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2 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA


FICHA TÉCNICA
Título:
MERCADO DE FARO:
UMA HERANÇA MEDITERRÂNEA

Autores:
Sofia Fonseca
Daniela Nunes Pereira
Vítor Ribeiro

Edição e conceção gráfica: AmbiFaro


Coordenação: Sofia Fonseca e Bruno Lage
Paginação e design: Marco Valle Santos

Depósito Legal: 432903/17


Propriedade: AmbiFaro
Tiragem: 1000 exemplares
1ª Edição
Faro, Outubro de 2017

CONTACTOS GERAIS

AmbiFaro, E.M.
Largo Dr. Francisco Sá Carneiro
Mercado Municipal de Faro, Piso 2
8000-151 Faro

Telefone: 289897250 | Fax: 289897259

www.ambifaro.pt
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DA PRAÇA DA RAINHA AO CAMPO


DE S. LUÍS: APONTAMENTOS PARA A
HISTÓRIA DOS MERCADOS COBERTOS
NA CIDADE DE FARO
O EDIFÍCIO DE MERCADO COMO TIPOLOGIA ARQUITETÓNICA

Introdução porVítor Ribeiro

E mbora a história registe a existência de mercados cobertos ou edifícios


especialmente construídos para essa função desde a Antiguidade, é con-
tudo apenas a partir da segunda metade do século XVIII que a tipologia se
desenvolve significativamente, em particular nas grandes cidades europeias.
Por um lado, porque as crescentes exigências de higiene, conforto e como-
didade demandam outras condições que os velhos mercados tradicionais já
não conseguem oferecer e, por outro lado, porque a generalização do uso
do ferro, proporcionada pela revolução industrial, como elemento estru-
tural, garantindo maior resistência ao fogo e facilidade de montagem, irá
permitir uma maior liberdade construtiva84.
Com efeito, o mercado coberto está longe de ser uma novidade re-
cente. Na idade média ocidental, mercado e câmara municipal partilhavam
amiúde o mesmo edifício – esta ocupando o piso superior e aquele o piso
térreo, frequentemente aberto85. Outras vezes, quando não constituíam
um espaço coberto no centro de um largo ou praça – como os que surgem
em Itália no séc. XVI adotando a designação de loggia, ou aqueles que seria

84
Nicolaus Pevsner assinala que foi, primeiramente, a sua capacidade resistente ao fogo que
conduziu ao uso do ferro como elemento estrutural, tendo as vantagens adicionais de permi-
tir uma mais fácil montagem, vencer maiores vãos sem suportes intermédios e, podendo ser os
seus elementos mais delgados que os de madeira ou alvenaria, possibilitar também maiores
superfícies de iluminação. Pevsner situa em 1809-1811 a construção da primeira cúpula de
ferro e vidro na cobertura de um mercado, o Halle aux Blés (Mercado dos Cereais) de Paris,
proposta por François-Joseph Bélanger (PEVSNER, Nicolaus, 1979, Historia de las tipolo-
gías arquitetónicas. Barcelona: Gustavo Gili, pp. 283 e 285).
85
PEVSNER, op. cit., p. 284.
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possível encontrar, ainda nos inícios do século XX, em pequenas cidades de


província francesas86–, os espaços tradicionais de mercado formavam uma
espécie de claustro, conjugando um espaço central aberto, onde se instalava
um mercado de levante, e um entorno edificado, onde se situavam as lojas,
protegidas por um alpendre ou galeria coberta. Nalguns casos, as formas
primitivas do edifício de mercado, tal como o conhecemos hoje, poderão
ter resultado do simples cobrimento desse espaço central.
As crescentes preocupações com as (cada vez piores) condições de
salubridade urbana que a maior parte das cidades, e em particular as que
registavam maior crescimento, apresentavam, irão determinar, a partir de
finais de Setecentos, se não a substituição dos velhos mercados – que en-
tretanto se vão revelando acanhados e sem um mínimo de condições ade-
quadas a uma população e procura crescentes87 –, pelo menos a integração
de uma cobertura nos mercados abertos tradicionais, por forma a dotá-los,
também, de maior conforto e comodidade.
Entre finais de Setecentos e a primeira metade de Oitocentos, os
novos market halls, em Inglaterra, ou os halles, em França, recorrendo
abundantemente à estrutura metálica e ao vidro, constituir-se-ão como os

86
Por ex., os halles (mercados) de Dives-sur-Mer, Revel (com origem no século XIV), Crémieu
(séc. XV) ou Brienne-le-Château (séc. XVI) (cf. na base de dados documentais Mérimée de
arquitetura do Inventário Geral do Património Cultural francês, disponível em http://www.
inventaire.culture.gouv.fr/). Assinale-se, a esse respeito, que na segunda metade dos anos
1950, o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa empreendido pelo então Sindicato
Nacional dos Arquitectos identifica algumas estruturas que se enquadravam também nessa
tipologia, como eram os casos dos mercados de Mexilhoeira Grande (Portimão), Moncarapa-
cho (Olhão) ou Ferreira do Zêzere (cf. no arquivo online da Ordem dos Arquitectos, disponível
em http://www.oapix.org.pt).
87
G. H. Gater e E. P.Wheeler, citando um documento legislativo inglês oitocentista, referem, a
respeito do Mercado de Hungerford (Charing Cross, Londres), que “No começo do século XIX,
o velho mercado e o seu espaço envolvente tornaram-se uma espelunca, ‘um pedaço de terra
deploravelmente sujo, flanqueado por casas miseráveis e pouco melhor do que um monte de
poeira monstruoso, e cemitério para os cães e gatos mortos da vizinhança’” (GATER, G. H.,
& WHEELER, E. P., ed.s, 1937. “Hungerford Market and the site of Charing Cross railway
station”, in Survey of London:Volume 18, St Martin-in-The-Fields II: the Strand, pp. 40-
50. British History Online. Tradução livre). Também em França, os mercados de Paris são
considerados, entre finais do séc. XVIII e inícios do séc.. XIX, “inadequados” e “mesquinhos”
(PEVSNER, op. cit., p. 288).
47

novos marcos de modernidade urbanos, não só reafirmando e reforçando


a centralidade e especialização funcional de espaços já então detentores de
uma longa história de ocupação mercantil, como retomando, agora de for-
ma mais organizada e racionalizada, aquela que era a estrutura funcional de
muitos mercados urbanos tradicionais.
De facto, edifícios que se tornarão tão emblemáticos das respeti-
vas cidades como o Convent Garden Market de Londres (Charles Fowler,
1828-1830) ou Les Halles de Paris (Victor Baltard, 1854-1874), tendem,
como refere Christofer Mead, a “dissolver a tradicional diferenciação entre
rua e edifício, exterior e interior, publico e privado, […] combinando pavilhões
e ruas num único sistema racional e transparente”. A ideia dos “edifícios fini-
tos, fechados, encerrados por paredes opacas e isolados uns dos outros por ruas
e praças” era assim superada através de um novo sistema, “aditivo, aberto e
composto por unidades intercomunicáveis que, desde o espaço à estrutura, po-
diam ser estendidos infinitamente até à completa satisfação das necessidades
funcionais” 88. Ou seja, os novos mercados cobertos constituem-se numa es-
pécie de pequena cidade com os seus próprios quarteirões (corresponden-
tes aos pavilhões cobertos que agrupam um conjunto de bancas), ruas (cor-
respondentes aos espaços de circulação organizados, de uma forma geral, a
partir de um eixo ou dois eixos perpendiculares que marcavam as entradas
principais, muitas das vezes cobertos) e praças (que se abriam, normalmen-
te, no espaço central do edifício onde aqueles dois eixos se cruzavam).
Portugal não deixará de seguir a tendência. No último quartel de
Oitocentos, os mercados de Santa Clara (Emiliano Augusto de Bettencourt,
1876-1877) e da Ribeira (Frederico Ressano Garcia, 1882-1885), em Lis-
boa, ou de Ferreira Borges (João Carlos Machado, 1885-1888), no Porto,
apresentam-se como exemplos, à escala nacional, da adoção não só daquela
tipologia como do sistema e principais materiais construtivos que a caracte-
rizam: o ferro e o vidro. Exemplos que não tardarão a ser, se não desde logo
seguidos, pelo menos apontados, em muitas outras cidades do país, como
a melhor resposta às necessidades e aspirações das populações locais, como
certamente terá sido o também caso da cidade de Faro.

88
MEAD, Christopher, [s. d.], “The Urban Practice of Architecture:Victor Baltard and the
Central Markets of Paris”, in Musée D’Orsay, online lectures.Tradução livre.
48 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

FARO NO SÉC. XIX: OS MERCADOS DAS HORTALIÇAS


E DO PEIXE E A AFIRMAÇÃO DA CENTRALIDADE
URBANA DA PRAÇA DA RAINHA

T odavia, não será tão cedo que a capital algarvia irá beneficiar de um
mercado adequado às suas necessidades e dotado de condições idênti-
cas, ainda que a outra escala, às oferecidas pelos exemplos citados. De facto,
tanto aquele que se constituirá no primeiro mercado formal da cidade, o
Mercado das Hortaliças, como, poucos anos depois, o Mercado do Peixe,
nunca conseguirão ir além das meras soluções de recurso possíveis, mas
manifestamente insuficientes, permitidas pela situação financeira da autar-
quia farense.
Efetivamente, e conforme referido no anterior artigo, será apenas
no último quartel de Oitocentos que Faro conhecerá o seu primeiro mer-
cado formal, parcial ou totalmente coberto. E, como em muitas outras ci-
dades europeias, este instalar-se-á, primeiramente, no espaço que se vinha
constituindo, desde que a cidade extravasara as muralhas do que é hoje
designado como Vila-a-dentro, e em particular desde a Reconquista Cristã,
num dos mais importantes (e mais nobres) espaços urbanos da cidade e
seu principal espaço comercial – a “Boa e espaçosa” Praça da Rainha (atual
Jardim Manuel Bívar) onde, como faz questão de referir Silva Lopes na
primeira metade desse século, havia “todos os dias mercado bem provido
de caça, peixe, mariscos excelentes, fructas, hortaliças magnificas, e outros
géneros necessários” 89.

