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AS
EX
Experiências similares em
diferentes regiões da Mata
Atlântica revelam a importância
Programa Piloto para dos sistemas agroflorestais para
Proteção das Florestas a sobrevivência das famílias
Tropicais do Brasil - PPG7 assentadas e a manutenção da
biodiversidade
IPÊ e Terra Viva
Sistemas agroflorestais
em assentamentos de
reforma agrária
Cooperação Financeira: República Federal da Alemanha - KfW, União Européia - CEC, Rain Forest Trust
Fund - RFT, Fundo Francês para o Meio Ambiente Mundial - FFEM
Cooperação Técnica: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, Projeto BRA/93/
044 - Projetos Demonstrativos - PDA
Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Apresentação
É com grande satisfação que apresentamos o segundo núme-
ro da Série Experiências PDA, “Sistemas Agroflorestais em Assentamen-
tos de Reforma Agrária”, que retrata experiências de proteção e recuperação ambiental
em diferentes regiões de domínio da Mata Atlântica: a primeira no Pontal do Paranapa-
nema, no Estado de São Paulo, e a segunda no Sul do Estado da Bahia.
As experiências são coordenadas, respectivamente, pelo Instituto de Pesquisas Eco-
lógicas – IPÊ, e pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul da
Bahia – Terra Viva, e contam com uma intensa participação dos agricultores familiares e
assentados e suas entidades associativas e representativas.
A divulgação destas duas experiências tem por objetivo tornar acessível, para um
público mais amplo, um pouco da história da implementação dos dois projetos e os
resultados alcançados, bem como fornecer subsídios para o debate a respeito das possi-
bilidades e condições para a implantação de assentamentos de reforma agrária na Mata
Atlântica.
Os textos foram elaborados pelos protagonistas das experiências. Com isto, preten-
demos garantir aqui a reprodução de uma das principais características do PDA, que é
dar voz e autoria aos atores que efetivamente construíram o sucesso que o Subprograma
desenvolveu ao longo destes anos.
Ricardo Verdum
Antropólogo, assessor do PDA/PPG7
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Sumário
IPÊ
Módulos agroflorestais na conservação de fragmentos florestais
da Mata Atlântica....................................................................... 7
Terra Viva
Meio ambiente e reforma agrária na Costa do Descobrimento 35
Introdução ....................................................................................................... 36
Contexto socioambiental ................................................................................. 38
Estratégias e metodologias ............................................................................... 46
Implantação dos sistemas agroflorestais ........................................................... 50
Resultados principais ....................................................................................... 52
Parcerias e redes .............................................................................................. 58
Desafios presentes ........................................................................................... 59
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
IPÊ
Módulos agroflorestais na
conservação de fragmentos da
Mata Atlântica
Laury Cullen Jr.
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Econegociação: parcerias
em defesa dos bens naturais
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Introdução
legislação apropriada e fiscalização efe- ainda resta está no Parque Estadual Mor-
tiva. Buscamos, assim, uma harmonia ro do Diabo 37 mil hectares e em al-
agroecológica na interface entre assen- guns fragmentos em propriedades priva-
tamentos rurais e remanescentes de Mata das. Ainda como conseqüência do modo
Atlântica e, portanto, o desenvolvimen- de ocupação da Reserva do Pontal, hou-
to de uma reforma agrária ambiental e ve grande concentração de terras
economicamente mais sustentável para devolutas em poder de poucos fazendei-
a região do Pontal. ros.
Atualmente, ocorre um segundo
processo de ocupação territorial movi-
Contexto social, luta pela terra
do por grupos de agricultores sem terra,
e destino dos fragmentos organizados em torno do MST. Os nú-
florestais meros atuais mostram a existência de
O Pontal do Paranapanema é uma aproximadamente 4.500 famílias assen-
das regiões mais pobres do Estado de São tadas em glebas no Pontal, ocupando um
Paulo. Localizado na confluência entre total de 38 mil hectares. Cada lote das
os rios Paraná e Paranapanema, o Pontal respectivas glebas tem em média 15 hec-
está incluído dentro dos limites do de- tares. As projeções futuras para a região
creto 750, que define legalmente os do- são de assentar 50 mil famílias em um
mínios da Mata Atlântica e regulamenta total de um milhão de hectares de terras
a sua utilização. A cobertura vegetal ori- devolutas na região.
