil; 2.1. Considerações


gerais; 2.2. Responsabilidade civil obrigacional e aquiliana; 2.3. Pressupos-
tos da responsabilidade aquiliana; 2.3.1. O facto voluntário; 2.3.2. A ilici-
tude; 2.3.3. A culpa; 2.3.3.1. A prova da culpa; 2.3.3.2. Causas de exclusão
da culpa; 2.3.4. O dano; 2.3.5. O nexo de causalidade entre o facto e o dano;
2.4. Pressupostos da responsabilidade obrigacional; 2.4.1. Considerações gerais;
2.4.2. Os pressupostos; 2.5. A terceira via da responsabilidade civil; 3. Evo-
lução histórica da responsabilidade do transportador; 3.1. O Direito romano;
3.2. O Harter Act; 3.3. Convenção internacional para a unificação de certas
Regras em matéria de conhecimentos de carga; 3.3.1. Considerações gerais;
3.3.2. Âmbito de aplicação; 3.3.3. Arco temporal; 3.3.4. O conhecimento de
carga e as reservas; 3.3.4.1. O conhecimento de carga; 3.3.4.2. As reservas;
3.3.5. As obrigações do transportador; 3.3.6. A responsabilidade do transpor-
tador; 3.3.6.1. Considerações gerais; 3.3.6.2. Os casos exoneradores da respon-
sabilidade; 3.3.6.3. A limitação da responsabilidade; 3.3.7. Prazo para intentar
acções; 3.3.8. Considerações finais; 3.4. O Protocolo de 1968; 3.5. O Proto-
colo de 1979; 3.6. A Convenção de Hamburgo; 4. A Convenção de Roterdão;
4.1. Introdução; 4.2. Sistematização; 4.3. O contrato de transporte e o contrato
de fretamento; 4.3.1. O contrato de transporte; 4.3.2. O contrato de fretamento;
4.4. Âmbito de aplicação; 4.5. Arco temporal; 4.6. Obrigações do transpor-
tador; 4.7. A responsabilidade do transportador; 4.7.1. Atraso na entrega;

*
  O presente escrito corresponde ao relatório da disciplina “Direito Comercial”, sob a
regência do Prof. Doutor M. Januário da Costa Gomes, no âmbito do Mestrado em Ciências
Jurídicas organizado pela Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo
(Lubango) em cooperação com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2013-2014.
**
  Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo
(Lubango)
496 Temas de Direito dos Transportes III

4.7.2. Responsabilidade do transportador por actos ou omissões de outras pes-


soas; 4.7.3. Responsabilidade da parte executante marítima; 4.7.4. Transporte
no convés; 4.8. Casos exoneradores da responsabilidade do transportador;
4.8.1. Considerações gerais; 4.8.2. Os casos exoneradores da responsabili-
dade; 4.8.3. A falta náutica; 4.9. Limitação da responsabilidade do transpor-
tador; 4.9.1. Considerações gerais; 4.9.2. A limitação da responsabilidade;
4.9.3. Atraso na entrega; 4.9.4. Perda do direito de invocar os limites da res-
ponsabilidade; 4.10. Prazo para intentar acções; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.

1. Introdução

Com o tema objecto deste trabalho, pretendemos analisar a responsa-


bilidade do transportador no âmbito das Regras de Roterdão.
No entanto, e antes de entrarmos no âmago do assunto propomo-nos
fazer uma breve resenha histórica da evolução da responsabilidade do trans-
portador, desde o Harter Act até às Regras de Roterdão.
A responsabilidade civil do transportador advém do contrato de trans-
porte celebrado em que o transportador se compromete a transportar pessoas
ou bens de um local para outro1, sendo latente nestes contratos o conflito de
interesses existente entre carregadores e transportadores2.
Como sabemos, com a evolução da sociedade e do mundo, vivemos
hoje numa “aldeia global”, e as exigências desta nova sociedade levaram
à internacionalização e globalização dos transportes, pelo que se tornou
imperioso, a criação de convenções internacionais e de cláusulas típicas, os
incoterms, international comercial terms3/4 , que pretendem regulamentar a

1
  “O Direito dos transportes visa regular as organizações nacionais e internacionais
com vista a disciplinar os transportes e os transportadores mas também do ponto de vista
material (reporta-se essencialmente, ao Direito dos contratos de transporte) visa regular os
negócios pelos quais o transportador se compromete, perante um interessado, a assegurar o
transporte de pessoas ou de bens de um local para o outro” cit. António Menezes Cordeiro,
Introdução ao Direito dos Transportes, pág. 8.
2
  Carlos Coelho, Três Datas, Um Século de Direito Marítimo, pág. 630.
3
  André de Matos C. S. Marques, A Transferência do Risco na Venda Marítima,
pág. 247 e segts., cit.: “ Os incoterms visam determinar, nas vendas internacionais, quem
é o responsável pelo transporte e em que momento se dá a transferência do risco do preço
do vendedor para o comprador”. Dizem assim, apenas respeito às relações entre comprador
e vendedor.
4
  Os Incoterms dividem-se em quatro grupos, sendo o 1.º- grupo E: de ex works,
partidas. A mercadoria é entregue na fábrica pelo vendedor ao comprador. É neste preciso

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 497

responsabilidade do transportador e os termos em que o transporte, quer de


pessoas quer de mercadorias, é efectuado.
O transporte de mercadorias é uma actividade que envolve avultadís-
simas quantias monetárias, sendo o risco dessa actividade muito grande e,
por vezes, incontrolável pelo transportador. Basta pensarmos nos denomi-
nados Acts of God a que uma expedição marítima pode estar sujeita. É pre-
cisamente devido às grandes quantias envolvidas e ao risco desta actividade
que surgiram os seguros, para tornar mais apetecível uma actividade, que
é imprescindível, mas que pode acarretar devastadoras perdas para quem
a desenvolve. Assim, o grande enfoque que se dá à limitação da responsa-
bilidade do transportador justifica-se devido ao facto de estarmos perante
uma responsabilidade presumida, o que leva a um regime de agravamento
da mesma5, existindo, inclusive autores que consideram a responsabilidade

momento em que se dá a transferência do risco do preço do vendedor para o comprador; o


2.º- grupo F: de free, livre, FCA (free carrier), a mercadoria é entregue ao transportador,
cessando nesse momento a responsabilidade do vendedor. Sendo que em FAS (free alongside
ship), o vendedor assume o risco do transporte até ao porto de embarque ou até colocar a
mercadoria ao lado do navio, no lugar de carga e na data ou dentro do prazo estipulados pelo
comprador e em FOB ( free on board), a mercadoria é entregue pelo vendedor a bordo do
navio, cessando ai a responsabilidade pelo risco, danos ou perdas dos bens. Neste grupo a
mercadoria é entregue ao transportador, não sendo o transporte principal da responsabilidade
do exportador; o 3.º- grupo C: de cost, custo, o custo do transporte é assumido pelo vendedor
que deve entregar a mercadoria a bordo do navio. Este grupo tem quatro incoterms, mas
apenas dois se aplicam ao transporte marítimo: CFR (cost and freight), o vendedor deve
pagar os custos e o frete do transporte da mercadoria até ao porto de destino, e CIF (cost,
insurance and freight), neste incoterm o vendedor além frete e do transporte também paga
o seguro; o 4.º- grupo de D de delivery: entrega, neste grupo o vendedor assume o risco
até ao momento em que a mercadoria chega ao porto de destino. Assim, o risco do preço
durante o transporte cabe ao vendedor. Neste grupo temos o DES (deliveded ex ship), ou
seja, entrega no navio, o vendedor deve colocar a mercadoria à disposição do comprador a
bordo do navio no porto de descarga, assumindo assim o comprador o risco com as ope-
rações de descarga da mercadoria e o DEQ (delivered ex quod), ou seja, entrega no cais,
o vendedor deve colocar a mercadoria à disposição do vendedor no cais e, assim, com o
cumprimento da obrigação de entrega, dá-se a transferência do risco. A força jurídica dos
inconterms advém, da sua inclusão, no contrato celebrado pelas partes, estando sujeitos à
autonomia da vontade das partes, não tendo por si só uma força vinculativa. Cfr. André
Sousa Marques, A Transferência do Risco na Venda Marítima, pág. 253 a 258; e António
Menezes Cordeiro, Introdução ao Direito dos Transportes, pág. 16 a 19.
5
  R icardo Bernardes, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 448.
498 Temas de Direito dos Transportes III

do transportador como uma responsabilidade objectiva, isto é, independen-


temente de culpa6.
Este regime agravado dá-se por oposição ao que se utilizava até ao Har-
ter Act, em que vigorava o principio da liberdade contratual, integrando as
partes nos contratos cláusulas de “livre” exoneração (negligence clauses),
que permitiam ao transportador exonerar-se da sua responsabilidade e que
deixavam os carregadores numa situação de franca desvantagem7 e tam-
bém porque no transporte de mercadorias, o carregador perde o contacto
com a mesma, ficando impossibilitado de controlar as operações de trans-
porte, passando esta para a esfera jurídica do transportador, que fica numa
posição de detentor da mercadoria e como diz Hugo Ramos Alves “ …no
contrato de transporte de mercadorias, impende sobre o transportador um
dever de custódia…”8.
Mas também, e no que respeita à expedição marítima, o próprio trans-
portador perde o controlo sobre a carga, uma vez entregue a direcção náu-
tica do navio a um comandante.
Por essa razão se considera que a posição do carregador é mais frá-
gil, ficando, assim, o transportador com uma responsabilidade agravada9.
Contudo, o transportador pode afastar a responsabilidade, visto tratar-
-se de uma presunção ilidível, ou, não sendo possível afastá-la, tem a pos-
sibilidade de limitá-la.
Pelo exposto decorre que não cabe ao carregador provar o nexo de cau-
salidade entre o dano e o comportamento culposo do transportador, mas é
o transportador, para afastar a presunção de responsabilidade, que tem que
provar que agiu de forma diligente e que o facto que provocou o dano foi um
dos constantes nos excepted perils, e que exoneram a sua responsabilidade,
tendo que fazer prova que o dano foi provocado por uma das causas de exo-

6
  Francisco Costeira da Rocha, Limitação da Responsabilidade do Transportador
Marítimo, pág. 151.
7
  Carlos Górriz López, Contrato de Transporte Marítimo Internacional Bajo Co-
nocimiento de Embarque, pág. 26, cit.: “… aparecían cláusulas de exoneración extraor-
dinariamente amplias que relegaban la responsabilidade del porteador básicamente a la
hipóteses de dolo…”.
8
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, cit. Pág. 13; ver também Nuno Castello-Branco, Direito
dos Transportes, pág. 49.
9
  Francisco Costeira da Rocha, Limitação da Responsabilidade do Transportador
Marítimo, pág. 251 e R icardo Bernardes, A Conduta do Transportador Impeditiva da
Limitação da Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 445.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 499

neração da responsabilidade10, ou seja, tem que fazer uma dupla prova, do


nexo causal concreto e de uma actuação diligente concreta11.
No caso do evento danoso ter origem numa causa desconhecida, fica
quase impossível ao transportador isentar-se de responsabilidade.
A limitação da responsabilidade12 dá-se limitando-se o montante
indemnizatório13. Este limite indemnizatório vem suavizar o regime da res-
ponsabilidade do transportador, para que não se impossibilite económica e
socialmente uma actividade tão necessária14/15.
As razões que justificam este limite do montante indemnizatório são
de ordem jurídica, económica ou comercial e de ordem natural16.
A primeira advém do equilíbrio que se pretende entre os carregadores
e os transportadores. A responsabilidade civil do transportador, já vimos, é,
especialmente, agravada, razão pela qual a limitação visa atenuá-la.
A segunda visa proteger e fomentar a actividade dos transportes, sem
esta, assistir-se-ia a um aumento colossal do preço dos transportes e dos segu-
ros, o que comprometeria o desenvolvimento da actividade dos transportes.
A terceira, numa perspectiva tradicional, visa atenuar os riscos típicos
dessa actividade e distribui-los.
As normas que regulamentam a limitação da responsabilidade do trans-
portador, consideram nula qualquer cláusula inserida em contrato, pelas
10
  Nuno Castello-Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional
de Mercadorias por Mar, pág. 283.
11
  Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág. 263 a 267.
12
  João Branco, A Conduta Antijurídica do Transportador e a Preclusão da Limitação
da Responsabilidade, pág. 298, cit.: “… a previsão de limites indemnizatórios constitui,
nessa medida, conforme resulta claro, uma excepção ao princípio geral de que o lesado deve
ser totalmente ressarcido dos danos sofridos…”.
13
  Francisco Costeira da Rocha, Limitação da Responsabilidade do Transportador
Marítimo, pág. 253, cit: “… O transportador responde com todo o seu património- não há
pois qualquer interferência sobre a garantia geral das obrigações. O transportador responde
com todo o seu património mas só até determinada quantia.”.
14
  Francisco Peleteiro, Ventajas de Las Reglas de Rotterdam para Porteadores Y
Cargadores. El Punto de Vista de Armadores, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XXVII,
pág. 245, segundo o qual 90% do transporte realizado pela EU com outros países realiza-se
por via marítima; V.g Mário R aposo, A Revisão do Direito Comercial Marítimo, pág. 6; e
Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág. 269.
15
 V.g Suzana Tavares da Silva, Notas sobre a Regulamentação dos Transportes:
Um Apontamento Crítico ao Plano Estratégico de Transportes, pág. 26, que nos fala das
“auto-estradas do mar”.
16
  R icardo Bernardes, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 300 a 303.
500 Temas de Direito dos Transportes III

partes, que vise limitar a responsabilidade a limites mais baixos que os pre-
vistos, mas também estabelecem que qualquer dano de montante superior
ao plafond legal não será ressarcido para além desse limite.
No entanto, a limitação da responsabilidade do transportador pode
ser afastada:
a) Por acordo das partes, segundo o qual são estabelecidos valores
mais elevados do que os legais;
b) Por acto unilateral do transportador, nada obsta a que este renun-
cie à sua protecção e queira indemnizar o lesado para além dos
limites legais;
c) Por um acto voluntário do expedidor, declarando no conhecimento
de carga o valor da mercadoria; e
d) Por imposição da norma, nos casos em que o comportamento doloso
do transportador faça precludir a limitação da responsabilidade.

Propomo-nos, assim, analisar a responsabilidade do transportador,


bem como as cláusulas de exoneração e limitação da responsabilidade, de
uma forma muito breve, e com a importância de antecedentes históricos da
Convenção de Roterdão, no âmbito do Harter Act, da Convenção de Bruxe-
las de 1924 e respectivos Protocolos, da Convenção de Hamburgo de 1976,
para depois podermos analisar, de forma aprofundada, e compreender essa
responsabilidade no âmbito da Convenção de Roterdão.
Assim, e não pretendendo descurar a importância de outros aspectos,
tais como o contrato de transporte, os documentos electrónicos, as reservas,
e o regime network, iremos apenas, no desenvolvimento deste trabalho, apro-
fundar as situações em que as Regras de Roterdão regulamentam a respon-
sabilidade do transportador, fruto do contrato de transporte de mercadorias.

2.  A responsabilidade civil

2.1.  Considerações gerais

Antes de entramos no cerne do nosso trabalho, entendemos que é de


primordial importância abordar, ainda que de uma forma muito breve, a
responsabilidade civil.
Historicamente a responsabilidade civil nasceu dos factos ilícitos, dano-
sos ou delitos, mas esta, por diversas razões, alargou-se a determinados factos

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 501

que, apesar de serem lícitos, causam danos que devem ser indemnizados pelo
seu autor, e aos contratos que fruto do seu incumprimento, causem danos17.
A responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar o
dano sofrido por outra, ou seja, faz surgir uma obrigação, que nasce direc-
tamente da lei e não da vontade das partes18, de pagar uma indemnização
ao terceiro, pelos prejuízos sofridos, reconstituindo-se a situação que exis-
tiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, conforme
decorre do artigo 562.º do Código Civil.
Nas palavras de Menezes Leitão“…a responsabilidade é uma fonte de
obrigações baseada no princípio do ressarcimento dos danos…”19, sendo
esta “…o conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os
danos sofridos por outrem.”20.
O nosso ordenamento jurídico acolhe um sistema dualista de respon-
sabilidade civil, ou seja, autonomiza a disciplina da responsabilidade obri-
gacional relativamente à extraobrigacional21.
Sendo que o nosso Código Civil, apesar de consagrar um regime uni-
tário, previsto no artigo 562.º e seguintes, em relação à obrigação de indem-
nizar, resultante de cada uma delas, trata estas duas categorias de forma
separada. Encontramos, assim, a responsabilidade civil aquiliana22, também
denominada de delitual ou extracontratual, no artigo 483.º e seguintes, que
advém da prática de factos ilícitos, pelo risco e pelo sacrifício; e a respon-
sabilidade civil obrigacional ou contratual no artigo 798.º e seguintes, que

17
 Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado II Tomo III, pág. 285 e sgts.
18
  Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 519.
19
  E é com base nesse princípio que o autor defende que, quer a responsabilidade
delitual quer a obrigacional, são fontes de obrigações. Rebate, assim, a doutrina que defende
que apenas a responsabilidade delitual é fonte de obrigações porque gera deveres primários
ao passo que a responsabilidade obrigacional apenas gera deveres secundários. Ambas têm
por fundamento o princípio do ressarcimento dos danos. Na delitual pela violação de direitos
absolutos, na contratual pela violação do direito de crédito. Cfr. Menezes Leitão, Direito
das Obrigações, Volume I, pág. 269/270. Ainda a este respeito v.g. M enezes Cordeiro,
Tratado II Tomo III, pág. 390 cit.: “…a fonte da obrigação de indemnizar é complexa:
não se reduz ao facto ilícito “incumprimento”, antes depende do contrato acrescido de
inexecução da prestação principal.”.
20
  Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, cit. pág. 267
21
  Dário Moura Vicente , Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito
Internacional Privado, pág. 93.
22
  Por derivar historicamente da lex aquilia de dammo, adoptada no ano de 286 a.C.,
cfr. Menezes Cordeiro, Tratado II Tomo III, pág. 288.
502 Temas de Direito dos Transportes III

advém do incumprimento de um contrato ou de outras obrigações que não


as contratuais.
Assim, a responsabilidade pressupõe sempre um dano, que ou é supor-
tado pelo titular da esfera jurídica onde ocorreu ou é imputado a outrem.
Esta imputação pode ser aquiliana ou contratual, quando o dano resulta do
incumprimento de um contrato ou de outra obrigação.
A reparação desse dano é feita através da indemnização. Esta pode
consistir na reconstituição natural nos termos do artigo 562.º do Código
Civil, ou, quando esta não seja possível, na indemnização em dinheiro, de
acordo com o artigo 566.º n.º 1 Código Civil, sendo esta a mais frequente
embora se deva primeiro recorrer à reconstituição natural, só sendo legítimo
recorrer à indemnização pecuniária quando a primeira não seja possível23.
Assim, a obrigação de indemnizar, constitui um desvio à regra casum
sentit dominus, segundo a qual o dano tem que ser suportado pela esfera
jurídica onde ocorre. Para que a imputação do dano seja feita, a uma esfera
jurídica diferente daquela onde ele ocorreu, é necessário que se verifi-
quem determinados requisitos. Podemos apontar como requisitos genéri-
cos uma situação de responsabilidade, a sua imputação, o dano e o nexo de
causalidade.

2.2.  Responsabilidade civil obrigacional e aquiliana

A responsabilidade obrigacional, consagrada nos artigos 798.º e seguin-


tes do Código Civil, é aquela que resulta da violação de um direito de cré-
dito ou de uma obrigação em sentido técnico.
A responsabilidade aquiliana encontra-se consagrada no artigo 483.º e
seguintes do Código Civil, deriva da violação de deveres ou vínculos gerais,
que se traduzem nos deveres de conduta impostos a todas as pessoas, com
vista à protecção de direitos subjectivos, entendendo-se estes como direi-
tos absolutos24; ou de disposições legais destinadas à protecção de interes-

  Galvão Telles, Direito das Obrigações, pág. 209.


23

  Apesar de existir doutrina que defende que o artigo 483.º n.º 1 visa o ressarcimento
24

de qualquer dano. V.g Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade


Civil, pág. 298 “…este principio é aplicável à generalidade dos direitos subjectivos…” “…
basta que se possa afirmar a existência de um direito, para funcionar esta forma de tute-
la…” e Menezes Cordeiro em Tratado II Tomo III, pág. 447 “…afigura-se-nos, logo por
ai, inadequado restringir, por paralelismo com a doutrina alemã, os “direitos” do artigo

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 503

ses alheios25. Mas também deriva da prática de actos que apesar de lícitos,
produzem um dano a alguém. Assim, podemos identificar três categorias: a
responsabilidade por acto ilícito; a responsabilidade por acto lícito e a res-
ponsabilidade pelo risco.
Na responsabilidade por acto ilícito, alguém que pratica um acto ilí-
cito violando o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação, desde que tenha agido com dolo ou negligência. No
entanto, se a lei assim o determinar, poderá ser obrigado a indemnizar inde-
pendentemente de culpa, no âmbito da responsabilidade objectiva, conforme
estipulado no artigo 483.º n.º 2 do Código Civil.
Mas a prática de um acto lícito também poderá originar obrigação de
indemnizar. Basta atentarmos, a título de exemplo, no artigo 339.º do nosso
Código Civil. Este determina que actos praticados em estado de necessidade,
portanto actos lícitos que são praticados para fazer face a uma situação de
urgência, com vista à protecção de bens jurídicos, apesar de serem lícitos
originam responsabilidade.
Finalmente, a responsabilidade pelo risco também gera a obrigação de
indemnizar, ainda que o agente proceda sem culpa e licitamente. Podemos
ilustrar este tipo de responsabilidade com base nos artigos 499.º a 510.º do
Código Civil.
Mas encontramos ainda no Código Civil, alguns casos antijurídicos que
são tratados de forma especial, como a ofensa do crédito ou do bom nome,
previsto no artigo 484.º, as omissões, previsto no artigo 486.º e os conselhos,
recomendações ou informações previstos no artigo 485.º.
Desde logo é possível distinguir a responsabilidade obrigacional da
responsabilidade aquiliana atendendo à natureza do facto indutor da res-
ponsabilidade. Na primeira corresponde ao incumprimento de uma obri-
gação preexistente, decorrente do contrato ou de outra categoria de factos
jurídicos, da lei ou de princípios gerais, ao passo que, na segunda, consiste
na violação de deveres jurídicos gerais, ou seja, deveres e conduta impostos

483.º/1 a direitos absolutos…”, e em Direito das Obrigações II, pág. 344, cit. “…entre
nós não se procede a qualquer distinção falando-se simplesmente em «direito de outrem».
Nenhuma razão encontramos, por isso, para limitar o dispositivo do artigo 483 n.º 1 aos
direitos ditos absolutos”.
25
  V.g. esclarecimento de Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações II, pág. 346, cit.:
“a responsabilidade surge sempre que haja um comportamento ilícito (isto é que viole a tal
disposição legal) destinado a lesar interesses alheios e que, nessa medida, provoque danos.”.
504 Temas de Direito dos Transportes III

a todas as pessoas, ou na prática de factos que, embora lícitos, causam pre-


juízo aos direitos absolutos de outrem26. Esta está em estreita ligação com a
função geral do Direito que é a de conseguir a paz jurídica27.
De um modo geral, a responsabilidade obrigacional protege a expec-
tativa do credor e a responsabilidade aquiliana protege a vida, a integridade
física, a propriedade e direito análogos.
Na responsabilidade obrigacional, a culpa é presumida, e dessa forma,
cabe ao autor demonstrar apenas o incumprimento contratual, ficando a
cargo do devedor o onus propandi, o devedor terá que provar que não agiu
com culpa.
Na responsabilidade aquiliana, por sua vez, não há essa inversão do
ónus da prova, cabendo ao autor da demanda a prova de que o dano se deu por
culpa do agente, surgindo assim, muitas vezes a denominada prova diabólica.
Entende-se esta diferença: enquanto os deveres das partes, na primeira,
constam do contrato, e havendo incumprimento, presume-se que o devedor
é culpado, porque de facto incumpriu uma obrigação que havia assumido
fruto do contrato celebrado; na segunda, não existe uma obrigação prévia
específica, pelo que tal presunção não pode existir, pois colocaria em causa
a liberdade genérica de agir, pelo que na responsabilidade delitual terá que
ser o lesado provar a culpa do autor da lesão.