89
LOPES, João Baptista da Silva, 1988, Corografia ou memória económica, estatística e topo-
gráfica do reino do Algarve. Faro: Algarve em Foco, p. 327.
90
Luís Filipe Rosa Santos, sugere que “O Mercado da Hortaliça seria, acima de tudo, um ter-
reiro vedado com telheiros junto da cerca posterior e lateral”, descrevendo-o como tendo “40
metros de comprimento, 20 metros de largura e três arcadas com 6 metros de largura. Em
cada uma das arcadas luzia um arco. Ao fundo tinha oito casas. A cada casa correspondia
o espaço de um arco. Debaixo da arcada central havia vinte lugares para vendedores. Cada
lugar tinha dois metros quadrados. Na arcada central tinha três talhos ou açougues. Na ar-
cada fronteira tinha cinco lugares.” (SANTOS, Luís Filipe Rosa, 1997, Faro: um olhar sobre
o passado recente (segunda metade do século XIX). Faro: Câmara Municipal, p. 57. Importa
referir que este autor não identifica a fonte da informação, não nos tendo sido possível con-
firmar, nas atas das sessões da Câmara, a data referida).
49

O edifício que então se constrói na primeira metade da década de


1870 parece corresponder – a julgar pelas imagens que chegaram até nós
(fig 1) – à referida solução tipo claustral, traduzindo-se esta no caso em
apreço, basicamente, num espaço central cuja cobertura, certamente su-
portada por estrutura metálica, se elevava acima da cobertura dos telheiros
(ou alpendres) que constituíam o entorno (dessa forma permitindo a cir-
culação de ar), configurando um U com a abertura voltada àquela praça e
encerrada por um gradeamento90, no qual se abria a entrada principal.

Figura.1: O “passeio público” de Faro (Praça da Rainha), em 1915, com o antigo Merca-
do das Verduras (à esquerda) e o do peixe ao fundo à direita. Fotos de Faro Antigo.
https://www.facebook.com/Fotos-de-Faro-antigo-670829483068443/

Quanto à venda do peixe, esta só cerca de uma década depois bene-


ficiaria de idênticas condições, com a construção de um edifício que, tam-
bém a julgar pelas imagens que chegaram até nós, consistiria (pelo menos
inicialmente), num simples telheiro de forma retangular encostado à mu-
ralha e suportado por pilares de pedra, apresentando cada tramo encerrado
por parede (de tijolo?) apenas até pouco mais de meia altura (de forma a
favorecer a ventilação do espaço interior), à exceção do lado encostado à
50 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

muralha, obviamente, e de um dos lados mais pequenos, o que se voltava


para a Praça da Rainha (constituindo a fachada principal), que, numa des-
sas imagens (fig. 2), apresentava quatro dos seus sete tramos totalmente
abertos. Todavia, nenhuma destas duas soluções terá chegado a constituir

Figura. 2: O antigo Mercado do Peixe localizado onde é hoje o Centro de Ciência Viva.
Fotos de Faro antigo
https://www.facebook.com/Fotos-de-Faro-antigo-670829483068443/

a resposta que a cidade e a sua população exigiam à necessidade de um es-


paço de mercado digno de uma capital de distrito. Em 1901, o Mercado do
Peixe era mesmo considerado pela imprensa da época como “uma indecência,
imprópria de uma terriola, quanto mais de uma cidade, capital de distrito”, e o das
Hortaliças, “um cubículo de porteiro, com um telheiro à volta, como tal, metido em
esconso, num vão entre prédios” 91.
Por outro lado, a centralidade urbana do espaço torná-lo-á apetecí-
vel para outros fins, que alguns não deixarão de considerar mais dignos da
nobreza daquela praça. E se outros eventualmente possam ter havido, aca-
baria por prevalecer o interesse manifestado, logo no início do século XX,
pelo Banco de Portugal (BdP), entidade que, no âmbito da sua expansão
territorial, pretendia então instalar uma sua agência na capital algarvia.
51

A primeira abordagem acontece logo no segundo ano do novo sé-


culo, através de Ferreira D’Almeida, agente em Faro daquela entidade,
que, segundo conta o então vice-presidente da Câmara Municipal de Faro
(CMF), João Rodrigues Aragão, tinha sido “encarregado de se approximar
d’esta Câmara para a ouvir acerca da cedência ou venda e preço do local em
que se acha estabelecido o mercado d’hortaliças e carnes verdes d’esta cidade
para ali se construir casa para a Agencia d’aquelle Banco.” 93 A questão, que
não terá merecido resposta imediata, voltará a ser suscitada em 1909, agora
através de uma carta do BdP, reiterando esse interesse, que é lida na sessão
da Câmara de 26 de março desse ano 94, acabando a venda, contudo, por ser
aprovada apenas seis anos depois, em 27 de novembro 1915, pela quantia
de 12.010$00 95.
“A Câmara fez uma boa operação”, defendia então o jornal O Al-
garve, reconhecendo que aquele mercado não só “estava condenado pela
acanheza insuficiente dos seus espaços e impossibilidade de lhe fazer qualquer
acrescentamento”, como a sua situação, “na mais formosa praça de Faro, diante
dum belo passeio, onde concorrem em recreio várias famílias farenses e que é
o enlevo dos forasteiros, […] era desconsoladora ao lado do belo edifício da
Misericórdia […] emparceira[ndo] tristemente com as edificações do Governo
Civil e bons prédios que circundam aquele formoso sítio da nossa cidade.” 96

91
Citada por SANTOS, op. cit., p 60, sem identificar a fonte.
92
Note-se que os limites da cidade de Faro, nessa época, não iam ainda além do que são hoje a
Praça da Liberdade ou o Largo do Pé da Cruz, a nascente, e o Largo de São Sebastião, a norte,
pelo que a Praça da Rainha, para além da proximidade ao centro administrativo, também
não se distanciava particularmente do que seria o centro geométrico da cidade.
93
ADF, Atas das Sessões - 1900-1905, Sessão da Câmara de 13/05/1902, fl. 72.
94
ADF, Atas das Sessões - 1905-1910, Sessão da Câmara de 26/03/1909, fl. 146.
95
Na sessão extraordinária da Câmara de 10/11/1915, destinada à “apreciação de uma
proposta de venda do local do mercado de frutas e hortaliças, [e] construção do novo mercado
[…]”, o então Presidente da Comissão Executiva, dr. Bivar Weinholtz, afirma que a Caixa
Geral de Depósitos (CGD) oferecia 9.000$00 por aquele local, tendo a Comissão Executiva
aprovado a venda mas “fixando porém o preço mínimo por metro quadrado em 13$50/m2
o que daria o preço total de 13.500$, visto que área ocupada pelo mercado é de 1000 m2.”
Reza ainda a ata que, porém, CGD rejeitou a contraproposta camarária. (ADF, Atas das
Sessões - 1915-1918, Sessão extraordinária da Câmara de 10/11/1915, fl. 6)
96
[S.A.], 1951,“Os mercados”, Jornal O Algarve, n.º 402, Ano 8º, 05/12/1915, p. 1.
52 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

Porém, embora a operação permitisse libertar aquele espaço nobre


da cidade de um edifício que na época não era considerado digno daquela
localização, quer pelas suas características arquitetónicas, quer pelas con-
dições em que funcionava, tal venda, longe de contribuir para resolver no
imediato o problema dos mercados de Faro, só viria a agravá-lo, na medida
em que obrigaria o Mercado do Peixe a assumir as funções do mercado en-
tão extinto e a venda do peixe passar a processar-se “num barracão ao longo
da muralha”. Barracão para o qual seriam aproveitadas as “colunas de ferro,
o telhado de zinco, madeiramentos, etc.” 97 do antigo Mercado das Hortaliças,
e cuja situação precária – não obstante as intenções expressas, a afetação
daquela verba, no ano seguinte e em sede de orçamento suplementar, “à
construção do mercado nesta cidade, sondagens na doca, construção de caes,
hangar e despesas inherentes” 98, e os sucessivos planos que irão sendo apre-
sentados – se manteria durante as (quase) quatro décadas seguintes.

A DOCA E A ALAGOA COMO DESTINOS ALTERNATIVOS


PARA OS MERCADOS DE FARO

A ideia de transferir o Mercado das Hortaliças, todavia, não é con-


sensual na vereação camarária da época. Na sessão da Câmara subsequente,
João José da Silva Ferreira, então Vice-Presidente da autarquia, manifesta-se
favorável a que “o mercado continue, no mesmo local, desenvolvendo-se todavia
até à Sapataria” – ou seja, ocupando todo o espaço restante do quarteirão
até à atual rua 1º de Dezembro –, pois “que ele assim implantado, ficaria com
a largura – que tem – de 32 metros e com o comprimento de 122”, sugerindo
que “aos lados se construiriam casas de venda com o fundo de 5 metros; que em
frente d’essas casas haveria para seu serviço uma rua de 5 metros de largura e
outra ao centro de 12 metros para vehiculos, ficando tudo coberto e assim es-
tabelecida a comunicação entre a Sapataria e a Praça D. Francisco Gomes” 99.
Diferentemente, o vereador José Alexandre Fonseca considera ser melhor
opção, “sob o ponto de vista de aformoseamento para a Praça D. Francisco Go-
mes e d’economia para o município”, a venda do terreno para a construção da
agência do BdP, já que “em logar do mercado, de modesta aparência, apareceria
um edifício de magnifica perspectiva”, para além de que “as expropriações, re-
construção e ampliação do atual mercado ficaram para o município por preço
53