ginal dessa região é classificada como
Toda essa ocupação, se não for fei-
Mata Atlântica do interior ou do planal-
ta com preocupações ambientais, pode
to (Floresta Estacional Semidecidual).
colocar em risco o que resta das flores-
Em 1941 e 1942, Fernando Costa, tas do Pontal. A dinâmica de ocupação
o então governador de São Paulo, de- atualmente em prática tem levado a uma
cretou toda a área oeste do Pontal como paisagem regional na qual vários frag-
Reserva de Fauna e Flora. Nos anos mentos florestais são circundados e pres-
1950, todavia, o governador Ademar de sionados por assentamentos rurais. Este
Barros distribuiu as terras da Reserva a cenário, comum na paisagem do Pontal,
seus amigos e correligionários, que ini- com assentamentos rurais “abraçando”
ciaram um processo voraz de ocupação as últimas ilhas de biodiversidade da
do solo. Devido a essa ocupação sem Mata Atlântica, desafia-nos na arte
critérios, o Pontal do Paranapanema so- emergencial de desenhar e adaptar no-
freu drástica redução em sua cobertura vos modelos de conservação capazes de
florestal, restando hoje apenas 1,85% da trazer um mínimo de sustentabilidade ao
cobertura original. A maior parte do que avanço da reforma agrária na região.
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Gleba Tucano, com seus quase dois mil um projeto modelo de econegociação
hectares, ainda abrigam muitas espéci- com a comunidade e incorporando flo-
es endêmicas e ameaçadas, como por restas sociais nesses assentamentos.
exemplo, uma das últimas populações
remanescentes do mico-leão-preto
(Leontopithecus chrysopygus), um dos Ações envolvem diferentes
primatas mais ameaçados de extinção do atores
mundo. Cada família de assentado rural O projeto acima citado resulta de
possui um lote de 15 hectares em mé- uma parceria com grupos de assentados
dia. Metade do lote é normalmente usa- e lideranças do MST, por meio da Coo-
da para uma agricultura de subsistência perativa de Comercialização e Prestação
(milho, algodão, mandioca, arroz, feijão, de Serviços dos Assentados de Reforma
amendoim) e a outra metade destina-se Agrária do Pontal – Cocamp, com o Es-
a uma pecuária leiteira de pequena pro- tado (Instituto Florestal – IF/SMA, Uni-
dução. versidade de São Paulo – ESALQ/USP, e
Instituto de Terras do Estado de São Pau-
Devido à má conservação do solo,
lo – ITESP), além das ONG’s Associação
à falta de um extensionismo adequado
de Recuperação Florestal do Pontal do
e à carência de um modelo de desen-
Paranapanema – Pontal-Flora, e Associ-
volvimento apropriado, a agricultura e
ação em Defesa do Rio Paraná, Afluen-
pecuária são pouco produtivas nessas
tes e Mata Ciliar – Apoena.
glebas. Por isso, a maioria das famílias
permanece em constante luta por suas
necessidades básicas de subsistência. Reestruturação e ampliação do
Por outro lado, importantes frag- viveiro do Parque Estadual
mentos de mata vizinha são altamente Através de um trabalho conjunto
vulneráveis às constantes incursões de entre o IPÊ e o Parque Estadual Morro
gado, plantas invasoras, cipós, fogo, que- do Diabo, este viveiro foi implantado em
da de árvores e dissecações provocadas junho de 1998. Está localizado na sede
pelo vento, tudo isso como conseqüên- do Parque, no município de Teodoro
cia de bordas expostas e desprotegidas. Sampaio. Até o início das atividades do
Aos poucos, essas erosões antrópicas projeto, a sua capacidade média era de
estão consumindo os fragmentos e afe- três mil mudas/ano. Com o financiamen-
tando sua integridade ecológica. Para to do PDA, toda a estrutura de produção
amenizar a degradação ambiental e a de mudas do viveiro passou para o siste-
pobreza rural que caracterizam alguns ma de tubetes, aumentando sua capaci-
pontos da região, estamos implantando dade para 150 mil mudas/ano.