2.3.  Pressupostos da responsabilidade civil aquiliana

Como já referimos supra, a responsabilidade civil aquiliana encontra-


-se regulamentada nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.
É precisamente no artigo 483.º que encontramos os pressupostos da
responsabilidade civil28, ou seja, para que haja obrigação de indemnizar têm
que se verificar os seguintes requisitos:
a) Uma conduta do agente (facto voluntário);
b) Que esta conduta represente a violação de um dever imposto pela
ordem jurídica (ilicitude);

26
  Dário Moura Vicente , Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito
Internacional Privado, pág. 148 a 157.
27
  Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, pág. 127.
28
  Apesar de a doutrina não ser unânime em relação aos mesmos. V.g. Pessoa Jorge,
Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 52 a 55.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 505

c)  Que a conduta do agente seja censurável (culpa);


d)  Que a mesma tenha provocado um dano (dano);
e)  Que o dano seja consequência dessa conduta (nexo de causalidade
entre o facto e o dano).

Iremos de seguida, de uma forma sucinta, analisar cada um destes


pressupostos.

2.3.1.  O facto voluntário

Podemos considerar, como facto voluntário do agente, a acção que é


determinada pela vontade e que desencadeia os meios necessários para a
obtenção de um fim29. Pelo que não são factos voluntários todos aqueles que
não sejam controlados pela vontade do agente, assim como aqueles em que
ao agente falte consciência ou que lhe seja impossível exercer um domínio
sobre a sua vontade.
O facto do agente pode ser por acção, mas também por omissão. Con-
tudo, apenas poderemos considerar a omissão com um “facto”, quando exista
um dever de praticar o acto omitido, quer por um dever estipulado em con-
trato, nos termos do artigo 486.º do Código Civil, quer por imposição da lei,
como, por exemplo, nos casos estipulados nos artigos 491.º; 492.º e 493.º.
Nos termos do artigo 483.º n.º 130, o facto voluntário do agente é aquele
que é determinado pela sua vontade, com a finalidade de obter um resultado
e que viola um direito subjectivo absoluto ou uma disposição legal.

29
 Vide Menezes Cordeiro, Tratado II Tomo III, pág. 435
30
  Na esteira do BGB, o legislador optou por uma cláusula geral limitada. Encon-
tramos semelhanças no artigo 823.º do Código Civil alemão que diz, no seu n.º 1 “Aquele
que, dolosa ou negligentemente, lesa ilicitamente a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a
propriedade ou um outro direito de outrem, é obrigado a reparar o dano daí resultante” e
no seu n.º 2 “ A mesma obrigação incumbe àquele que viola uma lei visando protecção de
outrem…”. No entanto, o artigo 823.º admite ainda a responsabilidade por danos causados
dolosamente contra os bons costumes, enquanto no Código português e no Angolano não
encontramos nenhuma norma semelhante. Temos assim um tríptico germânico: a violação
de bens ou direitos absolutamente protegidos, de uma lei de protecção ou dos bons costumes.
No Código Civil português e no angolano temos apenas um afloramento da responsabili-
dade por danos causados dolosamente contra os bons costumes, no princípio do mínimo
ético-jurídico no artigo 334.º, referente ao abuso de direito, não existindo, no entanto, nesta
norma a exigência do dolo. Apesar de se encontrar na parte geral do Código, esta cláusula
506 Temas de Direito dos Transportes III

2.3.2.  A ilicitude

Para se qualificar um acto como ilícito, é necessário que o agente viole


uma norma de conduta. A conduta pode encontrar-se estipulada na própria
norma, ou resultar de direitos subjectivos reconhecidos pela ordem jurídica.
No primeiro caso, a ilicitude resulta da forma de agir do agente, no segundo,
advém do resultado obtido pelo seu comportamento.
Ora, nos termos do 483.º n.º 1 não basta que a conduta do agente viole
um direito ou uma disposição legal; essa violação tem que ser ilícita.
É certo que qualquer violação de uma norma de protecção ou de direi-
tos é ilícita, uma vez que “…a ilicitude implica, simplesmente, a inobser-
vância do direito”31.
Contudo, condutas que, à partida, seriam ilícitas, tornam-se líci-
tas, atendendo às causas de justificação como: a acção directa; o estado
de necessidade; a legítima defesa; o consentimento do lesado; o cumpri-
mento de um dever e o exercício de um direito. Assim, para que uma con-
duta seja considerada ilícita, é necessário que viole um direito subjectivo
absoluto ou uma norma de protecção e que não tenha nenhuma causa de
justificação.

2.3.3.  A culpa

A culpa é um dos pressupostos da responsabilidade civil, considerando


a lei, no seu artigo 483.º n.º 2, excepcionais os casos de responsabilidade civil
sem culpa. Nestes casos estamos no âmbito da responsabilidade objectiva,
esta requer apenas o nexo causal e o efectivo dano e é adoptada somente em
circunstâncias expressas na lei, sendo excepção à regra da teoria da culpa,
com origem na chamada teoria do risco.
O pressuposto da culpa estabelecida no artigo 483.º n.º 1, que admite
duas formas de culpa, o dolo e a negligência, exige que o acto seja impu-
tável ao agente e que este haja procedido com culpa, mera culpa, ou dolo,
ou seja, o agente deveria ter usado uma diligência que não empregou, ou

não deixa de ser uma forma de ilicitude. Cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Con-
selhos, Recomendações ou Informações, pág. 177. Vide também Menezes Leitão, Direito
das Obrigações Vol. I, pág. 274.
31
  Menezes Cordeiro, Tratado II Tomo III, cit. da pág. 444.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 507

devia ter previsto o resultado ilícito a fim de o evitar; ou se o previu não fez
o necessário para o evitar. Essa diligência exigível é obtida pela determi-
nação de um padrão. O nosso Código Civil adopta, no n.º 2 do artigo 487.º,
o princípio da apreciação em abstracto, utilizando a figura do “bom pai de
família”, ou seja, um Homem de diligência normal, mas também determina
o artigo 487.º n.º 2 in fine que na determinação da culpa dever-se-á atender
ainda às circunstâncias de cada caso.
Tradicionalmente aferem-se três graus de culpa:
a) a culpa grave ou grosseira: é aquela em que apenas incorreria uma
pessoa extremamente negligente;
b) a culpa leve: é aquela em que um Homem de diligência média,
“um bom pai de família”, não incorreria;
c) a culpa levíssima: aquela em que apenas uma pessoa extremamente
diligente não incorreria.

Entende-se hoje a culpa como uma realidade normativa: ela traduz um


juízo de censura ao agente, formulado pelo Direito, relativamente à conduta
ilícita do agente (positiva ou negativa) quando este poderia ou deveria ter
adoptado outro comportamento32-33Estamos na denominada responsabili-
dade subjectiva34.
É importante a distinção entre dolo e diligência, pois se o agente agiu
com dolo, ou seja, com intenção de prejudicar, considera-se a sua conduta
ilícita, caso se verifique a lesão de um direito subjectivo alheio ou de inte-
resses alheios protegidos por uma norma de protecção. Contudo, em caso
de actuação negligente, ou seja, quando há o incumprimento não intencio-
nal de regras ou deveres de cuidado, fruto muitas vezes de imprudência e
leviandade, apenas haverá ilicitude no caso de o agente ter violado um dever
objectivo de cuidado. Assim, encontramos na negligência não apenas a culpa
mas também um requisito de ilicitude35.

32
  Santos Júnior, Direito das Obrigações I, pág. 322.
33
 Cfr. Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág.
324, segundo o autor a culpa deve reportar-se à lesão do direito alheio ou da norma de
protecção e não aos danos que decorrem do acto.
34
  Galvão Telles, Direito das Obrigações, pág. 347 a 350.
35
 Vide Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, pág. 298.
508 Temas de Direito dos Transportes III

A doutrina faz distinção de três tipos de dolo:


a) Dolo directo: o agente actua directamente contra a norma, de
forma a praticar um determinado facto, porque tem a intenção de
alcançar o resultado ilícito36;
b) Dolo necessário: a actuação do agente visa a obtenção de um fim
lícito, mas a sua actuação determina inevitavelmente um acto ilí-
cito e o agente aceita-o;
c) Dolo eventual: a actuação do agente visa a obtenção de um fim
lícito, mas este tem consciência que da sua actuação pode resultar
um resultado ilícito e ainda assim pratica o acto, conformando-se
com o resultado.

Quanto à negligência ou “mera culpa” esta pode assumir dois graus


distintos:
a) Negligência consciente: o agente conhece as normas ou os deve-
res de cuidado mas, ainda assim, viola-os, pois não acredita que
a sua conduta possa provocar danos;
b) Negligência inconsciente: o agente não tem conhecimento das
normas ou dos deveres de cuidado a que estava obrigado, por isso
nem sequer representa a possibilidade da sua actuação vir a pro-
vocar um dano.

2.3.3.1.  Prova da culpa

Na responsabilidade aquiliana, estamos perante a chamada prova dia-


bólica, uma vez que nos termos do artigo 487.º n.º1 é ao lesado que cabe
o ónus da prova, ou seja, é o lesado que tem que fazer prova da culpa do
autor da lesão.
Como já referimos supra, na responsabilidade aquiliana, não existe
uma obrigação prévia específica, e se houvesse inversão do ónus da prova,
tal faria perigar todo o sistema, pois nasceriam imensas pretensões indem-
36
  Em opinião contrária Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabi-
lidade Civil, Pág. 326, defende que a actuação será dolosa sempre que o agente não cumpra,
tendo a consciência de estar a faltar ao seu dever, ainda que não tenha a consciência ou a
intenção de causar prejuízos. A intenção ou consciência de prejudicar, apenas releva quando
a lei o exige como, por exemplo, são os casos dos artigos 612.º n.º 2 e 1681.º.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 509

nizatórias, o que levaria inevitavelmente ao comprometimento da liberdade


genérica de agir de cada um.
No entanto, a lei estabelece algumas presunções ilidíveis de culpa, veri-
ficando-se, nesses casos, uma inversão do ónus da prova, pelo que, sendo
assim, cabe ao lesante provar que não teve culpa, nomeadamente: danos
causados por incapazes; danos derivados de edifícios ou outras obras; danos
causados por coisas ou animais; danos derivados do exercício de activida-
des perigosas. Esta inversão verifica-se, porque, nestas situações, existe uma
fonte identificada de riscos e perigos, o que origina especiais deveres de trá-
fego, ao sujeito responsável. Verificando-se um dano, fruto de uma destas
situações, presume-se que esses deveres foram violados.

2.3.3.2.  Causas de exclusão da culpa

A culpa é aferida atendendo aos critérios da actuação de “um bom pai


de família” e atendendo às circunstâncias do caso concreto, ou seja, deter-
mina-se qual seria a actuação de um Homem de diligência normal naque-
las circunstâncias, e estabelece-se um juízo de censura, em relação ao seu
comportamento.
A par da ilicitude, também a culpa pode ser excluída quando ocorram
as seguintes causas: erro desculpável; medo invencível e desculpabilidade.
Sucintamente, poderemos referir que: o erro desculpável verifica--se
quando a actuação do agente foi o resultado de um erro ou de uma falsa rea-
lidade que determinou o seu comportamento, não sendo esse erro censurá-
vel. Temos como exemplo o erro desculpável sobre os pressupostos da acção
directa ou da legítima defesa, nos termos do artigo 338.º; o medo invencível
dá-se quando este impediu o agente de tomar a conduta correcta, ou seja,
o agente deveria ter tomado uma conduta, mas não o fez por se encontrar
dominado por um medo invencível, como por exemplo o previsto no n.º 2 do
artigo 337.º; finalmente a desculpabilidade, que ocorre quando as circunstân-
cias que levaram ao facto são de tal forma excepcionais, que excluem a culpa.
Alguns autores como Menezes Leitão referem ainda o concurso de
culpa entre o lesante e o lesado37, com base no artigo 570.º que prevê a redu-
ção ou mesmo a exclusão da indemnização.

37
  Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, pág. 311/312.
510 Temas de Direito dos Transportes III

2.3.4.  O dano

O dano consiste no prejuízo causado aos bens juridicamente protegi-


dos de um indivíduo. Nas palavras de Menezes Leitão é “…a frustração
de uma utilidade que era objecto de uma tutela jurídica.”38, pelo que o “…
dano jurídico vem aferido à lesão de interesses juridicamente tutelados
pelo Direito…”39. Tal como resulta do artigo 483.º n.º 1, este não estabelece
a obrigação de indemnizar prejuízos, mas a obrigação de os indemnizar,
quando estes resultem da violação de um direito de outrem, ou de uma dis-
posição legal destinada a proteger interesses alheios.
O dano é uma condição essencial da responsabilidade, ainda que haja
um comportamento ilícito e culposo, por parte do agente; se o dano não se
verificar, não há lugar à responsabilidade.
Não nos propomos aprofundar a questão pelo que referimos apenas
os diversos tipos de dano: dano em sentido real e em sentido patrimonial;
danos emergentes e lucros cessantes; danos presentes e danos futuros; danos
patrimoniais e danos não patrimoniais ou morais e dano morte.

2.3.5.  O nexo de causalidade entre o facto e o dano

Vimos, no ponto anterior, que o artigo 483.º n.º 1 limita a obrigação de


indemnizar aos danos resultantes da violação de um direito de outrem ou de
uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Ora, tal implica que “os danos da violação” sejam originados pelo com-
portamento ilícito e culposo do agente, ou seja, esse comportamento tem que
ser a causa do dano, verificando-se, assim, o nexo causal entre o facto e o dano.

2.4.  Pressupostos da responsabilidade obrigacional

2.4.1.  Considerações gerais

O artigo 798.º estipula que “o devedor que falta culposamente ao cumpri-


mento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

38
  Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, cit. pág. 314.
39
  Menezes Cordeiro, Tratado II Tomo III, cit. pág. 512.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 511

Deste preceito ressaltam os mesmos pressupostos que se apresentaram


para a responsabilidade delitual40.
Senão vejamos:
a) “O devedor que…”: corresponde ao facto voluntário do agente;
b) “…falta…ao cumprimento da obrigação…”: corresponde à ilici-
tude, que neste caso resulta do não cumprimento de uma obrigação;
c) “…culposamente…”: exige-se também o requisito da culpa;
d) “…torna-se responsável pelos prejuízos”: é claro o pressuposto do
dano; e
e) “que causa ao credor”: que corresponde ao nexo de causalidade
entre o facto do devedor e o dano sofrido pelo credor.

No entanto, encontramos um regime próprio, no caso de incumpri-


mento das obrigações plurais passivas, constante do artigo 520.º; nas obri-
gações indivisíveis, constante no artigo 537.º; e nas obrigações alternativas,
constante no artigo 546.º41.

2.4.2.  Os pressupostos

O facto voluntário do agente corresponde, na responsabilidade obri-


gacional, em regra, a uma omissão, ou seja, o agente deveria ter praticado
um facto e não o fez. Pelo que faltou ao seu cumprimento. É precisamente
nesta falta de cumprimento ou no cumprimento defeituoso dos deveres esti-
pulados no contrato, que consiste a ilicitude do facto.
Para além do facto voluntário e da ilicitude, também se exige a culpa,
ou seja, só pode haver lugar à responsabilidade quando atendendo às cir-
cunstâncias concretas o devedor poderia e deveria ter cumprido ou cum-
prido sem defeitos. É necessário atender a essas circunstâncias, pois muitas
vezes os devedores encontram-se impedidos de cumprir por razões de força
maior, quer devido a condutas propositadas dos credores, quer por razões
que lhes dizem respeito42.
40
 V.g. Brandão P roença , Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das
Obrigações, pág. 219.
41
  Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações,
pág.220.
42
  Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações,
pág. 223.
512 Temas de Direito dos Transportes III

E como o artigo 799.º n.º 2 remete para a responsabilidade civil, logo


para o 487.º n.º 2, na aferição da culpa deveremos também utilizar o crité-
rio do bónus pater famílias.
Quanto à prova da culpa, como já foi referido anteriormente, decorre
do artigo 799.º n.º 1 a presunção de culpa do devedor pelo incumprimento
ou pelo cumprimento defeituoso, pelo que é a este que cabe demostrar que
não teve culpa no incumprimento ou no cumprimento defeituoso, contraria-
mente ao que se passa na responsabilidade delitual que, por força do artigo
487.º n.º 1, é ao lesado que cumpre fazer a prova da culpa do autor da lesão.
Quanto aos danos sofridos pelo credor, fruto do incumprimento defini-
tivo, da mora, ou do cumprimento defeituoso, são ressarcidos pela indemni-
zação, que se denomina de indemnização pelo “interesse contratual positivo”
e tem por fim substituir a prestação não efectuada e de reparar o cumpri-
mento tardio ou defeituoso, ou seja, visa o pagamento de um equivalente
pecuniário pelo incumprimento do contrato43. Assim, esta indemnização
tem uma finalidade distinta da estipulada no artigo 562.º, que se aplica nos
casos da resolução de contrato, e que visa reconstituir a situação que existi-
ria se não se tivesse verificado o evento que originou a obrigação de indem-
nizar. Abrangendo, assim, danos patrimoniais posteriores, como os danos
emergentes, os lucros cessantes ou indemnizações a terceiros e os danos
não patrimoniais.
Também o nexo de causalidade entre o facto do devedor, que vimos
supra ser em regra uma omissão, e o dano é um dos requisitos da responsa-
bilidade obrigacional. Pelo que, para que esta se verifique é imperioso que
o dano sofrido pelo credor tenha sido causado pelo comportamento ilícito
e culposo do devedor.

2.5.  Terceira via da responsabilidade civil

Na doutrina quer nacional44 quer estrangeira45, existem autores que,


para a resolução de determinadas questões, não encontram a solução na

43
 Cfr. Brandão P roença , Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das
Obrigações, pág. 235 e 280 e sgts.
44
  Por exemplo Menezes Leitão, Carneiro da Frada (defensores de forma explicita)
e Baptista Machado e Sinde Monteiro (de forma implícita).
45
 Nomeadamente Claus-Wilhelm Canaris e Picker.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 513

divisão clássica da responsabilidade civil, ou seja, nem na responsabilidade


contratual ou obrigacional, nem na responsabilidade aquiliana ou extrao-
brigacional, mas sim numa terceira via da responsabilidade civil, também
designada por “tertium genus”.
Esta via intermédia da responsabilidade civil surge para dar resposta
a uma série de casos, como a culpa in contrahendo, prevista no artigo 227.º
do Código Civil, a violação positiva do crédito ou o contrato com eficácia
de protecção para terceiros e é maioritariamente identificada no âmbito da
responsabilidade pela confiança46.
Os autores que defendem a terceira via da responsabilidade civil, argu-
mentam que esta se justifica em virtude da necessidade de tutela de situações
jurídicas que não se encontram no regime geral da responsabilidade civil,
como a confiança dos investidores e o regular funcionamento do mercado47.
Assim, temos como base da “terceira via”, a importância da responsa-
bilidade pela confiança48,que resulta de deveres surgidos no âmbito de uma
relação específica entre as partes, que impõem a tutela da confiança49 no
âmbito do tráfego negocial.

