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ERA MEDIEVAL/ TROVADORISMO: 1198 (?

) A 1434

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SÉCULO XII — XIV)

Coincide com a independência portuguesa, reconhecida pelos reinos cristãos de Leão e


Castela, em 1143. Afonso Henriques de Borgonha, apoiado pelos concelhos, liderou o
processo de emancipação do primitivo Condado Portucalense, obtendo, em 1179, o título
de Rei, homologado por bula papal, que reconheceu o Reino de Portucale.

Feudalismo — Sistema social fechado, fundado na propriedade da terra. Os senhores dos


coutos (propriedades da Igreja) e das honras (propriedades da Nobreza) exerciam autori-
dade absoluta e só prestavam obediência ao rei.

Teocentrismo — Deus concebido como Ser Absoluto, capaz de ditar as normas sociais e
de comportamento individual, estabelecendo os limites entre o Bem e o Mal. Convalidava
a concepção servil do homem, predestinado a obedecer aos desígnios do Ser Absoluto. A
Igreja, rica senhora feudal, dirigia uma intensa vida religiosa (missas, penitências, jejuns,
abstinências, peregrinações, romarias) e monopolizava a instrução pública. O analfabe-
tismo era geral e os conhecimentos eram transmitidos oralmente.

A hegemonia de Provença — O Sul da França, onde se falava a language d’oc (“lan-


guedoque”), desenvolveu, antes de qualquer outra região, uma cultura cortesã, rica e re-
quintada, graças à prosperidade econômica. A primeira dinastia portuguesa — a Casa de
Borgonha — tinha raízes provençais e, por isso, estreitaram-se as relações comerciais,
militares (cruzadas), religiosas (romarias) e dinásticas (casamentos) entre Portugal e o Sul
da França, possibilitando a assimilação da cultura provençal, veiculada principalmente
pelos jograis (músicos, cantores e recitadores ambulantes) e pelos trovadores (homens de
classe social elevada e que sabiam compor).

A cultura trovadoresca tinha caráter mais peninsular, ibérico, que propriamente portu-
guês. Era vazada na língua galego-portuguesa (dialeto galaico-português), comum à Galí-
cia e a Portugal. Representa a fusão da cultura oral autóctone, de base peninsular, com a
influência advinda das cortes provençais e com elementos da cultura moçárabe (língua
românica influenciada por arabismos).

Como ocorreu em todas as literaturas (com exceção das que derivaram da colonização eu-
ropeia), a poesia desenvolveu-se antes da prosa, pois se apoiava na tradição oral e musical
da fase pré-literária.
A lírica provençal foi a mais antiga floração poética das literaturas românicas e a primeira
depois da destruição do mundo clássico pelos bárbaros do Norte. Fundada no século XI
por Guilherme IX, Conde de Poitiers e Duque da Aquitânia, o mais antigo trovador co-
nhecido, influenciou todas as literaturas modernas da Europa, até 1209, quando a Cruzada
contra os Albigenses marcou o fim da hegemonia da cultura provençal, que pode ser con-
siderada o último clarão da vida intelectual da Antiguidade. A requintada arte dos trova-
dores foi, também, uma das grandes vítimas da intolerância religiosa.

A POESIA TROVADORESCA OU PROVENÇAL

Apoiava-se na poesia oral, espontânea, da fase pré-literária, e na lírica de origem proven-


çal. Era uma poesia ligada à música, composta pelos trovadores e cantada pelos jograis e
soldadeiras, que se faziam acompanhar de instrumentos musicais (viola, alaúde, flauta,
gaita).

Como se destinava ao canto e à dança, obedecia a ritmos e recorrências sônicas de fácil


execução e memorização. Daí a presença dos refrões ou estribilhos e do paralelismo.
Compreendia dois gêneros principais: o lírico (cantigas de amigo e de amor) e o satírico
(cantigas de escárnio e de maldizer).

Cantigas de Amigo — O “eu lírico” é feminino: o trovador expressa as emoções da mu-


lher, como se falasse por ela. Originam-se da tradição oral, pré-literária, do território ga-
lego-português. Inspiram-se na vida popular, no cotidiano familiar e rural (pastoras, cam-
ponesas etc.). Estrutura simples, apoiada no paralelismo, no refrão e na forma dialogada.
(A moça dialoga sobre seus sentimentos com a mãe, com as amigas ou irmãs, com a Na-
tureza ou com o amigo). Expressam uma visão mais “realista” do amor, colocado no
plano terrestre dos desejos humanos e da sensualidade.

Cantigas de Amor — O trovador expressa as emoções do homem pela mulher amada.


Originam-se da influência provençal, projetando o refinamento da vida da corte, o ideal
do amor cortês. Inspiram-se no ambiente palaciano, e a mulher é um ser idealizado, supe-
rior, inatingível, a quem o trovador, submisso, dirige seus lamentos, ocultando a identi-
dade da amada, sob expressões respeitosas como “mia dona”, “mia senhor”, “fremosa
dona”, “fremosa senhor”. Lirismo lamuriento e subjetivismo profundo marcam a “coita
d’amor”, a “soidão”, a “soledade”. Maior elaboração formal. Dá-se o nome de cantiga de
maestria à composição sem refrão, constituída de três ou mais estrofes regulares e sub-
metida a certos formalismos estilísticos (dobre, mor dobre, finda, ata finda etc.).

Cantigas de Escárnio — Sátira sutil, apoiada na ironia e na ambiguidade (“palavras cu-


bertas que hajam dous sentidos”), sem a individualização da pessoa ofendida.
Cantigas de Maldizer — Sátira direta, contundente, palavrosa, sendo comum o calão.

Os cancioneiros são os códices (coleções de cópias manuscritas) que registram o que so-
breviveu das cantigas trovadorescas galaico-portuguesas, esquecidas nos séculos clássi-
cos, a partir do repúdio que a Renascença votou aos valores medievais, góticos ou bárba-
ros. São conhecidos três cancioneiros: o Cancioneiro da Ajuda (mais antigo, com 310
cantigas, a maioria de amor), o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (com 1.647 cantigas)
e o Cancioneiro da Vaticana (com 1.205 cantigas). É praticamente o que restou da “gaia
ciência” (nome que se dava à teoria poética do Provençalismo).

A PROSA DA FASE TROVADORESCA

Na Primeira Época Medieval portuguesa, a prosa revestiu-se de um caráter principal-


mente historiográfico, documental e eclesiástico. Nessa categoria incluem-se quatro mo-
dalidades: cronicões (registros sucintos de efemérides, redigidos em língua latina); as ha-
giografias e os escritos de matéria eclesiástica (exposições da vida e dos milagres dos
santos e dos progressos da religião cristã, principalmente das ordens monásticas); os no-
biliários ou livros de linhagem (registros de nascimentos, casamentos, óbitos e testa-
mentos das famílias da nobreza, às vezes acrescidos de relatos históricos e heroicos, mais
tarde cristalizados como tradições e lendas) e as traduções de Alcobaça (textos clássicos
da Biblioteca de Alcobaça, traduzidos — do latim ou do grego — para a língua vulgar
portuguesa, pelos monges cistercienses).

AS NOVELAS DE CAVALARIA

Na fase pré-literária, o gosto pelas narrativas de cunho guerreiro, derivado da índole ger-
mânica e do espírito cavalheiresco das cruzadas, desdobrou-se nas narrativas orais, de cu-
nho heroico e guerreiro, denominadas canções de gesta, que perpetuaram, através da tra-
dição oral, os feitos lendários de heróis medievais como Rodrigo de Bivar (El Cid, o
Campeador), Carlos Magno (e os Doze Pares de França), Rei Artur (e os Cavaleiros da
Távola Redonda) e outros.

Nas Espanha, no Norte da França e na Inglaterra, predominava a poesia heroica. No Sul


da França e no Mundo Atlântico, ou galaico-português, predominava a poesia lírica pro-
vençalesca. No século XIII, durante o reinado de Afonso III, começaram a aparecer tra-
duções, do francês, das narrativas heroicas, as novelas de cavalaria, resultantes da prosifi-
cação das canções de gesta, antes oralizadas pelos jograis. A Demanda do Santo Graal,
História de Merlin e José de Arimateia são algumas das novelas que se notabilizaram em
Portugal. A novela Amadis de Gaula, que só se conhece na versão castelhana, de autoria
discutível, é a única que se pode considerar genuinamente ibérica, introduzindo um sen-
sualismo já distante do acentuado misticismo de A Demanda do Santo Graal.

Modelados pelos valores da cavalaria cristã (ideal de Justiça e de Honra, amor pela
aventura e pelos atos de heroísmo, misticismo e fidelidade amorosa), os heróis da nove-
lística medieval projetaram-se em quase toda a literatura posterior: Fernão Lopes; Ca-
mões (no episódio dos Doze de Inglaterra); Cervantes (que satiriza, na figura de D. Qui-
xote, o anacronismo dos ideais da cavalaria); Alexandre Herculano (na Morte do Lidador
e no Eurico, o Presbítero); José de Alencar (no indianismo medievalizante de O Gua-
rani); Mário de Andrade (em Macunaíma, novela de cavalaria “carnavalizada” às aves-
sas, o anti-herói medroso, egoísta, libidinoso); Guimarães Rosa (na gesta sertaneja dos
vaqueiros e jagunços de Grande Sertão: Veredas, na demonologia, no(a) santo(a) guer-
reiro(s) Diadorim); até no recentíssimo “best-seller” de Marion Zimmer Bradley, As
Brumas de Avalon, que revisita, com olhos femininos, a saga dos cavaleiros da corte do
Rei Artur.

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SÉCULO XV)

A Centralização Monárquica: A Revolução de Avis — O desenvolvimento do comér-


cio, o crescimento das cidades e a prosperidade da burguesia mercante tornaram anacrô-
nica a antiga ordem feudal (fechada, teocêntrica, agrária e descentralizada). A burguesia
tinha interesses nacionais (unificação da moeda, transportes, segurança) e por isso alia-se
à monarquia, fortalecendo o poder do rei, a quem dá sustentação política e paga impostos.
É o embrião das monarquias nacionais, do regime absolutista. Em Portugal, a reação bur-
guesa contra a ordem feudal foi liderada por D. João I, o Mestre de Avis, vitorioso na
Batalha de Aljubarrota, episódio final da Revolução de Avis (1383/ 1385). Inaugura-se a
segunda dinastia portuguesa, a de Avis.

Humanismo — Marca a transição da cultura teocêntrica, religiosa e feudal para a cultura


antropocêntrica, clássica, apoiada na consciência de que o homem é uma força criadora
capaz de dominar o universo e transformá-lo. A noção de destino dirigido por forças so-
brenaturais começa a ser substituída pela vontade de saber, pela consciência de que é
através do conhecimento que o homem e a vida se transformam, e pela noção prática do
lucro. Colocado entre o Medievalismo e o Renascentismo, o Período Humanista marca-se
pela convivência dos antigos valores medievais com os valores clássicos que predomina-
rão no Renascimento. Os italianos Dante Alighieri (1265-1321), Francesco Petrarca
(1304-1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375) foram os precursores dessa transição.

O Mecenatismo — Com a centralização monárquica, o palácio torna-se o centro da pro-


dução cultural e artística. Os artistas abrigam-se na corte, sob a proteção dos reis e da no-
breza, que se tornam os mecenas (protetores) da arte e incentivadores da cultura leiga, das
universidades e da divulgação dos mestres da Antiguidade greco-latina. Com a nomeação
de Fernão Lopes para o cargo de Cronista-mor do Reino, por ato de D. Duarte, em 1434,
inaugura-se o mecenatismo oficial.

O Segundo Período Medieval tomou quatro direções: I — A Prosa Historiográfica (Fer-


não Lopes, Azurara e Rui de Pina); II — A Prosa Didática e Moralizante de Avis (D. João
I, D. Duarte e o Infante D. Pedro); III — A Poesia Palaciana (compilada no Cancioneiro
Geral de Garcia de Resende); e IV — O Teatro Medieval e Popular de Gil Vicente. Gil
Vicente, Fernão Lopes e a chamada Ínclita Geração (prosadores de Avis) permaneceram
integrados à cultura medieval, impermeáveis ao sentido espiritual do Renascimento. Ape-
nas a poesia palaciana do século XV e Azurara manifestam influxos da cultura
humanística.

A língua portuguesa começa a separar-se da língua galega e, ainda em sua fase arcaica, o
idioma nacional inicia sua carreira triunfante. Cristaliza-se a consciência da nacionalidade
e a vocação marítima de Portugal lança o país à aventura dos Grandes Descobrimentos.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

A Prosa Historiográfica de Fernão Lopes

Fundador da historiografia portuguesa, o “Heródoto Português” reconstruiu a história dos


reis de Portugal a partir de rigorosa pesquisa e interpretação documental, aliando a exce-
lência da investigação à qualidade literária da prosa em que vazou suas crônicas. Foi, si-
multaneamente, o primeiro historiador e o primeiro bom prosador da língua.

Estilo simples, elegante e coloquial. Há ações simultâneas, cortes abruptos na narrativa e


digressões. Consegue presentificar os fatos mais remotos através de diálogos e retratos
psicológicos. Aproxima-se da epopeia pela combinação de feitos individuais e de movi-
mentos de massa na mesma unidade de ação, fazendo convergir acontecimentos múltiplos
para um desfecho.

Apesar da concepção regiocêntrica (centrada na figura do rei e dividida pelos períodos de


reinado), consegue superar o biografismo laudatório, buscando uma visão de conjunto da
sociedade portuguesa. Percebeu a importância dos fatos econômicos e do povo enquanto
agente das mudanças históricas. Ao lado de intrigas palacianas, relatou a vida dos traba-
lhadores nas aldeias, as festas na cidade, a decadência da aristocracia, a Revolução de
Avis, a vitória da gente miúda contra os opressores (senhores feudais) e contra os caste-
lhanos. Foi no povo que encontrou a genuinidade nacional.
A Poesia Palaciana do Cancioneiro Geral

O Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em 1516, reúne a produção poética de três


reinados: o de D. Afonso V, o de D. João II e o de D. Manuel.