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Jefferson F. Lima Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Atividades e resultados
Tabela 01. Características das principais espécies produzidas pelo viveiro agroflorestal do Par-
que Estadual Morro do Diabo.
Não-frutíferas
PRINCIPAL FUNÇÃO
ESPÉCIES PERMANENTES COLETA DE SEMENTES
AGROFLORESTAL
Acácia (Acacia mangium) LE, PO, QV, CS, TO Novembro-Dezembro
Albizia (Albizia lebeck) LE, OR, A, AP, AV, CS, FA, FS Outubro-Fevereiro
Alecrim (Holocalyx balansae)* MD, FA, OR Dezembro-Fevereiro
Angico-branco (Anadenanthera
MD, CS, LE, TO, FS, ME Julho-Agosto
colubrina)*
Angico-do-cerrado (A. macrocarpa)* MD, CS, LE, TO, FS, ME Agosto-Setembro
Cabreúva (Myroxylun peruiferum) * MD Outubro-Novembro
Café-de-bugre (Cordia ecalyculata) * MD, OR, AS, FS, FA Janeiro-Março
Canafístula (Cassia ferruginea) * A, MD, LE, QV, CS, AV, OR, ME Abril-Maio
Cedro (Cedrella fissilis) * MD, AP, LE Junho-Agosto
Coração-de-negro (Poecilanthe
MD, OR Abril-Maio
parviflora)*
Eucalipto (Eucalyptus spp) LE, MD, ME, PO, QV, AS, TO, FA Junho-Dezembro
Farinha-seca (Albizia hasslerii) * LE, AS, A, AV, MD, OR Setembro-Outubro
Gliricídia (Gliricídia sepium) A, AP, MD, LE, AV, CP, CS, AS, CV Junho-Setembro (Estacas)
Guapuruvu (Schizolobium parahyba) OR, FA, AP Abril-Junho
Gurucaira (Peltophorum dubium)* MD, AS, OR, FA Abril-Maio
Ipê-amarelo (Tabebuia chrysotricha) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro
Ipê-amarelo (Tabebuia ochracea ) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro
Ipê-roxo (Tabebuia heptaphylla) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro
Ipê-tabaco (Zeyheria tuberculosa) * MD, OR Julho-Setembro
Jacarandá-mimoso (J. cuspidifolia)* OR, FA, MD Agosto-Setembro
Louro-pardo (Cordia trichotoma)* MD, OR, AS, FS Julho-Setembro
Óleo-de-copaíba (Copaifera
ME, OR Agosto-Setembro
langsdorffii)*
Pau-marfim (Balfourodendron Agosto-Setembro
MD, LE, OR
riedelianum)*
Pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha) * MD, LE, ME, AP Setembro-Outubro
Paineira (Chorisia speciosa) * OR, FA, FI Agosto-Setembro
Pau-de-tucano (Vochysia tucanorum)* OR, FA, MD Janeiro-Março
s
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Futíferas
* Presentes na flora do Parque Estadual Morro do Diabo e outras florestas da região do Pontal
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
• Setor de sementes
Este setor é responsável
pelo armazenamento, bene-
ficiamento e envio de se-
mentes e frutos para o Insti-
tuto Florestal de São Paulo e
assentamentos vizinhos.
Nele são ministradas aulas
práticas sobre a implantação
e condução de viveiros agro-
florestais comunitários. Du-
rante as aulas práticas, os as-
sentados recebem treina-
mento em escolha do terre-
no; visão geral do viveiro;
uso de ferramentas, recipien-
tes, mistura da terra, semen-
tes, matéria orgânica, quebra
da dormência; formação de
sementeira; replantio; forma-
ção das mudas; abertura de
covas; espaçamentos; poda
de limpeza e raleio.