mais elevado do que a construção de um mercado mixto para verdura e pescaria


no extremo norte da doca – local que todos consideram mais próprio para esta
ordem d’estabelecimentos.” 100
Apesar desta divergência, numa coisa todos acabariam por concor-
dar: “o mercado é excessivamente acanhado […] e deficientíssimo em relação
ao progressivo desenvolvimento d’esta cidade”, deliberando por isso no sentido
de promover “a construção d’um mercado no local que for designado d’accordo
com a assembleia dos maiores contribuintes”. Para o efeito, são colocadas à
consideração três soluções possíveis: a extensão do mercado existente até à
Sapataria (atual rua 1º de Dezembro); a Praça d’Alagoa (atual Praça Alexan-
dre Herculano); e a Doca (sensivelmente no espaço onde hoje está instalado
o Hotel Eva)101.
Reunida para debater a questão da venda do local ao BdP e do destino a
dar aos mercados da cidade, aquela assembleia, que reunia os “40 maiores
contribuintes prediaes e industriais do concelho”, viria não só a mostrar-se
favorável àquela venda como a considerar que “melhor seria construir logo
um mercado misto para venda de hortaliças etc. e peixe”. Quanto à sua loca-
lização, entendia aquela assembleia dever “preferir-se, por várias razões de
comodidade e economia, a doca, próxima da via férrea”, considerando ainda
convir que o atual local do Mercado das Hortaliças fosse ocupado pelo BdP,
assim “melhorando-se também pelo lado do embelesamento da cidade” 102. Mas
se nesta altura ainda era considerada a hipótese de se manter o Mercado das
Hortaliças no mesmo local mas procedendo à sua ampliação, esta solução
rapidamente acabará por ser abandonada face aos custos das expropriações
necessárias e à possibilidade de abatimento do produto da venda do terreno
onde aquele estava então instalado ao custo da construção de raiz de um
mercado novo.

97
Filipe Baião, presidente da Câmara, em entrevista ao jornal O Algarve. ([S.A.], 1916, “A
questão dos mercados”, Jornal O Algarve, n.º 409, Ano 8º, 23/01/1916, p. 2).
98
ADF, Atas das Sessões - 1915-1918, Sessão da Câmara de 29/04/1916, fl. 13.
99
ADF, Atas das Sessões - 1905-1910, Sessão da Câmara de 01/04/1909, fl. 147.
100
Idem, Ibidem.
101
Idem, Ibidem.
102
ADF, Atas das Sessões - 1905-1910, Sessão da Câmara de 06/05/1909, fl. 152.
54 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

A construção de um novo mercado numa localização alternativa


não seria, pois, ideia nova. Se não antes, já havia sido levantada, pelo me-
nos, em 1903, pelo vereador João Rodrigues Aragão, o qual defende então
que esse novo mercado se destinasse apenas às hortaliças, mantendo-se o
Mercado de Peixe então existente tal como estava, pois considerava-o ainda
“um grande mercado”, quando comparado “com outros mercados colocados em
terras do litoral do paiz aliaz com mais população do que esta” 103. Na justifi-
cação económico-financeira da proposta, Aragão argumentava com a possi-
bilidade de se criarem 59 novas lojas, propondo que o mercado a construir
fosse “um mercado completamente desembaraçado com uma figura retangular
tendo nos lados menores do rectangulo 30,00 m de comprimento e nos lados
maiores 65,00 m ou sejam 1.950 m2”, e viesse a ser instalado na então Praça
d’Alagoa 104.
Importa referir que à proposta então apresentada por Rodrigues
Aragão não deveria ser alheio o projeto do mercado da Figueira da Foz,
construído entre 1889 e 1892 105, projeto precisamente do qual a CMF
pede uma cópia em junho desse ano de 1903 106. A construção de um mer-
cado “em ferro”, à semelhança do que a Câmara da cidade da foz do Mondego
construíra – com as suas três naves suportadas por estrutura metálica e
cobertas, nos seus espaços intermédios, por vidro – mas também daque-
les, atrás referidos, que haviam já sido construídos em Lisboa e no Porto,
seria, contudo, um sonho adiado. Adiado não por falta de vontade, nem de
propostas para tal 107, mas pela incapacidade financeira da autarquia; inca-
pacidade que constituirá, durante anos, aliás, o grande óbice a que a obra
– qualquer que ela fosse, de ferro ou sem ele… – se faça.
Todavia, a Alagoa acabará por ser rejeitada como localização do
novo mercado, porque tal solução não só “ia estragar um dos melhores lar-
gos da cidade”, como, porque “só poderia ter uma área de 1.600 m2 ficava
acanhado”, implicaria ainda “expropriar um renque de casas do lado poente”
com todos os custos daí resultantes 108. Em seu lugar, acabaria por se impor
a Doca como melhor solução; solução que tanto a CMF, primeiro, como a
“assembleia dos cidadãos maiores contribuintes”, depois, e ainda 157 outros
cidadãos do município reunidos em abaixo-assinado viriam a defender, dan-
do também o seu aval à venda do local ao BdP 109.
Assumindo-se então a zona norte da Doca como espaço privilegia-
do para a instalação do tão ansiado novo mercado misto municipal110, a ideia
do então presidente da Câmara, Dr. Filipe Baião, era de que o respetivo
edifício viesse a ser “uno, com uma superfície de 3000 m2 – 2000 destinados
55

ao da verdura e 1000 para o do peixe”, ficando o novo mercado das horta-


liças “três vezes e meia maior que o atual, e o do peixe [com] mais 200metros”
111
. Contudo, dez anos volvidos após a venda do local do velho mercado da
Hortaliça – e a nova agência do BdP já construída e inaugurada –, o proces-
so de construção do novo mercado continuava a arrastar-se sem fim à vista,
tendo até surgido na imprensa local rumores de que se estaria a preparar
a venda dos terrenos da Doca que “estavam reservados para a construção dos
mercados municipais” a uma multinacional petrolífera para aí instalar “os seus
depósitos de petróleo e gasolina” 112. O negócio, que o jornal justamente ti-
tula como “Um grave perigo para a cidade” e se justificava pelos “apertos de
fundos” em que Câmara se encontrava, acabaria no entanto por ser desmen-
tido, segundo o mesmo jornal, não por desistência do pretendente ou falta
de vontade da Câmara, mas porque, muito simplesmente, “o terreno não foi
cedido à câmara para esses fins.” 113

103
ADF, Atas das Sessões - 1900-1905, Sessão da Câmara de 29/10/1903, fl. 155.
104
Idem, Ibidem.
105
Mercado Municipal Engenheiro Silva.
106
ADF, Atas das Sessões - 1900-1905, Sessão da Câmara de 18/06/1903, fl. 123.
107
Em janeiro de 1910, segundo consta da ata da sessão da Câmara de 13/01, a Câmara terá
recebido um ofício da “Fabrica Promittende de fundição de Lisboa” com “desenhos de mercados
em ferro propondo-se contractar com a Câmara a respectiva construção”, tendo a Câmara
deliberado reservar a discussão do assunto para “occasião opportuna”. (ADF, Atas das Sessões
- 1905-1910, Sessão da Câmara de 13/01/1910, fl. 163).
108
ADF, Atas das Sessões- 1915-1918, Sessão extraordinária da Câmara 11/10/1915, fl. 7.
109
ADF, Atas das Sessões - 1905-1910, Sessões da Câmara de 22/07, 29/07 e 05/08 de
1909, fl.s 160-162.
110
Esta ideia de construir o mercado municipal num terreno roubado à doca, ainda assim, terá
sido muito discutida, tendo sido lançadas várias dúvidas sobre a sua execução. É pelo menos
o que se depreende duma entrevista que o então presidente da Câmara, José Mendes Silvestre,
concede ao jornal AVoz, em 11 de maio de 1935, em que anuncia a criação de uma comissão
para se pronunciar sobre a adequação da construção dos mercados naquele local (cit. por
CRUZ, Isabel, 2017. “Mercado Municipal”, artigo a publicar nos Anais do Município de
Faro).
111
Em entrevista ao jornal O Algarve. ([S.A.], 1916,“A questão dos mercados”, Jornal O Algar-
ve, n.º 409, Ano 8º, 23/01/1916, p. 2).
112
[S.A.], 1926, “Um grave perigo para a cidade”, Jornal O Algarve, n.º 944, 19º ano,
09/05/1926, p. 1.
113
[S.A.], 1926,“O ‘triste’ e a Shell”, Jornal O Algarve, n.º 946, 19º ano, 23/05/1926, p. 1.
56 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

O MERCADO NA DOCA: DO PROJETO DE CRISTINO DA SILVA


À CONSTRUÇÃO QUE O NÃO CHEGOU A SER

E é precisamente para os terrenos da extremidade norte da Doca que, em


1928, o arquiteto Luís Cristino da Silva114 é convidado a desenvolver o
respetivo projeto, no seguimento da deliberação tomada pela Câmara de
Faro na sua sessão de 12 de julho desse ano, de “proceder quanto antes à cons-
trução dum mercado nesta cidade” 115. Todavia, apesar de Cristino da Silva ter
de imediato aceitado o convite e logo enviado, em agosto desse ano, “copia
da planta do mercado Faro bem como duas soluções de fachada” 116, também
este projeto nunca terá chegado a ir além das intenções. Para isso muito terá
contribuído certamente, quer “a angustiosa situação que a nossa província
atravessa[va], asfixiada pela maior crise de que há memória” 117, situação que a
imprensa local acusava o Governo de não ter em conta, quer as dificuldades
financeiras da Câmara, quer ainda a recusa por parte da CGD, no início da
década de 1930, em conceder novo empréstimo para o efeito 118.
Não obstante, em junho de 1932 dar-se-á novo passo no sentido de
construir um novo mercado naquela zona, com a apresentação do “Projecto