Representa, do ponto de vista formal, uma evolução sobre o Trovadorismo provençal: a


poesia separa-se da música; o trovador cede lugar ao poeta, que escreve para ler ou recitar
nos serões literários da corte. Reflete, algumas vezes, o artificialismo e a frivolidade da
vida palaciana. Há maior variedade temática e requinte formal; desaparecem ou rareiam
os refrões e o paralelismo.

Institucionaliza-se a medida velha, com o emprego das redondilhas maiores (sete sílabas)
e menores (cinco sílabas). Utilizam-se a glosa, o vilancete e a cantiga (poesias com mote
glosado), além da esparsa e da trova (poesias sem mote).

Além da temática frívola e galante, ao gosto do público palaciano, fala-se do amor (so-
frimento, saudade, vassalagem), há poesia satírica, poesia religiosa e poemetos narrativo
(antecipadores da poesia épica). Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, e mesmo Camões,
valeram-se da medida velha dos poetas palacianos do Cancioneiro Geral. Dante e Pe-
trarca são referências constantes.

O Teatro Medieval e Popular de Gil Vicente

As encenações litúrgicas que se faziam nas igrejas (mistérios, milagres e moralidades), e


as profanas que se faziam nas praças e na corte (momos, farsas ou arremedilhos, entreme-
zes, pantomimas e soties) foram os antecedentes medievais do teatro gilvicentino. Gil Vi-
cente foi o primeiro a fazer valer o texto literário sobre a cenografia e o espetáculo. Por
isso, é considerado o “Plauto Português”, o “Genial Criador do Teatro Português”, e, até
hoje, o maior dramaturgo do país.

Expressou uma visão medieval do mundo renascentista, criticando o utilitarismo do bur-


guês, voltado para o lucro e para os valores mundanos. Afastou-se da influência renas-
centista italianizante, obstinando-se no emprego da medida velha (redondilhas) medieval
e teimando em interpretar o mundo a sua própria maneira: idealista, ingênua, transcen-
dente, com um pé na terra e outro no céu.

Realizou um teatro oposto à tradição clássica. Não seguiu a rigorosa disciplina da unidade
de tempo, de lugar e de ação. Ampliou os temas, abrindo o seu proscênio (parte do palco)
a todas as classes sociais, dos papas, imperadores, reis e fidalgos, aos fidalgotes arruina-
dos, borrachos das vielas, alcoviteiras e camponeses, desde que fossem tipos reais de seu
tempo e de seu meio. Com a maior liberdade, alheio às regras clássicas, funde o lirismo, o
drama das almas, o conflito de interesses, a hipocrisia e a velhacaria humana.

Deixou cerca de 46 peças (autos e farsas), sendo a maioria em português, algumas bilín-
gues e poucas em castelhano, encenadas entre 1502 e 1536, sob proteção da corte (D. Le-
onor, D. Manuel e D. João III). Colaborou no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, e
alguns de seus autos, divulgados em folhetos de cordel, foram proibidos pela Inquisição.
Em 1562, Luís Vicente, um dos filhos do autor, reúne a produção dramática do pai, sob o
título de Copilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente, edição omissa e defeituosa.
CLASSICISMO, RENASCENTISMO, QUINHENTISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

O Capitalismo Mercantil — A Revolução Comercial, cujos primeiros sintomas se mani-


festam já nos séculos XIV e XV, atinge nos séculos XV e XVI sua maturidade. Nisso, a
Itália, berço da Renascença, adiantou-se em um século. A indústria desenvolve-se além
dos quadros corporativos; a demanda crescente de mercadorias impulsiona um surto de
invenções e desenvolvimento técnico. O aumento do volume de trocas implica o da cir-
culação monetária e traz como resultado a busca de metais preciosos, dentro e fora da Eu-
ropa. O descobrimento de prata na América e o comércio oriental ampliam a necessidade
de moeda e impulsionam os preços para cima, arruinando os que vivem apenas de foros e
direitos feudais. Os senhores passam a produzir para o mercado. Com a acumulação de
capitais, as operações bancárias ganham dimensões nacionais e supranacionais. Contudo,
todos esses mecanismos têm de se engrenar com as estruturas agrárias e políticas feudais.
A luta pelos bens feudais e pelo poder contrapõe os príncipes e a Igreja. A Inglaterra de
Henrique VIII separa-se de Roma; a França adota urna posição ambígua; os príncipes
alemães rebelam-se contra a Santa Sé e mesmo aliados do papa, como Carlos V, da Espa-
nha, que invadiu Roma em 1527, desacatam a Igreja.

A Reforma Luterana — Propaga-se graças à invenção recente da imprensa, e a burgue-


sia apoia, em grande parte, o movimento. A necessidade de uma reforma religiosa é ad-
mitida até por alguns cardeais. Erasmo de Roterdam, sem contestar a autoridade papal,
propõe a interiorização do sentimento religioso e a correção dos abusos, acenando com
um possível acordo entre luteranos e papistas.

A Contrarreforma Católica — Decidida no Concílio de Trento (1545-1563), inaugura


um período de recalque ideológico, de repressão a todas as manifestações culturais sus-
peitas de heterodoxia, através da Inquisição (romana, espanhola e portuguesa). A cristan-
dade cinde-se: a península Ibérica e a Itália tomam-se os baluartes do mundo católico; as
cidades do Reno, do Báltico e do mar do Norte, o eixo do mundo protestante. A França
fica dividida entre os dois mundos. Na facção protestante, as condições foram mais favo-
ráveis à liberdade de pensamento e à difusão popular da cultura. Em Portugal, já em
1547, o Santo Ofício visita livrarias e casas à procura de livros “heréticos”. Gil Vicente,
Camões, Sá de Miranda, Antônio Ferreira, Bernardim Ribeiro, entre outros, foram consi-
derados “Agentes contra a Fé e os Costumes”.

As invenções, os descobrimentos, a imprensa, o progresso da ciência matemática e expe-


rimental apontam para a possibilidade de transformação da natureza e engrandecimento
do homem. Daí o antropocentrismo, o otimismo que se exprime de várias formas no Re-
nascimento, entre elas, na concepção de uma cidade ideal, racionalmente planificada,
onde são abolidos a injustiça e o sofrimento — Utopia (1516), de Thomas Morus; Cidade
do Sol (1602), de Campanela; e Nova Atlântida (1627), de Francis Bacon.

No bojo do Movimento Humanista, a restauração da cultura clássica greco-romana repõe


em circulação, acelerada através da imprensa, as ideias e modelos de Sêneca, Cícero,
Ovídio, Tito Lívio, Tácito, Quintiliano, Aristóteles (revisitado pela corrente panteísta e
materialista de Averróis), Platão (relido por Plotino) e Plínio, o Moço. Essa ressurreição
inicia-se na Itália, sob o patrocínio dos Médicis, de Florença, e alastra-se por Roma, Ná-
poles e pelas cortes burguesas de Milão, Mântua, Ferrara e Rimini. Em Portugal, os clás-
sicos chegaram, indiretamente, através da Itália, dado o relativo atraso da imprensa. As
primeiras oficinas tipográficas surgiram a partir de 1487, mas a impressão de livros, até
1536, é escassa e excepcional.

O Renascimento em Portugal coincide com o apogeu do Império Português. Sob o rei-


nado de D. Manuel, o Venturoso, o país vive uma intensa euforia com os êxitos maríti-
mos e com a prosperidade econômica. Esse ufanismo, contudo, vai declinando. Sem ca-
pital para manter o grande império e investir nas colônias, endividado com os países pro-
testantes, com os quais não podia concorrer, e ameaçado por piratas e corsários, a derro-
cada de Alcácer-Quibir (1578) levou inevitavelmente à aceitação da hegemonia dos
Habsburgos da Espanha. Com a união das coroas ibéricas, a corte, centro da produção
cultural e artística, dissolveu-se, e os protegidos dispersaram-se de Lisboa para Madri,
para as casas senhorais de Vila Real e de Bragança ou para as ordens religiosas.

Para compreender a Era Clássica portuguesa, é necessário levar em conta que o espírito
medieval não foi completamente superado no século XVI. Ao contrário, a Renascença em
Portugal foi bifronte, marcando a convivência das forças novas (burguesia, cultura clás-
sica, racionalismo) com as forças conservadoras, medievais (feudalismo, cultura religiosa,
teocentrismo). Essa ambivalência cultural projeta-se na convivência e, não raro, na inte-
rinfluência de atitudes díspares: a medida velha medieval e a medida nova renascentista; a
mitologia santoral cristã e a mitologia pagã; as raízes populares e a erudição clássica; o
misticismo e a glorificação das paixões terrenas; o ascetismo e o hedonismo.

O século XVI compreende, em Portugal, duas etapas. Na primeira, do aparecimento de


Gil Vicente (1502) à introdução da medida nova italiana (1527), sobreviveram: 1) a poe-
sia lírica de tradição medieval; 2) a novela de cavalaria; 3) a novela sentimental. Na se-
gunda, da introdução da medida nova italiana (1527) à morte de Camões e Domínio Es-
panhol (1580), predominaram cinco direções básicas: 1) o lirismo pessoal traduzido em
poética clássica; 2) o sentimento épico da história nacional; 3) a reflexão sobre a reali-
dade da vida moral e social do país; 4) a literatura de viagens inspirada no deslumbra-
mento ante o exótico desvendado pela aventura ultramarina; 5) a ficção cavalheiresca e
pastoril, escrita para o entretenimento do espírito.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Exaltação do Homem — Humanismo — Antropocentrismo — O conceito do homem


integral, senhor do mundo, sequioso por conhecê-lo e desfrutar suas riquezas e prazeres.
Exaltação do homem-aventura (Os Lusíadas, Orlando Furioso, Jerusalém Libertada), do
homem cortesão e do homem-soldado, que luta, não para ganhar o céu, mas para deixar
no mundo a sua marca.

Culto da Antiguidade Greco-Latina — Retomada das regras e modelos clássicos e da


disciplina gramatical, poética e retórica dos antigos. Presença da mitologia, dos deuses
pagãos usados como figuras literárias e claras alegorias.

Universalismo — Apego aos valores transcendentais (o Belo, o Bem, a Verdade, a Per-


feição). Ajustado a sistemas racionais, simplificação por lucidez técnica, simetria. A mi-
mese aristotélica (arte = imitação da natureza).

Equilíbrio — Harmonia de forma e conteúdo.

Clareza — Mentalidade aberta, intensidade vital, ímpeto progressista, colorido, euforia,


ânsia de glória e perenidade, apreço pelo humano, sentido do nu artístico, ausência de
afetações.

Medida nova — Trazida da Itália por Sá de Miranda, em 1527, consistia na adoção do


verso decassílabo, em substituição às redondilhas da medida velha medieval, e na predi-
leção por algumas formas fixas inspiradas em Petrarca, Dante e Ariosto, como o soneto, o
terceto, a elegia, a ode, a égloga, a canção, a epístola poética, o epigrama, a oitava-rima,
além da reabilitação do teatro clássico, especialmente da comédia e da epopeia, de inspi-
ração homérica e virgiliana.

O decassílabo, verso característico da medida nova, não era desconhecido na Idade Mé-
dia. A partir da influência do dolce stil nuovo italiano, institucionalizam-se os decassíla-
bos acentuados nas sílabas pares (4ª, 6ª, 8ª e 10ª). Os decassílabos sáficos (4ª e 8ª tônicas)
predominaram na poesia lírica e os decassílabos heroicos (6ª e 10ª tônicas) prevaleceram
na poesia épica, a exemplo de Os Lusíadas.

As formas poéticas do Classicismo foram mais intensamente assimiladas em Portugal que


a prosa romanesca, que demorou a produzir obras relevantes.
SOBRE OS LUSÍADAS (1572)

Herói coletivo: o povo português; herói individual: Vasco da Gama. Fontes literárias:
Virgílio, Homero e Ariosto; fontes históricas: João de Barros, Fernão Lopes e outros cro-
nistas, além de tradições orais. Das passagens e episódios notáveis, destacamos: o pri-
meiro Concilio dos Deuses do Olimpo (I, 20-41); as maquinações de Baco contra os por-
tugueses e as intervenções de Vênus e das Nereidas; a Batalha de Salado (III, 107-117); o
episódio de Inês de Castro (III, 118-135); a Batalha de Aljubarrota (IV, 28-44); o Sonho
Profético de D. Manuel (IV, 67-75); o Velho do Restelo (IV, 94-104); a Aventura do
Veloso (V, 30-36); o Gigante Adamastor (V, 37-60); os Doze de Inglaterra (VI, 43-69); a
Ilha dos Amores (de IX, 18 a X, 143); a Máquina do Mundo (X, 74-90); São Tomé (X,
108-119). Há ainda episódios naturalistas, como as descrições do Cruzeiro do Sul, do
Fogo de Santelmo, da Tromba Marítima, da Tempestade, e episódios históricos: Egas
Moniz, a Batalha de Ourique, Nuno Álvares, a Conquista de Ceuta, além de exortações,
lamentações e reflexões do poeta.

Epopeia clássica em dez cantos, 1.102 estrofes dispostas em oitava-rima, totalizando


8.816 decassílabos heroicos e sáficos. Reconhecem-se cinco partes estruturais: Proposi-
ção (I, 1-3), Invocação às Tágides (I, 4 e 5), Dedicatória a D. Sebastião (I, 6-18), Narra-
ção (de I, 14 a X, 144) e Epílogo (X, 145-156). A Narração compreende uma dupla ação
histórica (a viagem de Vasco da Gama à Índia e seu regresso e a exposição da história de
Portugal feita por Vasco da Gama e por seu irmão) e uma ação mitológica (a luta entre
Vênus e Baco).

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SÉCULO XVI)

Não se pode falar em “literatura”, ou atividade literária em sentido próprio, no Brasil do


século XVI. As crônicas de viagem e os escritos informativos, inscritos no âmbito da ex-
pansão ultramarina portuguesa, carecem de “literalidade”. Pertencem mais ao campo da
História e são lavrados em linguagem denotativa, referencial, no estilo clássico renascen-
tista, simplificado, tornado “fácil e chão” pela necessidade de tratamento objetivo dos as-
suntos. É um prolongamento da literatura de viagens, gênero largamente cultivado em
Portugal e em toda a Europa no Quinhentismo. É literatura sobre o Brasil, pré-história das
nossas letras, que alguns autores omitem da nossa história literária por escrúpulo estético,
dada a inexistência da palavra-arte.