46
  Carneiro da Frada, Danos Económicos Puros, Ilustração de uma Problemática,
In Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Vol. II, pág. 154.
47
  A este propósito o artigo de Menezes Leitão, A responsabilidade civil do auditor
de uma sociedade cotada, neste artigo a propósito das decisões tomadas com base na
confiança depositada nos auditores diz o autor “…que culposamente tenham contribuído,
por meio de auditorias defeituosas, para a decisão de aquisição dos valores mobiliários,
que se tenha revelado ruinosa ou prejudicial para os adquirentes. Essa responsabilização,
que actualmente consta de lei expressa, necessita, porém, de um enquadramento dentro do
nosso sistema de responsabilidade civil. Por esse motivo, há que ponderar, perante a análise
dos seus pressupostos, se se deve efectuar o enquadramento da responsabilidade do auditor
no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições
legais de protecção (arts. 483.° e ss.) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações
(arts. 798.° e ss.) ou se se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade
que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a
responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade
civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado, na esteira de Canaris, de
uma terceira via de responsabilidade Civil.”.
48
  A esse respeito vide Baptista Machado em Tutela da confiança e “venire factum
proprium”, in Revista da Legislação e Jurisprudência 117, pág. 282, livro 117, cit.: “A con-
fiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode
deixar de tutelar…”.
49
  Dário Moura Vicente, Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Inter-
nacional Privado, cit. pág. 40 “…constitui uma das funções primordiais da ordem Jurídica
(…) constitui um princípio concretizador do Estado de Direito”.
514 Temas de Direito dos Transportes III

Pelo que não se deverá aplicar na totalidade o regime da responsabili-


dade obrigacional ou delitual, mas antes inclui-la no âmbito da terceira via
da responsabilidade civil50.
Menezes Leitão faz expressa menção, a uma terceira via de responsabi-
lidade civil, para abranger a violação de deveres específicos. Nesse âmbito,
analisa alguns institutos de forma a ponderar a sua autonomização, quer da
responsabilidade obrigacional, quer da delitual, tais como: a responsabili-
dade pré-contratual, a responsabilidade pós-contratual, o contrato com efi-
cácia de protecção para terceiro e a relação corrente de negócios51.
Também Carneiro da Frada aderiu a esta corrente, admitindo que exis-
tem situações de responsabilidade que não se podem enquadrar nas duas
formas consagradas pelo Código Civil, defendendo, assim, a admissibilidade
da responsabilidade intermédia como um imperativo52.
A doutrina que defende a responsabilidade intermédia, chama a aten-
ção, para figuras como a responsabilidade in contrahendo, regulamentada
pelo artigo 227.º do Código Civil, que não pode ser classificada nem como
contratual nem como delitual, sendo assim uma forma de responsabilidade
sui generis.53
Já Almeida Costa54, não adere à terceira via, defendendo que as duas
modalidades existentes são amplas e flexíveis permitindo regulamentar
todas as situações. O autor, a este propósito, coloca a seguinte questão:
“Até quando a unidade dogmática do instituto da responsabilidade civil
resistirá a uma tendência crescente para a sua fragmentação?”55.
Menezes Cordeiro considera inaceitável o recurso à terceira via “como
forma de reduzir o que chamamos de paracontratualidade”56, admitindo,
no entanto, o seu interesse nos deveres de tráfego, que entende resulta-
rem não da boa-fé57 mas da responsabilidade aquiliana, pelo que entende

50
  Menezes Cordeiro, Tratado II Tomo III, pág. 402, coloca a questão de saber qual o
regime a aplicar pela “terceira via”, uma vez que os autores que a defendem não são claros
quanto ao mesmo.
51
  Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 352 a 365.
52
  Carneiro da Frada, Uma Terceira Via da Responsabilidade no Direito da
Responsabilidade Civil, pág. 86.
53
 Idem.
54
  V.g. Também Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, pág. 224 a 236.
55
  Mário Júlio de Almeira Costa, Direito das Obrigações, pág. 539.
56
  Menezes Cordeiro, Tratado II, Tomo III, pág. 402.
57
  Menezes Cordeiro, Tratado II, Tomo III, cit. pág. 455: “A boa-fé surge, cultural e
cientificamente, como um instituto da área obrigacional não da área aquiliana. A técnica

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 515

ser a terceira via “não mais que uma dependência da responsabilidade


aquiliana”58.
Assim, a terceira via da responsabilidade civil, que visa sancionar a vio-
lação de deveres específicos no mundo dos negócios, possibilita, por exemplo,
o ressarcimento de danos patrimoniais puros59, que de outra forma, e segundo
os apologistas desta doutrina, ficariam inadmissivelmente por ressarcir.
Contudo, e apesar da “terceira via da responsabilidade” nos ser extre-
mamente apetecível, parece-nos mais sensato estabelecer uma responsabili-
dade pela violação de deveres a uma responsabilidade com base na confiança.

3. Evolução histórica da responsabilidade do transportador

3.1. O Direito romano

As primeiras normas costumeiras internacionais de direito marítimo


foram surgindo entre os séculos XIV a.C. a X d.C., fruto da navegação reali-
zada pelos fenícios, que tinham rotas de comércio da Ásia ao Mediterrâneo.
Aponta-se o Código de Hammurabi, como o documento legislativo da
antiguidade, que continha diversas disposições sobre, entre outras, a respon-
sabilidade do transportador, apesar de alguns autores indicarem o Código
de Manou como a mais relevante peça da antiguidade60.
Fruto do impulso marítimo, que se viveu na antiguidade helénica, surge
a Lex Rhodia de Jactu (475-479 a.C.), que é a primeira compilação de leis e
usos marítimos, e apesar de ser Direito helénico, esta tornou-se conhecida
pela sua integração no Digesto61. É esta lei que está na base da nossa defi-
nição de avaria grossa62. Esta lei dizia que, sempre que um navio se encon-

básica da boa-fé é a de enriquecer o dever de prestar, com novas pretensões de conduta


específica. No campo aquiliano, há outros instrumentos mais adequados, como o dos de-
veres de tráfego.”
58
  Menezes Cordeiro, Tratado II, Tomo III, pág. 402 e 403.
59
  Sobre esta questão ver, entre outros, Adelaide Menezes Leitão, Normas de Protec-
ção e Danos Puramente Patrimoniais; Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos,
Recomendações ou Informações; Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsa-
bilidade Civil.
60
  Luís da Costa Diogo; Rui Januário, Direito Comercial Marítimo, pág. 22, Nt. 3.
61
  Luís da Costa Diogo; Rui Januário, Direito Comercial Marítimo, pág. 22.
62
  A respeito da avaria grossa, Vide, Januário da Costa Gomes, Direito Marítimo,
Vol IV, Acontecimentos de Mar, Crf. pág. 34 a 93.
516 Temas de Direito dos Transportes III

trasse em perigo, o capitão, para proteger o mesmo, poderia lançar ao mar


a mercadoria, sendo o prejuízo dividido entre os proprietários da mercado-
ria e do navio.
Mas é no Corpus Iuris Civilis de Justiniano, que se consagra o trans-
porte marítimo de mercadorias, que veio a influenciar os direitos da famí-
lia romano-germânica. E o seu conhecimento é de fulcral importância pois
é dele que brotam “os aspectos que têm sido invocados ora para comparar
com o Direito actual, ora para conhecer as suas raízes”63.
Relativamente ao contrato de transporte marítimo de mercadoria, avan-
çam-se três fases anteriores à época justiniana. A anterior ao Edictum de
Recpto (as reptum, consistiam num conjunto de acções processuais que
tinham por base uma responsabilidade por custódia) e a posterior à exceptio,
esta veio afastar a responsabilidade do transportador pelos danos ou perdas
da mercadoria causadas por naufrágio ou actos de pirataria. Tal indica que
anteriormente à excptio a responsabilidade do transportador era total. Ora,
o transportador só respondia através da receptum quando tivesse assumido
a obrigação do transporte por um pactum.
Mas o que se verificava era uma locação do navio, denominada por
locatio-conductio, o armador do navio era denominado de conductor. A
locação podia incidir sobre parte ou a totalidade do navio ou sobre as merca-
dorias que o conductor se obrigava a transportar, estando neste caso perante
um contrato de transporte de mercadorias64.
Relativamente ao transporte da mercadoria, era obrigação do conduc-
tor fornecer um navio em estado de navegabilidade, pelo que não lhe seria
imputável a não realização da viagem devido a doença ou estado de inave-
gabilidade do navio, desde que esse estado não tivesse resultado de negli-
gência ou culpa do armador, relativamente aos efeitos produzidos por essa
locatio-conductio, avança Santos Justo, dada a falta de resposta nas fontes,
a possibilidade de aplicação do regime normal, sendo que os riscos onera-
vam o próprio navio enquanto locador65.

63
  Santos Justo, Contrato de Transporte Marítimo (Direito romano justinianeu) e
Breves Reflexos no Direito Português, pág. 279.
64
  Santos Justo, Contrato de Transporte Marítimo (Direito romano justinianeu) e
Breves Reflexos no Direito Português, pág. 283.
65
  Santos Justo, Contrato de Transporte Marítimo (Direito romano justinianeu) e
Breves Reflexos no Direito Português, pág. 284.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 517

O transportador era considerado responsável pelas mercadorias trans-


portadas no navio, pelo que tinha a obrigação de devolver a mercadoria que
lhe havia sido entregue66.
Já no direito romano o transportador podia exonerar-se da sua respon-
sabilidade, quer por acordo com o carregador, quer nos casos da exceptio.

3.2. O Harter Act de 1893

As primeiras disposições que foram consagradas, ao longo do século


XIX, sobre a responsabilidade do transportador, estipulavam que os trans-
portadores eram responsáveis pela mercadoria em todos os casos, podendo
apenas exonerarem-se, excepcionalmente, quando o dano na mercadoria
fosse causado por “um acto de Deus” ou por actos do carregador.
Contudo, durante a segunda metade do século XIX estes princípios são
abandonados e, fruto do princípio da liberdade contratual67, tornou-se prá-
tica a inclusão nos contratos de cláusulas de exoneração da responsabilidade
dos transportadores (negligence clauses), que permitiam ao transportador
exonerar-se da sua responsabilidade.
Como resultado desta liberdade contratual, o que se verificou foi uma
quase total irresponsabilidade do transportador, face aos danos sofridos pelas
mercadorias, mesmo quando estes eram provocados pela sua negligência68.
Face a esta situação os Estados Unidos da América, na altura um país
de carregadores, que se encontravam subordinados às condições impostas
pelos transportadores ingleses, aprovou a 13 de Fevereiro de 1893, no Con-
gresso, o Harter Act, que foi o instrumento que esteve na origem de um
regime internacional unificado e que pretendia regulamentar o transporte
marítimo de mercadorias e a responsabilidade do transportador69, nomea-
damente estabelecendo limites à exoneração da sua responsabilidade.

66
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 25.
67
  A este respeito, cfr. Carlos Oliveira Coelho, Três Datas, um Século de Direito
Marítimo, pág. 632.
68
  Hugo R amos A lves, Da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, pág. 26 e Ignácio Arroyo, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário
de Derecho Marítimo, Vol. XXVII, pág. 26, cit.: “…la autonomia de la voluntad terminó
de facto com las obligaciones inherentes al contrato de transporte…”.
69
  Januário da Costa Gomes, Temas de Direito dos Transportes, pág. 12.
518 Temas de Direito dos Transportes III

Com o Harter Act, pretendeu-se atenuar o pesado regime legal da res-


ponsabilidade do transportador, mas simultaneamente proibir o recurso às
negligence clauses. Consequentemente, manteve-se a presunção de responsa-
bilidade do transportador, mas alargou-se as causas de exoneração, como por
exemplo a falta náutica70-71, e a consagração taxativa dos excepted perils72.
O Harter Act considerava o conceito de navegabilidade do navio, tendo
o legislador consagrado as situações em que o transportador não seria res-
ponsável, nomeadamente nos denominados casos fortuitos:“Acts of God”,
previstos na secção 192; actos de inimigos públicos; defeito da mercadoria
transportada; actos ou omissões do proprietário do navio; salvamentos de
vida ou mercadoria e desvios para realizar esse salvamento; entre outros e
o conceito de diligência devida, que implica que o navio estivesse devida-
mente equipado, a fim de concluir a viagem73.
Poderemos apontar como causas exoneratórias da responsabilidade
por danos na mercadora, anteriormente ao Harter Act os “Acts of God”,
destruição causada por piratas ou países em guerra e fogo e com o Har-
ter Act os erros de navegação ou manuseamento do navio; actos de Deus;
embalagem defeituosa, apreensão da mercadoria pelas autoridades; actos
ou omissões do proprietário do navio; desvios para realizar salvamento de
vidas ou mercadorias.
Contudo o transportador só poderia beneficiar das causas de exclusão
acima enumeradas, caso cumprisse os três seguintes requisitos: ter a carga
devidamente armazenada e arrumada; ter o navio devidamente armado, equi-
pado e aprovisionado e encontrar-se o navio em condições de navegabilidade.
Efectivamente, mais não se pretendia que conjugar os interesses confli-
tuantes dos carregadores e dos transportadores e pôr fim a uma situação de
franco desequilíbrio, o que se alcançou com sucesso, uma vez que foi pos-
sível incorporar no seu texto soluções que foram aceites por carregadores e
transportadores. Sendo que, pela primeira vez, se regulamentou o contrato
de transporte, tendo em atenção interesses contrapostos, afirmando-se por

70
  Mário R aposo, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 271.
  É com o Harter Act, que se distingue a falta náutica da falta comercial. Este es-
71

tabelece a irresponsabilidade do armador no que respeita às faltas náuticas. Cfr. Carlos


Oliveira Coelho, Três Datas, um Século de Direito Marítimo, pág. 634.
72
  Que apenas poderiam ser invocados na fase náutica, cfr. Carlos Oliveira Coelho,
Três Datas, um Século de Direito Marítimo, pág. 635.
73
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, Pág. 28 a 30.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 519

isso que o Harter Act “marca a primeira fase da evolução que vai condu-
zir às soluções contemporâneas”74.
Assim, a Internacional Law Association conjuntamente com o CMI
(Comité Marítimo Internacional) pretenderam mundializar tais soluções,
surgindo, as Regras de Haia de 1921, que acabaram por ceder perante a
Convenção de Bruxelas de 1924 sobre conhecimentos, elaborada pelo CMI,
Convenção que teve um grande acolhimento75.

3.3. Convenção internacional para a unificação de certas regras


em matéria de conhecimentos de carga

3.3.1.  Considerações gerais

A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em


Matéria de Conhecimentos de Carga também conhecida por Regras de
Haia, entrou em vigor a 2 de Junho de 1931.
Surgiu em 1924 com vista a solucionar a contraposição de interesses
de carregadores e transportadores, pretendendo criar um regime normativo
unificador e evitar os problemas inerentes aos conflitos das diversas legis-
lações nacionais, embora, e parafraseando Nuno Castello-Branco, não seja
uma lei uniforme, apesar de ter tido esse resultado, quer pelo facto de alguns
países signatários terem criado leis internas com preceitos idênticos, quer
por remeterem para a própria convenção76.
Foi o caso de Portugal, que por força do artigo 1.º do DL 37,748 de
1 de Fevereiro de 195077 e ainda hoje por força do DL n.º 352/86 de 21 de
Outubro, aplica o regime da Convenção aos transportes marítimos internos.
Pelo que poderemos considerá-la como um corpo de direito uniforme,
que contém normas de direito internacional privado material, que se aplica

74
  Carlos Oliveira Coelho, Três Datas, um Século de Direito Marítimo, cit. pág.
633; e cfr. R icardo Toledo, Las Reglas de Roterdam y el Unasur, anuário de Derecho
Marítimo, Vol. XXVII, pág. 267.
75
  M ário R aposo, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 271 e
Transporte Marítimo de Mercadorias. Os problemas, pág. 42.
76
  Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág. 251.
77
  Mário Raposo, Transporte Marítimo de Mercadoria. Os problemas, pág. 50, cit.:“
A Convenção fazia parte da ordem jurídica portuguesa desde a sua ratificação, quase vinte
anos antes.”.
520 Temas de Direito dos Transportes III

ao transporte entre portos de países diferentes, ou seja, aplica-se aos trans-


portes internacionais78.
Contudo, estão fora do âmbito da Convenção o transporte de animais
vivos e o transporte de mercadorias no convés.
Esta tem como base o conhecimento de carga79 e não o contrato de
transporte, pelo que este não é regulamentado no seu todo, limitando-se a
estabelecer o mínimo das obrigações do transportador e o máximo das suas
exonerações, o valor da indemnização por avarias de carga e os procedimen-
tos a seguir no caso de reclamação por avarias da mesma80.

3.3.2.  Âmbito de aplicação

Quanto ao âmbito de aplicação espacial, o seu artigo artigo 10.º, que


diz: As disposições da presente Convenção aplicar-se-ão a todo o conhe-
cimento criado num dos Estados contratantes, levantou dúvidas e debate
na doutrina sobre a internacionalidade da mesma81. Nessa clivagem doutri-
nária foi defendida, por uns, a internacionalidade objectiva82 e por outros a
internacionalidade subjectiva83.
Entendemos que, para que se verifique a sua aplicação, é necessário
que a emissão do conhecimento seja feita num Estado contratante e exista a
internacionalidade do transporte. Quando a emissão do conhecimento não
seja realizada num Estado contratante, os tribunais têm que determinar a lei
nacional competente, recorrendo ao Direito de conflitos geral84.

78
  Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág. 252.
79
  Podendo este ocorrer em virtude de um contrato titulado por uma charter – party,
nos termos do artigo 1.º b), cfr. Nuno Castello-Branco, Da Disciplina do Contrato de
Transporte Internacional de Mercadoras por Mar, pág. 32.
80
  Luís de Lima Pinheiro, Direito Aplicável ao Contrato de Transporte Marítimo de
Mercadorias, Pág. 165.
81
  “ …Ao remeter a emissão do conhecimento de carga no território dos Estados
contratantes, pode ser interpretado como abrangendo o transporte interno…”, Hugo R amos
Alves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas
de 1924, cit. pág. 41.
82
  Quando o porto de destino e o de partida se encontrem situados em Estados con-
tratantes diferentes.
83
  Quando o conhecimento fosse detido pelo nacional de um Estado contratante
diferente do Estado onde este tivesse sido emitido.
84
  Luís Lima P inheiro, Direito Aplicável ao Contrato de Transporte Marítimo de
Mercadoria, A.O., pág. 5/6.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 521

3.3.3.  Arco temporal

Relativamente ao arco temporal da Convenção, a disciplina imperativa


da Convenção é destinada a regulamentar as operações entre o carregamento
e o desembarque das mercadorias, incluindo também estas duas operações85.
Assim, o período de transporte abrange o tempo decorrido desde que
as mercadorias são carregadas a bordo do navio, até ao momento em que
são descarregadas86.
Sendo também da responsabilidade do transportador, ainda que não
sejam por ele executadas, as obrigações de preparar o navio, de o armar e
equipar e de o colocar em estado de navegabilidade87.

3.3.4.  O conhecimento de carga e as reservas

3.3.4.1.  O conhecimento de carga

Esta convenção visa regulamentar aspectos do contrato de transporte


em que exista um conhecimento de carga, ficando, assim, de fora os con-
tratos que sejam celebrados numa carta-partida88 e aqueles em que não seja
emitido um documento negociável, apesar de este não ser o entendimento
de Nuno Castello-Branco89.

85
  Azevedo Matos, Princípios de Direito Marítimo, pág. 225.
86
  Francesco Berlingieri, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the
Hamburg Rules and the Rotterdam Rules, Pág. 5, cit.: “…from the beginning of loading of
the goods on the ship to the completion of their discharge from the ship… there are periods
when the goods are in the custody of the carrier to which the Hague-Visby Rules do not
apply. That creates uncertainty, because the rules applicable may vary from port to port”.
87
  Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág. 255/256 e Carlos Górriz
López, Contrato de Transporte Marítimo Internacional Bajo Conocimiento de Embarque,
pág. 46.
88
  Vasconcelos Esteves, Fretamento de Navio para Transporte de Mercadorias, faz a
distinção entre contrato de fretamento e contrato de transporte assim como de carta partida
e conhecimento de carga. Ver págs. 308 a 310. Pág. 308 cit.: “ …contrato de fretamento em
que uma parte (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição
um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma remuneração
pecuniária denominada de frete”. Esse contrato é denominado por carta partida.
89
  Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág. 256 a 257, cit.: “…a ser
assim, seria ameaçada a imperatividade do regime uniforme, pois que, para se furtar a
este, ao transportador bastaria evitar a emissão do conhecimento de carga….se quisermos
522 Temas de Direito dos Transportes III

Temos, assim, que esta Convenção não assenta num contrato de trans-
porte, mas sim no conhecimento de carga, cuja emissão é considerada, pela
maioria da doutrina, como um requisito para a sua aplicação.
Este tem, entre outras, as funções de provar a existência do contrato
de transporte e de aposição de reservas que são da maior importância para
a limitação ou exoneração da responsabilidade do transportador90.
Assim, quer o artigo 1.º b), que define o contrato de transporte como
como aquele que é provado por um conhecimento ou por qualquer docu-
mento similar, servindo este de título de transporte de mercadorias por
mar, quer o artigo 10.º que determina o âmbito da sua aplicação, com base
num conhecimento emitido num dos Estados contratantes, determinam ser
imprescindível a existência de um conhecimento de carga para a aplicabi-
lidade da Convenção91.
O conhecimento de carga assume três importantes funções:
1) Função probatória: é o conhecimento de carga que atesta a cele-
bração do contrato de transporte, constando deste informação pri-
vilegiada como o porto de embarque e desembarque, a quantidade
e natureza da mercadoria;
2) Função de recibo: pois prova que o expedidor entregou as merca-
dorias ao transportador e que este as recebeu, sendo importantís-
sima para determinação da responsabilidade pelos danos sofridos,
visto que nela se inscrevem a quantidade da mercadoria, o tipo de
embalagem e, a existirem, as reservas apostas pelo transportador;
3) Função de título representativo das mercadorias: pois este, tal
como um título de crédito, é transmissível e dá ao seu portador o
direito de exigir a entrega da mercadoria92.

garantir a imperatividade desejada pelos Estados …haveremos de considerar integrados


no âmbito material da convenção, não apenas os transporte efectivamente titulados por
um conhecimento de carga, mas, outrossim, aqueles em que, não tendo sido emitido um
conhecimento, tal emissão deveria ter ocorrido”.
90
  Mas estas não constituem cláusulas exoneradoras da responsabilidade.
91
  A este respeito, cfr. Hugo R amos Alves, Da Limitação da Responsabilidade do
Transportador na Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 48/49 e Nuno Castello-Branco,
Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 233.
92
  Carlos G órriz L ópez , Contrato de Transporte Marítimo Internacional Bajo
Conocimiento de Embarque, pág. 36/37 sobre os documentos similares, considera a carta
de porte marítimo “sea waybill” e afasta a carta partida.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 523

3.3.4.2.  As reservas

A Convenção, no seu artigo 3.º n.º 4, estabelece a presunção de que as


mercadorias foram recebidas pelo transportador de acordo com as indicações
constantes no conhecimento de carga, pelo que, e de forma a afastar essa
presunção, pode o transportador realizar a aposição de reservas93, apesar de
estas não constituírem cláusulas de exclusão da responsabilidade, até por-
que se tivessem essa pretensão seriam nulas face ao regime da Convenção,
indicando que as mercadorias não se encontram em conformidade com as
indicações inscritas pelo carregador no conhecimento de carga.
Contudo, este artigo gerou grande debate na doutrina, porque a aposi-
ção de reservas é uma prática que remonta ao século XVIII, tendo-se tor-
nado habitual no século XIX, com a generalização dos conhecimentos de
carga. A eficácia das reservas foi reconhecida, pela primeira vez, em 1916,
por um tribunal dos Estados Unidos, ao consagrar que o transportador pode-
ria fazer reservas quanto ao peso e quantidade das mercadorias. Porém, na
Convenção de Bruxelas de 1924, não se consagra, claramente, a validade
das reservas, estabelecendo o seu artigo apenas a presunção de que a mer-
cadoria foi recebida pelo transportador nos termos em que se encontra des-
crita no conhecimento.
Veio, assim, este artigo gerar controvérsia na doutrina. Há doutrina a
defender que as reservas apostas pelo transportador, não são oponíveis ao
portador do conhecimento de carga, visto que este tem, precisamente, a fun-
ção de gerar confiança e proteger o portador. É desta opinião, por exemplo,
Nuno Castello-Branco, que defende que o artigo 3.º n.º 4 estabelece uma
presunção inilidível, pois o seu afastamento faria perigar a segurança e a
confiança geradas pelo conhecimento. Contudo, admite-se que o transpor-
tador possa reagir contra o carregador, exigindo deste a devida compensa-
ção ou ressarcimento94.
Existe outra corrente doutrinária a defender estarmos perante uma pre-
sunção ilidível, entendendo que a aposição de reservas, é admissível em rela-
ção às marcas de identificação ou à quantidade e peso da mercadoria, mas não

 V.g. Mário R aposo, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 171
93

e sgts.
94
 Cfr. Nuno Castello -Branco , Da Disciplina do Contrato de Transporte
Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 241.
524 Temas de Direito dos Transportes III

em relação ao estado e condição aparente da mercadoria95. Como defensores


desta corrente temos, entre outros, Mário Raposo e Hugo Ramos Alves96.
Na senda desta discussão doutrinária, vem o Protocolo de Visby dar
nova redacção ao n.º 4 do artigo 3.º esclarecendo a impossibilidade da pro-
dução da prova em contrário, relativamente ao discriminado no conheci-
mento, contra um terceiro de boa-fé portador do título.