114
Então ainda um jovem arquiteto em início de carreira e recém chegado de Paris onde estu-
dara entre 1920 e 1925 depois de concluído, em 1919, o curso de Arquitectura da Escola
de Belas Artes de Lisboa e que não teria ainda iniciado o projeto do Cinema Capitólio, sua
primeira grande obra e que se tornaria uma das mais importantes referências arquitetónicas
do primeiro modernismo português.
115
Ofício da Câmara de Faro remetido ao Arqt.º Luís Cristino da Silva, com data de
20/07/1926 (ADF, Projecto de construção do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-
1942).
116
É pelo menos o que reza a ata da sessão da Câmara de 24 de janeiro de 1931 (ADF, Atas das
Sessões - 1930-1934, Sessão da Câmara de 24/01/1931, p. 87). Contudo, nem do fundo
documental da CMF disponível no Arquivo Distrital de Faro, consta esses desenhos, nem do
espólio de Cristino da Silva que se encontra depositado na Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste Gulbenkian, consta qualquer entrada relativa a esse estudo.
117
[S.A.], 1926,“Uma atitude”, Jornal O Algarve, n.º 959, 19º ano, 22/08/1926, p. 1.
118
Segundo se queixava a Câmara ao Ministro do Interior, em ofício datado de 5 de fevereiro de
1931, insistindo uma vez mais na importância de dotar a cidade de um novo mercado, pois
sendo capital de distrito, “o que tem é vergonhoso e miserável.” (ADF, Projecto de construção
do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
57

do novo muro-cais para a retenção dos aterros feitos ao norte da doca de Faro
em local destinado à construção dos mercados camarários”, assinado pelo Eng.º
Bernardo Sá Nogueira119. Assumindo como objetivos fundamentais: “obter
os terrenos necessários para a conveniente instalação dos mercados da cidade”
e “desembaraçar a atual Avenida da República do serviço de cais da Alfândega,
o qual todo o ano a mantém pejada de mercadorias e dos carros que as trans-
portam”, o projeto contemplava, entre os trabalhos propostos a “remoção do
atual mercado de peixe e serviço de lota para o novo aterro, evitando-se assim
o péssimo serviço de desembarque de peixe na estacada da Porta Nova e o seu
transporte através da linha férrea, num ponto onde nem sequer há uma passa-
gem de nível”.
Mas ainda que o aterro tenha sido feito e os trabalhos de constru-
ção de um novo mercado naquela zona tenham efetivamente chegado a ser
iniciados, o seu destino acabaria mesmo por não ser esse. De facto, em me-
ados da década de 1930, pareciam estar finalmente reunidas as condições
para a construção do tão ansiado novo mercado. De visita a Faro, em março
de 1934, Duarte Pacheco, o então ministro das Obras Públicas, ter-se-á
manifestado favorável à pretensão da Câmara de se proceder “com toda a
urgência ao estudo das condições a que devem satisfazer os ante-projectos para
a construção dos novos mercados de Faro” e à imediata abertura de concur-
so para a apresentação dos mesmos120, tendo em consonância enviado o
correspondente programa de concurso121. Definitivamente posto de parte
ficava assim o estudo encomendado a Cristino da Silva.
O concurso, aberto a engenheiros civis, arquitetos, engenheiros au-
xiliares e agentes técnicos de engenharia, oferecia três prémios monetários
de 3.000, 2.000 e 1.000 escudos, oferecendo mais 3.000 escudos ao autor
do anteprojeto vencedor para a elaboração do projeto definitivo completo,
contemplando o respetivo “Plano de Obra” a construção de um mercado

119
ADF, Projecto do novo muro-cais para a retenção dos aterros feitos ao norte da doca de Faro em
local destinado à construção dos mercados camarários. Eng.º Bernardo Sá Nogueira, 1932.
120
FARO, Câmara Municipal, 1934,“Proposta” (ADF, Projecto de construção do Mercado Muni-
cipal, junto à Doca, 1928-1942). A referida proposta foi apresentada na sessão da Câmara
de 31/03/1934.
121
ADF, Atas das Sessões - 1930-1934, Sessão da Câmara de 19/05/1934, fl.s 440-442.
58 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

com “240 lugares na secção hortícola e 120 lugares na secção de pescado”,


à volta das quais de deveriam ainda “dispor-se, aproximadamente, 50 lojas”,
organizado “num pavimento único” a localizar-se junto à doca e “tendo em
atenção a futura urbanização da Avenida da Republica”. Curiosamente, no fi-
nal do documento foi acrescentado um parágrafo manuscrito onde se refere
que, nos anteprojetos, “ter-se-á em consideração que os mesmos se destinam a
um mercado central”, pois a localização indicada “imporá num futuro mais ou
menos próximo a construção de mais dois pequenos mercados mistos que sirvam
áreas mais afastadas do centro da cidade” 122, propondo uma solução que
acabará por não ter seguimento.
Apenas dois anteprojetos foram apresentados, tendo o júri – cons-
tituído pelo Dr. Maria Augusto Lyster Franco, presidente da Câmara, pelo
Eng.º Joaquim Barata Correia e pelo Arqt.º José Maria Pinto de Vasconce-
los – chegado “por unanimidade à conclusão de que nenhum […] satisfaz
cabalmente aos fins que a Câmara pretende, por virtude de diversos motivos de
ordem técnica, estética e económica, resultando entre todos eles, a desproporção
manifesta que se verifica entre o espaço reservado à secção hortícola e à secção
piscatória, a qual vai além das condições expressas nas bases do concurso.” Ainda
assim, e porque considera que ambos “apresentam sugestões bastante apro-
veitáveis”, aquele júri deliberou, também por unanimidade, não atribuir o
primeiro prémio, concedendo o segundo prémio à equipa constituída pelos
agentes técnicos de engenharia José Correia da Fonseca, Pedro António Ga-
mito e Anastácio Gomes Coelho, e o terceiro prémio à equipa constituída
pelo Arqt.º A. B. Costa Macedo e pelo Eng.º Civil Manuel Maria Travassos
Valdez 123.
Submetidos aqueles anteprojetos à apreciação do Conselho Supe-
rior de Obras Públicas (CSOP), este, contrariamente ao júri do concurso,
entenderia não ser viável a escolha de qualquer um deles para servir de
base à elaboração do projeto definitivo, “por não julgar que deles se possam

122
Ministério das Obras Públicas (MOP),“Concurso para a apresentação de ante-projectos des-
tinados ao mercado desta cidade – Programa do Concurso”, 26/07/1934 (ADF, Projecto de
construção do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
123
“Acta de apreciação dos ante-projectos concorrentes”, 01/11/1934 (ADF, Projecto de cons-
trução do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
59

tirar quaisquer indicações ou sugestões orientadoras a aconselhar”, sugerindo,


ao invés, que se estabelecesse novo concurso. O parecer daquele Conse-
lho, que contava entre os seus membros os prestigiados arquitetos Carlos
Chambers Ramos e Porfírio Pardal Monteiro, foi aprovado por unanimida-
de, tendo Carlos Ramos apresentado uma declaração, onde critica a insis-
tência com que vinham sendo submetidos a parecer do CSOP (procurando
a sua legitimação, pressupõe-se) processos que, no seu entender, “deveriam
ser inicialmente reprovados”. Ramos aponta o dedo, em particular, às “condi-
ções absolutamente deprimentes” em que verificava a abertura de muitos con-
cursos, quer no que toca à organização dos programas, quer à categoria dos
técnicos admitidos a concurso, quer ainda “no que muito particularmente se
refere à forma como são recrutados os membros do júri”, condições que no caso
particular em apreço, conclui, “são mais do que suficientes para justificarem
o seu triste resultado.” 124

A primeira daquelas propostas contemplava (i) dois edifícios au-
tónomos, um para a venda do peixe o outro para as verduras – “ocupando
quasi todo o terreno, cada um com vida própria e inteiramente desligados um
do outro”, no entender do CSOP –, separados por uma rua paralela à Av.
da República, (ii) o alargamento desta avenida, apresentando duas placas
separadoras centrais paralelas, e (iii) a abertura de uma nova avenida per-
pendicular àquela e a eixo da entrada principal do mercado, a rasgar ao
longo da Travessa da Madalena, o que obrigaria a demolições significativas
nos quarteirões entre a Av. da República e a Rua Conselheiro Bívar.
Quanto à segunda, de que se conhece apenas a descrição que dela faz o pare-
cer do CSOP, os dois edifícios, também independentes, que esta apresenta
“casam-se mal com o terreno, mas ligam-se mais um com o outro, constituindo
um conjunto mais homogéneo”, no entender daquele Conselho, que critica
ainda o facto das plantas “deixa[rem], porém dúvidas sobre a possibilidade de
boa arrumação” do número de lugares de venda previstos, sendo este apenas
indicado na memória descritiva.
Este processo ficar-se-ia por aí, já que, numa época em que tem ao seu leme
o jovem e dinâmico ministro Duarte Pacheco, o MOP acabará por avocar a

124
CSOP, 1ª Sub-Secção da 4ª Secção, Parecer n.º 436, 21/07/1935 (ADF, Projecto de cons-
trução do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
60 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

si o estudo não só desse, como de outros mercados e matadouros do país.