A literatura informativa, descrevendo diretamente a paisagem, o índio e os primeiros gru-


pos sociais, documenta as intenções do colonizador: conquistar, explorar, dominar, apre-
sar escravos, comerciar gananciosamente, sob o disfarce da difusão do Cristianismo, ideal
que justificava, perante a consciência dos navegantes e exploradores, todos os atos,
mesmo os mais desumanos. A “dilatação da Fé e do Império” marcou-se por um clima
cavalheiresco-medieval, num espírito de cruzada simultaneamente teológica e mercantil.

O que se escreveu SOBRE e NO Brasil nas primeiras décadas tem caráter puramente prag-
mático. Os escritos jesuíticos constituíram-se em instrumentais para a catequese do gentio
e para a educação do colono. Os escritos decorrentes das viagens de reconhecimento eram
simples relatórios ou reportagens destinados a dar a conhecer aos superiores em Lisboa as
possibilidades de exploração e colonização da terra recém-descoberta. Expressam muitas
vezes uma visão paradisíaca, associando a nova terra aos mitos edênicos (de Éden, para-
íso) e às lendas do Eldorado. Refletem o deslumbramento do europeu diante da exuberân-
cia da natureza tropical, o fervor de quem imagina tesouros e lugares edênicos e, na ver-
tente oposta, a visão “realista”, terra-a-terra, de quem avalia as dificuldades para explorar,
colonizar e catequizar.

Identificam-se no Quinhentismo quatro modalidades de textos: 1) textos informativos,


voltados para a descrição da terra e do selvagem, privilegiando os aspectos geográficos e
etnográficos (Caminha, Pero Lopes de Sousa); 2) textos propagandísticos, que acrescem
ao propósito informativo a intenção de atrair colonos e investimentos, “exagerando” nas
descrições das virtudes e potencialidades da terra (Gândavo, Gabriel Soares de Sousa e
Ambrósio Fernandes Brandão); 3) textos catequéticos, que aliam a preocupação com a
conversão religiosa do índio, a preservação dos costumes e da moral ibérico-jesuíticos,
sob influxo dos ideais contrarreformistas do concílio tridentino, e os interesses do Estado
português na obra de colonização (Nóbrega, Anchieta, Fernão Cardim); 4) textos de via-
jantes estrangeiros, não portugueses, inventariando as riquezas e possibilidades da terra
(Hans Staden, Américo Vespúcio, João Antônio Andreoni ou Antonil).

AS PROJEÇÕES DO QUINHENTISMO

Em vários momentos da nossa evolução literária, reagindo contra certos processos agudos
de europeização, nossos escritores alimentaram-se de sugestões temáticas e formais dos
textos quinhentistas e buscaram nas raízes da terra e do nativo imagens para a afirmação
em face do estrangeiro. Nesses momentos os nossos cronistas foram lidos, recriados, glo-
sados e parodiados, o que acabou por revestir a “literatura” de informação de um interesse
obliquamente estético.

No Romantismo nacionalista e indianista, Gonçalves Dias e especialmente José de Alen-


car (Iracema, Ubirajara e O Guarani) aproveitaram as informações de nossos primeiros
cronistas.
No Modernismo primitivista dos movimentos Pau-Brasil e Antropofágico e na vertente
nacionalista dos movimentos do verde-amarelismo e da Anta, a “literatura” de informa-
ção voltou a inspirar Mário de Andrade, em Macunaíma, que recria em tom de paródia a
Carta de Caminha na “Carta às Icamiabas”, e Oswald de Andrade, que, no seu livro Pau-
Brasil, transformou em poemas fragmentos de Caminha, Gândavo e outros, recolocando
em circulação os textos quinhentistas — “As Meninas da Gare”, “A Descoberta” e “Pre-
guiça” são alguns momentos antológicos dessa revisitação às nossas raízes.

CARACTERÍSTICAS DA ERA COLONIAL

Nos três primeiros séculos (1500-1836), a nossa literatura foi rigorosamente um desdo-
bramento da Literatura Portuguesa. Por esse caráter híbrido, a Era Colonial foi denomi-
nada Luso-Brasileira ou Dependente. Foi-nos imposto ou transmitido um conjunto de tra-
dições e instituições da Metrópole, ao mesmo tempo em que a tendência geral era de não
reconhecer valores autóctones e de impedir a formação e expansão de espírito oposto à
mentalidade ou aos interesses do colonizador. Por isso, Portugal impediu a Imprensa no
Brasil até o início do século XIX. Como se pode pensar em “literatura” e em vida literária
num país que não podia imprimir seus livros, revistas e jornais? Num país seccionado em
“ilhas culturais” estanques? Num país que não teve um público leitor, exceto alguns de
poucos homens letrados, dispersos aqui e acolá, alimentados pelas novidades da Metró-
pole que aqui chegavam com grande atraso?

Não obstante essas dificuldades a nossa nacionalidade literária foi-se afirmando a partir
de tradições e instituições indígenas, e outros traços de nossa formação, em particular o
sentimento nativista, apenas descritivo nos séculos XVI e XVIII, e já abertamente reivin-
dicatório na segunda metade do século XVIII, servindo de estofo aos movimentos eman-
cipacionistas de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.

Nos primeiros séculos, os cicios de ocupação e exploração formaram ilhas sociais e cultu-
rais (Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazônia,
São Paulo), dando ao país feição de um arquipélago cultural, “um vastíssimo arquipélago
de ilhas humanas que só acham contacto pelo caminho do mar”, no dizer de João Ribeiro.
A dispersão do país em subsistemas regionais é até hoje relevante para nossa história lite-
rária. Em cada momento de nossa evolução cultural, cada centro detentor da hegemonia
não era de fato nacional, não representava todas as variedades de “Brasis” então existen-
tes, mas apenas a si próprio. Com isso, uma produção circunscrita a uma determinada
área geográfica erguia-se ao nível de soberana e de modelo para as demais regiões, ainda
que tivesse apenas expressão regional. Por isso, as várias regiões e sub-regiões tenderam
à autossuficiência ou à introversão: repelidas, ou substituídas, ou simplesmente condena-
das a situar-se em esfera secundária, tentaram bastar-se a si próprias, o que alimentou
ainda mais o isolamento e as discrepâncias de grau e densidade. Enquanto um centro em-
polgava o poder direcional da cultura, os restantes, submissos à condição de reflexos,
vincavam seus traços provincianos e regionais. Esse regionalismo é uma das marcas sui
generis de nossa literatura, sem paralelo mesmo em países de grande extensão territorial,
como os Estados Unidos.
BARROCO, SEISCENTISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SÉCULO XVII)

Da Decadência à Restauração — Na segunda metade do século XVI, as relações entre


Portugal e Espanha tornaram-se cada vez mais interdependentes, realimentando o antigo
sonho de união da Península Ibérica. O desastre de 1578, em Alcácer-Quibir, precipitou o
processo de unificação das coroas portuguesa e espanhola, com a adesão de parte signifi-
cativa da nobreza, do clero e da burguesia lusos. Alinhados com a Casa da Áustria (Habs-
burgos), Portugal e Espanha configuram o modelo absolutista católico, alimentado pela
Contrarreforma e seus mecanismos repressores (Inquisição, Tribunal do Santo Ofício,
Index Librorum Prohibitorum). A essa Europa católica e absolutista opõe-se a Holanda
burguesa, calvinista, tolerante, capitalista e “multinacional”. Amsterdã torna-se o centro
do capitalismo internacional, com as Companhias das Índias prosperando abertamente.
Na Inglaterra, o capitalismo comercial e a cultura burguesa começam a se impor. Na
França, o processo é mais lento e o Absolutismo de Luís XIV, Richelieu e Mazarino sela
um compromisso precário entre a burguesia huguenote e a aristocracia católica.

Portugal, desde 1580 desalojado para a periferia da Europa, sofreu, sob o jugo filipino
(Filipe II, Filipe III e Filipe IV), severa fiscalização e medidas tributárias impopulares. A
oposição portuguesa a essas medidas, aliada à decadência do Império Filipino, derrotado
no mar, em 1588, pelos ingleses, possibilitará a reação contra o Domínio Espanhol, rea-
nimando o nacionalismo. O lance final desse processo de restauração deu-se em 1640,
com o restabelecimento da autonomia política e a ascensão de D. João IV, Duque de Bra-
gança, ao trono. O sentimento anticastelhano ancorou-se no messianismo sebastianista,
no mito da volta de D. Sebastião e da aurora do Quinto Império. É desse espírito que se
alimenta a obra do Pe. Antônio Vieira.

As Academias dos Singulares e dos Generosos congregavam a cultura aristocrática e a


eclesiástica e os filhos letrados da alta burguesia, todos identificados pelo requinte corte-
são, muitas vezes frívolo e amaneirado, a ocultar, no exercício barroco da “agudeza dos
engenhos”, na pompa, no artificialismo e no exagero, as contradições de uma elite ana-
crônica e decadente.

O Humanismo renascentista português não logrou enraizar-se, apesar dos esforços de D.


Manuel e D. João III. Já em 1540 a Inquisição se estabelece definitivamente em Portugal.
Os jesuítas fundam a Universidade de Évora e dominam a Universidade de Coimbra, im-
pondo a escolástica medieval, a interpretação tomista de Aristóteles e a mutilação dos
autores greco-latinos. Esse movimento anti-humanista destruiu as promessas de um legí-
timo Renascimento lusitano.
O ensino jesuítico voltava-se para o desenvolvimento da habilidade verbal que assegu-
rasse a defesa às verdades preestabelecidas de seus dogmas religiosos. A Santa Inquisição
persegue, até à morte, o senso crítico e a livre iniciativa intelectual.

Enquanto a Ciência e a Filosofia são sufocadas nos países ibéricos, nos países reformados
definem-se os contornos da ciência moderna. Galileu, nas pegadas de Copérnico e Kepler,
inaugura o método experimental e altera radicalmente as concepções da Astronomia.
Harvey descobre a circulação sanguínea, fundando a Fisiologia. Francis Bacon reformula
o sistema aristotélico-tomista e propõe a pesquisa incessante e a negação da tradição.
Descartes, além de auxiliar a criação da Álgebra, da Geometria Analítica e da Mecânica,
fundamenta o método racional e instaura a dúvida como método filosófico. Spinoza ela-
bora uma cosmologia que prescinde de um deus transcendente.

CONCEITO E ÂMBITO DO BARROCO

A apreciação do Barroco oscila entre a recusa e a posição negativista dos críticos da men-
sagem (De Sanctis, Taine, Croce) — que acusam o estilo de rebuscado, artificial e vazio
de conteúdo — e a apologia entusiasmada dos anatomistas do estilo (Balet, Woelfflin,
Spitzer, Dámaso Alonso), maravilhados com a engenhosidade e sutileza da linguagem ar-
tística barroca, voltada para a novidade, para a alusão, para a sugestão e para a ilusão, en-
quanto fuga da realidade convencional.

A - Em sentido amplo, tomado como constante universal, no Homem e na Arte, barroco


designa um conjunto de características estéticas e formais que, aparentemente, ressurgem
em certas épocas, como no Helenismo, no Gótico flamejante, no século XVII, no Ro-
mantismo e no Impressionismo, marcadas pela tendência à intensificação, ao exagero e
pela ânsia de expressar a tensão e a irregularidade.

B - Em sentido histórico, mais geral, o nome barroco designa as características que assu-
mem a Arte e a Cultura seiscentistas, abrangendo as tendências prevalecentes durante o
século XVII, nos domínios da Casa da Áustria, condicionadas pelo absolutismo e pela
ideologia católica da Contrarreforma tridentina, alargando-se para incluir as manifesta-
ções tipicamente burguesas das áreas liberais do protestantismo e do racionalismo cres-
cente na Inglaterra, na Holanda e na França. Nessa dimensão, barroco designa um certo
número de estruturas formais que tendem a fundir e a conciliar atitudes opostas, corres-
pondentes à coexistência e interdependência, mesmo conflituosa, de formas sociais pro-
fundamente diferentes na Europa. Essa ânsia de fusão dos contrários fornece os principais
elementos para a cosmovisão do Barroco: 1) na Filosofia, a passagem de uma concepção
finitista e estática do mundo, para uma concepção infinitista, energética e dinâmica, com
Pascal, Newton e Giordano Bruno; 2) nas Artes Plásticas, essa ânsia de expressar a gran-
diosidade, a profundidade e a irregularidade projeta-se em Michelangelo, Bernini, Ru-
bens, Velásquez, El Greco, Caravaggio, Rembrandt e Tintoretto, na criação de um espaço
movimentado que, a partir da gradação de cores, ou segundo linhas de movimento apa-
rente, ou ainda do jogo claro/escuro, busca sugerir atmosferas ora místicas, ora impreci-
sas, repletas de elementos ornamentais e pormenores significativos; 3) na Música, esse
mesmo sentido de profundidade labiríntica e diluição do espaço é perceptível em Vitória,
Palestina, Bach e Haendel, no virtuosismo dos esquemas polifônicos, geradores do con-
traponto e da fuga.

C - Em sentido mais restrito, especialmente espanhol, barroco é a expressão artística e li-


terária da Contrarreforma católica e do absolutismo das cortes dos Habsburgos. Expressa
a dualidade cultural da Contrarreforma: Humanismo renascentista (valorização da cultura
pagã do mundo greco-latino) mais a religiosidade tridentina, gerada na estufa da nobreza
e do clero romano, espanhol, austríaco e português (valorização da cultura cristã do
mundo medieval).

A dualidade e o bifrontismo (Teocentrismo x Antropocentrismo, Fé x Razão, Céu x


Terra, Alma x Corpo, Virtude x Prazer, Ascetismo x Hedonismo, Cristianismo x Paga-
nismo) fazem do Barroco ibérico-jesuítico a expressão de um sentimento de desequilíbrio
e frustração e de instabilidade, relacionado com a repressão inquisitorial, com o terror
político e religioso e com a decadência do mundo católico, abalado com a derrota da In-
vencível Armada, em 1588.