• Produção de mudas
Jefferson F. Lima
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
ESPÉCIE QUANTIDADE
Acácia (Acacia mangium) 11.000
Acerola (Malpiguia glabra) 196
Alecrim (Holocalyx balansae) 216
Angico-preto (Anadenanthera falcata) 864
Angico-vermelho (Parapiptadenia rigida) 216
Bacupari (Rhedia sp) 224
Café-de-bugre (Cordia ecalyculata) 390
Carambola (Averrhoa carambola) 600
Cedro (Cedrella fissilis) 800
Copaíba (Copaifera langsdorffii) 216
Eucalipto (Eucalyptus camaldulensis) 13.500
Eucalipto (Eucalyptus citriodora) 2.600
Eucalipto (Eucalyptus urograndis) 6.300
Farinha-seca (Albizia hasslerii) 162
Goiaba (Psidium sp) 150
Goivira (Patagonula americana) 756
Grumixama (Eugenia brasiliensis) 288 19
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Jefferson F. Lima
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Jefferson F. Lima
Para o movimento social, as ativi- condições, vai aos poucos sendo deixa-
dades ambientais promovem ganhos em da de lado. Em um dos seminários de
qualidade de vida, que é, em última ins- troca de experiência, os assentados fo-
tância, o seu objetivo principal. Ou seja, ram capazes de elencar seis maneiras de
tiram os agricultores sem terra da exclu- controlar formigas sem o uso de inseti-
são, inserindo-os em um ambiente ca- cidas.
paz de lhes garantir melhores condições Outra conclusão a que se chega é
de vida. Como muitas atividades são re- que, se num primeiro momento foi ne-
alizadas de forma coletiva, o movimen- cessário o estímulo de um agente exter-
to social vislumbra nestas uma aprendi- no ao assentamento para iniciar a dis-
zagem para a ação cooperativa que pode cussão sobre a questão ambiental, aos
ser utilizada em outras ações, não só eco- poucos os assentados vão ganhando
nômicas, mas também políticas. maior autonomia neste terreno. Uma vez
A experimentação de técnicas me- que o seu conhecimento é valorizado,
nos impactantes do ponto de vista am- eles sentem-se encorajados a disseminar
biental, abre caminho para a experimen- para outros assentamentos as idéias de
tação de outras técnicas, como a produ- conservação, por meio de visitas de ou-
ção orgânica de alimentos ou o contro- tros grupos às áreas já implantadas. Con-
le biológico de invasoras e pragas da la- forme sintetizado por Beduschi (2001),
voura. Gradualmente percebe-se que a essa emancipação pode ser a garantia
crença segundo a qual só se consegue de sustentabilidade do processo que está
produzir com a utilização dos recursos em curso, e deve ser cada vez mais esti-
da moderna indústria química e mecâ- mulada pelos pesquisadores e técnicos
nica, geralmente inacessíveis às suas das organizações envolvidas.
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Jefferson F. Lima
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Bibliografia recomendada
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Terra Viva:
Meio ambiente e
reforma agrária na
Costa do Descobrimento
Acervo Terra Viva
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Introdução
que não geram renda satisfatória para as ceiros ao longo do projeto, a participa-
famílias. Os remanescentes florestais, ção do PDA foi decisiva para orientar a
ainda que protegidos por lei, são pro- construção da matriz de planejamento
gressivamente ocupados e incorporados das ações executadas pelo Terra Viva.
aos sistemas produtivos. Com este artigo, pretendemos so-
O uso do fogo também é prática cializar os aspectos relevantes da exe-
usual, especialmente na pecuária e nas cução de projetos envolvendo a geração
monoculturas. Este procedimento é o de novos conhecimentos e o desenvol-
principal gerador de “queimadas aciden- vimento de processos de mudança nos
tais” que destróem importantes áreas sistemas de produção da agricultura fa-
protegidas, com perdas irreparáveis para miliar no extremo sul da Bahia. Nosso
a biodiversidade. Os sistemas agroeco- desejo é demonstrar a relevância desta
lógicos, ao contrário, mantêm os recur- abordagem para a consecução dos ob-
sos dos agroecossistemas e prescindem jetivos do PDA de “conservar a biodi-
do uso do fogo. Se adotados em larga versidade, reduzir as emissões de carbo-
escala, reduzem enormemente a pres- no e promover maior conhecimento de
são sobre os remanescentes florestais. atividades sustentáveis nas florestas tro-
picais”.