Referindo ter-se constatado, “Em minucioso inquérito recentemente
realizado […] a deficiência das instalações municipais de Mercados e Ma-
tadouros nas diversas capitais de distrito”, bem como os “erros de conceção
e previsão” cometidos nos vários novos edifícios entretanto construídos
em diversos locais do país, o MOP, na missiva que envia à CMF, em mar-
ço de 1935, anuncia a decisão de centralizar o estudo de novos mercados
numa Comissão125 dependente daquele ministério, a qual ficaria incumbida
da elaboração, “quanto possível sistematizada”, dos projetos, bem como da
orientação dos respetivos concursos e da fiscalização da construção corres-
pondente126.
É na sequência de uma visita a Faro, no final desse ano, do Eng.º Pa-
checo de Sousa, chefe da brigada responsável pelos projetos dos mercados
daquela Comissão, que a ideia de instalar o novo mercado na Alagoa volta
a ser suscitada. No ofício, manuscrito pelo próprio, que remete à CMF
após a visita, em 30 de dezembro, Pacheco de Sousa, embora admitindo ser
“evidente que esta Praça [da Alagoa] não tem as dimensões desejadas ao fim em
vista”, assinala, porém, que entre a mesma, a Rua Alexandre Herculano, a
Rua Castilho e a Travessa Castilho, “existe um quarteirão de casas de modesta
construção e que permitiriam um largamento das mesma para as dimensões
aproximadas de: 1oom x 50m = 5.000m2”, sugestão que, já de regresso a
Lisboa, lhe parecera ainda “mais nítida depois de analisar a planta da cida-
de”, acrescentando que “o acréscimo [de custo] das fundações da construção
no terrapleno da doca” justificaria a ponderação dessa hipótese alternativa,
mesmo considerando o custo das expropriações127.
Note-se que das construções “modestas” a que se refere Pacheco de

125
Comissão da Elaboração dos Projectos dos Novos Mercados e Matadouros nas Capitais de
Distrito. No âmbito da mesma seriam criadas duas brigadas, encarregadas de elaborar os
projetos dos mercados, uma, e dos matadouros, a outra, sendo encabeçadas, respetivamente,
pelo Capitão de Engenharia Manuel Quirino Pacheco de Sousa, professor da Escola Militar,
e pelo Eng.º Octávio Filgueiras, da DGEMN-Norte.
126
MOPC, Gabinete do Ministro, ofício n.º 5010, 09/03/1935 (ADF, Projecto de construção
do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
127
Capitão de Engenharia Quirino Pacheco de Sousa, ofício manuscrito datado de 30/12/1935
(ADF, Projecto de construção do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
61

Sousa já quase nada resta por força das transformações a que o quarteirão
(como de resto a própria cidade) se viu sujeito ao longo da segunda metade
do século XX. Mas se a insensibilidade de Pacheco de Sousa face às arqui-
teturas não monumentais ou eruditas é bastante comum e generalizada na
época, inclusive entre arquitetos, – prevalecendo, aliás, até, pelo menos, os
anos 1960 – não se pode deixar notar como a eventual escolha desse local
rapidamente se revelaria desajustada por força do desenvolvimento urbano
que Faro conheceria nas décadas seguintes – a menos que os pressupostos
ampla e extensivamente renovadores da malha urbana da baixa da cidade,
“limitando-se a conservar os monumentos existentes” 128, associados ao Plano
de Urbanização de 1945 tivessem sido integralmente cumpridos e o conse-
quente alargamento das suas ruas viesse assim permitir o descongestiona-
mento do trânsito automóvel, “que se faz[ia então] confusamente através de
estreitos arruamentos” 129.
Concluindo, porém, que o custo das expropriações necessárias se-
ria superior ao custo acrescido das fundações nos terrenos lodosos da doca,
a Câmara rejeitaria uma vez mais tal solução, insistindo por isso na ideia de
que o terreno da doca era o mais indicado. O projeto viria a ser entregue
– depois de vários atrasos, que motivaram troca de ofícios entre a CMF,
aquela Comissão e DGEMN – no dia 30 de outubro de 1936 130, apre-
sentando uma planta triangular – em que o lado maior, correspondente à
fachada principal, se orienta à Av. da República e o vértice oposto constitui
a zona de cargas e descargas, armazéns frigoríficos e outras áreas de serviço
– cuja periferia é conformada por um conjunto de lojas, com montra para
o exterior e acesso também pelo interior, dotadas de um alpendre contínuo
na fachada exterior, e o interior, onde se instalam as bancas de venda, é
constituído por duas naves de duplo pé-direito, superando a altura das lojas
e áreas de serviço, suportadas por estrutura metálica (fig.s 3 e 4).

128
LOBO, Margarida Sousa, 1995. Planos de Urbanização: A época de Duarte Pacheco. Porto:
FAUP, p. 220.
129
ADF, Planos de Urbanização, 1944-1982, Ante-plano Geral de Urbanização de Faro,
Arquiteto João Aguiar, 1945, “Memória Descritiva e Justificativa”, p. 7
130
Capitão de Engenharia Quirino Pacheco de Sousa, ofício datado de 01/11/1936 (ADF,
Projecto de construção do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
62 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

O projeto apresenta assinatura do Arqt.º João Segurado, um dos


pioneiros do nosso “efémero modernismo” 131, mas este projeto – desconhe-
cendo-se as circunstâncias em que o seu nome aparece associado ao mesmo
–, não só parece longe desse seu registo (ou do melhor que se lhe conhece
da sua obra modernista), como daquele, que ficará conhecido como “portu-
guês suave” (e reconhecido como estilo, se não oficial, pelo menos oficioso
do Estado Novo), para o qual, a exemplo de muitos outros seus contempo-
râneos de formação ou início de carreira modernista, infletirá nesse final da
década de 30 132 .

Figuras 3 e 4: O antigo Mercado Municipal de Faro que precedeu o actual.


Fotos CM de Faro

Exposto nas montras da Comissão Municipal do Turismo em ju-


lho de 1938133, e tendo a CMF contraído um empréstimo no valor de
750.000$00 para a sua construção em maio de 1939134, este projeto do
Mercado só será, contudo, colocado a concurso de empreitada de cons-
trução um ano depois, em maio de 1940 (!)135 e, finalmente, adjudicado ao
empreiteiro António José Honrado, de Beja, em 17 de junho desse ano pelo
valor de 1.908.985 escudos136 .

131 PORTAS, Nuno, 2008, Arquitectura para hoje, seguido de Evolução da Arquitectura Moder-
na em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, p. 171.
132 Idem, p. 186.
133 [S.A.], 1938.“Novos mercados”. In O Algarve, n.º 1.582, Ano 31, 24.7.1938, p.1
134 ADF, Atas das Sessões - 1943-1945, Sessão da Câmara de 31/05/1939, fl. 10.
135 ADF, Projecto de construção do Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942.
63

Todavia, as vicissitudes porque passou este antigo anseio da cidade


farense não terminariam aí. É certo que a obra chegou a ser, de facto, inicia-
da, mas em fevereiro de 1942 seria definitivamente suspensa, por ordem do
MOP, “pelo facto do local da dita construção ser facetado [?] e por se verificar
a deslocação dos limites ultimamente fixados” 137. Ao longo de todo o ano de
1941 e primeira metade de 1942, António José Honrado não se cansará de
reclamar a indemnização legal a que entendia ter direito, por força da resci-
são do contrato, por forma a ver-se ressarcido da importância dos trabalhos
já realizados e pelos prejuízos decorrentes dessa rescisão, chegando mesmo
a ameaçar “ir perante esse grande homem que se chama Salazar”, porque, afir-
mava, “tenho fé que justiça será feita porque Salazar não consente que à sua
sombra se façam injustiças desta ordem” 138… E se é certo que a indemnização
acabará por ser paga 139, a obra, essa, não mais seria retomada.

O ANTE-PLANO GERAL DE URBANIZAÇÃO DE FARO E A


DEFINIÇÃO DO CAMPO DE S. LUÍS COMO DESTINO
FINAL DO MERCADO MUNICIPAL DA CIDADE

C om a suspensão da obra de construção do novo mercado na Doca, viria


também a ser definitivamente colocada de parte a ideia de instalar o
mercado naquela zona da cidade, já que, entretanto, um novo dado en-
traria em equação. Em 1934, o DL n.º 24.802, de 21 de dezembro, vem
tornar obrigatório, às câmaras municipais do continente e ilhas adjacentes,
o levantamento de plantas topográficas e a elaboração de planos gerais de
urbanização e expansão das sedes dos seus municípios, determinando que
para a elaboração daqueles planos “as câmaras municipais abrirão concurso
entre arquitectos e engenheiros civis portugueses, ou fá-los-ão executar pelos seus

136 P Idem.
137 ADF, Atas das Sessões - 1939-1941, Sessão da Câmara de 27/02/1941, fl. 96.
138 António José Honrado, ofício datado de 12/05/1942 (ADF, Projecto de construção do
Mercado Municipal, junto à Doca, 1928-1942).
139 Na missiva atrás referida Honrado reconhece terem-lhe sido entretanto pago “os materiais, e
apenas o trabalho de medição”, o que considerava insuficiente.
64 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

serviços técnicos de urbanização, quando os tenham devidamente organizados” 140.


Contudo, a inexperiência das autarquias neste domínio e a escassez de téc-
nicos qualificados acabarão por conduzir à centralização da dinamização e
coordenação do processo nos serviços da Administração Central141. As-
sim, com as alterações introduzidas em 1944 àquele diploma pelo DL n.º
33.921, de 5 de setembro, passa-se a admitir não só que aqueles planos
pudessem ser elaborados pela Secção de Melhoramentos Urbanos (SMU)142
, como a substituição do concurso público “por concurso limitado ou por en-
comenda directa a arquitectos e engenheiros civis especializados” 143, sendo só
a partir de então que aquela dinâmica desencadeada em 1934 pelo ministro
Duarte Pacheco começará a dar resultados visíveis144.
Entre os arquitetos que, dessa forma, virão a ser convidados por
Duarte Pacheco, em janeiro de 1943145, para esta tarefa conta-se João An-
tónio Aguiar, então a exercer funções nos serviços técnicos da Câmara de
Lisboa, e que, no seguimento da solicitação feita pela CMF ao MOP em 12
maio de 1943146, virá ser incumbido, já na segunda metade desse ano147, do
Plano Geral de Urbanização (PGU)148 de Faro149.