As marcas características do Barroco espanhol são: o exagero patético; a expressão de um


ascetismo macerado ou de um exaltado misticismo; a oposição da sublimidade espiritual
e do grotesco da carne, do idealismo puro e do pícaro burlesco; a bizarria fidalga ao lado
do pitoresco folclórico; a obsessão do irracional, tido como super-racional; a pesquisa dos
recessos da alma; a evasão para o inefável; a sugestão do inapreensível, do sutil e fugidio.

O absolutismo político, o reforço da autoridade papal e a rígida disciplina eclesiástica


projetam-se. exemplarmente na Arquitetura: muitos edifícios são planejados no século
XVII para produzirem amplos efeitos de conjunto, levando em consideração a paisagem
circundante, abrangendo espaços ajardinados, buscando uma convergência maior de im-
pressões na ondulação de saliências e reentrâncias, na simetria radial, no disfarce das li-
nhas estruturais retilíneas pela profusão ornamental ou pela modulação em curva do re-
vestimento interno, na grandiosidade e na pompa.

A transição do ideal clássico para o barroco é definida por Heinrich Woelfflin, em termos
de uma passagem: 1) do linear ao pictórico, incluindo o “pitoresco” e o “colorido”; 2) da
visão de superfície à visão de profundidade, implicando o desdobramento de planos e
massas; 3) da forma fechada à forma aberta, denotando as perspectivas múltiplas do ob-
servador; 4) da multiplicidade à unidade, subordinando vários aspectos a um único sen-
tido; 5) da clareza absoluta dos objetos à clareza relativa, a sugerir formas de expressão
esfumadas, ambíguas, não finitas.

A História da Arte e da Cultura tem reconhecido, na acidentada evolução da Arte do sé-


culo XVI ao século XVIII, certos períodos cíclicos de desequilíbrio e equilíbrio aparente:
o Renascentismo, o Maneirismo, o Barroco, o Academismo, o Rococó, o Neoclassicismo
ou Pseudoclassicismo e o Arcadismo, cujas características e cronologia são muito fluidas
ou discutidas.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

O dualismo, o bifrontismo — Arte do conflito, do contraste, do dilema, da contradição,


da dúvida; emprego intensivo das antíteses, dos paradoxos e dos oximoros.

O fusionismo — Tentativa de conciliação dos contrários: Claro x Escuro, Deus x Ho-


mem, Fé x Razão, Céu x Terra, Teocentrismo x Antropocentrismo, Alma x Corpo, Vir-
tude x Pecado, Espírito x Carne, Ascetismo x Mundanismo, Cristianismo x Paganismo,
Dor x Prazer, Mocidade x Velhice, Vida x Morte, humanização do sobrenatural.

O feísmo — Gosto exuberante pelos aspectos cruéis e dolorosos da vida, o belo horrendo,
o pessimismo, o desengano, a consciência da fugacidade e das incertezas da vida, o
tempus fugit.

A religiosidade mesclada com a sensualidade — Alegorias bíblicas mescladas com


alegorias mitológicas.

O niilismo temático, a pobreza ou a ausência de assunto — Mergulhado na dúvida e na


incerteza, o Barroco privilegia o significante (palavra) em detrimento do significado
(conteúdo). O propósito do artista barroco é, muitas vezes, o de demonstrar o virtuo-
sismo, a engenhosidade, surpreendendo o leitor e enredando-o em verdadeiros labirintos
de imagens e ideias. Essa atitude lúdica (= de jogo) fundamenta os dois polos construti-
vos do Barroco: o Cultismo e o Conceptismo.

Cultismo ou Gongorismo

É o aspecto do Barroco voltado para o jogo de palavras, para o rebuscamento da forma,


para a ornamentação estilística, para o preciosismo linguístico, para a erudição minuciosa.
Retrata-se a realidade de modo indireto, realçando mais a maneira de representar que
propriamente o apresentado. Não se diz; sugere-se. Constitui o aspecto sensual do Bar-
roco, voltado para a descrição do mundo através das sensações (analogias sensoriais =
metáforas), num estado de verdadeiro delírio cromático, apoiado em sugestões intensivas
de cores e de sons. Esse processo de identificação (ilusória, sensorial, não racional) apoia-
se nos jogos de palavras, nos trocadilhos, nos enigmas, nas metáforas e nas perífrases ou
circunlóquios (= torneio em redor do termo próprio e adoção de muitas palavras para
evitá-lo). Assim, em vez de lágrimas, o barroco diz “o cristal dos olhos”; em vez de den-
tes, as “pérolas da boca”; em vez de leque, o “zéfiro manual”. O abuso artificioso da fan-
tasia no campo psicológico da representação sensível faz do poeta gongórico um verda-
deiro alquimista, que busca extrair do real uma natureza supranatural, imaterial e
arbitrária.

O aspecto exterior, imediatamente perceptível, no Barroco cultista ou gongórico é o


abuso no emprego de figuras de linguagem. Entre as figuras prediletas do Barroco, cita-
mos: 1) figuras semânticas: metáforas, eufemismos, antíteses, sinestesias, hipérboles, pro-
sopopeia e gradações; 2) figuras sintáticas: anástrofes, hipérbatos e sínquises (traduzindo
a preferência pela ordem inversa da frase, pela sintaxe latinizante), elipses e zeugmas
(omissão de termos), anáforas, epístrofes, anadiploses e quiasmos (repetição de termos),
além da predileção pelas construções paralelísticas e pelo método disseminativo-recole-
tivo (disseminação e recolho); 3) figuras sonoras: aliterações, assonâncias, ecos, colitera-
ções, onomatopeias e paronomásias.

O estilo culto (cultismo) ganhou feições peculiares nos diversos países europeus. Na Es-
panha, em Portugal e nas colônias ibero-americanas, o retorcimento cultista da linguagem
denomina-se Gongorismo, homenageando Luís de Gôngora, modelo acabado do estilo
culto, fundado na sugestão por imagens e no predomínio do ritmo verbal sobre a expres-
são discursiva.

Conceptismo

É o aspecto construtivo do Barroco, voltado para o significado, para o jogo de ideias, para
a argumentação sutil, para a dialética cerrada. Configura a atitude intelectual do Barroco,
o seu modo de reconhecer e conceituar os objetos. Opera através de trocadilhos, de asso-
ciações inesperadas e dos mecanismos da Lógica: o silogismo, o sofisma e o paradoxo.
Há um constante esforço dialético orientando a organização convincente das ideias. A um
certo caos plástico (Cultismo) opõe-se a ordem racionalista (Conceptismo). Há uma tese a
demonstrar e o interlocutor tem de ser convencido.
Enquanto o Cultismo (Gongorismo) procura apreender o como dos objetos, através da
captação (descrição) de seus aspectos sensoriais e plásticos (contorno, forma, cor, vo-
lume), num verdadeiro frenesi cromático e imagético, o Conceptismo pesquisa a essência
dos objetos, buscando saber o que são, buscando apreender a face oculta das coisas, ape-
nas acessível ao pensamento, ou seja, aos conceitos. O Cultismo e o Conceptismo não
podem ser vistos como polos construtivos opostos. Como observou Dámaso Alonso, “po-
deríamos dizer que o Gongorismo a expressa como uma labareda para fora e o Concep-
tismo como uma reconcentração para dentro”. São como duas faces de uma mesma mo-
eda chamada Barroco. Costuma-se dizer que o Conceptismo predomina na prosa e o
Gongorismo, na poesia. Esta noção é falsa. Há conceptismo, por exemplo, na poesia sacra
e reflexivo-filosófica de Gregório de Matos, uma variante da poesia a lo divino, dos mís-
ticos espanhóis, em que o Homem é divinizado e Deus humanizado, através de sutilezas
conceituais, na esteira de Quevedo, modelo conceptista muito reproduzido em Portugal e
no Brasil.

LITERATURA BARROCA EM PORTUGAL

A produção seiscentista da Literatura Portuguesa privilegia como gêneros literários a poe-


sia lírica, a oratória sacra, o teatro de costumes, a prosa moralizante, a epistolografia e a
historiografia.

Apesar dos extremos de preciosismo, de hermetismo, de afetação e de frivolidade que ca-


racterizaram a produção das academias poéticas e de retórica (Academia dos Singulares,
Lisboa, 1628 - 1665; Academia dos Generosos, Lisboa 1647-1717); apesar da esterilidade
e do rebuscamento artificial dos poetas reunidos nas célebres antologias Fênix Renascida
(Lisboa, 1716-1762) e Postilhão de Apoio (Lisboa, 1761-1762), o Barroco em Portugal
deixou algumas contribuições importantes, dentre as quais se destacam: 1) quanto à ex-
pressão literária, o enriquecimento das possibilidades expressivas e impressivas da ima-
gética (imagens, metáforas, símbolos, alegorias, sinédoques, metonímias) e a valorização
de analogias sensoriais ainda não exploradas pela Arte, na busca dos valores plásticos da
natureza, dos objetos de arte e da figura humana (particularmente do semblante femi-
nino); 2) quanto à temática, o aprofundamento dramático do sentimento da complexidade
do mundo interior e da análise racional desse mundo, sobretudo de seu centro afetivo, no
qual se descobriram contradições, paradoxos, impulsos irracionais e intensas paixões, o
que levou a um domínio mais amplo dos recursos da dialética (a análise penetrante, os ra-
ciocínios silogísticos, conceitos exigentemente lógicos e inteligentes).

A produção em prosa (Vieira, Manuel Bernardes, Francisco Manuel de Melo, Mariana


Alcoforado) foi qualitativamente superior à poesia (com exceção de Rodrigues Lobo, de
Soropita, de Sóror Violante do Céu e do brasileiro Gregório de Matos).
Os escritores barrocos portugueses de maior significação representam a vertente concep-
tista, na poderosa dialética oratória do Pe. Vieira, na análise sutil das paixões humanas
(Sóror Violante do Céu e Francisco Manuel de Melo) e na epistolografia amorosa de Ma-
riana Alcoforado.

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SÉC. XVI E PRIMEIRA METADE DO SÉC. XVII)

Reconhecem-se três momentos no Barroco brasileiro: 1) o primeiro momento corres-


ponde à primeira metade do século XVII, marcado pela dominação filipina, pela ocupa-
ção holandesa no Nordeste e pela hegemonia de Pernambuco, a capitania mais adiantada;
2) o segundo momento ocupa a segunda metade do século XVII e marca a preeminência
da Bahia, sede do Governo Geral, da Diocese, da Relação, do principal presídio de tropas,
do porto mais ativo e da economia mais dinâmica; 3) o terceiro momento compreende as
primeiras décadas do século XVIII, ainda centrado na Bahia, quando entram em moda as
academias literárias e científicas, por influência europeia. E o apogeu do Maneirismo bar-
roco, mercê das novas condições sociais que se vão criando com a descoberta de pedras e
metais preciosos em Minas Gerais. Exagerando o estilo Barroco em suas linhas mestras,
presencia-se o progresso no sentido de uma afetação cada vez maior, correspondente ao
estilo rococó.

Com a prosperidade do açúcar, os colonos preferiam o campo à cidade e confinavam-se


nos limites da casa-grande e das senzalas. Diz Pedro Calmon: “A riqueza, a pompa, a
fartura da casa campestre contrastavam com a humildade da casa urbana. A arejada e or-
gulhosa vida da casa-grande, com a pobreza dos portos atestados de africanos do tráfico,
pestilentos e mesquinhos. A cidade tinha uma aparência feia de feitoria d’África; o enge-
nho, a vaidade aparatosa de pequenas cortes independentes e agrícolas”.

Não houve tipografia e imprensa nos séculos coloniais e as tímidas iniciativas foram ca-
tegoricamente proibidas pela Metrópole. A Carta Régia de 8 de junho de 1706 determi-
nava “sequestrar as letras impressas e notificar os donos delas e os oficiais de tipografia
que não imprimissem nem consentissem que se imprimissem livros ou papéis avulsos”.
Outra Carta Régia, de 10 de maio de 1747, determinando o confisco da pequena oficina
do tipógrafo português Antonio Isidoro da Fonseca, no Rio de Janeiro, alegava que no
Brasil “não é conveniente se imprimam papéis no tempo presente, nem pode ser de utili-
dade aos impressores trabalharem no seu ofício, onde as despesas são maiores que no
Reino, do qual podem ir impressos os livros e papéis no mesmo tempo em que dele de-
vem ir as licenças da Inquisição e do Conselho Ultramarino, sem as quais se não podem
imprimir nem correrem as obras”. Fomos o último povo da América a conhecer a im-
prensa. A Impressão Régia foi implantada em 1808, com a vinda de D. João VI, e nosso
primeiro jornal, a Gazeta do Rio de Janeiro, apareceu em 10 de setembro de 1808. Não
havia o que ler na Colônia, salvo os compêndios escolares obras religiosas e catequéticas,
coletâneas de leis e uns raros romances de cavalaria. As poucas bibliotecas das casas reli-
giosas reuniam algumas centenas de volumes hagiográficos e apologéticos. Mesmo a cir-
culação manuscrita era dificultada pelo alto preço do papel.

Até a expulsão da Companhia de Jesus, em 1759, os jesuítas tiveram o monopólio do en-


sino. Era um ensino “literário” e retórico, desdenhoso dos comportamentos científicos e
técnicos perante a realidade, infenso a toda manifestação artística que escapasse ao âm-
bito vocabular e oral. Formávamos sacerdotes e bacharéis. O bacharelismo, que ainda in-
festa nossa cultura, lastreia-se nesse interesse pela vernaculidade e no pendor para dar a
tudo expressão literária, como também no amor à forma pela forma, no requinte e nos re-
buscamentos. Essa educação medievalizante, retórica e contrarreformista abafou, durante
três séculos, os apelos da nova terra, a força de atração do meio tropical e a consciência
que os agrupamentos humanos, mestiçados ou não, iam tomando de sua diferenciação.
Esses apelos da nova terra irão desaguar no sentimento nativista, fermento de várias re-
beliões que, a partir de 1640, atestam a presença de pruridos autonomistas (Amador Bu-
eno, Beckman, Guerra dos Mascates, Emboabas, Vila Rica, Inconfidência Mineira, Re-
volução dos Alfaiates e a Revolução Pernambucana de 1817).