3.3.5.  Obrigações do transportador

As obrigações do transportador vêm elencadas no artigo 3.º da


Convenção.
Tem o transportador, antes e no início da viagem, a obrigação de exer-
cer uma razoável diligência de forma a pôr o navio em estado de navegabi-
lidade. Assim, esta obrigação refere-se apenas ao início da viagem, não se
estendendo à mesma97, cabendo ao transportador fazer prova de que utilizou a
diligência razoável para colocar o navio em estado de navegabilidade; armar,
equipar e aprovisionar convenientemente o navio; preparar e pôr em bom
estado os porões, os frigoríficos e todas as outras partes do navio em que as
mercadorias são carregadas, para sua recepção, transporte e conservação.
Impende ainda sob o transportador a obrigação de proceder de modo
apropriado e diligente ao carregamento, manutenção, estiva, guarda, cui-
dados e descarga das mercadorias transportadas, devendo depois de a sua
recepção entregar ao carregador um conhecimento de embarque.
Estabelece, ainda, o citado artigo, quanto à recepção da mercadoria e
às reclamações referentes à mesma, um sistema de reservas escritas e pre-
sunções que influenciam o regime probatório.

  Nesses casos, em que não é possível ao transportador, verificar as indicações facul-


95

tadas pelo carregador, é usual apor a reserva “said to contain”, estas reservas são habituais,
principalmente, na carga contentorizada.
96
 V.g. Hugo R amos Alves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador
na Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 57 e Mário R aposo, Transporte Internacional de
Mercadorias por Mar, pág. 176.
97
  Apesar de a Convenção de Bruxelas, no seu texto, não estipular a obrigação de o
transportador manter o navio em estado de navegabilidade, durante a viagem, há doutrina que
entende que se deve estender essa obrigação a todo o percurso da viagem, pois apenas assim
será possível proteger os interesses do carregador. Vide Hugo R amos Alves, Da Limitação
da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 71 e sgts.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 525

Aquando da recepção da mercadoria, se os danos na mesma forem


aparentes, deve o destinatário fazer uma reserva escrita, no momento em
que levante a mercadoria.
Se os danos não forem aparentes deve o destinatário, nos três dias sub-
sequentes ao levantamento da mercadoria, fazer e enviar a reserva escrita.
Não sendo feitas estas reservas, presume-se que a mercadoria foi entre-
gue conforme o conhecimento de carga.
O prazo para a propositura da acção é de um ano, contado a partir do
dia da entrega da mercadoria98.

3.3.6.  A responsabilidade do transportador

3.3.6.1.  Considerações gerais

Já vimos, anteriormente, que a responsabilidade do transportador


advém do incumprimento de um contrato de transporte, mas que, pelas
razões já apontadas, na Introdução deste trabalho, essa responsabilidade
tende a ser repartida entre o transportador e o carregador ou o titular do
conhecimento de carga99.
Essa responsabilidade, maioritariamente, advém do incumprimento de
obrigações do transportador que respeitam à fase em que este teve a merca-
doria sob a sua custódia e verifica-se quando haja perda total ou parcial da
mercadoria; avaria na mercadoria ou atraso na entrega da mesma.
A Convenção não assenta no contrato de transporte, pelo que não encon-
tramos no seu texto regras sobre a responsabilidade do transportador, fruto
do incumprimento do contrato de transporte. Contudo, encontramos uma
enumeração taxativa de casos que podem levar à exoneração da responsabi-
lidade do transportador ou, caso estes não se verifiquem, normas que esta-
belecem o limite da mesma.
Assim, temos que a Convenção de Bruxelas estabelece um regime impe-
rativo de protecção dos carregadores contra os transportadores, considerando
98
  V.g. artigo 3 n.º 6 “…the carrier and the ship shall in any event be discharged from
all liability whatsoever in respect of the goods, unless suit is brought within one year of their
delivery or of the date when they should have been delivered. This period may, however, be
extended of the parties so agree after the cause of action has arisen.”.
99
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 61.
526 Temas de Direito dos Transportes III

nulas todas as cláusulas que excluam a responsabilidade do transportador na


perda da mercadoria, fruto da negligência ou por incumprimento dos deve-
res e direitos consagrados no seu texto100. Quer isto dizer que também visa
impedir, nos ordenamentos dos Estados Membros, que se afaste a aplicação
da Convenção, principalmente das suas normas de carácter peremptório e
imperativo, para que não haja, assim, um detrimento desta, relativamente à
aplicação de normas que não fazem parte do seu corpo normativo101.
O regime desta Convenção é o da responsabilidade agravada do trans-
portador, que pode ser afastada através da prova dos casos exceptuados
(excepted perils)102; não o sendo, pode ser suavizada através da limitação
da mesma.

3.3.6.2.  Casos exoneradores da responsabilidade do transportador

A responsabilidade do transportador dá-se por incumprimento do con-


trato, por avaria na mercadoria ou por perda total da mesma, sendo uma
responsabilidade presumida. Poderá, no entanto, o transportador isentar-se
da responsabilidade, se identificar a causa do dano e provar que esta não
lhe é imputável, por se encontrar entre os perigos exceptuados, (artigo 4.º
da Convenção de Bruxelas).
Assim, temos que a Convenção de Bruxelas estabelece um regime
imperativo, relativamente à responsabilidade do transportador. Esse regime
decorre do n.º 8 do artigo 3.º, que considera nulas todas as cláusulas que
exonerem o armador ou o navio da responsabilidade por perda ou dano em
mercadorias, fruto da sua negligência, ou por omissão dos seus deveres e
obrigações, mas numa tentativa de compromisso entre os interesses dos car-
regadores e dos transportadores, vem a Convenção elencar um rol de casos
exceptuados que conduzem à exclusão da responsabilidade do transportador.

100
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 33 e Ignacio Arroyo, Las Reglas de Rotterdam. Para
Qué?, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XXVII pág. 27.
101
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 42 e 43.
102
  Desde que o armador-transportador prove que actuou diligentemente para colocar
o navio em estado de navegabilidade, Cfr. Carlos Oliveira Coelho, Três Datas, um Século
de Direito Marítimo, pág. 636.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 527

Contudo, como já se referiu anteriormente, para que se verifique a


exclusão da responsabilidade do transportador, este tem que identificar a
causa do dano e provar que este não lhe é imputável.
A Convenção de Bruxelas apresenta os seguintes casos exceptuados
ou excepted perils:
1. Falta náutica: ocorre quando os danos são provocados pelos actos,
negligência ou falta do capitão, mestre, piloto ou empregados do
armador na navegação ou na administração do navio, (segundo o
critério do “navio vazio”, a culpa é náutica quando compromete a
expedição e o navio, desde que esta também pudesse ocorrer sem
qualquer mercadoria a bordo, a culpa comercial exige a existên-
cia de mercadoria a bordo e diz respeito às medidas tomadas para
protecção da mesma, não interferindo com a segurança da expe-
dição, por outras palavras, a culpa náutica diz respeito ao navio e
a comercial à carga);
2. Incêndio: é um caso que sempre excluiu a responsabilidade do
transportador, por ser um fenómeno que pode ocorrer por cir-
cunstâncias imprevisíveis. Mas ao ser invocado pelo transportador
terá este que fazer prova que não foi por culpa sua, uma vez que
cabe ao transportador a prova de que o facto não lhe é imputável
(embora exista divergência neste ponto, quer na doutrina, quer na
jurisprudência).
Assim, se não for possível determinar a causa que esteve na
origem do incêndio o transportador não poderá exonerar a sua
responsabilidade;
3. Perigos de mar: também designados por fortunas de mar, uma vez
que fica o navio à mercê dos caprichos do mar. Por serem casos
imprevisíveis e inevitáveis que nem um navegador diligente pode-
ria evitar, apresentam um regime excepcional, uma vez que “não
estamos perante perigos que ocorrem no mar, mas sim, pelo con-
trário, trata-se de perigos que vêm do próprio mar”103.
Assim, os danos causados numa mercadoria, pela água do mar
fruto de uma tempestade, não poderiam ser previstos nem evita-
dos ou combatidos pelo navegador, pelo que estamos perante um

103
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, cit. pág. 88.
528 Temas de Direito dos Transportes III

dos casos exoneratórios da responsabilidade do transportador e


que se enquadra no artigo 4.º n.º 2 c). Nestes casos, cabe ao car-
regador provar a ausência de diligência do transportador e não ao
transportador provar que exerceu a diligência razoável;
4. Casos fortuitos: também designados de “Acto de Deus”, são aque-
les acontecimentos imprevisíveis e impossíveis de controlar pelo
ser humano, são aqueles acontecimentos denominados como força
maior, causados por forças naturais impossíveis de serem evitadas
pelo homem.
O transportador tem assim, que provar que as causas foram natu-
rais e súbitas, de forma que não foi humanamente possível tomar
medidas para as prevenir ou evitar. Sendo esta causa semelhante
à anterior, dela se distingue, porque aqui tem o transportador que
provar que agiu com diligência razoável104, a fim de excluir a sua
responsabilidade;
5. Guerra: os factos de guerra incluem todos os actos praticados por
países em guerra. O transportador deve fazer prova da existência
da guerra e provar o nexo de causalidade com o dano;
6. Factos de inimigos públicos: pensa-se que este caso, e esta expres-
são, terá surgido como substituição da expressão “King’s enemies”,
para que a Convenção de Bruxelas também pudesse ser aplicada
aos Estados com forma Republicana e não Monárquica. Este caso
engloba os actos de pirataria, sendo esta entendida como o acto
de pessoas alheias ao navio ou mesmo praticada por passageiros
ou tripulação;
7. Ordem Judicial: são os actos praticados ou pelos Estados ou
autoridade pública, que não possam ser imputáveis ao transpor-
tador, como, por exemplo, a detenção do navio, a proibição de
desembarcar as mercadorias, etc. Mas estes factos têm que ser
imprevisíveis. Se o transportador antes da viagem já tiver conhe-
cimento destes factos, não poderá beneficiar da exoneração da sua
responsabilidade;

 Cfr. Azevedo Matos, Princípios de Direito Marítimo, pág. 219, cit.: “de origem
104

inglesa a «due diligence» ou razoável diligência, não de entregar as mercadorias, mas de


fazer toda a diligência e tomar todas as medidas úteis para que estas sejam transportadas
como deve ser”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 529

8. Quarentena: resume-se a um acto de coacção das autoridades públi-


cas pelo que poderia estar incluída nos embargos ou coacção do
governo, previsto no artigo 4.º n.º 2 g);
9. Omissão do carregador ou do representante das mercadorias:
os danos na mercadoria são causados pelos actos do próprio
carregador;
10. Greve: não podendo o transportador excluir a sua responsabili-
dade com base nesta causa, quando este tinha conhecimento da
greve e não tenha tomado as medidas necessárias para resolver a
contenda. “Este perigo exceptuado não relevará quando a greve
seja decorrência de actuação injusta do transportador”105;
11. Motins e perturbações populares: só serão caso de exoneração da
responsabilidade se não tiver sido possível evitá-los;
12. Salvação: que considera também os desvios de rotas para salvar
ou tentar salvar vidas e bens em alto mar, artigo 4.º n.º 2 l), mas
também os desvios de rota razoáveis, artigo 4.º n.º 4
13. Desfalque de volume ou de peso ou de qualquer outra perda ou
dano resultante de vício oculto, natureza especial ou vício próprio
da mercadoria: a exoneração da responsabilidade do transportador
justifica-se, visto que o caso é completamente alheio ao transpor-
tador. O vício da mercadoria é algo próprio à mercadoria.
O transportador poderá exonerar-se da sua responsabilidade, se
provar que a coisa tem a qualidade natural de se alterar, e que ele
agiu diligentemente no acondicionamento ou manutenção da tem-
peratura da mesma;
14. Insuficiência da embalagem: pode ser considerado um vício próprio
da mercadoria, mas é um defeito externo, podendo o transporta-
dor defender-se desde logo colocando reservas no conhecimento
de carga.
Considera-se uma embalagem insuficiente quando esta não é sufi-
ciente para proteger a mercadoria do manuseamento do transporte;
15. Insuficiência ou imperfeição de marcas: as marcas têm por fun-
ção identificar devidamente a mercadoria, artigo 3.º n.º 3 a). Pode
assim, o transportador exonerar a sua responsabilidade, se provar

105
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, cit. pág. 99.
530 Temas de Direito dos Transportes III

que o seu incumprimento na entrega da mercadoria se deveu à


insuficiência das marcas;
16. Vícios ocultos que escapam a uma razoável diligência: aqueles
que se encontram no navio não sendo possível a sua identificação
através de exames atentos. Se existir o nexo causal entre a inave-
gabilidade do navio e o dano terá o transportador que provar que
exerceu a diligência razoável para que o navio estivesse em con-
dições de navegabilidade;
17. Outras causas, catch-all exception106 : pode o transportador exo-
nerar a sua responsabilidade, por qualquer facto, desde que iden-
tifique a causa, prove que essa não dependeu dele nem de um seu
auxiliar e que agiu com negligência razoável. O exemplo que mais
se enquadra neste caso é o furto.
Estes excepted perils“ devem ver a sua face «exoneratória» estu-
dada em termos hábeis, porquanto correspondem a uma tentativa
de distribuição de riscos equitativa, sempre, contudo, sem abdi-
car de uma raiz de responsabilidade presumida do transportador,
mercê da confiança depositada pelo carregador e da «obrigação
de resultado» a que se reduz o transporte”107.

3.3.6.3.  Limitação de responsabilidade do transportador

A limitação da responsabilidade consagrada na Convenção de Bruxelas


de 1924 estabelece um valor máximo, mas não impede que as partes con-
tratem outros regimes, desde que estes sejam mais favoráveis ao carregador.
No caso de danos ou perdas da mercadoria, imputáveis ao transporta-
dor, este vê, de acordo com o artigo 4.º n.º 5, a sua responsabilidade limi-
tada pelo valor máximo de 100 libras esterlinas por volume ou unidade108
ou o equivalente a esta soma noutra moeda109. E ainda, por força do artigo

106
  Michael F. Sturley, The Carrier´s Liability Under the Hague, Hague-Visby, and
Hamburgo Rules, in the Rotterdam Rules, 5,005.
107
  Nuno Castello-Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional
de Mercadorias por Mar, cit. pág. 366.
108
  Em Portugal actualizado para €498,88 por força do art.º 31.º n. 1 do DL 352/86
de 31 de Outubro.
109
  Ricardo Bernardes, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 464 Nt. 91.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 531

4.º n.º 5, sempre que o carregador declare à partida o valor e a natureza da


mercadoria, esse valor passa a constituir o limite indemnizatório, seja este
inferior ou superior ao constante no referido artigo. Se o transportador acei-
tar incluir essa declaração no conhecimento de carga, essa terá sempre o
valor de uma presunção.
A convenção de Bruxelas, no seu artigo 4.º n.º 5, não prevê o dolo do
transportador, mas é de entendimento maioritário que este precludirá o limite
ressarcitório do transportador, pois admitir a exoneração da sua responsabi-
lidade, iria contra a ordem pública e contra os bons costumes comerciais110.
Esta é uma conclusão que resulta de considerações morais imperativas,
mesmo à luz do Direito natural111.

3.3.7.  Prazo para intentar acções

Como já referimos supra o prazo para a propositura da acção, nos ter-


mos do artigo 3.º n.º 6, é de um ano a contar da entrega das mercadorias ou
da data em que estas deveriam ter sido entregues.
Como refere Hugo Ramos Alves, estamos perante um prazo muito curto
mas que se deve à necessidade de regular de forma célere os incumprimen-
tos referentes aos contratos de transporte internacional de mercadorias112.

3.3.8.  Considerações finais

A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em


Matéria de Conhecimentos de Carga pretendeu criar um regime unificador,
conciliando os interesses contrapostos de carregadores e transportadores.
Esta Convenção assenta no conhecimento de carga e não no contrato
de transporte, aplicando-se ao transporte internacional.
O seu arco temporal abrange as operações entre o carregamento e o
desembarque das mercadorias, incluindo também essas operações.
110
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 124.
111
  Nuno Castello-Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional
de Mercadorias por Mar, pág. 367, Nt. 643.
112
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 133.
532 Temas de Direito dos Transportes III

Sob o regime da Convenção está o transportador obrigado a exercer


uma razoável diligência, para colocar o navio em estado de navegabilidade,
antes e no início da viagem.
Havendo incumprimento das suas obrigações, que causem a perda total
ou parcial da mercadoria, fica o transportador sujeito ao regime da respon-
sabilidade, devendo ressarcir o carregador pelos danos sofridos. Contudo,
pode o transportador isentar-se da sua responsabilidade, caso identifique a
causa do dano como uma das constantes nos excepted perills e consiga provar
que este não lhe é imputável. Não sendo possível exonerar-se da sua respon-
sabilidade poderá sempre (a não ser que haja actuado com dolo) limitá-la.
Devido ao incessante aumento do comércio e consequentemente do
transporte marítimo, houve necessidade de se proceder à alteração da Con-
venção de Bruxelas de 1924.
Assim, esta foi alterada por dois protocolos, o primeiro de 1968, conhe-
cido por Protocolo de 1968, Protocolo de Visby ou Regras de Haia-Visby, o
segundo de 1979 conhecido por Protocolo Special Drawing Rights.

3.4.  Protocolo de 1968 – Regras de Haia-Visby

O Protocolo de 1968, assinado em Bruxelas a 23 de Fevereiro de 1968,


e que ficou conhecido por Regras de Haia-Visby, visou colmatar situações
não previstas na Convenção de Bruxelas de 1924, como o transporte da
mercadoria em contentores, paletes ou outros engenhos similares, pelo que,
neste, o carregador deve declarar, no conhecimento de carga, o número de
volumes ou unidades transportadas no contentor. Se nada se disser, será
considerado o contentor como uma unidade.
Prestou um importante esclarecimento ao artigo 10.º da Convenção
de Bruxelas, elaborando um texto claro e explicito quanto ao seu âmbito de
aplicação113, que é ampliado em relação à Convenção de Bruxelas de 1924.

113
  Consta o seguinte do texto do protocolo: “ As disposições da presente Convenção
aplicar-se-ão a todo o conhecimento relativo a um transporte de mercadorias entre portos
relevantes de dois Estados diferentes quando: a) o conhecimento seja emitido num Estado
contratante; ou b) o transporte seja iniciado no porto de um Estado Contratante; ou c) o
conhecimento preveja que o contrato se regerá pelas disposições da presente Convenção ou
da legislação de qualquer Estado que as aplique ou lhes dê efeito, independentemente da
nacionalidade do navio, do portador, do carregador, do destinatário ou de qualquer outra
pessoa interessada”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 533

Sendo este aplicável sempre que o transporte seja realizado entre portos de
dois Estados diferentes; o conhecimento seja emitido num Estado contra-
tante ou o transporte se inicie ou termine num porto de um Estado contra-
tante, ou seja, vem o novo texto esclarecer o seu âmbito de aplicação aos
transportes objectivamente internacionais114.
Quanto ao arco temporal, não procede o Protocolo a qualquer alteração
ao regime da Convenção de Bruxelas de 1924, pelo que o período de trans-
porte abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas
a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas115.
Assim, existem períodos em que as mercadorias já se encontram sob a
custódia do transportador, mas em que não se verifica a aplicação do Proto-
colo, o que gera alguma incerteza e desprotecção aos carregadores.
Essa situação apenas veio a ser resolvida pelas Regras de Hamburgo,
uma vez que estas estabelecem que o seu âmbito de aplicação, assim como
o período de responsabilidade do transportador, se estendem a todo o perí-
odo em que o transportador tem a mercadoria à sua guarda, ou seja, desde
o porto de carga até ao porto de descarga116.
Relativamente às obrigações do transportador, que não alteraram as
previstas na Convenção de Bruxelas, e que se encontram estabelecidas no seu
artigo 2.º, consagram a responsabilidade do transportador quanto ao carrega-
mento, manutenção, estiva, transporte, guarda, cuidados e descargas dessas
mercadorias, não contemplando, este artigo, a obrigação da entrega da mer-
cadoria. Esta obrigação apenas surge no artigo 5.º das Regras de Hamburgo
e mais tarde nas Regras de Roterdão no seu artigo 11.º.
Procede à alteração da norma referente ao limite da responsabilidade
do transportador, limitando a mesma a 10 000 francos por volume ou outra
unidade ou a 30 francos por quilograma, aplicando-se o valor mais elevado117.