140 DECRETO-LEI n.º 24.802, de 21 de dezembro de 1934, art.º 9º


141 LOBO, op. cit., p. 40.
142 Secção especial criada em 1938 no âmbito da DGEMN, através do DL n.º 29.218, de 06/12.
143 DECRETO-LEI n.º 33.921, de 5 de setembro de 1944, art.º 14º, §§ 1º e 2º.
144 LOBO, op. cit., p. 35. A mesma autora acrescenta ainda, a respeito do desfasamento entre a pu-
blicação do DL que institui os PGU, em 1934, e o seu efetivo cumprimento, que “a inexistência
de bases cartográficas atualizadas atrasou o início da elaboração dos planos de urbanização
até ao princípio da década de 40. Só a partir de 1943 é que começaram a ser terminados os
levantamentos topográficos em número significativo de aglomerados.” (LOBO, op. cit., p. 46).
145 Idem, p. 41.
146 ADF, Atas das Sessões - 1942-1943, Sessão da Câmara de 17/07/1943, fl. 81.
147 É pelo menos o que se deduz da ata da sessão da Câmara de 17/07/1943, onde se lê, a respei-
to de algumas obras de calcetamento que a JAE pretendia levar a efeito na EM de S. Luís, que
ao presidente da CMF lhe “parece ser prudente aguardar a decisão de Sua Excelência o ministro
acerca do pedido que lhe foi feito em doze de Maio último, referente à elaboração de um plano
geral de urbanização da cidade, pois se admite que esse plano poderá alterar o que se encontra
projetado”. (ADF, Atas das Sessões - 1942-1943, Sessão da Câmara de 17/07/1943, fl. 81).
148 Depois designado por Ante-plano Geral de Urbanização, na sequência da promulgação do
DL nº 35.931, de 4 de novembro de 1946 (ver a esse respeito LOBO, op. cit., p. 35).
149 Na região do Algarve, e para além de Faro, João Aguiar ficaria ainda incumbido do PGU de Olhão.
65

A elaboração do PGU de Faro vem assim colocar um travão, que se


revelará definitivo, na ideia da construção do mercado na Doca; construção
que, apesar de iniciada, não só não mais será retomada, como o próprio
ministro terá “orden[ado] aos serviços que lhe estão subordinados a elaborarem
um novo projeto” 150. Dessa forma, não só a estratégia de desenvolvimento e
expansão urbana associada ao PGU, por um lado, acabará por impor uma
diferente localização para aquele equipamento, deixando este de reforçar
uma centralidade existente para passar a configurar uma nova centralidade,
como, por outro lado, a ideia de uma arquitetura ‘oficial’ – moderna, mas
portuguesa – que, entre a segunda metade dos anos 30 e a primeira metade
dos anos 40, o Estado Novo virá a promover (se não, nalguns casos, a im-
por), será determinante para a definição da imagem arquitetónica do novo
mercado.

MERCADO MUNICIPAL DE FARO:


CIRCUNSTÂNCIA E PROJETO

N omeado por Duarte Pacheco, em abril de 1943, diretor dos serviços


de Arquitectura e Urbanização da Junta Geral do Distrito do Algarve,
região onde se instala, “por seis meses (no dizer de Duarte Pacheco), à ex-
periência”, tornando-se então o único arquiteto residente em Faro e dotado
de “uma vasta ‘iniciativa de projeto’, podendo exercer em todos os conce-
lhos da região algarvia” 151, caberá a Jorge de Oliveira o desenvolvimento de

150 ADF, Atas das Sessões - 1942-1943, Sessão da Câmara de 17/04/1943, fl. 63.
151 FERNANDES, José Manuel, 2006, “De Jorge Oliveira a Gomes da Costa. Dois Autores e
Duas Concepções da Arquitectura no Século XX em Faro”. In Revista Monumentos. Lisboa:
DGEMN. N.º 24, março de 2006, p. 142.
152 Assinala-se ainda que, no quadro das funções públicas que virá a exercer no Algarve, Jorge de
Oliveira será incumbido também, segundo a “Relação dos urbanistas com indicação das loca-
lidades que tinham a seu cargo em 1948” compilada por Margarida Sousa Lobo (op. cit., pp.
260-270), de alguns planos de urbanização, nomeadamente os de Alcoutim, Aljezur, Castro
Marim, S. Brás do Alportel e Ria de Faro. Contudo, nenhum deles consta da “Relação dos planos
com aprovação ministerial” até 31/12/1960 compilada pela mesma autora (cf. LOBO, op. cit.,
pp. 272-278). Para além do Mercado de Faro, Jorge de Oliveira irá desenvolver ainda, no Al-
garve os projetos dos mercados de Silves e São Bartolomeu de Messines, bem como a remodelação
da fachada do edifício da Câmara Municipal de Faro e a sede da antiga Junta de Província do
Algarve, onde atualmente está instalada a CCDR, entre muitos outros projetos.
66 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

um novo estudo para o Mercado Municipal da capital da região algarvia152.


Esse estudo, de que subsiste um desenho a carvão do alçado princi-
pal (fig. 5), terá mesmo sido o primeiro iniciado por Jorge de Oliveira logo
após a sua instalação na capital algarvia. É pelo menos o que se depreende,
não só da data atribuída a esse desenho, como da ata da sessão da Câmara de
22 de maio na qual se dá conta de um ofício da SMU em que esta informa
a CMF de que o custo previsto para construção daquele equipamento as-
cende a mais de 4.700.000 escudos e questiona as possibilidades financeiras
da Câmara para a realização da obra. Em resposta, a CMF afirma poder
“prever-se” que, terminadas as obras de urbanização de Santo António do
Alto, então em curso, e iniciada a venda dos respetivos terrenos sobrantes,
só então “se obtenham recursos suficientes para considerar a construção do
mercado”, oportunidade que, contudo, acrescenta a deliberação camarária,
“não se apresentará antes de dois ou três anos.” 153

Figura. 5: Mercado Municipal de Faro, Ante-projecto: alçado principal. Arqº. Jorge de


Oliveira,
1943. Biblioteca da Universidade do Algarve, Espólio do Arqº. Jorge de Oliveira

O sonho parecia assim mais uma vez adiado. Às já crónicas dificul-
dades financeiras da Câmara (problema, aliás, generalizado e que o governo
central pouco faria para resolver ou atenuar, já que ao centralismo pater-
nalista do Estado Novo não conviria um poder local dotado de um mínimo
67

de autonomia, política ou sequer financeira) acresciam, por esta época, as


dificuldades decorrentes da guerra que lavrava na Europa (que se refletiam
na escassez de alguns materiais e no respetivo preço), bem como a circuns-
tância dessa obra estar ainda dependente da localização que o PGU lhe vies-
se a atribuir. Daí que, em dezembro de 1943, para atenuar as “condições pés-
simas”, quer de estado de conservação, quer higiénicas e estéticas, em que
estava a funcionar o Mercado do Peixe, tenha sido proposta a construção
de um “alpendre provisório” para aquele efeito, em projeto assinado pelo Arqº.
Jorge de Oliveira 154. Enquanto isso, a Câmara deliberaria, por unanimidade,
consignar às obras de urbanização de Santo António do Alto o empréstimo de
750.000 escudos que havia contraído em 1939 para a construção do Mercado,
adiando assim esta obra “para melhor oportunidade” 155.
O PGU só em meados de 1945 ficará terminado. Presente à Câmara na sua
sessão de 2 de junho, e aprovado por unanimidade, o projeto e as soluções
nele preconizadas para diversos problemas mereceriam do executivo cama-
rário a sua “concordância absoluta”, sendo realçada a solução de localização
prevista naquele plano, por ser “Melhor localização do mercado, do que a pro-
posta antigamente no aterro junto da Avenida da República, demasiadamente
descentrada e com outros inconvenientes” 156. O processo ficaria concluído em
31 de maio do ano seguinte com aprovação do CSOP e consequente homo-
logação do MOP157, confirmando a localização definitiva do novo mercado
a construir no campo de São Luís, na zona de expansão exterior à velha
estrada da circunvalação, estrada construída em 1890 e que constituía, até
meados do século XX, o limite físico da cidade.
Em junho de 1946, Jorge Oliveira apresenta o anteprojeto do novo
mercado da cidade, tendo a Câmara aprovado o respetivo “alçado da facha-
da” e “deliberado proceder a um demorado estudo da divisão interior” 158.
Por fim, no início de julho de 1947, é entregue o respetivo projeto

153 ADF, Atas das Sessões - 1942-1943, Sessão da Câmara de 22/05/1943, fl. 69.
154 ADF, Projecto de alpendre provisório para a Lota de Peixe da Cidade de Faro, Arqº. Jorge de
Oliveira, 08/12/1943.
155 ADF, Atas das Sessões - 1943-1945, Sessão da Câmara de 11/12/1943, fl. 10.
156 ADF, Atas das Sessões - 1945-1946, Sessão da Câmara de 02/06/1945, fl. 13.
157 LOBO, op. cit., pp. 274 e 279.
158 ADF, Atas das Sessões - 1945-1946, Sessão da Câmara de 31/05/1946, fl. 84.
68 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

definitivo (figs. 6 e 7), cuja obra a Câmara, aguardando “confiados em que o


Governo alivie os Municípios de alguns encargos que pertencem ao Estado e que
presentemente estão a ser, injustamente, suportados pelas Câmaras”, esperava,
“como tudo leva a crer”, que pudesse ser iniciada ainda nesse ano159, o que,
de facto, só aconteceria no ano seguinte, tendo o respetivo concurso de em-
preitada sido anunciado em 12 de abril desse ano160. Adjudicada a Álvaro de
Melo Gouveia, de Lisboa, pelo valor de 2.997.000$00161, a obra, todavia,
só ficou concluída em 1953, tendo a sua inauguração sido incluída no habi-
tual programa de comemorações da revolução 28 de maio, mas só aberta ao
público no dia 1 de dezembro desse mesmo ano. Duas semanas depois, com
a publicação do anúncio relativo ao “Concurso público para a adjudicação da
empreitada de Demolição do antigo Mercado de hortaliças e carne, na Rua do
Registo” 162, o mercado tradicional despedia-se, por fim, da baixa da cidade,

Figuras. 6 e 7: Projecto do Mercado Municipal de Faro: planta geral e alçado principal.


Arqt.º Jorge de Oliveira, 1947. ADF, Processo de construção e adjudicação da empreita-
da para a construção do Mercado Municipal, 1947-1948.
69

onde sempre funcionara desde há longos séculos.