Até meados do século XVIII houve duplicidade linguística: o emprego do português e do


tupi. O vernáculo era ensinado nas escolas e revestido de uma aura de prestígio; a “língua
geral” era empregada na vida familiar, refletindo o forte contingente indígena e africano
em circulação durante o primeiro e segundo séculos. No século XVIII, com a multidão de
reinóis que acorreram a Minas Gerais, a “língua geral” começa a cair em desuso. Esse
“abrasileiramento linguístico” tem expressão nos autos de José de Anchieta, na poesia sa-
tírica de Gregório de Matos e em alguns momentos do Arcadismo.

As academias “literárias” baianas e cariocas foram o último centro irradiador do Barroco


literário e o primeiro sinal de uma cultura humanística viva, extraconventual. Aglutina-
vam religiosos militares, desembargadores, altos funcionários, reunidos em grêmios eru-
ditos, à imitação das congêneres europeias. Tinham caráter fortemente encomiástico (=
bajulador) e seus atos acadêmicos destinavam-se à celebração das festas religiosas ou dos
feitos das autoridades coloniais. Deram maior contribuição à História e à erudição em ge-
ral que à Literatura.
ARCADISMO, NEOCLASSICISMO, SETECENTISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SÉC. XVIII)

Racionalismo — Superação dos conflitos espirituais do Período Barroco.

Século das Luzes — Iluminismo (Rousseau, Montesquieu, Voltaire); Empirismo (New-


ton, Lavoisier, Lineu, Locke); Enciclopedismo (Diderot).

Despotismo Esclarecido (Regime Pombalino) — Expulsão dos jesuítas, submissão da


Santa Inquisição, laicização do ensino, divulgação das ideias científicas.

Superação da influência espanhola pela francesa, italiana e inglesa; Prosperidade econô-


mica de Portugal pelo afluxo do ouro do Brasil; Reconstrução de Lisboa (parcialmente
destruída pelo terremoto de 1755), reedificada como cidade “esclarecida”, racionalmente
planejada.

Reforma educacional inspirada nas propostas pedagógicas iluministas de Luís Antônio


Verney, autor de O Verdadeiro Método de Estudar.

Há dois momentos no Arcadismo português: 1) Arcádia Lusitana (1756), à qual pertence-


ram os primeiros teóricos e poetas da escola: Antônio Dinis da Cruz e Silva, Correia Gar-
ção; 2) Nova Arcádia (1790) e autores independentes de programas de grupos, alguns já
abertos à influência pré-romântica: Nicolau Tolentino de Almeida, Filinto Elísio, Pe. José
Agostinho de Macedo, Bocage e Marquesa de Alorna. Arte de transição — da arte aristo-
crática, cortesã e erudita, para o individualismo burguês e para o gosto e sensibilidade da
classe média.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Reação contra os exageros verbais do Barroco cultista ou gongórico.

Simplicidade, clareza e equilíbrio — Emprego comedido de figuras de linguagem. Pre-


ferência pela metonímia e pela ordem direta da frase. Períodos mais curtos, menos inver-
tidos; correção gramatical, purismo, vernaculidade.

Volta aos modelos clássicos greco-romanos (Horácio, Virgílio, Ovídio, Píndaro) e re-
nascentistas (Petrarca, Dante, Camões). Obediência a regras e modelos.
Retomada dos ideais clássicos: o Belo, o Bem (didaticismo), a Verdade e a Perfeição. A
mimese aristotélica (Arte = imitação da Natureza). Fingimento.

Bucolismo pastoril — Ideal de vida simples, junto à natureza, tomada como cenário e
moldura para suaves idílios campestres (pastores, riachos, ovelhas, campinas etc.).

Poesia descritiva e objetiva — O poeta deve ser mais um pintor de situações que de
emoções.

Alegorias fundadas na mitologia greco-latina (musas, ninfas, deuses etc.). Valorização de


temas clássicos, convertidos em “clichês”: fugere urbem (opção pela vida na natureza,
oposição campo x civilização); aurea mediocritas (mediania de ouro: exaltação do herói
humilde, simples e honrado); locus amoenus (natureza aprazível, voluptuosa); carpe diem
(aproveita o dia). Inutilia truncat (corta o inútil) era o lema dos árcades, aludindo à oposi-
ção aos exageros ornamentais do Barroco.

Estilo rococó — O culto sensual da beleza, a afetação, a frivolidade, a lascívia e o inti-


mismo representam a saturação do espírito neoclássico e o exagero de seus pressupostos.

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

Apogeu da mineração do ouro. Transferência do centro econômico e cultural da Colônia,


do Norte (Pernambucano e Bahia) para o Centro-Sul (Minas Gerais e Rio de Janeiro).
Formação de uma sociedade urbana mais complexa, rica e diversificada (Mariana, Sa-
bará, Congonhas do Campo, Vila Rica, São João Del Rei).

Primeiro período “orgânico” de nossa literatura, já marcado por certo “polimorfismo”


cultural. Nativismo reivindicatório — rebeliões contra o estatuto colonial da Metrópole
(Inconfidência Mineira, Revolução dos Alfaiates).

Influência das ideias iluministas e enciclopedistas — gosto pela clareza e simplicidade;


visão crítica dos abusos da Metrópole; os mitos do homem natural e do bom selvagem
projetados na exaltação do herói simples, honrado e no indianismo de O Uraguai e
Caramuru.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Há poucos desvios em relação aos temas e formas do movimento europeu. O sentimento


da terra, antes expresso apenas na valorização do exótico, do pitoresco e das riquezas na-
turais, reveste-se de caráter reivindicatório, prenunciando a consciência de nacionalidade
que se consolidará no Romantismo.

Denomina-se Pré-Romantismo a fase de transição entre a Era Colonial e a Era Nacional


(1808-1836), marcada, no plano histórico, pela transmigração da Família Real Portuguesa
e pelos desdobramentos de sua presença no Brasil (Abertura dos Portos, Imprensa Régia,
primeiros cursos superiores de Medicina e Direito etc.). No plano literário destacam-se: o
jornalismo político (Evaristo da Veiga, Hipólito da Costa e Januário Barbosa da Cunha);
a oratória (Frei Francisco de Monte Alverne) e a poesia didática e moralizante (Pe. Sousa
Caldas, Américo Elísio — pseudônimo de José Bonifácio de Andrada e Silva).
ROMANTISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (PRIMEIRA METADE DO SÉC. XIX)

Reflete a ascensão da burguesia à condição de classe dominante, a partir da Revolução


Francesa e da Primeira Revolução Industrial.

Espírito de rebeldia, liberalismo — Revoluções liberais na Europa e emancipação das


colônias da América.

Individualismo, subjetivismo, relativismo e imposição radical do “eu” — Ruptura


com valores absolutistas (racionalismo, disciplina, regras e modelos).

Insatisfação, descontentamento — A nobreza, que já caiu, expressa urna visão nostál-


gica, saudosista. A burguesia ascendente e os novos proprietários oscilam entre a euforia
e a prudência. A pequena burguesia e os que não lograram a ascensão irão engrossar o
coro dos descontentes, primeiro inquietos e, depois, francamente rebeldes e libertários. O
campesinato e o operariado crescente estão postos à margem, imersos na mudez da
inconsciência.

Em Portugal, o Romantismo reflete o desenvolvimento da Imprensa e a afirmação de um


novo público leitor: o burguês. A dependência da Inglaterra, a economia de base agrária,
a ausência de uma autêntica revolução industrial e o analfabetismo de 80% da população
inibiram o florescimento de uma literatura mais original e contundente. Contudo, atuali-
zou-se, dentro de um contexto mais democrático e popular, a tradição literária mais signi-
ficativa do país.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

A imposição do “eu”, o subjetivismo, o individualismo — Busca de expressão sincera


dos aspectos “selvagens” da vida: a paixão, o sonho, o amor, a loucura, o tédio, a morbi-
dez, o ímpeto revolucionário.

O predomínio da emoção, da imaginação — Metáforas e comparações ousadas. Dis-


curso pomposo, colorido, carregado de adjetivos. A intensidade da emoção, o tumulto
interior, reflete-se na frequência do uso de recursos expressivos, como interjeições, pon-
tos de exclamação, reticências, dupla pontuação e apóstrofes violentas.

O idealismo, a insatisfação, o escapismo — O conflito eu x mundo, ideal x real, leva o


romântico ao desejo de evasão; daí a morbidez, a boêmia, o tédio, o negativismo, o culto
da solidão, a poesia noturna e sepulcral, a abominação do presente, o saudosismo, a busca
de lugares longínquos e exóticos, o gosto pelas ruínas. O romântico odeia o aqui e o
agora.

O nacionalismo — Valorização do passado histórico (heróis reais ou lendários), dos te-


mas folclóricos, da cor local.

A religiosidade — Sugestões bíblicas e medievais.

O ilogismo — Atitudes antitéticas: alegria/ tristeza, euforia/ depressão, desejo/ autopuni-


ção, religiosidade/ satanismo.

A idealização da mulher como anjo ou demônio.

A ruptura com a disciplina clássica, a liberdade formal — Abandono das formas fi-
xas, mistura de gêneros e formas: poesia prosaica, coloquial, prosa poética. A epopeia é
substituída pelo romance histórico. Preferência pelo conto, pela novela e pelo romance,
mais acessíveis ao público burguês. No teatro, a tragédia e a comédia são substituídas
pelo drama, rompendo a lei das três unidades (tempo, lugar e ação).

A incorporação da linguagem oral, de neologismos, a tendência ao coloquial — Su-


peração do rigor linguístico dos clássicos, o que possibilitou uma dicção mais solta e mais
compatível com o gosto e o entendimento da burguesia e do povo.

O Romantismo português apresenta três fases: 1) Primeira fase — Resíduos clássicos,


medievais e nacionalismo; 2) Segunda fase — Ultrarromantismo; 3) Terceira fase —
Aproximações realistas.

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL BRASILEIRO

Abrange o período final das Regências, a consolidação do Segundo Reinado e sua estabi-
lização no Gabinete da Conciliação, e as crises antecipadoras do regime republicano: a
Guerra do Paraguai e as campanhas abolicionista e republicana.

A emancipação política (1822) não alterou o poder agrário, sustentado pelo latifúndio,
trabalho escravo e mercado externo.

A inteligência local, formada pelos filhos das famílias abastadas do campo, ou de comer-
ciantes e profissionais liberais, saía dos bancos das escolas jurídicas de São Paulo, Recife
e Rio de Janeiro.
Apenas Teixeira e Sousa, Manuel Antônio de Almeida e Laurindo Rabelo saíram das ca-
madas humildes.

A intelectualidade brasileira procurou absorver e adaptar à condição brasileira as princi-


pais vertentes do Romantismo europeu.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Primeiro Grupo
Fase de formação — Resíduos neoclássicos. Niterói, revista brasiliense (porta-voz do
Grupo Fluminense).
Poesia religiosa e mística, nacionalismo, lusofobia, poesia lírica, início da ficção e do
teatro.

Segundo Grupo
Indianismo, nacionalismo — Idealização do índio (bom selvagem, cavaleiro medieval)
como símbolo da nacionalidade.
Consolidação da poesia e do romance. Influência de Chateaubriand (Atala), Walter Scott
(Ivanhoé), F. Cooper (O Último dos Moicanos), Balzac.

Terceiro Grupo
Individualismo, mal do século — Subjetivismo intenso, dúvida, morbidez, tédio, esca-
pismo, boêmia, negativismo, satanismo, saudosismo (infância, família), sensualismo re-
primido (amor e medo), confessionalismo.
Incorporação de novos temas — O humor, os temas bucólicos e roceiros, a poesia mal-
dita. Influências de Byron, Alfred Musset, Lamartine, Leopardi.
Desdobramento da prosa — Romance indianista, sertanista, regionalista, urbano, histó-
rico e o romance de costumes de Manuel Antônio de Almeida.

Quarto Grupo
Romantismo social, condoreirismo — Poesia engajada nas causas liberais e sociais
(Guerra do Paraguai, Abolição, República).
Tom enfático, declamatório (metáforas ousadas, apóstrofes violentas, hipérboles,
antíteses).
Preocupação formal, antecipações realistas e aproximações com o Parnasianismo. Influ-
ência de Victor Hugo.
REALISMO-NATURALISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL (SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX)

Segunda Revolução Industrial — Fortalecimento da burguesia, capitalismo avançado.


Progresso científico (Darwin, Lamarck, Claude Bernard, Mendel, Pasteur) e tecnológico
(locomotiva a vapor, eletricidade, telégrafo etc.).

Civilização industrial: explosão urbana, proletariado, Socialismo (Proudhon e Marx).

Materialismo, cientificismo — A ciência, o progresso e a razão substituem o impulso


pessoal, a paixão e o ímpeto revolucionário dos românticos. Positivismo (Comte), Evolu-
cionismo (Darwin e Spencer), Determinismo — raça/ meio/ momento (Taine) — e Expe-
rimentalismo (Claude Bernard).

Em Portugal, após os movimentos político-militares de Maria da Fonte e da Patuleia


(1846/ 47), consolida-se a monarquia liberal-parlamentar — o período da Regeneração
(1851-1910). Dependência econômica da Inglaterra, desenvolvimentismo, crescimento da
classe média citadina e ativação da vida cultural.

A Questão Coimbrã ou a Polêmica Bom-Senso e Bom-Gosto (1865) opôs o grupo român-


tico de Lisboa, liderado por Castilho, ao grupo realista de Coimbra, liderado por Antero
de Quental. Os detonadores da polêmica foram a carta-posfácio ao Poema da Mocidade,
de Pinheiro Chagas, escrita por Castilho, ironizando “os moços” de Coimbra, e a resposta
de Antero de Quental, no folheto Bom-Senso e Bom-Gosto, crítica irreverente e desabrida
ao conservadorismo dos “velhos” de Lisboa.

As Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense (1871) visaram “ligar Portugal


com o movimento moderno”, aglutinando a denominada Geração 70: Teófilo Braga, Eça
de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueira e Oliveira Martins, sob a liderança de
Antero de Quental. Esses autores constituíram, mais tarde, o Grupo dos Vencidos da
Vida, denominação que expressava a crise e o desalento ideológico dessa geração, que
evoluiu do inconformismo e rebeldia para o ceticismo risonho e conformista.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

O Realismo

Objetivismo, impassibilidade, observação e análise — Busca de urna explicação lógica


e cientificamente aceitável para os fatos e ações.
Sensorialismo — Impressões sensoriais nítidas e precisas. Predomínio da descrição ob-
jetiva. Narrativa lenta, devido ao acúmulo de pormenores. A ação e o enredo perdem a
importância para a caracterização das personagens e dos ambientes.

Personagens esféricas, complexas, multiformes, imprevisíveis e dinâmicas. Densidade


psicológica. Ruptura com a linearidade das personagens românticas (Herói x Vilão, Bem
x Mal). O autor ausenta-se da narrativa, colocando- se como observador neutro. O “ro-
mance que se narra a si mesmo” (Flaubert).

Temas contemporâneos — Crítica social à burguesia, ao clero, ao obscurantismo pro-


vinciano; ao capitalismo selvagem, ao preconceito racial, à monarquia. Romance social,
psicológico e de tese.

Sexo, adultério, degradação das personagens, assassinatos, triunfo do mal.

Preocupação formal — Clareza, concisão, precisão lexical, purismo, vernaculidade.


Predomínio da denotação. A metáfora cede lugar à metonímia.

O Naturalismo

Exacerbação do cientificismo (experimentalismo, determinismo rigoroso). Privilegia os


aspectos biológicos e instintivos, Visão mecanicista do homem, submetido às leis da he-
reditariedade, às pressões do meio social e do ambiente natural.

Predileção por temas escabrosos, pela patologia, “amoralisrno”. Zoomorfização (apro-


ximação entre o homem e o animal).

Romance experimental (Emile Zola), de tese — Peca, às vezes, pelo reducionismo e


pelo esquematismo.

Focaliza as camadas inferiores, o proletariado, os marginais. Privilegia a fisiologia e os


aspectos sociais. Técnica do tipo, caracterização pelos aspectos exteriores, ações, gestos,
traços físicos. Personagens grosseiras, temas chocantes (homossexualismo, incesto, adul-
tério, assassinato etc.).

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL BRASILEIRO

Discrepância entre as ideias avançadas do cientificismo e do materialismo europeus, as-


similadas pela elite culta brasileira, e a realidade do país: sociedade agrária, saindo do es-
cravismo, governada por uma república oligárquica (aristocracia ascendente do café e de-
cadente da cana, e os militares — novos atores da cena política).

Modernização das cidades, codificação racional das leis, estabilização das fronteiras com
os países limítrofes, interiorização da economia, modernização do ensino superior e in-
cremento da vida cultural e literária, com o florescimento de todos os gêneros literários,
de instituições culturais e dos órgãos de imprensa (Revista Brasileira, Gazeta Literária, A
Semana etc.).

Fundação da Academia Brasileira de Letras (1897) — O escritor passa a ser socialmente


aceito. A “oficialização” da literatura implicou o academicismo (no mau sentido), e
mesmo a intelectualidade boêmia (Emílio de Meneses) acabou sendo cooptada pela lite-
ratura “oficial”, sóbria, decorosa e respeitosa para com a elite dirigente.

Os movimentos finisseculares — Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo


(1893) e Pré-Modernismo (1902) — são mais simultâneos que sucessivos, e a Era Rea-
lista desdobra-se muito além de seus limites cronológicos estritos, projetando-se no Pré-
Modernismo (Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato). A atitude realista de
observação direta e interpretação crítica será retomada no Segundo Tempo Modernista
(1930-1945), com a ficção neorrealista ou o Neonaturalismo regionalista de Graciliano
Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Rachel de Queiroz e outros.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

A atitude realista de observação direta da vida e de sua recriação artística exata e minu-
ciosa é uma constante universal e sempre existiu na Arte, contrapondo-se à atitude ro-
mântica, também universal no tempo e no espaço, marcada pela ênfase na emoção e na
fantasia. A evolução da literatura se fez da oscilação incessante entre ambas as atitudes
ora realista, ora romântica — e de sua combinação, mais ou menos variada.

Nesse sentido, Stendhal, Balzac, Victor Hugo, Charles Dickens, Gogol e outros, habitu-
almente relacionados ao Romantismo, foram os verdadeiros fundadores do Realismo na
ficção contemporânea.

No Brasil, essas antecipações realistas podem ser localizadas no seio do próprio Roman-
tismo: Alencar (Senhora — crítica social); Bernardo Guimarães (O Seminarista — sexua-
lização do amor); Taunay (Inocência — recriação fiel da paisagem e costumes mato-
grossenses); Franklin Távora (O Cabeleira — violência no sertão do Nordeste) e Manuel
Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias — imparcialidade na carac-
terização dos costumes e ambiente do Rio colonial).
PARNASIANISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

Corresponde, cronologicamente, ao Realismo e Naturalismo e compartilha, com esses


movimentos, o mesmo contexto histórico-cultural e os mesmos propósitos de combate
aos exageros sentimentais e expressivos do Romantismo.

Fanfarras (1882), de Teófilo Dias, é o marco inicial do Parnasianismo, antecedido pela


Batalha do Parnaso, polêmica entre os defensores da Ideia Nova e os epígonos do
Romantismo (1878).

O Parnasianismo, em Portugal, não teve a repercussão que teve no Brasil. Antero de


Quental, Junqueira Freire e Cesário Verde, os poetas mais expressivos desse período, re-
presentam a vertente realista, comprometida com as grandes causas do tempo, com o co-
tidiano, afastando-se das teorias parnasianas da “arte pela arte”, do descritivismo frio e
impassível. Entre os portugueses, apenas João da Penha e Gonçalves Crespo podem ser
considerados parnasianos típicos.

O Movimento Parnasiano iniciou-se na França, em 1866, com a antologia La Parnase


Contemporain, reunindo poetas de tendências diversas, como Théophile Gauthier, Le-
conte de Lisle, Banville, Heredia e Charles Baudelaire.

No Brasil, o movimento gozou de largo prestígio. Nem os ataques que os modernistas de


1922 desferiram contra os “mestres do passado” e seus epígonos abalaram o gosto do
leitor médio, decididamente identificado com o brilho fácil das chaves de ouro, dos de-
cassílabos bem rimados e da temática kitsch.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

A “arte pela arte”, o esteticismo — A poesia como fruto do esforço intelectual: “Tra-
balha e teima e lima e sofre e sua” (Bilac). A beleza formal é a razão de ser do poema.
Negando a poesia realista, filosófico-científica e socialista de seus precursores e contem-
porâneos, os parnasianos propõem o distanciamento da vida, a exclusão do cotidiano, a
recusa aos temas vulgares, o desprezo pela plebe e pelas aspirações populares. Essa alie-
nação dos problemas do mundo justificou o apelido de “poetas de torres de marfim”.

A impassibilidade, a contenção lírica e emocional — A assimilação dos ideais das Ar-


tes Plásticas: o poeta-ourives/ escultor/ pintor/ arquiteto; a poesia burilada, cinzelada, la-
pidada. O materialismo da forma.
A perfeição formal — Entregues ao puro fazer poético, os parnasianos foram exímios
conhecedores da língua (“poetas de dicionário”), obcecados pela correção gramatical,
pelo purismo, pela vernaculidade, pela seleção vocabular. Esse formalismo manifesta-se,
ainda: 1) no culto das rimas ricas, raras e preciosas; 2) na métrica rigorosa, na predileção
pelos versos alexandrinos (doze sílabas) e decassílabos; 3) na preferência pelas formas fi-
xas (sonetos, sextinas, baladas etc.); 4) na frequência dos enjambements (encadeamentos
ou cavalgamentos) para quebrar a monotonia da rima.

A poesia descritiva, plástica e visual, visando a apreender objetivamente o real, através de


impressões sensoriais nítidas, especialmente de imagens visuais brilhantes e coloridas
(“cromatismos rutilantes”).

Temas prediletos: as cenas da natureza (“Cavalgada”, “Anoitecer”, “Velhas Árvores”,


“Plenilúnio”), as cenas históricas e mitológicas (“O Incêndio de Roma”, “O Triunfo de
Afrodite”), os objetos de arte (“O Vaso Chinês”, “O Leque”, “A Estátua”), a beleza física
da mulher e a poesia reflexivo-filosófica.

Os neoparnasianos José Albano, Amadeu Amaral, Olegário Mariano, Gilka Machado e


outros marcam a sobrevivência de um parnasianismo já desvitalizado e anacrônico, mas
ainda prestigioso.
SIMBOLISMO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

Reação antimaterialista, antipositivista, que se opõe às correntes cientificistas (Evolucio-


nismo, Determinismo etc.) e propõe aproximar a poesia da religião e da metafísica, vi-
sando à transcendência, ao sentimento de totalidade, à essência comum de todos os fenô-
menos, sejam eles a Natureza, o Absoluto, Deus ou o Nada.

Buscando superar a visão racionalista e mecanicista do Universo, os simbolistas retomam


e aprofundam o subjetivismo romântico: a nostalgia, o idealismo e especialmente a lite-
ratura erótica e fantástica de Blake, Hoffmann, Nerval e Edgar Alan Poe.

A reação aos valores cientificistas da burguesia industrial tem como precursoras a filoso-
fia de Schopenhauer, de Nietzsche, de Kierkegaard e, mais tarde, de Bergson, e a poesia
do apocalipse e do absurdo de Poe, retomados pelos “poetas malditos” ou “decadentis-
tas”: Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé e Verlaine. A agressividade anárquica, o satanismo,
a perversão, a morbidez, o horror à banalidade do cotidiano, a alucinação e a toxicose são
as marcas do Decadentismo, estado de sensibilidade e atitude existencial que preparam o
advento do Simbolismo, sem constituir uma doutrina estética coesa.

A formulação explícita das propostas simbolistas deve-se a Jean Moréas, que divulga, em
1886, um manifesto literário subintitulado Manifeste du Symbolisme.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

A radicalização das doutrinas romântico-liberais (espiritualismo, subjetivismo, individu-


alismo etc.), no sentido de que poesia não é somente emoção e amor, mas também a to-
mada de consciência dessa emoção, em atitude poética ao mesmo tempo afetiva e
cognitiva.

A busca das esferas inconscientes do “eu” profundo, visando às vivências vagas, fluidas,
inefáveis, ilógicas, que só podem ser traduzidas através de uma linguagem indireta, apoi-
ada na intuição, na sugestão, na metáfora insólita e no símbolo.

O ilogismo, a fuga da lógica discursiva, valorizando a “poesia pura”, que nasce do in-
consciente, antes de passar pelo crivo da razão. Daí o hermetismo, a dificuldade e a obs-
curidade dos versos simbolistas, pois, construídos por sucessivas implicações de sentidos,
eles valem pelas sugestões, não por suas descrições ou explicações.
A teoria das correspondências (Baudelaire) — Propõe um processo cósmico de aproxi-
mação entre as realidades físicas e as metafísicas, entre os seres, as cores, os sons, os per-
fumes e o pensamento e a emoção através das sinestesias (cruzamento de sensações: “ru-
ído áspero”, “música doce”, “som colorido”).

A musicalidade (Verlaine) — Visando à essência, à transcendência, ao inexprimível, os


simbolistas querem tocar os ouvidos sem feri-lo, através de procedimentos sonoros (alite-
rações, assonâncias, rimas aproximativas e onomatopeias) e do emprego de arcaísmos,
neologismos, termos litúrgicos e inusuais (“antífona”, “oaristos”, “turíbulos”, “quimé-
rico”, “alabastros”, etc.).

A alquimia do verbo (Rimbaud) — Antecipando a modernidade, almejava-se a fixação


do inexprimível, buscando a Beleza através da vertigem, do delírio, da alucinação
sensorial.

A estética da sugestão (Mallarmé) — “Nomear um objeto é suprimir três quartos do pra-


zer do poema, que é feito da felicidade de adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o so-
nho, […] pois deve haver sempre enigma em poesia, e é o objetivo da literatura — e não
há outro — evocar os objetos”.

O espiritualismo, o misticismo, o ocultismo, o subjetivismo intenso — Ânsia de evasão


do mundo terreno, de comunhão com os astros, o alto, a essência, o mistério. Fixação pela
Idade Média e pelo vocabulário litúrgico e eclesiástico.

Antecipações da modernidade: 1) ruptura com o descritivo e linear, desarticulação sintá-


tica e semântica; 2) automatismo verbal, captação do fluxo da consciência, sondagem in-
finitesimal da memória.

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL BRASILEIRO

Na história social, os simbolistas brasileiros viveram o mesmo contexto dos narradores


realistas e dos poetas parnasianos: o período agudo das campanhas abolicionista e repu-
blicana. Enraizados na tendência estetizante, a diferença entre parnasianos e decadentista-
simbolistas brasileiros é principalmente de grau: naqueles, culto da forma; nestes, a
religião do verbo, mas ambos na mesma linha formalizante.

No nível das intenções, opera-se a passagem da concentração no objeto (parnasianos) ao


mergulho no sujeito (simbolistas). Esse mergulho tomou três direções: a busca de trans-
cendência (Cruz e Sousa), a poesia litúrgica, mortuária e elegíaca (A1phonsus de Guima-
raens) e o intimismo dos poetas crepusculares.
O Simbolismo, no Brasil, não exerceu a função relevante que o distinguiu na literatura
europeia, na qual exerceu o papel de antecipador das principais tendências do Moder-
nismo: Surrealismo francês, o Imaginismo inglês, o Expressionismo alemão, o Herme-
tismo italiano etc.

Aqui, as novas tendências foram sufocadas pelo Parnasianismo, de leitura mais fácil,
mais dócil ao regime, mais identificado com o gosto da elite “culta” dos salões literários,
e mais prestigiado pelo poder público e pela literatura oficial da Academia.

O núcleo inicial do movimento centrou-se na Folha Popular (Rio de Janeiro, 1890- 1891),
em torno de Cruz e Sousa, Emiliano Perneta, Virgílio Várzea, Nestor Vítor, entre outros.
Daí, proliferou em outros grupos, dispersos por Curitiba, São Paulo, Bahia, Belo Hori-
zonte e Rio Grande do Sul.