Na primeira parte apresentamos o
Trajetória do projeto
contexto socioambiental da região-foco
As ações do Terra Viva na região
de nosso trabalho, a planície litorânea
foram iniciadas em 1992 com a missão
do extremo sul da Bahia, no núcleo da
de contribuir com o fortalecimento da
Costa do Descobrimento. A seguir, des-
agricultura familiar por meio do desen-
crevemos os elementos estratégicos e
volvimento de sistemas agroecológicos
metodológicos desenvolvidos, assim
de produção e de preservação ambien-
como os principais resultados alcança-
tal. O exercício do fazer concreto junto
dos em nosso projeto, executado com
com agricultores e agricultoras permitiu
agricultores e agricultoras do assenta-
acumular conhecimentos e lições estra-
mento Riacho das Ostras, no município
tégicas, num processo construído conti-
do Prado, vizinho ao Parque Nacional
nuamente, que incluiu também erros e
do Descobrimento. Na terceira parte
insucessos.
apresentamos alguns temas centrais na
Em 1996, tivemos aprovado um consecução de nossos objetivos e sobre
projeto no PDA/PPG7, denominado Sis- os quais acreditamos possam assentar os
temas Sustentáveis de Produção Agríco- principais desafios para a construção de
la e de Preservação Ambiental em Áreas um modelo de desenvolvimento regio-
de Reforma Agrária. Embora tenhamos nal sustentável.
contado com apoio de importantes par-
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Contexto socioambiental
A Costa do Descobrimento pos-
sui singularidades decorrentes
dos processos históricos. A região foi
cana-de-açúcar. Isto fez com que os
ecossistemas locais se mantivessem em
elevado grau de preservação durante o
ocupada desde períodos imemoriais por período colonial.
ancestrais dos grupos indígenas tupi prai- Durante o Império, a ocupação
eiros e tapuias. Estes, com suas com vá- ocorreu lentamente em poucas vilas do
rias etnias (botocudo, pataxó e maxacali) litoral. A interiorização deu-se às mar-
já viviam nesse local quando chegaram gens dos principais rios com uma agri-
os portugueses. cultura familiar envolvendo diferentes
Com a chegada dos colonizadores povos indígenas, negros fugitivos da es-
ocorre a extração do pau-brasil, inician- cravidão, negros libertos e brancos po-
do o primeiro ciclo de exploração pre- bres. Essas características mantiveram a
datória da região. O insucesso da ocu- região à margem dos grandes ciclos da
pação no período posterior é atribuído economia nacional e permitiram a ma-
a uma associação de entraves para a im- nutenção de um enorme remanescente
plantação dos engenhos e fazendas de florestal até meados do século XX.
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Acervo Terra Viva
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dundaram em atitudes concretas para finida até o momento. Mais tensa está a
defender os remanescentes da Mata relação com os fazendeiros, alguns dos
Atlântica do sul da Bahia. quais se utilizam de violência para coi-
A região ganhou status de Patrimô- bir a ação indígena.
nio Mundial e prioridade para uma ação A ocupação da terra torna a região
integrada de políticas públicas, com ên- um grande palco de conflitos entre os
fase na preservação do meio ambiente. atores sociais: sem-terra versus latifun-
Foi realizado um plano de ação coorde- diários, índios versus fazendeiros, Iba-
nado pelo Ministério do Meio Ambiente ma versus índios, índios versus sem-ter-
- MMA, dos quais algumas foram ou es- ra. A conformação definitiva da posse da
tão sendo viabilizadas, embora não no terra atualmente depende em grande
ritmo e com os recursos necessários. parte da demarcação e reacomodação
Existem grandes demandas de apoio ao dos pataxó, situação que pode se pro-
desenvolvimento sustentável e à preser- longar ainda por muitos anos.
vação nos assentamentos de reforma As áreas estratégicas mínimas pos-
agrária e nas aldeias pataxó, além de síveis para conservação estão definidas.