Na Memória Descritiva e Justificativa do projeto, Jorge de Oliveira
começa por assinalar que o recinto então existente, “vedado e coberto, na
zona marginal”, se revelava já “incapaz quer pela sua disposição, quer pela
exiguidade da implantação, de bastar às necessidades duma cidade como Faro”.
Esta insuficiência obrigava assim “à dispersão de tudo e de todos pelos terre-
nos adjacentes”, a que acrescia ainda “a falta de dispositivos sanitários e de
abrigo”, para além do “mau aspeto que oferece à cidade […] e localização
acentuadamente excêntrica no núcleo urbano a servir”, razões pelas quais,
conclui, “a construção do Novo Mercado Municipal se impõe como necessária e
urgente”163.
No que respeita à localização, o autor do projeto confirma que a mesma “foi
definida pelo Plano de Urbanização da Cidade, tomando-se em consideração
todos os pormenores que fundamentam uma boa localização: centralização em
relação ao núcleo urbano, condições de higiene asseguradas, vias de fácil acesso
intercaladas por zonas arborizadas e largos terraplenos que ficarão disponíveis
para estacionamento de viaturas, gado e produtos e de forma a servir a futuras
feiras” 164.
Quanto à solução arquitetónica adotada, é feita referência a um
primeiro estudo apresentado à DGSU, “cujo orçamento importava em cerca
de 4.300 contos”, posteriormente reformulado “de forma a obter-se solução
mais económica”, tendo esta sido conseguida por via de “redução de área,
supressão de alguns materiais que tinham sido previstos e substituição de tan-

159 ADF, Atas das Sessões, 1947-1948, Sessão da Câmara de 10/09/1947, fl. 89.
160 Boletim de Informações, nº 1.398, p. 2: anúncio da “Construção de um mercado”, indicando
o dia 5 de maio como data final para a arrematação da respetiva empreitada, a qual tinha
uma base de licitação de 2.905.600$00.
161 Acta da Comissão encarregada de analisar as propostas a concurso relativo ao projeto (em-
preitada) de Construção do Mercado Municipal de Faro. (ADF, Processo de construção e
adjudicação da empreitada para a construção do Mercado Municipal, 1947-1948).
162 ADF, Projecto de adjudicação da empreitada de demolição do antigo Mercado de Hortaliças
e Carne, 1953-1954.
163 Arqº. Jorge Oliveira, Projecto do Mercado Municipal de Faro, 01/07/1947, Memória Des-
critiva e Justificativa, p. 1. (ADF, Processo de construção e adjudicação da empreitada para a
construção do Mercado Municipal, 1947-1948).
164 Idem, p. 2.
70 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

tos outros, [e] aplicação de outros sistemas de construção”, o que, segundo o


autor, permitiria uma poupança, relativamente àquela proposta inicial, “de
aproximadamente 1.300 contos” 165.
Reza ainda a Memória ter sido o projeto “concebido em linhas ade-
quadas à natureza especial do edifício, observando-se em toda a composição
geral, um acentuado cunho regional, de grande simplicidade”, e obedecido “à
melhor configuração do terreno, fixando-se as entradas, segundo os eixos lon-
gitudinal e transversal […] acusando-se o eixo principal de composição com
elevada torre […] justificada como elemento de orientação” 166.
Afirmando-se como “imponente construção, claramente definidora de um lu-
gar urbano” 167, o novo Mercado Municipal de Faro oferecia assim à cidade
um novo equipamento, moderno mas não distanciado, em termos formais,
dessa “mistura doce de modernidade e regionalismo” que, arquitetonicamente,
ficará conhecida como “português suave” 168– e que uma boa parte da arqui-
tetura ‘oficial’ ou institucional do Estado Novo adotará, particularmente
a que se implanta nas pequenas cidades e vilas de província – e ganhava
também uma nova centralidade que se irá progressivamente afirmando à
medida que a urbanização dos terrenos adjacentes se concretiza e a mancha
urbana se expande, cada vez mais, para lá daqueles que eram, ainda, até

165 Idem, Ibidem.


166 Idem, Ibidem.
167 FERNANDES, op. cit., 143.
168 ALMEIDA, Pedro Vieira, e FERNANDES, José Manuel, 1986. “A Arquitectura Moderna”. In:
História da Arte em Portugal,Vol. 14. Lisboa: Publicações Alfa, p. 145. Note-se, porém, que a
vinculação a esse estilo, por parte de Jorge de Oliveira, é ainda mais evidente nos já referidos
mercados de Silves e S. Bartolomeu de Messines.
71

Figuras. 8 e 9: O edifício original do Mercado Municipal de Faro nos anos 50.


https://www.facebook.com/Fotos-de-Faro-antigo-670829483068443/

então, os seus limites (figs. 8 e 9).

O ‘VELHO’ MERCADO MUNICIPAL DE FARO:


DECLÍNIO E SUBSTITUIÇÃO

A construção do Mercado Municipal de Faro ocorre numa época em que,


nos países mais desenvolvidos, os mercados municipais se encontravam
já, e desde o início do século, num processo de declínio lento mas pro-
gressivo 169. Supermercados, hipermercados, centros comerciais e outros
estabelecimentos e fórmulas de comércio retalhista tenderão a assumir um
protagonismo cada vez maior e a chamar a si o papel outrora reservado aos
mercados municipais, dando resposta não só a novos hábitos de consumo

169 IGUÀRDIA BASSOLS, M., e OYÓN BAÑALES, J.L., 2007. “Los mercados públicos en la
ciudad contemporánea. El caso de Barcelona”. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía
y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona,Vol. XII, nº 744, 25 de agosto de 2007, [s. p].
72 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

emergentes, mas também, e não menos importante, aos problemas de aces-


so, circulação e estacionamento automóvel. A demolição de Les Halles, em
1971, terá sido, por ventura, “o momento mais dramático e mais visível deste
processo” e aquele que “maior repercussão internacional” 170 teve, acabando
por servir como detonador de um debate necessário sobre, não só o valor
patrimonial de muitas dessas estruturas, nomeadamente aquelas que cons-
tituíam ainda testemunho do período de apogeu da sua construção, ocorri-
do no século XIX, e da arquitetura do ferro, mas também, e sobretudo, da
redefinição (ou atualização) do seu papel e importância (económica, social,
urbana, cultural) no contexto atual.
Embora não desapareçam na sua totalidade, muitas dessas estrutu-
ras ver-se-ão assim obrigadas a reconverter-se a outras funções e finalida-
des diferentes das originais (vejam-se, p. ex., e sem qualquer intenção de
exaustividade, os casos do Mercado Ferreira Borges, no Porto, do Merca-
do da Ribeira, em Lisboa, ou da Praça da Ribeira, em Tavira), noutros, a
modernizar-se e adaptar-se ao espírito do tempo, acolhendo novos negó-
cios e as tendências comerciais emergentes e a oferecer outros serviços de
forma a atrair a si também novos públicos, transformando-se, por vezes, em
autênticos centros comerciais (o Covent Garden, em Londres, é um caso
paradigmático), em muitos dos casos perdendo aquela que era a sua função
original: a de mercado de frescos.
Nos anos 1980, a necessidade de modernizar o Mercado Municipal
de Faro, bem como o seu funcionamento e gestão, levarão a CMF a avançar
com um estudo, encomendado ao gabinete do Arqº. Alberto Sousa Olivei-
ra171, filho do autor do projeto original, Jorge Oliveira172 , que conduzirá,
por um lado, à “renovação do aspeto físico e funcional” do Mercado e, por
outro, à “criação de uma estrutura organizacional de Gestão do Mercado” 173,
que nesta fase adotará a designação de Mercafaro.

170 Idem, [s. p.]


171 Trabalhando com a autarquia farense “desde 1986 no âmbito dos Mercados Retalhistas e
Grossistas Municipais”, Alberto Oliveira irá desenvolver, não só o estudo de remodelação do
Mercado Municipal (retalhista), como também os projetos do Parque de Feiras e Exposições e
do Mercado Abastecedor (grossista).
172 Embora o seu nome ainda apareça associado ao projeto de remodelação, Jorge de Oliveira
acabará por falecer em 1989, meses antes da entrega do respetivo projeto de execução.
173 ADF, Atas das Sessões - 1987-1988, Sessão da Câmara de 15/12/1987, fl. 68.
73

Entregue aquele projeto no início do mês de julho de 1988, na res-


petiva memória descritiva lê-se que “A proposta de intervenção manterá a ca-
racterização do edifício conotado com os valores de uma ‘Arquitectura do Sul’”,
sem contudo explicitar quais sejam esses valores, acrescentando ainda que
a mesma “reporta-se a uma atitude de modernização e adaptação funcional,
corrigindo as insuficiências existentes, através da reflexão e do diálogo com os
operadores retalhistas”.
Sem introduzir significativas alterações, do ponto de vista formal, ao edi-
fício, a proposta então apresentada visava, segundo o autor: “(a) Reordenar
e ampliar os espaços de lojas existentes […], que passará a ter acesso pelo
exterior […]; (b) Dotar o Mercado de um conjunto de pequenas lojas na ‘ala
poente’ […], passando também a dispor de acesso pelo exterior […]; (c)
Remodelar toda a ‘Nave Central’, dotando-a de novas bancas em sistema de
stands, e alterando o atual sistema de arruamentos; (d) Ampliar para nascente
a ‘Nave de Peixe’ […]; (e) Reorganizar os espaços de serviços comuns […].” 174
Todavia, as alterações então introduzidas ter-se-ão revelado insuficientes
para suster o declínio do Mercado, cada vez mais incapaz de, por um lado,
competir com as novas superfícies comerciais que entretanto irão surgindo
– particularmente em termos de estacionamento, que o crescimento da ci-
dade tornará muito problemática, mas também de comodidade e variedade
da oferta – e, por outro, gerar receita suficiente para permitir a sua moder-
nização e assegurar a sustentabilidade financeira. Pelo que, volvidos menos
de dez anos sobre aquelas obras, e aproveitando a oportunidade aberta, a
partir da segunda metade dos anos 1990, por um novo programa de apoio
financeiro entretanto criado pelo governo, entrará em cena um novo proje-
to de remodelação, agora mais ambicioso – contemplando, nomeadamente,
a diversificação e integração de novos espaços comerciais, bem como de
dois pisos de estacionamento subterrâneo. Um novo projeto que, não obs-
tante preconizar, inicialmente, a preservação, ainda que parcial, do edifício,
acabará por determinar, no seu posterior desenvolvimento, a demolição
integral do mesmo, fazendo assim desaparecer um elemento que adquirira
já o seu lugar no património histórico da cidade.