As vertentes simbolistas que mais atuaram no Brasil foram a baudelaireana (no poema em
prosa, no satanismo moderado, na forma lapidar de Cruz e Sousa) e a verlaineana (na mu-
sicalidade de Alphonsus). A musicalidade áspera e dissonante de Mallarmé, sua sintaxe
audaciosa, sua imagística insólita e sua fantasia humorística só repercutiram em Pedro
Kilkerry, cuja surpreendente modernidade só recentemente vem tendo um
(re)conhecimento.

Dadas as peculiaridades dos simbolistas brasileiros, resumimos algumas delas:


1) Cruz e Sousa — Poeta a um só tempo expressivo e construtivo. Parnasianismo resi-
dual (soneto, rimas ricas, vocabulário). Potência verbal. “Emparedamento”. Ânsia de
transcendência. Obsessão pela brancura e pela transparência.
2) Alphonsus de Guimaraens — Tendências neorromânticas. Misticismo. Medievalismo.
VANGUARDAS EUROPEIAS

1) Futurismo (1909 — Marinetti)

Abominação do passado; exaltação da guerra, do militarismo, da coragem; canto entusi-


asmado da velocidade, da máquina, do progresso, das grandes multidões urbanas; destrui-
ção da sintaxe (“palavra em liberdade”); abominação do adjetivo e do advérbio; supressão
do “eu”, substituído pela “obsessão lírica da matéria”.

2) Expressionismo (1905?/ 1911)

Expressão da vida interior, das imagens que vêm do fundo do ser e se manifestam pateti-
camente, de modo obscuro e alógico.

3) Cubismo (1907 — Pablo Picasso)

Busca das formas puras, geometrizadas, visando a uma estrutura superior, à forma plás-
tica essencial; supressão da continuidade cronológica; abolição da noção tempo/ espaço;
simultaneísmo; multiplicidade de perspectivas (mostrar um objeto sucessiva e simultane-
amente de vários ângulos); técnica cinematográfica; supressão da lógica aparente, pensa-
mento-associação, enumeração caótica.

4) Dadaísmo (1916 — Tristan Tzara)

Liberdade total de criação: “estamos contra todos os sistemas, mas sua ausência é o me-
lhor sistema”; demolição; abolição da lógica, da memória, da gramática; humor delirante;
nonsense: “a arte deve ser inestética ao extremo, inútil e impossível de justificar”.

5) Surrealismo (1924 — André Breton, Artaud, Aragon)

Ruptura com o niilismo e a autofagia dadaísta; radicalização do mergulho romântico e


simbolista no “eu”; o inconsciente; a linguagem do sonho, da alucinação; magicismo (arte
primitiva, poesia pré-lógica, ocultismo, esoterismo); escrita automática; “realismo fantás-
tico”; a poesia como ação mágica, mito, meio de conhecimento.
PRÉ-MODERNISMO BRASILEIRO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

Coexistência do tradicionalismo agrário, representado pela oligarquia dominante, com os


novos estratos sociais urbanos: a burguesia industrial incipiente em São Paulo e Rio de
Janeiro, os profissionais liberais, os imigrantes, os operários e o subproletariado, além do
Exército, que desde a Proclamação da República exerceu papel político relevante. Desse
quadro social emergem ideologias conflitantes: o tradicionalismo agrário e a inquietação
dos centros urbanos; o antimoderno e o moderno; o conservadorismo regressivo e saudo-
sista; o liberalismo com traços anarcoides; a classe média oscilante entre o puro ressenti-
mento e o reformismo e, no limite, a atitude revolucionária.

A diversidade regional fez com que os movimentos da época exprimissem níveis de


consciência muito distintos, configurando, às vezes, tensões meramente locais: 1) no
Nordeste, o fenômeno do cangaço, a Revolução de Canudos (BA, 1896-1897) e o fana-
tismo religioso desencadeado em torno do Pe. Cícero (CE, 1911-1915); 2) no Sul, a re-
volta contra a vacina obrigatória (RJ, 1904), a Revolta da Chibata (RJ, 1910), as greves
operárias lideradas pelos imigrantes anarco-sindicalistas do Brás e da Mooca (SP, 1917) e
a Guerra dos Posseiros do Contestado (SC, 1912-1916). Acresça-se a esse quadro a Cam-
panha Civilista e a ascensão e queda da borracha na Amazônia.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Pré-Modernismo foi o termo cunhado por Alceu de Amoroso Lima para designar um
conjunto de autores em que se observa um sincretismo de tendências conservadoras (Re-
alismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo), com tendências renovadoras, que an-
teciparam a modernidade. Antimoderno x moderno, arcaísmo rural x refinamento litorâ-
neo.

O aspecto conservador localiza-se na sobrevivência da mentalidade positivista, agnóstica


e liberal que marcou a Era Realista, e no código, na linguagem, que com algumas poucas
ousadias, continuou fiel aos modelos finisseculares: Aluísio Azevedo, Eça de Queirós,
Machado de Assis, Flaubert, Émile Zola, Balzac etc.

O aspecto renovador, “moderno”, está na atitude de denúncia, de documentação e de crí-


tica às instituições arcaicas da República Velha; na preocupação com a realidade nacional
(o subdesenvolvimento e a miséria do sertão do Nordeste — Euclides da Cunha —, a mi-
séria do “Jeca Tatu” do Vale do Paraíba — Monteiro Lobato —, os subúrbios cariocas e
os “pingentes” da Central do Brasil — Lima Barreto —, a imigração alemã — Graça
Aranha); além do regionalismo vigoroso e crítico, que será retomado e aprofundado no
Segundo Tempo Modernista (1930-1945).
MODERNISMO

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Hermetismo — Poesia “difícil”; rupturas sintáticas; ruptura do encadeamento lógico; po-


esia elíptica e alusiva, sem limitações normativas; ritmo psicológico, criado a cada mo-
mento, como descargas de vivências profundas, delírios emocionais; metáforas insólitas,
aproximações imprevistas: “Tua presença é uma carne de peixe” (Mário de Andrade), “O
meu porquinho da índia foi a minha primeira namorada” (Manuel Bandeira).

Integração poética da civilização material e do cotidiano — “Eia! eia! eia!/ Eia eletri-
cidade, nervos doentes da Matéria!”, “O binômio de Newton é tão belo como a Vênus de
Milo. O que há é pouca gente para dar por isso”. (Álvaro de Campos).

O verso livre — A unidade de medida do ritmo deixa de ser a sílaba para basear-se na
combinação das entonações e das pausas. Ruptura com a métrica tradicional: versos de
duas a dozes sílabas, com acentos regularmente distribuídos. O versolibrismo tem como
precursores Rimbaud e Walt Whitman.

Abolição da distinção entre temas poéticos, antipoéticos e apoéticos — Antiacademi-


cismo, antitradicionalismo. Dessacralização da obra de arte, com predomínio da concep-
ção lúdica sobre a concepção mágica. Presença do humor, através do poema-piada e do
poema paródia.

Na prosa, a ação e o enredo perdem a importância, em favor das reações e estados


mentais das personagens, construídos por acumulação, em rápidos instantes significati-
vos, ou através da apresentação da própria consciência em operação.

PRIMEIRO TEMPO MODERNISTA BRASILEIRO (1922-1930)

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

Declínio da oligarquia, pressionada pela burguesia industrial, pela classe média e pelo
proletariado. Hegemonia de São Paulo, combinando os capítulos oriundos do café e da
indústria.

Semana de Arte Moderna (1922), marca também o início do Tenentismo, com a Revolta
dos 18 do Forte de Copacabana e seus desdobramentos — a Insurreição de Isidoro Dias
Lopes (1924) e a Coluna Prestes (1925-1927), e a fundação do Partido Comunista
Brasileiro.
Esses fatos exprimiam a modernização política do país, contrapondo-se ao anacronismo
das instituições oligárquicas. O agravamento desse anacronismo, devido ao crack da
Bolsa de Valores de Nova York (1929) e à consequente queda do preço do café, vai im-
pulsionar a Revolução de 1930, a deposição de Washington Luís e a superação da política
do “café com leite”,

A divulgação das propostas da Geração de 1922 deu-se através de algumas revistas que, a
partir de Klaxon (São Paulo, 1922/ 23), foram-se espalhando pelo país: Estética (Rio de
Janeiro), A Revista e Verde (Minas Gerais). Essas revistas foram ampliando o leque de
autores e tendências do Primeiro Tempo Modernista.

Antecedentes da Semana de 1922

1911/ 12 — Fundação do jornal humorístico O Pirralho, marcado pela irreverência de


Emílio de Meneses, Juó Bananere e Oswald de Andrade (que inicia, em 1912, a divulga-
ção do Futurismo e do verso livre).
1913 — Exposição de Lasar Segall, mostrando quadros não acadêmicos.
1917 — Estreias de vários modernistas: Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti
Del Picchia, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, além da composição do balé
Amazonas, de Villa-Lobos. São muito frágeis, ainda, as manifestações de modernidade. A
exposição de Anita Malfatti causou indignada reação antimodernista de Monteiro Lobato,
no artigo “Paranoia ou Mistificação?”. O affaire Malfatti x Lobato foi o estopim que de-
sencadeou a aglutinação dos modernistas.
1918/ 1921 — O “descobrimento” do escultor Victor Brecheret. A publicação de Carna-
val, de Manuel Bandeira, já em versos livres. A exposição de Di Cavalcanti, em São
Paulo. A publicação de Mestres do Passado, artigo de Mário de Andrade, submete a rigo-
roso crivo crítico os poetas parnasianos.

A Semana de 1922

Teatro Municipal de São Paulo, de 11 a 18 de fevereiro. Patrocinada pela alta burguesia


paulistana (os Prados, os Penteados e os Almeidas) e divulgada pelo Correio Paulistano,
órgão do P. R. P. Dos três festivais realizados nos dias 13, 15 e 17, participaram: Graça
Aranha (“A Emoção Estética da Arte Moderna” — conferência de abertura), Guilherme
de Almeida, Ronald de Carvalho (que declamou “Os Sapos”, de Manuel Bandeira), Er-
nani Braga, Villa-Lobos, Guiomar Novaes (dissidente), Mário de Andrade, Menotti Del
Picchia, Renato de Almeida. No saguão do teatro montou-se uma exposição de pintura,
escultura e arquitetura.
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Três princípios nortearam a “Fase Heroica” do Modernismo (1922-1930): 1) direito à


pesquisa estética; 2) atualização da inteligência artística brasileira; 3) estabilização de
uma consciência criadora nacional.

Rejeição das normas estéticas consagradas, antiacademicismo, antitradicionalismo, fase


de demolição — Irreverência, sarcasmo, o poema-piada e os textos-programas (“Os Sa-
pos” e “Poética”, de Bandeira; “Ode ao Burguês”, “Prefácio Interessantíssimo”, “Enfi-
braturas do Ipiranga” e A Escrava que Não é Isaura, de Mário de Andrade; Manifesto da
Poesia Pau-Brasil e Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade).

Linguagem de prevalência inventiva — Paródia, ironia, corrosão do sentido literal do


texto. Rupturas sintáticas, a poesia e a prosa “telegráficas”, a escrita automática, a técnica
da colagem, a polifonia poética, o estilo elíptico e alusivo, as metáforas insólitas e a “in-
venção” de novos termos: “arlequinal”, “sonambulando”, “bocejal”, “choverando”. A in-
corporação do falar coloquial, a ruptura dos limites entre a prosa e a poesia, a poesia pro-
saica e a prosa poética. Eleição do moderno como um valor em si mesmo, busca da origi-
nalidade a qualquer preço.

Nacionalismo (da direta à esquerda) — Busca das “raízes da nacionalidade”, valorização


do índio, do folclore. Literatura alegre e vital: carnavalização, dessacralização dos heróis
e artistas do passado.

Verde-Amarelismo (1924), Anta (1929) e Bandeira (1936)


Configuram o nacionalismo xenófobo e estreito, que desaguou no Integralismo. Visão
ufanista, exaltação da terra e do homem. Os manifestos dessas correntes foram “Curupira
e o Carão” e “Nhengaçu Verde-Amarelo”. A elas relacionaram-se Menotti Del Picchia,
Cassiano Ricardo, Plínio Salgado, Guilherme de Almeida e Cândido Mota Filho.

Pau-Brasil (1924) e Antropofagia (1929)


Representam a corrente primitivista, que propõe a valorização da inocência dionisíaca dos
primitivos, a liberação do instinto, a “devoração ritual dos valores europeus, a fim de su-
perar a civilização patriarcal e capitalista”. “Tupi or not tupi, that is the question”. “A
alegria é a prova dos nove”, “a alegria da ignorância que descobre”. Oswald de Andrade
(o radicalismo criador e anárquico que catalisou a tendência). Tarsila do Amaral, Mário
de Andrade, além de Antônio de Alcântara Machado, Raul Bopp, Carlos Drummond de
Andrade e Murilo Mendes (os dois últimos pertencentes ao Segundo Tempo Modernista)
foram, com intensidade variável, arrastados por esse esboço de uma filosofia da cultura
brasileira, cujos desdobramentos ecoaram no Tropicalismo (Caetano, Gil, Glauber, Du-
prat, e Torquato Neto) e na vanguarda concretista (os irmãos Campos e Décio Pignatari).

Corrente Dinamista
Inspirada no Futurismo, no culto à velocidade, à técnica, ao “objetivismo dinâmico”.
Graça Aranha, Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida configuram essa tendência,
que não se materializou em programa ou manifesto.

Há autores que pertenceram simultânea ou sucessivamente a duas ou mais correntes e há


os que, como Manuel Bandeira, não se filiaram a nenhuma delas.

SEGUNDO TEMPO MODERNISTA BRASILEIRO (1930-1945)

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

Crise econômica, como reflexo do crack da Bolsa de Valores de Nova York.

A Revolução de 1930, desdobrada na Era Vargas, acabou por frustrar as esperanças dos
segmentos sociais que ficaram marginalizados.