114
  Nuno Castello-Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional
de Mercadorias por Mar, pág. 88.
115
  V.g. Protocolo de 1968, artigo 1.º e) “ «Carriage of goods» covers the period from
the time when the goods are loaded on to the time they are discharged from the ship”.
116
  V.g.Francesco Berlingieri, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules,
the Hamburg Rules and the Rotterdam Rules, pág. 5.
117
  V.g. Artigo 4.º n.º 5 a) “Unless the nature and value of such goods have been de-
clared by the shipper before shipment and inserted in the bill of lading, neither the carrier
nor the ship shall in any event be or become liable for any loss or damage to or in connection
with the goods in an amount exceeding the equivalent of 10 000 francs per package or unit
or 30 francs per kilo of gross weight of the goods lost or damaged, whichever is the higher.
534 Temas de Direito dos Transportes III

O Protocolo substitui a libra esterlina, utilizada na Convenção de Bruxelas,


por uma nova unidade de conta, o Franco Poincaré118.
Quanto à exclusão do limite da responsabilidade do transportador, prevê
a mesma, caso os danos na mercadoria hajam sido causados por acção ou
omissão do transportador com o intuito de causar dano.
Assim, o artigo 4.º n.º 5 e) passou a ter a seguinte redacção: “Nem o
transportador nem o navio terão direito a beneficiar da limitação de res-
ponsabilidade, se for provado que o dano resultou de um acto ou de uma
omissão do transportador que ocorreu, quer com a intenção de provocar
um dano, quer temerariamente e com a consciência que um dano prova-
velmente resultaria desse acto ou omissão”119.
Vem, assim, o Protocolo alterar a redacção originária do artigo 4.º n.º
5 da Convenção de Bruxelas, que não previa a actuação dolosa do transpor-
tador como exclusão ao limite da responsabilidade do mesmo.
A par do domínio imperativo, o Protocolo prevê um domínio faculta-
tivo, acolhendo, assim, práticas costumeiras, de aplicação através de cláu-
sulas Paramount120/121.
Podemos, assim, concluir que o Protocolo de 1978 visou modernizar
a Convenção de Bruxelas de 1924, tornando-a apta a regulamentar novas
realidades como a contentorização; criou um novo regime da limitação da
responsabilidade do transportador, estabelecendo limites, quer atendendo às
embalagens ou unidades, quer ao dos quilogramas, definindo que se deverá
aplicar o limite mais elevado; prevê, expressamente, a exclusão da limitação
da responsabilidade do transportador, quando o dano se tenha dado devido a
actuação dolosa do transportador e esclarece o artigo 10.º da Convenção de
Bruxelas sendo, agora, o texto deste claro quanto ao âmbito da sua aplicação.

  Equivale a 0,65 gramas de ouro puro.


118

  Cfr. Artigo 4.º n.º 5 e):“Neither the carrier nor the ship shall be entitled to the
119

benefit of the limitation of liability provided for in this paragraph if it is proved that the
damage resulted from an act or omission of the carrier done with intent to cause damage,
or recklessly and with knowledge that damage would probably result”.
120
  Luís de Lima P inheiro, Estudos de Direito Civil, Direito Comercial e Direito
Comercial Internacional, pág. 151.
121
  Nuno Castello-Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional
de Mercadorias por Mar, pág. 89, Nt. 94.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 535

3.5.  O Protoclo de 1979 – Protocolo Special Drawing Rights

O Protocolo de 1979 introduziu uma nova unidade de conta, o direito


especial de saque do FMI122, e o critério do volume ou da unidade foi subs-
tituído pelo critério do peso bruto em quilogramas, a fim de resolver as ques-
tões levantadas pelas definições de volume ou unidade, aquando da limitação
da responsabilidade do transportador.
Assim, procedeu à alteração do artigo 4.º n.º 5 a) definindo o limite da
responsabilidade do transportador a 666,67 direitos de saque especial por
volume ou outra unidade ou a 2 direitos de saque especial por quilograma,
devendo aplicar-se sempre o valor mais alto123.

3.6.  A Convenção de Hamburgo

A Convenção das Nações Unidas sobre o Transporte Marítimo de Mer-


cadorias foi concluída em Hamburgo, a 31 de Março de 1978 e entrou em
vigor apenas a 1 de Novembro de 1992, embora com um número reduzido
de países.
Esta traduz-se num reforço da posição dos carregadores, pois consa-
gra valores de indemnização mais elevados e a expressa responsabilidade
do transportador por atraso na entrega de mercadoria124.

122
  Segundo os dados do Banco de Portugal, em 27 de Janeiro de 2014, a taxa de
câmbio do Direito Especial de Saque é de 1,12871. O activo financeiro do FMI, o Direito
Especial de Saque, substituiu o ouro e o dólar para efeitos de troca. Este funciona apenas
entre bancos centrais e também pode ser trocado por moeda corrente com o aval do FMI.
Apesar de ter sido criado em 1969, apenas começou a ser utilizado em 1981. O seu valor
é determinado pela variação média da taxa de câmbio dos cinco maiores exportadores do
mundo: França (Euro), Alemanha  (Euro), Japão (iene), Reino Unido (libra esterlina) e
Estados Unidos (dólar estadunidense). A partir de 1999, o euro substituiu a moeda francesa
e alemã neste cálculo.
123
  Art. 4.º n.º5 a) “Unless the nature and value of such goods have been declared by
the shipper before shipment and inserted in the bill of lading, neither the carrier nor the ship
shall in any event be or become liable for any loss or damage to or in connection with the
goods in an amount exceeding 666.67 units of account per package or unit or 2 units of ac-
count per kilogramme of gross weight of the goods lost or damaged, whichever is the higher.”
124
  Francisco Costeira da Rocha, Limitação da Responsabilidade do Transportador
Marítimo, pág. 257/258.
536 Temas de Direito dos Transportes III

Desloca o centro de gravidade do regime do transporte de mercado-


rias do conhecimento de carga para o contrato125, porque enquanto a Con-
venção de Bruxelas se apresenta como relativa à unificação de certas regras
em matéria de conhecimento de carga, as Regras de Hamburgo constituem
uma Convenção sobre o contrato de transporte marítimo de mercadorias126.
Relativamente ao Arco Temporal, a responsabilidade do transporta-
dor abrange o período em que as mercadorias estão à sua guarda no porto
de embarque, durante o transporte e no porto de descarga127, e já não ape-
nas entre o carregamento e desembarque, como previsto na Convenção de
Bruxelas de 1924.
Aquelas estão à guarda do transportador, a partir do momento em que
lhe são entregues para expedição pelo carregador ou por alguém que actue
no seu interesse e até ao momento em que este efectue a entrega ao destina-
tário ou, no caso do destinatário as não receber, até ao momento em que o
transportador as coloque à sua disposição128.
As Regras de Hamburgo vêm reduzir as dezassete causas de exonera-
ção da responsabilidade do transportador a duas. O transportador apenas
pode exonerar a sua responsabilidade em caso de incêndio, desde que não
se prove negligência que lhe seja imputada, e em caso de salvamento. A
primeira justifica-se pela sua excepcional gravidade e a segunda por razões
humanitárias129.
Afasta a falta náutica (actos, negligência ou falta do capitão, mestre,
piloto ou empregados do transportador) como causa exoneratória da respon-
sabilidade e responsabiliza o transportador no caso de atraso na chegada
ao porto de destino.

125
  Januário da Costa Gomes, Do Transporte “port-to-port” ao Transporte “door-
to-door”, pág. 376.
126
  Januário da Costa Gomes, Sobre a Responsabilidade do Transportador nas
Regras de Roterdão. Breves notas, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 643.
127
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Maritima-Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 55 e MÁRIO RA-
POSO, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 273.
128
  Francesco Berlingieri, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the
Hamburg Rules and the Rotterdam Rules, pág.5 “…in a port-to-port contract the Rules
normally apply to the whole period during which the carrier is in charge of the goods.
But this is not the case in a door-to-door contract or when the terminals of the carrier are
outside the port area, because the rules applicable would be different, nor are there in the
Hamburg Rules provisions…”.
129
  Mário R aposo, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 276.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 537

Considera as mercadorias transportadas no convés, ao contrário da Con-


venção de Bruxelas que as não considerava como mercadorias, resultando
do seu artigo 9.º n.º 1 que estas só podem ser carregadas no convés com o
acordo do carregador, ou se estiver de acordo com os usos do comércio, ou
se assim for exigido, por regras estatutárias ou regulamentos.
Pelo que, se contrariando este preceituado, o transportador transportar
as mercadorias no convés será responsável pela perda, danos ou atraso pro-
vocados na mesma e resultantes apenas desse transporte no convés, caso haja
acordo entre carregador e transportador, deve este ser inserido no conheci-
mento de carga ou outro documento comprovativo. Assim, na ausência de tal
menção o transportador tem o ónus de provar a existência de acordo sobre
o transporte da mercadoria no convés130.
Esta Convenção tem um regime muito mais gravoso para os transpor-
tadores, desde logo porque reduz drasticamente as causas de exoneração,
como os perigos de mar, o vício da própria mercadoria, e os erros do car-
regador, entre outras.
Também impende sobre o transportador a obrigação, antes e no iní-
cio da viagem, de exercer uma razoável diligência para colocar o navio em
estado de navegabilidade; armar, equipar e aprovisionar convenientemente
o navio; preparar e pôr em bom estado os porões, os frigoríficos e todas
as outras partes do navio em que as mercadorias são carregadas, para sua
recepção, transporte e conservação.
O ónus da prova de que actuou com a diligência razoável recai sobre o
transportador. Não sendo, segundo o artigo 5.º das regras, suficiente provar
que não agiu ilicitamente, mas tendo também que fazer prova de que agiu
com diligência razoável131.
Devido ao agravamento da responsabilidade do transportador, esta
Convenção levou 14 anos a entrar em vigor, sendo os Estados aderentes,
Estados sem significativo relevo no shipping mundial, tais como, Tanzania,
Senegal, Serra Leoa, Guiné, entre outros, razão pela qual esta Convenção
não teve o sucesso que se esperava.
Sendo que os Estados com grande expressão no campo do comércio
marítimo preferiram manter-se fieis à Convenção de Bruxelas de 1924.

130
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Marítima Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadoria, pág. 67, Nt. 196.
131
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 37.
538 Temas de Direito dos Transportes III

E nas palavras de Ignacio Arroyo, ficou a comunidade internacional


ainda mais dividida, pois agora os instrumentos com “vocação unificadora”
são quatro. E sendo que o Brasil nunca ratificou nenhum dos quatro instru-
mentos, Portugal ratificou apenas a Convenção de Bruxelas de 1924, Espa-
nha as Regras de Roterdão e a Áustria a Convenção de Hamburgo, a questão
que se coloca é “…donde queda la unificación cuando el cargador y por-
teador pertenecen a dos países distintos de los mencionados en los ejem-
plos? La solución depende de la legislación aplicable y de lo que diga lo
tribunal del foro competente. Es decir, un fracasso para la deseada unifi-
cación internacional.”132.
Face ao “fracasso” desta Convenção133, está agora o mundo de olhos
postos, e expectante, nas Regras de Roterdão também denominadas de Con-
venção Marítima Plus, por “a nova Convenção pressupor necessariamente
um transporte port-to-port ou sendo transporte door-to-door, uma fase
marítima (“sea leg”), que explica a caracterização da nova Convenção
como “Marítima- Plus”134.

4.  A Convenção de Roterdão

4.1. Introdução

As Regras de Roterdão dão-se no seguimento da Convenção de Gene-


bra de 1980, que surgiu para dar resposta à contentorização e ao transporte
multimodal, mas que não logrou vingar135.
Assim, a 11 de Novembro de 2008, a Assembleia das Nações Unidas
aprovou o projecto da nova Convenção sobre o transporte internacional de

132
  Ignácio A rroyo, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário de Derecho
Marítimo, Vol. XXVII, cit. pág. 28.
133
  Mário R aposo, Transportes Marítimos de Mercadorias. Os problemas, pág. 43.
134
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Marítima Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadoria, cit. pág. 8.
135
  Mário R aposo, Transporte Marítimo de Mercadorias. Os Problemas, pág. 44
cit.: “…o mais espectacular caso de fracasso do propósito de uniformizar, através de uma
convenção… deu-se com o transporte multimodal. A convenção de 1980 foi ratificada apenas
por 11 Estados de fraco relevo em DM…” e Miguel Roca López, Las Reglas de Roterdam
pág. 608, cit.:“...su aprobación se constató uno de los mayores fracasos habidos en la historia
de las convenciones internacionales y su texto quedó relegado al estúdio comparativo de
académicos Juristas”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 539

mercadorias total ou parcialmente por mar, tendo sido aberta à assinatura


por parte dos Estados em 23 de Setembro de 2009 na cidade de Roterdão,
tendo, apenas num mês, recebido vinte assinaturas. Os Estados signatários
são136: Congo, República Democrática do Congo, Dinamarca, França, Gabão,
Gana, Grécia, Guiné, Holanda, Níger, Nigéria, Noruega, Polónia, Senegal,
Espanha, Suíça, Togo, Estados Unidas da América, Arménia, que assina-
ram a 23 de Setembro de 2009, Madagáscar, que assinou a 25 de Setembro
de 2009, Arménia e Camarões, assinaram a 29 de Setembro de 2009, Mali
a 26 de Outubro de 2009, Luxemburgo a 31 de Agosto de 2010 e o último
Estado signatário a Suécia em 20 de Julho de 2011. Sendo que destes vinte
e cinco Estados signatários apenas dois ratificaram a Convenção, nomeada-
mente a Espanha, a 19 de Janeiro de 2011 e o Togo, a 17 de Julho de 2012.
Assim, esta apenas entrará em vigor depois de mais dezoito Estados
procederem à sua ratificação. Entrará em vigor no primeiro dia útil do mês
seguinte ao do fim do prazo de um ano, a partir da data, em que tenha sido
depositado o vigésimo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou
adesão137.
Esta Convenção passou a designar-se por Regras de Roterdão e pre-
tende substituir as Regras de Haia-Visby e as Regras de Hamburgo, colo-
cando assim um fim à fragmentação originada pelos anteriores instrumentos
internacionais138.
Estamos perante uma convenção multimodal139, uma vez que regula-
menta o transporte internacional de mercadorias, e embora este tenha que
envolver um percurso marítimo, também regulamenta os outros meios de
transporte140, como diz Januário da Costa Gomes, na sua poética frase, “…o

136
  Há data da realização deste trabalho, Janeiro de 2014, dados do CMI.
137
  Januário da Costa Gomes, Sobre a Responsabilidade do Transportador nas Regras
de Roterdão. Breves nota, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 640.
138
 Cfr. M artín Osante , Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o
Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág. 253, cit.: “…com la finalidade de uniformizar el
regímen jurídico del transporte marítimo internacional de mercancias, intentando superar
los inconvenientes generados por sus precedentes…”.
139
 Crf. Ignácio Arroyo, Ámbito de Aplicación de la Normativa Uniforme, Anuário
de Derecho Marítimo, Vol. XVIII, pág. 431.
140
  Cfr. Tomotaka Fujita, The Coverage of the Rotterdam Rules, pág. 4, , que refere:
“…Once they agree (the parties) into a multimodal contract, the rules apply to the whole
transport”.
540 Temas de Direito dos Transportes III

projecto da Convenção, estando, embora, gizado numa filosofia multimo-


dal, está impregnado de um forte cheiro de maresia”141.
Difere, assim, da Convenção de Bruxelas de 1924 e das Regras de Ham-
burgo, que apenas disciplinam o transporte de mercadorias por mar, sendo
assim convenções port-to-port, pelo que estamos perante uma convenção
door-to-door ou multimodal142, que dá especial atenção à contentorização143,
em que existe um contrato único para o transporte de mercadorias em, pelo
menos, dois meios de transporte diferentes144, e apenas o operador assume a
obrigação de transportar, sendo assim este o único responsável145. Estamos
perante uma prestação única146.
Uma regulamentação uniforme sobre o transporte multimodal visa
colmatar os inconvenientes trazidos pela regulamentação unimodal147-148tais
como: a Convenção de Bruxelas e as Regras de Hamburgo para o Transporte
marítimo; a Convenção de Varsóvia e Montreal para o transporte aéreo; a
CMR para o transporte rodoviário e a Convenção de Berna (COTIF/CIM)
para o transporte ferroviário.

141
  Januário da Costa Gomes, Do transporte “port-to-port” ao Transporte “door-
to-door”, cit. pág. 402.
142
  O transportador assume integralmente a responsabilidade, aplica-se, assim, ao
transporte multimodal na acepção estrita. Cfr. Ignácio Arroyo, Ámbito de Aplicación de la
Normativa Uniforme, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XVIII, pág. 432; Crf. Francisco
Rueda, El Transporte Multimodal Internacional: La Viabilidad de un Régimen Jurídico
Uniforme, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XXI, pág. 334.
143
  A lexandre de Soveral M artins, As Regras de Roterdão, cit., pág. 100. “O
transporte multimodal tem consideráveis vantagens quando associado ao transporte em
contentores…torna a passagem de mercadorias de um meio de transporte para outro mais
fácil…”.
144
  Januário da Costa Gomes, Do transporte “port-to-port” ao Transporte “door-
to-door”, pág. 380, Nt. 38.
145
  Francisco Rueda, Introducción a la Jurisprudencia Multimodal, Anuário de
Derecho Vol. XXV, pág. 201; Crf. Ignacio Arroyo, Ámbito de Aplicación de la Normativa
Uniforme, Anuário de Derecho Maríimo, Vol. XVIII, pág. 431, v.g. diferença do transporte
segmentado utilizado na Convenção de Genébra em que a responsabilidade é exigida a cada
um dos transportadores. Cfr. Mário Raposo, Transporte Internacional de Mercadorias por
Mar, pág. 162 v.g diferença entre transportes sucessivos e multimodal.
146
  Januário da Costa Gomes, Do transporte “port-to-port” ao transporte “door-
to-door”, pág. 384.
147
  Januário da Costa Gomes, Do transporte “port-to-port” ao transporte “door-
to-door”, pág. 387.
148
 Crf. Ignácio Arroyo, Ámbito de Aplicación de la Normativa Uniforme, Anuário
de Derecho Marítimo, Vol. XVIII, pág. 430.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 541

4.2. Sistematização

A Convenção de Roterdão encontra-se dividida nos seguintes capítu-


los: Capítulo 1- Disposições gerais; Capítulo 2- Âmbito de aplicação; Capí-
tulo 3- Documentos electrónicos de transporte; Capítulo 4- Obrigações do
transportador; Capítulo 5- Responsabilidade do transportador por perda
dano ou atraso; Capítulo 6- Disposições adicionais relativas a certas etapas
do transporte; Capítulo 7- Obrigações do carregador para com o transpor-
tador; Capítulo 8- Documentos de transporte e documentos electrónicos de
transporte; Capítulo 9- Entrega das mercadorias; Capítulo 10- Direitos da
parte controladora; Capítulo 11- Transmissão de direitos; Capítulo 12- Limi-
tes da responsabilidade; Capítulo 13- Prazo para intentar acções; Capítulo
14- Jurisdição; Capítulo 15- Arbitragem; Capítulo 16- Validade de cláusulas
contratuais; Capítulo 17- Matérias não reguladas pela presente Convenção;
Capítulo 18- Disposições finais.
É esta extensão da Convenção que surpreende e que leva alguma da
doutrina a criticá-la pela sua complexidade149. Note-se que conta com 96
artigos, enquanto as regras de Haia tem apenas 16150. Contudo, essa não é
a posição dominante da doutrina. A este respeito leia-se a crítica acutilante
feita por Miguel Roca López “…Y respecto a la alegada «complejidad»,
cuesta creer que un jurista pueda realizar tan pobre critica. Cualquier
jurista es perfectamente capaz de leer y entender un texto jurídico, y las
Reglas de Rotterdam no deberían serle una excepción…esa «complejidad»
es facilmente superable. Y si no lo es, quizás sea más un problema del pró-
prio jurista que no de la Convención”151.
Evidentemente esta Convenção tem que ser mais extensa e complexa,
desde logo, porque visa regulamentar o transporte door-to-door e não ape-
nas port-to-port, além de que regulamenta outras situações, como a res-
ponsabilidade de personagens como o carregador, as marine parties e os
documentos electrónicos.

149
 Crf. Franciso Peleteiro, Ventajas de Las Reglas de Rotterdam para Porteado-
res Y Cargadores. El Punto de Vista de Armadores, Anuário de Derecho Marítimo, Vol.
XXVII, pág. 245.
150
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Marítima-Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 11.
151
  Miguel Roca López, Las Reglas de Rotterdam, in Estudios de Derecho Marítimo,
pág. 609.
542 Temas de Direito dos Transportes III

4.3.  O contrato de transporte e o contrato de fretamento

4.3.1.  O contrato de transporte

As Regras de Roterdão assentam no contrato de transporte152, que não


existe na Convenção de Bruxelas de 1924, uma vez que esta assenta no
conhecimento de carga.
Ora, no âmbito das Regras de Roterdão, o contrato de transporte153
é aquele pelo qual o transportador se obriga, contra o pagamento de um
frete, a transportar mercadorias de um local para outro154, tendo no entanto
que existir um “sea leg”. Assim, as Regras de Roterdão aplicam-se a outros
modos de transporte, que não apenas o marítimo, desde que as partes assim
o acordem155.