174 IADF, Projecto de remodelação e ampliação do Mercado Municipal, 1988-1989, Projecto de


Remodelação e Ampliação do Mercado Retalhista de Faro, Arqº. Alberto de Sousa Oliveira e
Arqº. Jorge Oliveira, c/ Arqª. Célia Anica (colab.), 07/1988.
74 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

O NOVO MERCADO MUNICIPAL DE FARO:


ENTRE PERMANÊNCIA (PARCIAL)
E TRANSFORMAÇÃO (INTEGRAL)

O novo projeto de remodelação, cuja iniciativa coincide com a passagem


do milénio, virá a ser agora promovido, já não pela CMF, mas por
uma nova entidade pública, a Sociedade Instaladora de Mercados Abastece-
dores, S.A. (SIMAB), criada em 1993 através do DL n.º 93/93, de 24 de
março, com o intuito de “assegurar a instalação dos mercados abastecedores
considerados estratégicos” para a constituição da rede nacional de mercados
abastecedores, tendo em vista a “modernização do comércio e da distribuição,
através da instalação de infra-estruturas que permitam uma melhor organi-
zação e desenvolvimento do comércio grossista” 175; entidade que, a partir da
publicação, no ano seguinte, do DL n.º 182/94, de 30 de junho, e tendo em
vista o cumprimento daqueles objetivos 176, passará a dispor para o efeito de
um novo instrumento de apoio financeiro, o Programa de Apoio aos Merca-
dos Abastecedores. (PROMAB).
É nesse quadro, e por força do disposto neste último diploma 177,
que, já na transição do século, virá a ser estabelecido um contrato-programa
entre a SIMAB e a CMF no âmbito do qual é constituída uma nova estrutura
de gestão, a PROMercado – envolvendo aquelas duas entidades e ainda e
o Mercado Abastecedor da Região de Faro (MARF) – e desenvolvido, pelo
gabinete técnico constituído no âmbito da SIMAB 178 e sob a responsabili-
dade inicial do Arqº. Rogério de Brito, um novo projeto de remodelação do
Mercado Municipal de Faro.
Todavia, conquanto o projeto inicial previsse a manutenção de uma
parte substancial do edifício preexistente, particularmente da sua zona

175 DECRETO-LEI n.º 182/94, de 30 de junho, preâmbulo.


176 Idem, preâmbulo e art.º 1º.
177 Idem, art.º 2º, alíena c).
178 No quadro das suas competências, a SIMAB, empresa de capitais públicos, ficará responsável,
não só pela gestão corrente do PROMAB, como também pela elaboração dos projetos dos
mercados abastecedores.
179 Mercado Municipal de Faro, S.A.,“Concurso público - remodelação e ampliação do Mercado
Municipal de Faro - 1.ª fase - fundações e estruturas”. Diário da República, nº 121, 3ª Série,
de 25 de maio de 2001, pp. 11.275-11.276
75

anterior, correspondente à fachada principal, intervindo mais fortemente


apenas na zona posterior – sendo aliás nesse pressuposto que é adjudicada
e iniciada, em 2001, a primeira fase da obra179–, rapidamente outra solução
se acabará por impor. Com efeito, não só o surgimento de alguns proble-
mas não identificados previamente no levantamento que serviu de base ao
projeto inicial – como foi o caso do caneiro de águas de dimensão relevante
que se encontrava no subsolo ou a dificuldade (do ponto de vista financeiro)
em compatibilizar a integração dos dois pisos no subsolo com a preservação
(ainda que parcial) do edifício preexistente –, como a decisão entretanto
tomada de alterar o programa inicialmente previsto no sentido de dotar o
mercado de uma maior polivalência – nomeadamente através da instalação
da Loja do Cidadão e da oferta de um conjunto de outros serviços –, por
forma a garantir a autossustentabilidade financeira do mercado a médio
prazo, conduzirão à demolição do velho edifício e à construção, de raiz, de
um novo (figs. 10 e 11).

Figuras 10 e 11: Demolição do Mercado original e inicio da construção do atual Merca-


do. https://www.facebook.com/Fotos-de-Faro-antigo-670829483068443/

Na memória descritiva do novo projeto, cuja responsabilidade tran-


sita entretanto para o Arqº. Miguel Branco180, entregue em 2002, afirma-se
que o edifício preexistente já “não apresentava as condições adequadas quer
higio-sanitários, quer técnicas, quer tecnológicas necessárias à eficiência e ren-
tabilidade dos operadores retalhistas que nele desenvolvem a sua atividade”,
nem “capacidade de atractibilidade do público em geral […]”, razões pelas
quais, “no contexto atual de centros comerciais, onde se inserem as grandes su-
perfícies”, se considerava “imperativo inverter a situação criando condições de
76 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

concorrência mais equilibradas.” 181 Para tal, era proposto “transformar esta
unidade numa estrutura comercial retalhista moderna e inovadora”, capaz de
oferecer, entre outras condições, “uma maior diversidade de oferta de produ-
tos e de serviços de apoio, uma maior comodidade no ato das compras, propor-
cionando um espaço de comércio e de lazer com diversidade de opções.” 182
Para além de outras questões funcionais, a “conservação da traça arquitetó-
nica” do edifício e “a possibilidade de numa deslocação ter tudo à mão num
lugar com garantia do estacionamento automóvel” são duas das condicionan-
tes fundamentais que a proposta afirma ter em conta; proposta que passava
assim por “construir o edifício com base na tipologia em que assenta o edifício
existente do mercado, com o seu mirante e torre de relógio, numa interpretação
de arquitetura moderna e criando condições para que se possam implantar dois
níveis de cave sob o Mercado Tradicional e o Centro Comercial” 183, um dos
quais para estacionamento e o outro onde se viriam a instalar um conjunto
diversificado de lojas comerciais e uma unidade de uma grande cadeia de
supermercados.
Por fim, e contemplando a proposta, conforme referido, a demo-
lição integral do edifício preexistente, previa-se porém que do mesmo
fossem recuperadas e reutilizadas as “pedras de guarnecimento das portas
principais e ainda [das] gárgulas para sua aplicação no novo edificado assim
como o relógio da torre”, e a mantidos os princípios compositivos (métrica,
proporções, cércea) no edifício a construir, bem como “o lugar referenciável
à existência” daquele equipamento e a localização dos seus acessos principais
“marcando os eixos ortogonais da composição do edifício”, sendo o “partido
tomado”, quanto à opção arquitetónica, o “de continuidade na linguagem

180 Embora já fizesse parte do gabinete técnico da SIMAB, o Arqt.º Miguel Branco só virá a
assumir a condução do processo na sequência da saída do Arqt.º Rogério de Brito daquele
gabinete, vindo a ser também responsável, ainda na região algarvia, pelos projetos de re-
modelação dos mercados municipais de Loulé e Portimão e pelo projeto de novo Mercado
Abastecedor da Região de Faro.
181 CMF, Projecto do Mercado Municipal de Faro, Arqt.º Miguel Branco, SIMAB, 08/07/2002.
182 Idem.
183 Idem.
184 Idem.
185 [S.A.], 2007.“Mercado de Faro: «Está um luxo»!”. In Barlavento [online], 08-02-2007.
77

arquitetónica, [com] alguns depuramentos para evitar excessos de informação


que sobrecarreguem a diversidade existente.” 184 O custo estimado da obra
ascendia, então, a 12.600 contos.
A obra, porém, embora iniciada em 2001, só ficaria concluída no
final de 2006, abrindo finalmente ao público em fevereiro de 2007, “depois
de cinco anos de obras, de avanços e recuos, e de 23 milhões de euros gastos”,
mas acolhendo agora “cerca de 80 bancas de venda de produtos, três restau-
rantes, quatro pastelarias e um centro de cópias” e dispondo “de um parque de
estacionamento, para 440 lugares” 185, subterrâneo. Por ocupar, para além
de alguns espaços comerciais, ficava ainda, mas não por muito tempo, o
primeiro piso, onde se previa a instalação de uma Loja do Cidadão, acaban-
do a concretização desta por determinar mais algumas alterações, não só
naquele piso como também na respetiva cobertura.
Mantendo o mercado de frescos, mas impondo um conceito mais
próximo do centro comercial, com a sua oferta mais diversificada de pro-
dutos e, sobretudo, de serviços e a garantia, que hoje assume um caráter
fundamental (e quantas vezes decisivo), de estacionamento automóvel, o
mercado municipal que hoje se oferece à cidade (fig. 12) é um espaço bem

Figura. 12: o atual edifício do Mercado Municipal de Faro. Ambifaro. 2017.


http://www.mercadomunicipaldefaro.pt/galeria_historica.php#2
78 MERCADO DE FARO | HERANÇA MEDITERRÂNEA

diferente do que foi outrora e certamente mais cómodo para quem nele
trabalha e frequenta e mais adaptado aos tempos que correm, por muito
que se lamente, do ponto de vista patrimonial, a perda do edifício prece-
dente.
Naturalmente, a demolição do velho edifício, cujas cinco décadas
de vida haviam tornado já emblemático da cidade e, porquanto testemunho
da arquitetura e da sociedade de uma época, dotado de um valor histórico-
-patrimonial inegável, não se faria sem polémica. Mas sendo questionáveis
os motivos dessa demolição – como o será sempre, há que reconhecê-lo, o
próprio valor patrimonial que se queira atribuir a qualquer imóvel –, essa
já não é uma questão que aqui caiba discutir.

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