Radicalização política: direita (Fascismo, Nazismo, Integralismo), esquerda (Comu-


nismo). A Revolução Constitucionalista (1932), a Constituição (1934), a Intentona Co-
munista (1935), o Estado Novo, a Ditadura Vargas (1937), a Segunda Grande Guerra
(1939) marcam historicamente esse período. A agitação política interna e externa, aliada
ao autoritarismo da ditadura, levou ao engajamento de autores expressivos na resistência
ao Estado Novo. Graciliano Ramos, Jorge Amado e Rachel de Queiroz militaram no
Partido Comunista. Drummond compôs, nesse período, a parcela mais “participante” de
sua poesia: Sentimento do Mundo e Rosa do Povo.

A radicalização do autoritarismo em 1937 (D. I. P. — censura prévia à Imprensa, a pena


de morte para os crimes de subversão etc.) acabou por “empurrar” a intelectualidade para
a esquerda. Em 1945, com a queda da ditadura, vários escritores irão assumir posição
bem mais moderada, percorrendo o caminho inverso — da esquerda para o centro, ou
para a direita.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Modernismo “moderado” — Consolidação de algumas conquistas da “Fase Heroica”


(1922-1930). Recuo quanto às propostas mais radicais do período precedente, em especial
quanto ao experimentalismo mais ousado de Oswald de Andrade. Retomada de algumas
tendências do passado: o Neossimbolismo (Cecília Meireles); o soneto camoniano (Viní-
cius); o Realismo e o Naturalismo, realimentados pelo vigor modernista (Graciliano, José
Lins do Rego), além de outras vertentes da tradição luso-brasileira. Predomínio de um
“projeto ideológico” sobre o projeto estético. Desejo de denunciar a realidade social e es-
piritual do país. Ampliação temática. Caminho para o universal, superação do naciona-
lismo primitivista e verde-amarelista.

Equilíbrio no uso do material linguístico, em termos de normas de linguagem.

Poesia

Desdobramento das obras dos poetas da Geração de 1922 — Mário, Oswald e Bandeira
continuaram produzindo até 1945, 1954 e 1960, respectivamente. Mário e Bandeira per-
deram, a partir de 1930, muito da radicalidade demolidora da “Fase Heroica”. Poesia de
tensão ideológica, na vertente social da obra de Carlos Drummond de Andrade.

Corrente espiritualista, de preocupação religiosa e filosófica, centrada no grupo da revista


Festa (Cecília Meireles, Jorge de Lima, Vinícius de Morais, Augusto Frederico Schmidt e
Tasso da Silveira). Poesia de dimensão surrealista (Murilo Mendes).

Prosa

Romance regionalista nordestino (Neonaturalismo regionalista) — José Américo de Al-


meida, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Jorge Amado.

Romance psicológico ou intimista — Érico Veríssimo, Cornélio Pena, Ciro dos Anjos,
Dyonélio Machado, Lúcio Cardoso, Otávio de Faria, Marques Rebelo e José Geraldo
Vieira.

TERCEIRO TEMPO MODERNISTA/ TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS (1945…)

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

O ano de 1945 constitui o marco inicial do Terceiro Tempo Modernista. No plano nacio-
nal, realiza-se o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, marcado pelo repúdio à di-
tadura, ao Estado Novo, que irá cair no mesmo ano, retomando o país à normalidade de-
mocrática; no plano externo, encerra-se a Segunda Grande Guerra.

A periodização da Literatura Brasileira pós-45 é ainda muito precária, pois a fixação de


períodos implica uma perspectiva histórica, um certo distanciamento temporal. Como se
trata de uma literatura que ainda se está desdobrando, com autores ainda vivos e em plena
atividade, qualquer tentativa de sistematização rígida é provisória e corre o risco de ser
precipitada.

Reconhecem-se, contudo, algumas tendências, fases ou grupamentos.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

A Prosa de Ficção pós-1945

A permanência realista do testemunho humano, privilegiando o aspecto social, aproxi-


mando-se do Neonaturalismo americano e do Neorrealismo italiano.

A atração pelo transreal, o realismo mágico, o realismo fantástico: a exploração do insó-


lito, do absurdo, o homem projetado no mundo mítico da arte.

O experimentalismo, a pesquisa da linguagem, a reinvenção do código linguístico, o ro-


mance e o conto instrumentalistas: preocupação com a construção dos trabalhos, com o
“instrumento da palavra”, a linguagem como elemento que “cria o real”, instaura-o,
plasma-o.

Poesia da Geração 45

A Geração de 45 centrou-se na reação contra o “desleixo” e o “à vontade” dos modernis-


tas de 22, propondo a retomada do rigor formal parnasiano, da preocupação estilística, da
volta à rima, à métrica e ao soneto tradicionais.

Os poetas da Geração 45 utilizam-se de um vocabulário erudito e propõem o sublime, o


ideal e o universal, abandonando as preferências pelo prosaico, pelo concreto, pelo nacio-
nal, que marcaram o Modernismo de 1922 e de 1930. Ledo Ivo, Péricles Eugênio da Silva
Ramos, Domingos Carvalho da Silva e Geir Campos são os nomes representativos da
Geração 45.

Concretismo

Agrupou-se em torno da revista-livro Noigandres, trabalho conjunto dos poetas críticos


Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, que organizaram em 1956, a
primeira mostra de poemas-cartazes, com a Exposição Nacional de Arte Concreta, no
Museu de Arte de São Paulo.
Opõe-se ao subjetivismo formalista e ao ideário classicizante da Geração 45, retomando
as experiências mais radicais do Modernismo de 22, especialmente as de Oswald de An-
drade. Conectado com o status tecnológico e com os meios de comunicação de massa, in-
corpora recursos que abrem múltiplas possibilidades de construção e leitura.

Preconiza a substituição da estrutura da frase, peculiar ao verso, por estruturas nominais,


que se relacionam espacialmente, no eixo horizontal e no vertical. Substitui a sintaxe ver-
bal pela sintaxe analógico-visual, explorando o aspecto “verbi-voco-visual” do material
significante. Vale-se destes procedimentos: ideogramas, trocadilhos, polissemia,
nonsense, atomização, justaposição e redistribuição das partes do discurso, desintegração
do sintagma nos seus morfemas, separação dos prefixos, sufixos e radicais, jogos sonoros,
abolição do verso, não linearidade, uso construtivo dos espaços em branco, ausência de
sinais de pontuação, sintaxe gráfica etc.

Polêmico e atuante, o Concretismo procedeu à revisão do nosso passado literário,


(re)colocando em circulação autores injustamente esquecidos como Sousândrade, Kil-
kerry e Patrícia Galvão. Incorporou-se à linguagem e visualidade cotidianas, influenci-
ando o texto de propaganda, a diagramação, a paginação e a titulação de livros e jornais, e
as letras da música popular (Caetano, Gilberto Gil).

Desdobramentos e Dissidências do Concretismo

Neoconcretismo — Propõe o direcionamento da experiência concretista para a poesia


participante, engajada ideologicamente na luta contra a opressão e a injustiça social. O
grupo neoconcreto foi liderado por Ferreira Gullar, autor de Luta Corporal e Poema Sujo.

Poesia Práxis — Foi, de início, uma ruptura polêmica com o grupo concretista, reto-
mando o engajamento histórico e a linguagem verbal, a palavra. Articulou-se em torno de
Mário Chamie, autor de Lavra-Lavra (1962), e contou com a adesão de Cassiano Ri-
cardo, remanescente do Primeiro Tempo Modernista. Propondo experiências distintas das
do Concretismo, Mário Chamie proclama, na Instauração Práxis, que o poema práxis se
organiza segundo três circunstâncias ativas: 1) o ato de compor (espaço em preto, mobili-
dade intercomunicante, suporte interno de significados); 2) a área de levantamento da
composição (realidade extratextual, escolhida para problematização em nível estético-
textual, após levantamento e convívio direto com os problemas da área); 3) o ato de con-
sumir (dentro da noção de “obra aberta”, cada leitor transforma-se em coautor).

Poema-Processo — Voltado para a área dos signos visuais plásticos, opera através da
colagem, pintura, desenho, fotografia, dispensando a palavra. Surgiu em 1967, em torno
dos nomes de Vladimir Dias Pino, Moacyr Cirne, Álvaro de Sá e Sebastião de Carvalho.
A Poesia Marginal dos Anos 70

Exprimiu-se por intermédio de inúmeros grupos e movimentos inquietos e heterogêneos,


que têm em comum a resistência à censura e à repressão, agravada após o AI-5 (1968); as
formas alternativas de divulgação de seus versos palavras-imagens, por meio de folhetos,
jornais, revistas, manuscritos, happenings, comícios poéticos etc.; e a postura anárquica e
vitalista. Citamos alguns nomes: Ana Cristina César, Paulo Leminski, Cacaso, Waly Sa-
lomão, Roberto Piva, Sérgio Gama, Chacal, Torquato Neto e Francisco Alvin.

MODERNISMO PORTUGUÊS — GERAÇÃO ORFHEU (1915-1927)

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

A Proclamação da República (1910), associada à instabilidade político-social e à emer-


gência de forças cosmopolitas progressistas, marcou o Primeiro Tempo Modernista por-
tuguês — o Orfismo.

O governo republicano, com apoio popular, e para garantir as possessões africanas, en-
volveu o país na Primeira Grande Guerra, aliando-se aos vitoriosos. Em 1917, Sidônio
Pais restabelece a ditadura. Seu assassinato, no ano seguinte, mergulha Portugal na insta-
bilidade, que só se interromperá em 1926, com um movimento militar que traz à tona a
figura de Antônio de Oliveira Salazar, mentor de uma das mais persistentes ditaduras de
que se tem notícia — o Estado Novo —, de 1933 a 1974, alinhando Portugal numa pers-
pectiva ideológica semelhante à da Itália e da Alemanha.

O Orfismo, apesar dos propósitos cosmopolitas e universalistas e dos influxos da Pri-


meira Grande Guerra, não afastou totalmente o saudosismo, o nacionalismo sentimental e
o regionalismo pitoresco, tônicas do Neorromantismo e do Neossimbolismo
finisseculares.

O núcleo fundamental do Orfismo foi a revista Orpheu (1915), que teve dois números. O
primeiro foi um projeto luso-brasileiro, com a direção de dois brasileiros: Luís Montalvor
e Ronald de Carvalho; o segundo número, mais expressivo, teve a direção de Fernando
Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. As demais revistas, que aglutinaram as novas tendências,
tiveram também duração efêmera: Exílio e Centauro (1916), Portugal Futurista (1917),
Contemporânea (1922/ 23) e Athena (1924/ 25).

Os traços marcantes da Geração Orpheu são as tendências futuristas (exaltação da veloci-


dade, da eletricidade, do “homem multiplicado pelo motor”; antipassadismo, antitradição,
irreverência). Agitação intelectual, “escandalizar o burguês”, o moderno como um valor
em si mesmo.

MODERNISMO PORTUGUÊS — GERAÇÃO PRESENÇA (1927-1940)

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

O Segundo Tempo Modernista português coincide com a implantação do regime militar


(1926), após sucessivas crises dos governos republicanos. Em 1933, Antônio de Oliveira
Salazar, oriundo do período ditatorial, passa a centralizar todo o poder, obtendo, por um
plebiscito, a aprovação de uma Constituição. Inicia-se com isso o Estado Novo, a Dita-
dura Salazarista (1933-1974), alinhando Portugal numa perspectiva ideológica próxima
do corporativismo fascista.

Os presencistas mais característicos foram José Régio e João Gaspar Simões. De forma
menos ortodoxa, participaram desse grupo Branquinho da Fonseca, Miguel Torga e
Adolfo Casais Monteiro.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

O Presencismo, organizado em torno da revista Presença, representou a consolidação de


algumas conquistas modernistas da Geração Orpheu e, ao mesmo tempo, um recuo em
relação às propostas mais radicais do Primeiro Tempo Modernista. Por isso a Geração
Presença é caracterizada como conservadora no nível estético e no plano ideológico.

Privilegiou o psicologismo, a introspecção radical, a busca do “eu profundo”, o individu-


alismo, a evasão dos problemas sociais. Propôs uma literatura neutra, sem outro compro-
misso que não com ela mesma; mais voltada para a temática universalizante, intemporal,
na busca da “verdade mais profunda”, da “essência”.

A reação contra o evasionismo e o psicologismo do Grupo Presença iniciou-se com a re-


vista Seara Nova, aglutinando, numa perspectiva mais sociológica, autores como Antônio
Sérgio, Jaime Cortesão e Aquilino Ribeiro.

MODERNISMO PORTUGUÊS — NEORREALISMO/ TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

A Ditadura Salazarista, o Estado Novo (1933-1974) — Modelo corporativista do Fas-


cismo. Partido único: União Nacional. Repressão política e social: a PIDE — Polícia In-
ternacional e de Defesa do Estado. Censura, prisão e exílio.
A morte de Salazar (1968), a guerra colonial na África, a crise econômica e a cisão mili-
tar foram possibilitando a “abertura” política, até a derrubada do Salazarismo pelos jo-
vens oficiais, apoiados pelas forças “democráticas”, na Revolução dos Cravos (25 de abril
de 1974), que marca o fim do Estado Novo, o fim da guerra colonial, o desmantelamento
dos aparelhos repressores, a anistia aos presos políticos e a liberdade de organização
política.

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Literatura “engajada”, antifascista de denúncia social. Busca a conscientização do leitor, a


realidade social e a miséria moral. Tensão dialética: literatura ativa — instrumento de
transformação social.

Reação contra a “alienação” e o evasionismo da Geração Presença. Negação da “arte pela


arte”, privilegiando o conteúdo e a função social da arte.

Simplificação da expressão artística, aproximações com a técnica jornalística e com a lin-


guagem cinematográfica, visando à comunicação com o grande público. Em seu limite in-
ferior, o Neorrealismo resvala no panfletário, na literatura “de comício”, desvitalizando o
propósito de denúncia pela dissociação entre o conteúdo e a forma artística.

Influências norte-americanas (Steinbeck, Hemingway e John dos Passos), francesas (o


Existencialismo e o “novo romance”) e brasileiras (José Lins, Graciliano Ramos, Érico
Veríssimo e Jorge Amado).

TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

O Surrealismo: Mário Cesariny de Vasconcelos. O Experimentalismo Poético: Jorge de


Sena, Eugênio de Andrade, Sofia de Mello Breyner, Herberto Helder. O Novo Romance:
Alfredo Margarido, Almeida Faria, José Saramago.

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