152
  Que é definido nos termos do art.º 1 n.º 1 (“Contract of carriage” means a contract
in witch a carrier, against the payment of freight, undertakes to carry goods from one place
to another. The contract shall provide for carriage by sea and may provide for carriage by
others modes of transport in addition to the sea carriage.). Cfr. Francisco Rueda, Las Reglas
de Roterdam. Un Regime Uniforme para los Contratos de volumen?, Anuário de Derecho
Marítimo, Vol. XXVI, que classifica o contrato como atípico, pág. 104 e 106.
153
  Tal como as regras de Hamburgo, mas em moldes diferentes, desde logo nestas
o contrato de transporte é aquele pelo qual o transportador se obriga, contra o pagamento
de um frete, a transportar mercadorias por mar, de um porto para outro porto excluindo
expressamente a sua aplicação ao transporte que não seja marítimo.
154
  Francisco Costeira da Rocha, O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág.
27/28 cit.: “ a deslocação terá que ser o principal da prestação do transportador. Quando
tal não acontece não se pode falar em contrato de transporte”.
155
  Francesco Berlingieri, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the
Hamburg Rules and the Rotterdam Rules, pág. 2 “Normally a contract is defined on the
basis of the obligations of the parties. The Hague-Visby Rules do not contain any such
definition, but merely connect the notion of contract of carriage to the document issued
there under, the bill of lading. For that reason it has been said that they have adopted a
documentary approach…”.
In the Hamburg Rules and in the Rotterdam Rules there is instead a definition of the
contract of carriage but it differs in respect of the description of the obligation of the carrier
which is merely the carriage of goods by sea from one port to another in the Hamburg Rules
and the carriage of goods from one place to another in the Rotterdam Rules. The Hamburg
Rules expressly exclude their application to the carriage by modes other than sea in case
the contract involves the carriage by other modes, while the Rotterdam Rules extend their
application to the carriage by other modes if the parties have so agreed.”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 543

Não se pode, assim, considerar uma convenção totalmente multimo-


dal, uma vez que a sua aplicação depende não só da existência de uma fase
marítima, mas também que esta esteja prevista no contrato de transporte156.
O contrato de transporte comporta três fases distintas157: a primeira
consiste na entrega da mercadoria ao transportador; a segunda consiste no
transporte propriamente dito, sendo nesta fase que o transportador tem a
mercadoria sob a sua custódia e a terceira que consiste na entrega da mer-
cadoria ao destinatário. Desta última derivam três obrigações para o trans-
portador: avisar o destinatário sobre a chegada da mercadoria; colocar as
mercadorias à disposição do destinatário para que este as levante e, por
último, apresentar ao destinatário o documento de transporte da mercadoria.
Sendo que, em sede de regime jurídico, o contrato de transporte marí-
timo é autónomo e distinto do regime geral de transporte158.

4.3.2.  O contrato de fretamento

“O contrato de fretamento de navio é aquele em que uma das partes


(fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição
um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma
retribuição pecuniária denominada de frete”159.
O fretamento é, assim, caracterizado pela afectação de um navio deter-
minado à realização de navegação marítima160, e não à deslocação de merca-
doria. Por essa razão ainda que este se destine à deslocação de mercadoria,
não estamos perante um contrato de transporte161.
O fretamento pode ser por viagem, a tempo e a casco nu.

156
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 102.
157
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 14 e pág. 62.
158
  Lynce Faria, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de
Bruxelas de 1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 26.
159
  DL 191/87 art. 1.º.
160
  Luís de Lima P inheiro, Estudos de Direito Civil, Direito Comercial e Direito
Comercial Internacional, pág. 153.
161
  Francisco Costeira da Rocha, O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág.
28 e LYNCE FARIA, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de
Bruxelas de 1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 30.
544 Temas de Direito dos Transportes III

No fretamento por viagem, o navio realiza uma ou várias viagens pré-


-definidas e a gestão náutica e a gestão comercial pertencem ao fretador.
Aquele tem semelhanças com o contrato de transporte, porque o que está
em causa é a deslocação da mercadoria, tem em vista um carregamento, mas
o fretador não se obriga a transportá-la. No fretamento a tempo, o navio é
afecto durante um determinado período de tempo, sendo a gestão náutica
do fretador, mas a comercial é do transportador. Por fim, no fretamento a
casco nu, o fretador disponibiliza um navio não armado nem equipado num
determinado período de tempo, pertencendo a gestão náutica e comercial
ao afretador162.
Pelo que, no fretamento por viagem, o fretador disponibiliza o navio
armado, equipado e assume a gestão náutica e comercial do mesmo; no fre-
tamento por viagem disponibiliza o navio armado e equipado, assumindo
apenas a gestão náutica e no fretamento a casco nu disponibiliza o navio
sem ser armado ou equipado.
Consequentemente, no fretamento por viagem, o afretador é apenas
responsável pela entrega da carga ou pelas operações da carga; a tempo,
suporta os custos da viagem e as operações de carga; em casco nu, suporta
os custos de exploração, da viagem e das operações de carga163.
Assim, o fretamento diz respeito a um navio que o armador-fretador
coloca à disposição do afretador, tendo a carta partida como o documento
que prova a celebração de um contrato de fretamento e que deve conter cer-
tos elementos como a identificação do navio, o tipo de contrato, a identifica-
ção das partes e o montante do frete, pelo que, mesmo que seja emitido um
conhecimento de carga, este será subsidiário à carta-partida, uma vez que
tem apenas por função a de recibo, que faz prova da entrega da mercadoria
a bordo, e a de aferir a quantidade e o tipo de mercadoria.
Devemos, no entanto, ter presente que se nos dados do contrato, não
existir a identificação do transportador, nos termos do artigo 37.º n.º 2, pre-
sume-se que o proprietário que tem o registo do navio a seu favor “Regis-
tered owner”, é o transportador, assumindo, assim, a responsabilidade por
perdas ou avarias provocadas na mercadoria, ou pelo atraso na sua entrega.
Contudo, pode o proprietário ilidir essa presunção, fazendo prova que o

  Lynce Faria, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de


162

Bruxelas de 1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 34.


163
  Lynce Faria, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de
Bruxelas de 1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 33 a 35.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 545

transporte, aquando da ocorrência do dano, era objecto de um contrato de


fretamento164.
Pelo que podemos concluir que: o contrato de transporte é um contrato
sinalagmático, através do qual o transportador se obriga a deslocar/trans-
portar determinadas pessoas ou coisas de um local para outro, mediante
retribuição. Assim, a deslocação é a obrigação fundamental assumida pelo
transportador, este assume um dever de custódia em relação à mercadoria,
por isso não tem apenas a obrigação de transportá-la mas de o fazer em
condições de a entregar no destino, dentro do prazo e sem perdas ou danos,
cumprindo, assim, também uma obrigação de resultado. No contrato de
transporte, o controlo deste é exercido pelo transportador, ou seja, “o trans-
portador tem a gestão comercial e técnica, a execução material das ope-
rações de deslocação”165.
O contrato de transporte abarca todo o momento em que o transporta-
dor recebe as mercadorias até à sua entrega.
Como contrapartida, o transportador deverá receber o preço do
transporte.
Por sua vez o fretamento diz respeito a um navio que o armador-fre-
tador coloca à disposição do afretador, para realizar uma determinada via-
gem. Por essa razão, diz-se que o fretamento é um contrato intuitu navis166
Assim, o fretador está sujeito a um regime de responsabilidade diferente
daquele a que está sujeito o transportador, não tendo que assumir determina-
das obrigações, em relação à mercadoria, que são próprias do transportador.

4.4.  Âmbito de aplicação

Quanto ao seu âmbito de aplicação, as Regras de Roterdão aplicam-


-se a todo o contrato de transporte, em que o lugar da recepção e da entrega
estejam em Estados diferentes e em que o porto de carga e o de descarga
dessa mercadoria também se encontrem em Estados diferentes167, contando

164
 Cfr. Christian Scapel, La Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de
Rotterdam, pág. 19 e sgts.
165
  Francisco Costeira da Rocha, O Contrato de Transporte de Mercadorias, cit.
pág. 29
166
 Cfr Nuno Castello-Branco, Direito dos Transportes, pág.192.
167
 Cfr. Januário da Costa Gomes, “Introdução às Regras de Roterdão- “A Convenção
Marítima-Plus” Sobre Transporte Internacional de Mercadoria”, pág. 19, refere o autor, ser
546 Temas de Direito dos Transportes III

que algum dos seguintes lugares esteja num Estado Contratante: lugar de
recepção; porto de carga; lugar de entrega; ou porto de descarga, nos termos
do artigo 5.º168, ou seja, o transporte tem que ser internacional.
Há assim, uma dupla exigência de internacionalidade. Além do trans-
porte ser internacional, o transporte marítimo também tem que o ser 169.
Mais, nos termos do seu artigo 6.º170, a Convenção só se aplica ao trans-
porte de linha regular171 e não ao tráfico tramp172 que recorre a cartas par-
tida, excepto nos termos do artigo 6.º n.º 2 a) “there is no charter party or
other contract between the parties for the use of a ship or of any space the-
reon; and” e b) “A transport document or an electronic transport record
is issued”, esta redacção deve-se à existência de realidades, cada vez mais
comuns, como os transportadores que, apesar de não serem regulares, pres-
tam serviços de transporte e emitem conhecimentos de carga, que pela sua
aceitação a Convenção pretende regulamentar173/174.

uma solução que segue a já adoptada, quer pelas Regras de Hamburgo, quer pelas Regras
de Haia-Visby e também pela Convenção de Bruxelas de 1924, apesar de o seu artigo 10.º
ser pouco claro quanto ao seu âmbito de aplicação.
168
  “1. Subject to article 6, this Convention applies to contracts of carriage in which
the place of receipt and the place of delivery are in different States, and the port of loading
of a sea carriage and the port of discharge of the same sea carriage are in different States,
if, according to the contract of carriage, any one of the following places is located in a Con-
tracting State: (a) The place of receipt; (b) The port of loading; (c) The place of delivery;
or (d) The port of discharge.
2. This Convention applies without regard to the nationality of the vessel, the carrier,
the performing parties, the shipper, the consignee, or any other interested parties.”
169
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Maritima-Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 18.
170
 ����������������������������������������������������������������������������������
“1. This Convention does not apply to the following contracts in liner transporta-
tion: (a) Charter parties; and (b) Other contracts for the use of a ship or of any space thereon.
2. This Convention does not apply to contracts of carriage in non-liner transportation
except when: (a) There is no charter party or other contract between the parties for the use
of a ship or of any space thereon; and (b) A transport document or an electronic transport
record is issued.”.
171
  Cfr. Art.º. 1.º n.º 3 “«Liner transportation» means a transportation service that is
offered to the public through publication or similar means and includes transportation by
ships operating on a regular schedule between specified ports in accordance with publicly
available timetables of sailing dates.”.
172
  Cfr. Art.º. 1.º n.º 4 “«Non-liner transportation» means any transportation that is
not liner transportation.”.
173
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 106.
174
  Quer as Regras de Haia-Visby quer as Regras de Hamburgo apenas se aplicam
ao transporte de linha regular.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 547

Contudo, visando tutelar a situação de terceiros de boa-fé, e na esteira


do propugnado na Convenção de Bruxelas de 1924, no seu artigo 1.º b) e
segundo parágrafo do artigo 5.º, e nas Regras de Hamburgo, no seu artigo
2.º n.º 3, vem a Convenção de Roterdão estabelecer que é aplicável, não obs-
tante o disposto no artigo 6.º, às relações entre o transportador e o destina-
tário, a parte controladora ou o portador que não seja parte originária num
contrato de fretamento nem num contrato de transporte excluído do âmbito
de aplicação da convenção175.

4.5.  Arco temporal

Relativamente ao Arco Temporal176, este inicia-se quando o transpor-


tador ou uma performing party (parte executante) recebe as mercadorias
para transporte e acaba quando as mercadorias são entregues, nos termos do
artigo 12.º n.º1177. Alargando assim, o período da responsabilidade do trans-
portador, face às convenções anteriores178, o que implica que a responsabili-
dade se estenda ao transporte marítimo, mas também ao aéreo, ferroviário
ou rodoviário, assim como a todas as operações portuárias179.

175
 Cfr. Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Marítima-Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 21.
176
  Que é aquele período em que o transportador é responsável pela perda, dano ou
atraso na entrega da mercadoria, Cfr. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por
Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág. 254. Refere ainda o autor, a
importância das Regras de Roterdão alargarem o período da responsabilidade do trans-
portador, para além do período em que este tem a mercadoria sob a sua custódia, v.g pág.
254/255; e Christian Scapal, La Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de
Rotterdam, pág. 22.
177
  Art.º 12 n.º 1 “The period of responsibility of the carrier for the goods unther this
Convention begins when the carrier or a performing party receives the goods for carriage
and ends when the goods are delivered.”
178
  A convenção de Bruxelas e o Protocolo de 1968 aplicam-se apenas à fase marítima
do transporte, nomeadamente, entre o carregamento e o desembarque das mercadorias; já
nas Regras de Hamburgo, a responsabilidade do transportador abrange o período em que
as mercadorias estão à sua guarda no porto de embarque, durante o transporte e no porto
de descarga.
179
  Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en
Las Reglas de Rotterdam, pág. 256.
548 Temas de Direito dos Transportes III

Isto, porque, num sistema multimodal, o transportador pode receber


as mercadorias antes de chegar ao porto e pode ter de as entregar depois de
estas terem chegado ao porto180.
Basta pensar no exemplo: num transporte do Huambo (Angola) para
Coimbra (Portugal), o transportador não recebe a mercadoria no porto e a
entrega em Coimbra também não será num porto.
As partes podem estipular o momento e o lugar da entrega, desde que
este não seja posterior ao da operação inicial da carga, nem a entrega seja
anterior ao momento da operação final da descarga, sendo nulas todas as
cláusulas que desrespeitem estes limites, nos termos do artigo 12.º n.º 3181.
O artigo 13.º n.º 2, prevê a estipulação de cláusulas no contrato de
transporte que transfiram as obrigações do transportador, respeitantes ao
carregamento, à estiva e à descarga, para o carregador, o carregador docu-
mentário ou o destinatário182, prevendo assim as cláusulas FIO183-184, mas
sempre com respeito pelo período da responsabilidade consagrado no artigo
12.º n.º 3. Assim a Convenção reconhece as cláusulas FIO, mas para evi-
tar a sua utilização indevida e abusiva, apenas as permite fora do perí-
odo de responsabilidade estabelecido185. Há autores que entendem que

  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 111/112; e Januário


180

da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Marítima-Plus” sobre


Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 56
181
  “For the purpose of determining the carrier’s period of responsibility, the parties
may agree on the time and location of receipt and delivery of the goods, but a provision in
a contract of carriage is void to the extent that it provides that: (a) The time of receipt of the
goods is subsequent to the beginning of their initial loading under the contract of carriage;
or (b) The time of delivery of the goods is prior to the completion of their final unloading
under the contract of carriage.”
182
  Art.º 13.º n.º 2 “Notwithstanding paragraph 1 of this article… the carrier and
the shipper may agree that loanding, handling, stowing or unloading of the goods is to be
performed by the shipper, the documentar shipper or the consignee…”.
183
  Tomotaka Fujita, The Coverage of the Rotterdam Rulles, pág. 3, cit.: “Such an ar-
rangemant is called “free in/free out” FIO, razão pela qual a Convenção claramente consagra
as cláusulas FIO. Referindo–se ainda Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por
Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág. 260, às cláusulas FIOS (freen
in and out stowed); FIOST (free in and out stowed and trimmed) e FIOSTLSD (freen in
and out stowed trimmed lashed secured and dunnaged),
184
  Sobre as cláusulas FIO v.g. Mário R aposo, Transporte Internacional de Merca-
dorias por Mar, Pág. 333 e sgts.
185
  Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en
Las Reglas de Rotterdam, pág. 261

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 549

esta transferência diz respeito não apenas a custos, mas também à própria
responsabilidade186.
Dentro deste arco temporal vem o artigo 12.º n.º 2, estabelecer uma
excepção, à responsabilidade do transportador. Este não será responsável
pelos danos ou perdas que a mercadoria sofra, durante o período em que
esta se encontra em poder de uma autoridade ou de um terceiro, desde que
este não seja uma parte executante. Entende-se esta exclusão uma vez que
o transportador perde durante esse período a custódia da mercadoria187.

4.6.  Obrigações do transportador

Ao contrário das Regras de Haia, em que o transportador tinha que


exercer uma razoável diligência quanto ao navio para o colocar “seawor-
thy and cargo worthy”188, antes do início da viagem, porque naquela altura,
depois do início da viagem, o transportador perdia o controlo do navio, nas
Regras de Roterdão essa diligência tem que se manter durante a viagem,
porque, fruto do avanço das telecomunicações, é possível manter o contacto
com o navio, nos termos do artigo. 14.º: “The carrier is bound before, at
the beginning of, and during the voyage by see to exercice due diligence
to:…”189, assim, tem o transportador que exercer uma razoável diligência,
antes do início da viagem e durante a viagem, para pôr o navio em estado
de navegabilidade, armar equipar e aprovisionar convenientemente o navio,
preparar e pôr em bom estado os porões, os frigoríficos e todas as outras
partes do navio em que as mercadorias são carregadas, para a sua recepção,
transporte e conservação.
Nos termos do artigo. 11.º das Regras de Roterdão, o transportador tem
não só a obrigação de transportar mas também de entregar a mercadoria

186
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 113.
187
  Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en
Las Reglas de Rotterdam, pág. 256 e sgts.
188
  Hugo R amos A lves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, cit. pág. 70 “…a navegabilidade abarca não só a aptidão
do navio para a navegação, mas, também a aptidão para receber a carga transportada, bem
como transportá-la em condições de segurança numa determinada viagem…”.
189
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 106/107 e Januário
da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Marítima-Plus” sobre
Transporte Internacional e Mercadorias, pág. 58
550 Temas de Direito dos Transportes III

“the carrier shall,…, carry the goods to the place of destination and deli-
ver them to the consignee”.
Esta entrega é uma obrigação que não se encontra na Convenção de
Bruxelas e apenas surge implicitamente nas Regras de Hamburgo no seu
artigo 5.º190/191.
As obrigações específicas, relativas ao transporte marítimo, do trans-
portador iniciam-se quando este tem a mercadoria a seu cargo, nos termos
do artigo12.º, e estão contempladas no artigo 13.º192, como, entre outras, rece-
ber, carregar, manipular, estivar, transportar, descarregar e entregar a mer-
cadoria de forma apropriada e cuidadosa. Estas obrigações do transportador,
não são tão claras, na Convenção de Bruxelas de 1924, uma vez que resulta
da leitura do seu artigo 3.º n.º 2, que estas obrigações de carregar, manter,
estivar, transportar, descarregar e descarregar serão, do transportador caso
haja acordo entre este e o carregador. Nesse caso, essas obrigações deverão
ser realizadas de modo apropriado e diligente193.
Contudo, já referimos supra, que nos termos do artigo 13.º n.º 2 estas
operações poderão ficar a cargo do carregador, do carregador documentário
ou do destinatário, apesar de esta não ser uma prática viável no transporte
door-to-door194. Sendo que os limites da responsabilidade estabelecidos no

190
  Francesco Berlingieri, A Comparative analysis of the Hague-Visby Rules, the
Hamburg Rules and the Rotterdam Rules, pág. 6
191
  Artigo 5 .º das Regras de Hamburgo, «Fundamento da responsabilidade» “1. O
transportador é responsável pelo prejuízo resultante da perda ou dano às mercadorias, bem
como de atraso na entrega, se a ocorrência que causou a perda, avaria ou atraso ocorreu
quando as mercadorias estavam sob sua responsabilidade, tal como definido no artigo 4,
a menos que prove que ele, seus funcionários ou agentes tomaram todas as medidas que
poderiam razoavelmente ser exigidas para evitar a ocorrência e suas consequências.
2. Atraso na entrega ocorre quando as mercadorias não foram entregues no porto de
descarga previsto no contrato de transporte dentro do prazo expressamente acordado ou,
na ausência de tal acordo, dentro do tempo que seria razoável exigir de uma transportadora
diligente, tendo em conta as circunstâncias do caso.”.
192
  Art.º 13.º n.º 1 “The carrier shall …properly and carefully receive, load, handle,
stow, carry, keep, care for, unload, and delivery the goods”.
193
 Cfr. Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 108.
194
  “Therefore, it is perfectly possible for the parties, for instance, to enter into a
traditional “port-to-port” contract of carriage in which the shipper delivers the goods to
the container yard of the port of loading, and the carrier unloads them at the container
yard of the port of discharge, with the carrier only responsible for the carriage between
the two container yards.” Cfr. Questions and Answers on The Rotterdam Rules, The CMI
INTERNATIONAL WORKING GROUP of the Rotterdam Rules.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 551

artigo 59.º, que iremos abordar infra, também se aplicam a estas obrigações
do transportador195.

4.7.  A responsabilidade do transportador

Encontramos o regime da responsabilidade do transportador consa-


grado nos artigos 17.º a 23.º da Convenção196. Do n.º 2 do artigo 17.º decorre
que a responsabilidade do transportador é baseada na culpa197, “The car-
rier is relieved of all or part of its liability pursuant to paragraph 1 of this
article if it proves that the cause or one of the causes of the loss, damage,
or delay is not attributable to its fault or to the fault of any person referred
to in article 18”198.
Assim, nos termos do artigo 17.º n.º 1 o transportador é responsável
em caso de perda, avaria ou atraso na entrega da mercadoria, quando estas
ocorram dentro do período da sua responsabilidade199. A Convenção define
no seu artigo 21.º o atraso na entrega, contudo não define nem a perda nem
a avaria. Entendemos, no entanto, que a perda se traduz na não entrega, par-
cial ou total, da mercadoria no destino, enquanto a avaria se traduz numa
alteração da mercadoria que implica a sua desvalorização. Pelo que, a perda
implica uma diminuição quantitativa e a avaria uma diminuição qualitativa
da mercadoria200.

195
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 108, Nt. 26.
196
  Ignácio A rroyo, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário de Derecho
Marítimo, Vol. XXVII, pág. 37 refere um sistema misto de responsabilidade objectiva e
por culpa.
197
  Deriva do incumprimento do contrato de transporte de mercadorias, sendo que se
considera haver incumprimento do contrato quando haja perda, dano ou atraso na entrega
da mercadoria, cfr. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o
Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág. 262
198
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, na pág. 109, escreve que
a responsabilidade do transportador parece estar baseada na culpa, uma vez que a palavra
inglesa “fault” não é inteiramente coincidente com “culpa” (“fault” é mais indicado para
“falha” e “guilt” para culpa).
199
 Cfr. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso
en Las Reglas de Rotterdam, pág.254
200
 V.g. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso
en Las Reglas de Rotterdam, pág. 263
552 Temas de Direito dos Transportes III

O atraso, nos termos do artigo 21.º, consiste na ausência da entrega da


mercadoria, no prazo acordado no contrato de transporte, pelo que, para
que exista atraso, é condição fundamental, a estipulação de um prazo de
entrega, que pode constar no contrato de transporte, num documento elec-
trónico ou ser simplesmente verbal, levantando-se, obviamente, neste último
o problema da prova da sua existência, uma vez que a Convenção não esta-
belece um critério supletivo, do denominado prazo razoável de entrega de
um transportador diligente201.
Contudo, embora fora do âmbito da responsabilidade do transportador,
encontramos na Convenção a estipulação de um prazo de entrega razoável,
no capítulo 9.º respeitante à entrega da carga, no seu artigo 43.º, quando não
tenha sido estabelecido um prazo de entrega pelas partes.
O artigo 17.º comporta um complexo sistema de ónus de prova deno-
minado por alguns autores de “four-step-process”202.
O primeiro passo cabe ao reclamante, que tem que provar que a mer-
cadoria se encontrava à guarda do transportador, nos termos do artigo12.º
n.º 1, quando sofreu o dano ou o atraso, ou a circunstância que provocou o
dano, a perda ou o atraso203.
Nesse caso, o transportador é responsável, mas pode sempre contestar,
recorrendo aos fundamentos da exoneração da sua responsabilidade, previs-
tos nos n.os 2 e 3 do artigo 17.º, e estamos na segunda fase.
O transportador pode elidir a presunção de culpa estabelecida pelo
artigo. 17.º n.º 1“The carrier is liable for loss or damage to the goods, as
well as for delay in delivery, if the claimant proves that the loss, damage
or delay, or the event or circumstance that cause or contributed to it took
place during the period of the carrier’s responsability as defined in chap-
ter 4”, se provar que a causa do dano, perda ou atraso não é devida a culpa
sua ou à de qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º 204, nos termos
do artigo 17.º n.º 2 “The carrier is relieved of all or part of its liability pur-

201
  Idem; V.g também Christian Scapel, La Responsabilité du Transporteurs Selon
les Règles de Rotterdam, pág. 23
202
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Maritima-Plus” Sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 59, Nt. 171.
203
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Maritima-Plus” Sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 59, Nt. 173, uma vez
que há circunstancias que ocorreram nesse período mas cujos efeitos se produzem mais tarde.
204
  Denominadas de “Himalaya protetion”; cfr. Tomotaka Fujita, The Coverage of
the Rotterdam Rulles, pág 5,

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 553

suant to paragraph 1 of this article if it proves that the cause or one of the
causes of the loss, damage, or delay is not attributable to its fault or to the
fault of any person referred to in article 18”, ou em alternativa lançar mão
do artigo 17.º n.º 3, invocando um dos excepted perills ai elencados, e em
muito semelhantes aos constantes na Convenção de Bruxelas de 1924, no
seu artigo 4.º, embora nas Regras de Roterdão não conste a falta náutica.
Assim, basta ao transportador provar que a ocorrência de uma dessas
causas provocou o dano, a perda ou atraso, para conseguir a exoneração da
sua responsabilidade.
Poderá entrar-se numa terceira fase, se o reclamante conseguir fazer
prova das situações previstas no artigo17.º n.os 4 e 5.
Segundo o artigo 17.º n.º 4 a) 205 pode o reclamante provar que o facto
ou circunstância que o transportador alegou para se exonerar da sua respon-
sabilidade, foi provocado por culpa do próprio transportador ou de alguma
das pessoas enunciadas no artigo18.º; ou pode o reclamante recorrer ao artigo
17.º n.º 4 b) 206, provando que o facto que provocou a perda, dano ou atraso
na mercadoria, não foi nenhum dos constantes nos excepted perills; ou pode
o reclamante provar, nos termos do artigo 17.º n. .º 5 a) 207 que o dano perda
ou atraso da mercadoria, se deu devido à inavegabilidade do navio; deficiên-
cias no armamento, aprovisionamento ou equipagem do navio; os porões ou
outras partes do navio não se encontrarem em condições de receber, trans-
portar e conservar a mercadoria.
Entramos então na quarta e última fase em que o ónus da prova cabe
ao transportador.
Pode o transportador provar que o facto ou circunstância (alegado pelo
reclamante nos termos do artigo 17. n.º 4 b), como não sendo um dos excep-
205
  “Notwithstanding paragraph 3 of this article, the carrier is liable for all or part
of the loss, damage or delay: a) If the claimant proves that the fault of the carrier or of
a persen referred to in article 18 caused or contributed to the event or circumstance on
which the carriers relies; or”.
206
  “If the claimant proves that an event or circumstance not listed in paragraph
3 of this article contributed to the loss, damage, or delay and the carrier cannot prove
that this event or circumstance is not attributable to its fault or to the fault of any person
referred to in article 18”.
207
  “The carrier is also liable, notwithstanding paragraph 3 of this article, for all
or part of the loss, damage or delay if: a) The claimant proves that the loss, damage or
delay was or was probably caused by or contributed to by (i) the unseaworthiness of the
ship; (ii) the improper crewing, equipping, and supplying of the ship; or (iii) the fact that
the holds or other parts of the ship in witch the goods are carried, were not fit and safe for
reception, carriage, and preservation of the goods; and”.
554 Temas de Direito dos Transportes III

ted perills não ocorreu por culpa sua ou dos elementos constantes no artigo
18.º, nos termos do artigo 17.º n.º 4 in fine; ou lançando mão do artigo 17.º
n.º 5 b) 208, provar que nenhum dos factos mencionados na alínea anterior
causou o dano, perda ou atraso na mercadoria ou que actuou com a diligên-
cia devida, nos termos do artigo 14.º.
Poderemos de uma forma clara e sucinta, recorrer ao esquema apre-
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
sentado por Francesco Berlingieri209, para melhor demonstrar este “four
____________________________________________________________________________

step process”.

• 1ª fase (art.º 17/1) Presunção de culpa

2ª fase– O transportador prova que não teve culpa (art.17/2)


ou
O transportador invoca os excepted perills (art. 17/3)

3ª Fase

O reclamante prova que o facto alegado pelo


Transportador ocorreu por culpa do mesmo.
(art.º 17/4 a))

O reclamante prova que o facto que provocou o dano


não é nenhum dos previstos no art.17/3. (art. 17/4b))

O reclamante prova que o dano foi causado


pelo estado de inavegabilidade ( art. 17/5a) )

4ª Fase

O transportador prova que o facto não é devido


a culpa sua( art. 17/4b))
O transportador prova que nenhum desses
factos causou o dano/ que agiu com
diligência. (art. 17/5b))

208
  “The carrier is unable
4.7.1. Atraso na entregato prove either that: (i) none of the events or circumstances
referred to in subparagraph 5 (a) of this article caused the loss, damage, or delay; or (ii)
it complied with its obligation to exercise due diligence pursuant to article 14.”.
209
  Francesco Berlingieri, A Comparative Analysis of the Hague-Visby 58 Rules, the
Hamburg Rules and the Rotterdam Rules, pág. 9.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 555

4.7.1.  Atraso na entrega

A responsabilidade do transportador dá-se não só pela perda, ou dano


da mercadoria, mas também pelo atraso na sua entrega210, que consiste na
ausência da entrega da mercadoria, no prazo acordado, conforme decorre
do artigo 17.º211.
O transportador responde pelo atraso, apenas nos termos do artigo
21.º212, ou seja, quando as mercadorias não são entregues no local de des-
tino e no prazo estipulados no contrato de transporte, conforme já referi-
mos supra no ponto 4.7.
Curiosamente, na Convenção de Bruxelas, não encontramos nenhuma
disposição sobre a responsabilidade do transportador pelo atraso na entrega.

4.7.2. A responsabilidade do transportador por actos ou omissões


de outras pessoas

O transportador é responsável pela violação das suas obrigações, ainda


que estas resultem de actos ou omissões de outras pessoas. Esta responsa-
bilidade resulta expressamente do artigo 18.º213. Assim, o transportador é
responsável pelos actos ou omissões de qualquer performing party214; do

210
  Christian Scapel, la Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de Rotter-
dam, pág. 22 e sgts, cit.: “ l’éxtension du domaine de la Convention se manifeste, également,
à l’égarde de la responsabilité pour retard”.
211
  “1. The carrier is liable for loss of or damage to the goods, as well as for delay in
delivery, if the claimant proves that the loss, damage, or delay, or the event or circumstance
that caused or contributed to it took place during the period of the carrier’s responsibility
as defined in chapter 4.”.
212
  “Delay in delivery occurs when the goods are not delivered at the place of
destination provided for in the contract of carriage within the time agreed.”.
213
  “ The carrier is liable for the breach of its obligations under this Convention caused
by the acts or omissions of: a) any performing party; b) the master or crew of the ship; c)
employees of the carrier or a performing party; or d) any other person that performs or
undertakes to perform any of the carrier’s obligations under the contract of carriage, to the
extent that the person acts, either directly or indirectly, at the carrier’s request or under the
carrier’s supervision or control”.
214
  Cfr. Art. 1.º n.º 6 “(a) “Performing party” means a person other than the carrier
that performs or undertakes to perform any of the carrier’s obligations under a contract of
carriage with respect to the receipt, loading, handling, stowage, carriage, care, unloading or
delivery of the goods, to the extent that such person acts, either directly or indirectly, at the
556 Temas de Direito dos Transportes III

capitão e tripulação do navio; dos empregados do transportador ou de uma


das performing party; ou de qualquer outra pessoa que tenha a obrigação de
executar obrigações do transportador, desde que essa pessoa actue directa ou
indirectamente, a pedido ou sob a supervisão ou controlo do transportador.
Relativamente à responsabilidade do transportador pelos actos do capi-
tão e da tripulação do navio, constatamos uma abismal diferença, relativa-
mente à Convenção de Bruxelas que, no seu artigo 4.º n.º 2 a), a consagrava
como uma das causas exoneradoras da responsabilidade do transportador.
Como já referimos supra, este excepted perill, também não consta das
Regras de Hamburgo.

4.7.3.  A responsabilidade da parte executante marítima

Para a cabal execução de um contrato de transporte de mercadorias,


é necessária a intervenção de diversos operadores. Com o recurso à deno-
minada Himalaya Clause215, estende-se o regime da responsabilidade do
transportador “à actividade de qualquer sujeito de quem o transportador
se socorra para a concreta execução das singulares operações que entram
no âmbito do contrato de transporte”216.
E recorre-se a esta cláusula, no âmbito da Convenção de Bruxelas, para
que a mesma se aplique às partes executantes.
No entanto, as Regras de Roterdão regulamentam a responsabilidade
das marine performing parties217 no seu artigo 19.º, estendendo a respon-
sabilidade, bem como os meios de defesa e os limites à responsabilidade,
a outras pessoas que não o transportador, tais como operadores de termi-
nais, donos de armazéns, estivadores e transportadores no porto. Conside-

carrier’s request or under the carrier’s supervision or control. (b) “Performing party” does
not include any person that is retained, directly or indirectly, by a shipper, by a documentary
shipper, by the controlling party or by the consignee instead of by the carrier.”.
215
  JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Sobre a Responsabilidade do Transportador
nas Regras de Roterdão, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 651.
216
  JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do Transporte “port to port” ao Transporte
“door to door”, cit. pág. 375.
217
  Cfr. Art.º 1.º n.º 7 ““Maritime performing party” means a performing party to the
extent that it performs or undertakes to perform any of the carrier’s obligations during the
period between the arrival of the goods at the port of loading of a ship and their departure
from the port of discharge of a ship. An inland carrier is a maritime performing party only
if it performs or undertakes to perform its services exclusively within a port area.”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 557

ram também o subtransportador como uma marine party. Contrariamente,


na Convenção de Bruxelas, não encontramos resposta ao regime a aplicar
no caso de o transportador subtransportar, pois esta apenas prevê a respon-
sabilidade do “performing carrier” e não do “actual carrier”, que também
não se encontra previsto no Protocolo de 1968, mas que é contemplado nas
Regras de Hamburgo, que lhe impõem, a par do “performing carrier”218,
uma responsabilidade por perda, dano ou atraso, bem como pela violação
de outras obrigações.
Os marine performing parties, estão sujeitos às mesmas obrigações219,
responsabilidade, causas de exoneração da responsabilidade e limitação da
mesma, que o transportador220. Ao contrário das partes executantes não marí-
timas, às quais não se aplica o regime da convenção. O que, atendendo ao
propósito uniformizador da Convenção do Transporte “porta a porta”, não
faz muito sentido, visto que todas as fases anteriores ou posteriores à marí-
tima ficarão sujeitas à legislação nacional221-222. Mas para que se aplique o
n.º 1 do artigo 19.º é necessário que a marine party:
a) Tenha recebido as mercadorias para transporte, num Estado
contratante;
b) Tenha entregado as mercadorias num Estado contratante; ou
c) Tenha executado a sua actividade num porto de um Estado
contratante.

Cumulativamente, é necessário que o facto que provocou o dano, a


perda ou o atraso tenha tido lugar:
a) No período que medeia a chegada das mercadorias ao porto de car-
regamento do navio e a sua saída no porto de descarga do navio;

218
  O conceito de “performing party” substitui o conceito de “performing carrier”
consagrado nas Regras de Hamburgo, tendo aquele um âmbito mais amplo, uma vez que
se trata de uma Convenção “door-to-door” e não apenas “port-to-port”. Cfr. Januário da
Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-Plus” sobre
Transporte Internacional de Mercadorias, pág.29/30
219
  Cfr. Art.º 1.º n.º 6 a).
220
  Cfr. Art.º 19 “A marine performing party is subject to the obligations and liabilities
imposed on the carrier under this convention and is entitled to the carrier’s defences and
limits of liability as provided for in this Convencion …”.
221
 Cfr. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso
en Las Reglas de Rotterdam, pág. 276/277.
222
  Cfr. Tomotaka Fujita, The covarage of the Rotterdam Rules, pág 5,
558 Temas de Direito dos Transportes III

b) Durante a custódia da mercadoria pela marine party; ou


c) Em qualquer outro momento, desde que estivesse a participar
na execução de alguma das actividades previstas no contrato de
transporte.

Sendo também a marine party, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º, res-
ponsável por todos os actos ou omissões de pessoas a quem tenha confiado
a execução de qualquer das suas obrigações, não abrangendo, no entanto,
o capitão do navio e a sua tripulação, nem um empregado do transportador
ou do marine party, nos termos do artigo 19.º n.º4223.
A responsabilidade do transportador e das marine parties é uma res-
ponsabilidade solidária, conforme estipulado no artigo 20.º n.º1.
A responsabilidade solidária significa que a responsabilidade pelos
prejuízos, é imputável a várias pessoas, não apenas aos que produziram o
dano mas a todos que para ele contribuíram, pelo que o lesado pode exigir
a reparação do dano a qualquer um dos responsáveis, podendo intentar a
acção, directamente, contra a parte executante.
Assim, o transportador e as marine parties, são responsáveis solidaria-
mente, pela totalidade da indemnização devida ao lesado. Mas entende-se
que esta responsabilidade solidária se dá apenas entre o transportador e as
partes executantes marítimas, não se aplicando, portanto, ao transportador
e a partes executantes não marítimas224.

4.7.4.  Transporte no convés

Quanto às mercadorias transportadas no convés, as Regras de Roter-


dão mantêm o princípio das Regras de Hamburgo, ou seja, as mercadorias
só podem ser transportadas no convés em determinadas situações.
Mas, nas Regras de Roterdão, essas situações são alargadas havendo
expressa referência às mercadorias transportadas em contentores ou sobre
veículos adequados para o transporte no convés.
O artigo 25.º n.º 1 elenca as situações em que a mercadoria pode ser
transportada no convés. Diz o n.º 1 do artigo 25.º “Goods may be carried

 Cfr. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso
223

en Las Reglas de Rotterdam, pág. 276.


224
 Cfr. Martín Osante, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso
en Las Reglas de Rotterdam, pág. 277 e 288.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 559

on the deck of a ship only if: a) such carriage is required by law; b) they
are carried in or on containers or vehicles that are fit for deck carriage,
and the decks are specially fitted to carry such cointainers or vehicles, or;
c) the carriage on the deck is inaccordance with the contract of carriage,
or the costoms, usages or practices of the trade in question” e o artigo 25.º
n.º 2 diz que o transportador é responsável, nos termos da Convenção, pelo
dano, perda ou atraso na mercadoria, contudo não será responsável pelos
danos ou perdas, resultantes dos especiais riscos do transporte no convés,
quando esse transporte tenha decorrido da alínea a) e c) do artigo 25.º “…
but the carrier is not liable for loss or for damage to such goods, or delay
in their deliverry, caused by the special risks involved in their carriage on
deck when the goods are carried in accordance with subparagraphs 1 (a)
or (c) of this article.”, ou seja, quando esse transporte decorra por exigên-
cia da lei ou for feito de acordo com o estipulado no contrato ou pelos usos
do comércio ou a prática do tráfico.
Resulta do n.º 3 do artigo 25.º225 que o transportador é responsável pelos
danos, perdas ou atraso na entrega das mercadorias que seja exclusivamente
provocado pelo transporte no convés, quando o transporte haja sido realizado
fora dos casos previstos no artigo. 25.º n.º 1, nesse caso não pode o transpor-
tador invocar as causas de exoneração previstas no artigo 17.º.
Contudo, quando um terceiro, de boa-fé tenha adquirido um documento
de transporte negociável, a não ser que esteja especificado nos dados do con-
trato que as mercadorias podem ser transportadas no convés226, o transpor-
tador não pode exonerar-se da sua responsabilidade com base no artigo 25.º
n.º 1 c), nos termos do artigo 25.º n.º 4227.
E estando o artigo 25 n.º 5228 na esteira do artigo 9.º n.º 4 das Regras de
Hamburgo, vem estabelecer que o transportador não tem direito à limitação

225
  Art. 25 n.º 3“If the goods have been carried on the deck in cases other than those
permitted pursuant to paragraph 1 of this article, the carrier is liable for loss o for damage
to the goods or delay in their delivery that is exclusively caused by their carriage on deck,
and is not entitle to the defences provid for in article 17.”.
226
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Marítima-Plus” Sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág.68, Nt. 199.
227
  Art.º 25 n.º4 “The carrier is not entitle to invoque subparagraph 1 (c) of this article
against a third party that has acquired a negotiable transport documento or a negotiable
electronic transport record in good faith, unless the contract particulars state that the goods
may be carried on deck”.
228
  Art.º 25 n.º 5 “If the carrier and shipper expressly agreed that goods would be
carried under deck, the carrier is not entitled to the benefit of the limitation of liability for
560 Temas de Direito dos Transportes III

da responsabilidade, quando a perda, dano ou atraso na entrega da mercado-


ria resultem do transporte no convés, quando haja sido acordado pelo carre-
gador e pelo transportador que o transporte das mercadorias seria no porão.
Fruto da sua época, em que ainda se desconheciam os contentores, e dos
perigos que representa a carga no convés, a Convenção de Bruxelas exclui
do seu âmbito de aplicação a carga no convés, assim como o transporte de
animais vivos229. E é no sentido de tornar a Convenção mais actual e apta
a satisfazer as novas necessidades, de uma sociedade mais moderna, como
a de contentorização, que o Protocolo de 1978 vem alterar o texto original
regulamentando a carga no convés.

4.8.  Casos exoneradores da responsabilidade do transportador

4.8.1.  Considerações gerais

A Convenção consagra nos n.os 2 e 3 do seu artigo 17.º os casos em que


o transportador fica exonerado de responsabilidade230.
O n.º 2231 estabelece que o transportador ficará totalmente ou parcial-
mente exonerado da sua responsabilidade se provar que a causa da perda,
avaria ou atraso não foi provocada por sua culpa ou de qualquer das pessoas
previstas no artigo 18.º.

any loss of, damage to or delay in the delivery of the goods to the extent that such loss,
damage, or delay result from their carriage on deck”.
229
  Esta no seu artigo 1.º c) considera como mercadorias “os bens, objectos, merca-
dorias e artigos de qualquer natureza, excepto animais vivos e a carga, que no contrato de
transporte, é declarada como carregada no convés e, de facto, é assim transportada”. As
regras de Hamburgo consideram os animais vivos no conceito de mercadoria, apesar de
estabelecerem para estes um regime especial de responsabilidade, v.g artigos 1.º n.º 5 e 5.º n.º
5. Também as Regras de Roterdão consideram os animais vivos no conceito de mercadoria,
apesar de no seu artigo 81.º a) prever a possibilidade do transportador excluir ou limitar a
sua responsabilidade quanto ao transporte dos mesmos.
230
  Contudo, as partes executantes não marítimas, não beneficiam destas exonerações
nem da limitação da responsabilidade, ficando, assim, estes desprotegidos. Mais uma vez
é colocado em causa o regime uniforme, pretendido pela Convenção. V.g. Martín Osante,
Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas de Rotterdam,
pág 280.
231
  “2. The carrier is relieved of all or part of its liability pursuant to paragraph 1 of
this article if it proves that the cause or one of the causes of the loss, damage, or delay is not
attributable to its fault or to the fault of any person referred to in article 18.”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 561

No seu n.º 3 elenca uma série de eventos, os excepted perills, que exo-
neram o transportador de responsabilidade, caso este prove o nexo causal
entre esses eventos e o dano, avaria ou atraso. Estes casos exoneratórios da
responsabilidade do transportador são muito semelhantes aos que constam
na Convenção de Bruxelas no seu artigo 4.º, se bem que na Convenção de
Roterdão, algumas são novidade, como o salvamento de bens, a prevenção
de danos ambientais, e houve a exclusão da falta náutica.

4.8.2.  Os casos exoneradores da responsabilidade

O artigo 17.º n.º 3 das Regras de Roterdão consagra os seguintes casos


exoneratórios, da responsabilidade do transportador232:
a) Actos de Deus;
b) Riscos, perigos e acidentes no mar ou em outras águas navegáveis;
c) Guerra, hostilidades, conflito armado, pirataria, terrorismo, motins
e tumultos;
d) Restrições de quarentena; interferência ou impedimentos cria-
dos por governos, autoridades públicas, dirigentes ou pessoas,

232
  “The carrier is also relieved of all or part of its liability pursuant to paragraph 1
of this article if, alternatively to proving the absence of fault as provided in paragraph 2 of
this article, it proves that one or more of the following events or circumstances caused or
contributed to the loss, damage, or delay: (a) Act of God; (b) Perils, dangers, and accidents
of the sea or other navigable waters; (c) War, hostilities, armed conflict, piracy, terrorism,
riots, and civil commotions; (d) Quarantine restrictions; interference by or impediments
created by governments, public authorities, rulers, or people including detention, arrest,
or seizure not attributable to the carrier or any person referred to in article 18, (e) Strikes,
lockouts, stoppages, or restraints of labour (f) Fire on the ship; (g) Latent defects not dis-
coverable by due diligence; (h) Act or omission of the shipper, the documentary shipper,
the controlling party, or any other person for whose acts the shipper or the documentary
shipper is liable pursuant to article 33 or 34; (i) Loading, handling, stowing, or unloading
of the goods performed pursuant to an agreement in accordance with article 13, paragraph
2, unless the carrier or a performing party performs such activity on behalf of the shipper,
the documentary shipper or the consignee; (j) Wastage in bulk or weight or any other loss
or damage arising from inherent defect, quality, or vice of the goods; (k) Insufficiency or
defective condition of packing or marking not performed by or on behalf of the carrier; (l)
Saving or attempting to save life at sea; (m) Reasonable measures to save or attempt to save
property at sea; (n) Reasonable measures to avoid or attempt to avoid damage to the environ-
ment; or (o) Acts of the carrier in pursuance of the powers conferred by articles 15 and 16.”.
562 Temas de Direito dos Transportes III

incluindo detenção, prisão ou embargo não imputado ao trans-


portador nem a nenhuma das pessoas previstas no artigo 18.º;
e) Greves, dispensa temporária de funcionários com o fim de os levar
a aceitar determinadas condições de trabalho, obstruções ou res-
trições intencionais ao trabalho;
f) Incêndio no navio;
g) Vícios ocultos não descobertos através da devida diligência;
h) Acto ou omissão do transportador, do transportador documentário,
da parte controladora ou de qualquer outra pessoa por cujos actos
seja responsável o transportador ou o transportador documentário
conforme artigos 33.º ou 34.º;
i) Carga, manuseio, armazenamento ou descarga da carga executada,
conforme acordo previsto no artigo 13.º, parágrafo 2, a menos que
o transportador ou a parte executante realize tal tarefa em nome
do exportador ou do consignatário;
j) Perda de volume ou peso ou qualquer outra perda ou avaria impu-
tada a defeito de natureza, de qualidade ou vício da carga;
k) Condições insuficientes ou defeitos de embalagem ou marcação
da carga não executados pelo transportador ou em nome dele;
l) Salvamento ou tentativa de salvamento de vidas no mar;
m) Medidas razoáveis para salvar ou tentar salvar bens no mar;
n) Medidas razoáveis para evitar ou tentar evitar danos ao meio-
-ambiente; ou
o) Actos do transportador, de acordo com os poderes que lhe são
conferidos pelos artigos 15.º e 16.º.

Como podemos constatar, em relação à Convenção de Bruxelas de


1924, foram excluídas, do rol de causas exoneratórias da responsabilidade do
transportador, a falta náutica e os actos do capitão e da tripulação do navio.
Temos como novidades, as medidas que visem proteger o meio ambiente
(fruto dos direitos de terceira geração, onde se encontra incluído o direito ao
ambiente, e das políticas e movimentos ambientalistas, que desde a década
de 70 tem vindo, cada vez, a ganhar mais força233) e as tentativas para o sal-
vamento de bens no mar.

233
  Apesar de, em 1948, se ter constituído a primeira organização de consciência in-
ternacional sobre questões ambientais, a União Internacional para a Protecção da Natureza
que, em 1954, se passou a designar de União Internacional para a Conservação da Natureza
e dos Recursos Naturais, a primeira Conferência Mundial sobre questões do ambiente deu-
-se apenas em 1972.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 563

4.8.3.  A falta náutica

Já analisámos supra, quando abordámos os excepted perills da Con-


venção de Bruxelas, a falta náutica. Vimos que esta ocorre quando os danos
são provocados pelos actos, negligência ou falta do capitão mestre, piloto
ou empregados do armador na navegação ou na administração do navio e
recorrendo ao critério do “navio vazio”, a falta náutica compromete a expe-
dição e o navio. Estamos perante uma falta náutica desde que esta também
pudesse ocorrer sem qualquer mercadoria a bordo, ou seja a culpa náutica
diz apenas respeito ao navio.
A falta náutica é um dos excepted perills, constantes no artigo 4.º da
Convenção de Bruxelas, e que permite o transportador exonerar-se da sua
responsabilidade, por perdas ou danos resultantes de actos, negligência ou
falta do capitão, mestre, piloto ou empregados do armador na navegação ou
administração do navio.
A falta náutica está incluída nos excepted perills da Convenção de Bru-
xelas, fruto da necessidade, que existia à data, de estabelecer um compro-
misso entre carregadores e transportadores. Na época, aquando do início
da viagem, o transportador perdia o contacto físico com o navio, não tendo,
este, assim, qualquer controlo sobre o capitão e a sua equipa, nem tão pouco
qualquer preparação técnica e profissional para executar as operações náu-
ticas, pelo que a Convenção estabelece não responder o transportador pelos
danos que resultem de actos, negligência, ou falta do capitão,mestre, piloto
ou empregados do armador na navegação ou na administração do navio234.
Este excepted perill não se encontra no elenco do n.º 3 do artigo 17.º da
Convenção de Roterdão235, pelo que, responde o transportador pelos danos,
perdas ou atraso, provocados por actos ou falta do capitão mestre, piloto ou
empregados do armador na navegação ou administração do navio.
Temos que atender ao factor histórico para entender esta mudança.
Aquando da Convenção de Bruxelas de 1924, durante a expedição marí-
tima o transportador perdia totalmente o contacto com o navio. Nos nossos
dias, fruto dos avanços tecnológicos das telecomunicações, em princípio, é
sempre possível manter o contacto com o navio, mesmo quando este navega
em alto mar.

234
 Cfr. Nuno Castello -Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte
Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 302
235
  Esta também nas Regras de Hamburgo não afastava a responsabilidade do
transportador.
564 Temas de Direito dos Transportes III

Refere ainda Nuno Castello-Branco, como motivo importante desta


mudança “…a dificuldade de chegar a uma noção dogmática de culpa náu-
tica e o facto de haver sido encarada como um perigoso nicho de refúgio
para o transportador…”236.

4.9.  Limitação da responsabilidade do transportador

4.9.1.  Considerações gerais

Como já abordamos na introdução deste trabalho, o transporte de mer-


cadorias é uma actividade fulcral para o desenvolvimento da economia em
termos globais. Mas devido aos grandes riscos que a mesma envolve, se
não houvesse uma limitação da responsabilidade do transportador, que no
fundo tem uma função de distribuir o risco, o preço dos transportes sofreria
um agravamento, reflexo do risco da actividade e do agravamento dos segu-
ros, alcançando assim valores que poderiam comprometer esta actividade.
Assim, temos que o limite da responsabilidade está ligado à protecção de
uma actividade de grande importância para o desenvolvimento económico,
mas que comporta grandes riscos237.
Como diz Januário da Costa Gomes “…a previsão da limitação de
responsabilidade do transportador é uma característica do Direito dos
Transportes em Geral”, pelo que “…não causa qualquer perplexidade a
consagração de um regime de limitação de responsabilidade…”238.

4.9.2.  A limitação da responsabilidade

As Regras de Roterdão consagram no seu artigo 59.º239 os limites de


responsabilidade aplicáveis ao transportador; o artigo 60.º os limites de res-

236
 Cfr. Nuno Castello -Branco, Da Disciplina do Contrato de Transporte
Internacional de Mercadorias por Mar, Cit. pág. 302
237
  Ricardo Bernardes, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 451.
238
  Januário da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção
“Marítima-Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, cit. pág.73.
239
 �������������������������������������������������������������������������������������
Limits of liability “1. Subject to articles 60 and 61, paragraph 1, the carrier’s li-
ability for breaches of its obligations under this Convention is limited to 875 units of account

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 565

ponsabilidade pelo prejuízo causado, especificamente, por atraso na entrega


da mercadoria e o artigo 61.º determina os casos em que o transportador
perde o direito de invocar o limite de responsabilidade.
O artigo 59.º n.º 1 da Convenção, estabelece o limite da responsabi-
lidade do transportador, por violação das suas obrigações, em 3 direitos
de saque especial por quilograma de peso bruto ou 875 direitos de saque
especial por volume ou outra unidade, consoante o valor que seja maior240,
excepto quando um valor mais alto tenha sido declarado pelo carregador e
conste do contrato, ou quando, por acordo entre carregador e transportador,
se fixe um limite da responsabilidade mais elevado, a par do que também
sucede na Convenção de Bruxelas, em que as partes podem estipular um
valor diverso, desde que seja mais elevado do que aquele que foi imposto
pela Convenção como limite da indemnização241.
Se as mercadorias forem em ou sobre contentores, palete ou meio seme-
lhante, usado para agrupar mercadorias, em ou sobre um veículo, os volumes
ou unidades enumerados nos dados do contrato serão considerados como
volumes de carga. Se o contrato nada disser, as mercadorias que sigam den-

per package or other shipping unit, or 3 units of account per kilogram of the gross weight
of the goods that are the subject of the claim or dispute, whichever amount is the higher,
except when the value of the goods has been declared by the shipper and included in the
contract particulars, or when a higher amount than the amount of limitation of liability set
out in this article has been agreed upon between the carrier and the shipper. 2. When goods
are carried in or on a container, pallet or similar article of transport used to consolidate
goods, or in or on a vehicle, the packages or shipping units enumerated in the contract
particulars as packed in or on such article of transport or vehicle are deemed packages or
shipping units. If not so enumerated, the goods in or on such article of transport or vehicle
are deemed one shipping unit. 3. The unit of account referred to in this article is the Special
Drawing Right as defined by the International Monetary Fund. The amounts referred to in
this article are to be converted into the national currency of a State according to the value of
such currency at the date of judgement or award or the date agreed upon by the parties. The
value of a national currency, in terms of the Special Drawing Right, of a Contracting State
that is a member of the International Monetary Fund is to be calculated in accordance with
the method of valuation applied by the International Monetary Fund in effect at the date in
question for its operations and transactions. The value of a national currency, in terms of
the Special Drawing Right, of a Contracting State that is not a member of the International
Monetary Fund is to be calculated in a manner to be determined by that State”.
240
  Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 125 e 126 e Januário
da Costa Gomes, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-Plus” sobre
Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 73 e 74.
241
  Art. 4.º n.º 5.
566 Temas de Direito dos Transportes III

tro ou sobre o referido elemento de transporte serão consideradas como uma


só unidade, nos termos do n.º 2 do artigo 59.º
Esta limitação da responsabilidade do transportador por incumprimento
das suas obrigações, estabelecida no artigo 59.º, consagra valores mais ele-
vados que os consagrados nas Regras de Haia Visby e nas Regras de Ham-
burgo. As regras de Haia Visby estabelecem o limite da responsabilidade
do transportador, por violação das suas obrigações, em 10 000 francos por
volume ou outra unidade242 ou em 30 francos por quilograma, e as regras de
Hamburgo, no seu artigo 6.º n.º 1 a), estabelecem os limites da responsabili-
dade do transportador em 2,5 direitos de saque especial por quilograma de
peso bruto ou 835 direitos de saque especial por volume ou outra unidade243.

4.9.3.  Atraso na entrega

Em caso de atraso na entrega, vem o artigo 60.º 244 estipular os limites


à responsabilidade do transportador, sendo que a responsabilidade pelos
danos económicos fica limitada a duas vezes e meia o valor do frete rela-
tivo às mercadorias com atraso. Contudo, o valor a pagar não pode nunca
exceder os limites impostos pelo artigo 59.º n.º 1.
O artigo 22.º 245 vem estabelecer sobre o cálculo da indemnização a
pagar pelo transportador, no caso de perda e danos na mercadoria ou atraso

242
  Apesar de a Convenção não definir volume ou unidade, o que gerou alguma
discussão doutrinária, pode entender-se que volume é a mercadoria embalada e que unidade
pode ser parte de uma unidade objecto do transporte como a unidade que serviu de base
ao cálculo da tarifa do frete.
243
  Art. 6.º n.º 1 a) “The liability of the carrier for loss resulting from loss of or damage
to goods according to the provisions of article 5 is limited to an amount equivalent to 835
units of account per package or other shipping unit or 2.5 units of account per kilogramme
of gross weight of the goods lost or damaged, whichever is the higher”.
244
  Limits of liability for loss caused by delay “Subject to article 61, paragraph 2,
compensation for loss of or damage to the goods due to delay shall be calculated in accor-
dance with article 22 and liability for economic loss due to delay is limited to an amount
equivalent to two and one-half times the freight payable on the goods delayed. The total
amount payable pursuant to this article and article 59, paragraph 1, may not exceed the limit
that would be established pursuant to article 59, paragraph 1, in respect of the total loss of
the goods concerned.”.
245
  Calculation of compensation “1. Subject to article 59, the compensation payable
by the carrier for loss of or damage to the goods is calculated by reference to the value of
such goods at the place and time of delivery established in accordance with article 43. 2.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 567

na entrega da mesma. A indemnização devida pelo transportador é calcu-


lada sobre o valor que as mercadorias têm na data e lugar da entrega, não
podendo esse valor exceder os limites resultantes do artigo 59.º n.º1.
No entanto, o transportador perde o direito de beneficiar do limite da
responsabilidade, nos termos do artigo 61.º n.º 2, se se provar que o atraso
na entrega resultou de um acto do transportador ou de alguma das pessoas
mencionadas no artigo 18.º, com a intenção de causar o prejuízo ou temera-
riamente e com o conhecimento de que esse prejuízo se viria a produzir246.
A título comparativo, cabe-nos referir que a obrigação de entrega não
se encontra estipulada nas Regras de Haia Visby; contudo, nas Regras de
Hamburgo, encontramos no seu artigo 6.º n.º 1b), a limitação da responsa-
bilidade do transportador pelo atraso na entrega da mercadoria. Sendo que,
à semelhança do estipulado nas Regras de Roterdão, aquelas estipulam o
limite do valor da indemnização a duas vezes e meia o valor do frete rela-
tivo às mercadorias com atraso, nunca podendo, no entanto, este ser supe-
rior ao valor estipulado no n.º 1 desse artigo.

4.9.4.  Perda do direito de invocar os limites de responsabilidade

Tal como no Protocolo de 1978 e nas Regras de Hamburgo, também


as Regras de Roterdão, no seu artigo 61.º n.º 1247 excluem a possibilidade de
o transportador ou qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, limita-
rem a sua responsabilidade, se o reclamante provar que as perdas ou danos
foram provocados por um acto ou omissão do transportador, com a intenção

The value of the goods is fixed according to the commodity exchange price or, if there is
no such price, according to their market price or, if there is no commodity exchange price
or market price, by reference to the normal value of the goods of the same kind and quality
at the place of delivery. 3. In case of loss of or damage to the goods, the carrier is not liable
for payment of any compensation beyond what is provided for in paragraphs 1 and 2 of this
article except when the carrier and the shipper have agreed to calculate compensation in a
different manner within the limits of chapter 16.”.
246
 Cfr. Alexandre de Soveral Martins, As Regras de Roterdão, pág. 127.
247
  “Neither the carrier nor any of the persons referred to in article 18 is entitled
to the benefit of the limitation of liability as provided in article 59, or as provided in the
contrato f carriage, if the claimant proves that the loss resulting from the breach of the car-
rier’s obligation under this Convention was atributable to a personal acto or omission of the
person claiming a right to limit done with the intente to cause such los sor recklessly and
with knowledge that such loss would probably result.”.
568 Temas de Direito dos Transportes III

de causar o dano ou de forma temerária e com conhecimento de que esse


prejuízo provavelmente ocorreria.
A responsabilidade pelo atraso, consagrada nos termos dos artigos
17.º e 21.º, também faz precludir o direito à limitação da responsabilidade,
quando este tenha sido provocado por um acto ou omissão do transportador
ou qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, com a intenção de cau-
sar o dano, ou de forma temerária e com conhecimento de que esse prejuízo
provavelmente ocorreria, nos termos do artigo 61.º n.º 2248.

4.10.  Prazo para intentar acções

Estabelece a Convenção, no seu artigo 62.º, o prazo de dois anos para


a propositura de acções, judiciais249, arbitrais ou mesmo extracontratuais250,
contra o transportador, a contar da entrega ou do último dia em que esta
deveria ter sido feita. Contudo, na senda das Regras de Hamburgo, prevê a
Convenção a possibilidade da prorrogação do prazo, mediante declaração
emitida ao reclamante, no decorrer desse prazo, pela pessoa contra a qual
foi dirigida a reclamação.
Comparativamente à Convenção de Bruxelas de 1924, este prazo foi
alargado, uma vez que aquela, no seu artigo 3.º n.º 6, estabelece o prazo de
um ano, para a instauração da acção de responsabilidade por perdas e danos,
a contar da data da entrega da mercadoria ou da data em que esta deveria
ter sido entregue.
Apesar do prazo de um ano ser um prazo demasiado curto, principal-
mente em matérias de âmbito internacional, este deve-se à necessidade de

248
  “Neither the carrier nor any of the persons referred to in article 18 is entitled to the
benefit of the limitation of liability as provided in article 59, or as provided in the contrat
of carriage, if the claimant proves that the delay in delivery resulted from a personal act or
omission of the person claiming a right to limit done with the intente to cause such loss or
recklessly and with knowledge that such loss would probably result.”.
249
  Assim, como nas Regras de Hamburgo, que no seu artigo 20.º n.º 1 estabelece
esse prazo e o n.º 2 diz que o prazo de prescrição começa a contar a partir do dia em que
o transportador tenha entregue a mercadoria, ou, a contar do último dia em que a deveria
ter entregue.
250
 V.g. Christian Scapal, La Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de
Rotterdam, pág. 25, cit. “…s’applique a toute action judiciaire ou arbitrale, ce qui inclut
donc d’éventuelles actions extracontractuelles…”.

A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão 569

tornar célere a resolução dos litígios, resultantes do incumprimento do con-


trato de transporte de mercadorias251.
O Protocolo de 1968 não alterou o prazo estipulado na Convenção de
Bruxelas de 1924, mas admite, na nova redacção dada ao artigo, que possa
ser intentada uma acção contra um terceiro, após ter expirado o prazo de um
ano e também a possibilidade de o prazo ser alargado por acordo das partes.
Nas Regras de Hamburgo, este prazo foi alargado para dois anos, nos
termos do artigo 20.º n.º 1, contados a partir da data em que as mercado-
rias foram entregues ou do último dia em que o deveriam ter sido, prevendo
ainda o n.º 4 a possibilidade de prorrogação do prazo.

5. Conclusão

As Regras de Roterdão aplicam-se aos contratos de transporte de mer-


cadoria porto a porto, ou de local para local, ou seja, door-to-door, desde
que haja uma fase marítima de transporte, sendo assim, uma Convenção que
se aplica ao transporte multimodal, desde que seja internacional, excluindo-
-se a sua aplicação aos contratos de carta-partida.
É uma convenção da qual resultam mais obrigações para o transpor-
tador desde logo, porque aplicando-se porta a porta, obriga ao recebimento
e à entrega das mercadorias, e como tal também se alarga o arco temporal
que passa agora a ser desde o recebimento da mercadoria até á sua entrega,
ou seja, expande-se às fases não marítimas do transporte. Expande-se tam-
bém a obrigação de colocar o navio em estado de navegabilidade, devendo
o transportador diligenciar para colocar o navio em estado de navegabili-
dade antes, no início e durante a viagem.
Atenta à realidade da contentorização, prevê o transporte de mercado-
ria no convés e a responsabilidade do transportador.
A responsabilidade do transportador é presumida, e estende-se ao atraso
na entrega, para além da perda e da avaria da mercadoria, contudo a Con-
venção permite que o transportador se exonere da sua responsabilidade,
invocando um dos casos dos excepted perills, que são muito semelhan-
tes aos existentes na Convenção de Bruxelas, mas agora com exclusão da
falta náutica. Caso não possa excluir a sua responsabilidade poderá sempre

251
 V.g. Hugo Ramos Alves, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na
Convenção de Bruxelas de 1924, pág. 133 e 134.
570 Temas de Direito dos Transportes III

limitá-la, a não ser que haja actuado com dolo ou de forma temerária, a 3
direitos de saque por quilograma ou 875 direitos de saque por volume ou
outra unidade, consoante o valor que seja maior.
A responsabilidade imposta pela Convenção ao transportador e às
marine parties, tem um caracter imperativo, uma vez que as cláusulas,
incluídas no contrato, que visem excluir ou reduzir a responsabilidade des-
tes, durante o arco temporal, são nulas.
Para afastar a presunção de responsabilidade tem o transportador que
entrar, com o carregador, num complexo sistema de prova, comummente
denominado por “four-step-process” ou de “ping-pong”.
Quanto ao prazo para intentar a acção é fixado em dois anos, a contar
da entrega ou do último dia em que esta deveria ter sido feita.
As Regras de Roterdão ainda não entraram em vigor, em parte devido
à sua grande complexidade, fruto da regulamentação de diversos tipos de
transportes. Note-se que as Regras de Roterdão contam com 96 artigos, ao
passo que as Regras de Hamburgo têm 34, a Convenção de Haia-Visby 17
e a Convenção de Bruxelas apenas 16.
Pelo que se encontra a Comunidade Internacional em suspense relati-
vamente ao resultado das Regras de Roterdão, que a não serem aprovadas
levam a que continue em vigor uma Convenção, muito avant-garde para a sua
época, mas francamente desajustada das necessidades e realidades actuais.

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