estruturação e gestão dos parques naci- Foram criados dois parques nacionais
onais e da implantação da Reserva nos dois últimos grandes remanescentes
Extrativista Marinha do Corumbau. Há de Mata Atlântica ainda não protegidos.
ainda grande necessidade de se desen- A área do Parque Nacional do Monte
volver programas de educação Pascoal deverá ser preservada indepen-
ambiental para todos os atores sociais dentemente da definição deste litígio.
que interagem na região. Estas áreas formam uma espécie de mo-
saico, alternando-se principalmente com
os assentamentos e as aldeias dos muni-
Indígenas no centro do cenário
cípios do Prado e Porto Seguro. Os mo-
A questão indígena ocupa hoje o
radores do entorno são atores decisivos
centro do cenário no núcleo da área. Os
no que ocorre de destruição ou preser-
pataxó demonstram uma enorme capa-
vação ambiental.
cidade de resistência étnica e cultural e
vivem um processo de reagregação e A maior ameaça aos grandes rema-
crescimento populacional. Nos últimos nescentes e a áreas menores de matas
anos ocorreram algumas “retomadas” de secundárias dispersas na paisagem é o
território indígena, eventos que marca- uso do fogo, prática comum a muitos
ram especialmente as proximidades dos sistemas de produção e que acelera a
quinhentos anos de Brasil. Em agosto de degradação dos agroecossistemas.
1999 ocorreu a retomada do Monte
Pascoal, situação que permanece inde-
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Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
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Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
cia de controle social e de fisca- Este projeto teve como objetivo es-
lização. Essa prática continua tratégico implantar uma experiência-pi-
sendo o maior risco para a ma- loto em um assentamento que servisse
nutenção dos principais rema- como referência de desenvolvimento
nescentes de Mata Atlântica que local para as demais áreas de reforma
estão nas proximidades de assen- agrária, com uma matriz agroecológica
tamentos; e de sustentabilidade ambiental.
• aumento gradual das áreas de- As ações executadas em parceria
gradadas pela agricultura em com a associação local do assentamen-
função do tempo de ocupação. to Riacho das Ostras desencadearam
Durante a pesquisa e em nossos novos processos de geração de conhe-
acompanhamentos posteriores cimentos. Houve profundas mudanças
tornou-se evidente o ciclo de de- nos sistemas produtivos para cerca de 50
gradação dos lotes individuais. famílias de assentados, o que acarretou
Áreas degradadas pela agricultu- a implantação em larga escala de siste-
ra, segundo os indicadores dos mas agroflorestais e também a demar-
agricultores, são aquelas em que cação e o início de recuperação de mui-
o sapé (Imperata brasiliensis) nas- tas áreas de preservação permanente.
ce muito forte e vence a enxada, O projeto articulou múltiplas ações
e a formiga (Atta e Acromirmex) educativas, metodologias participativas,
não deixa a mandioca em paz. acompanhamento técnico, apoio mate-
Desde 1996, o Terra Viva executa o rial e logístico. Proporcionou também
projeto Desenvolvimento de Sistemas uma forte apropriação social de uma
Sustentáveis de Produção Agrícola e Pre- nova matriz de desenvolvimento local.
servação Ambiental em Áreas de Refor- A perspectiva de sustentabilidade eco-
ma Agrária, com apoio do PDA/PPG7. nômica é assentada em estratégias de va-
No último triênio, o projeto concentrou lorização da produção diversificada dos
suas ações no assentamento Riacho das sistemas agroflorestais. No próximo ano,
Ostras, no município de Prado, vizinho a produção deverá atingir uma escala
ao Parque Nacional do Descobrimento. que demandará um empreendimento co-
No assentamento, criado em 1986, vi- munitário que viabilize a comercializa-
vem 87 famílias em lotes individuais que ção de produtos agroecológicos. A ela-
têm, em média, 23 hectares. A área total boração de um plano de negócios e o
do assentamento é de 2 mil hectares e início de implantação do empreendi-
os assentados provêm da periferia das mento foram prioridades para a conti-
cidades que se situam à beira da rodo- nuidade do projeto de desenvolvimento
via BR-101. local em 2001.
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Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Estratégias e metodologias
N osso trabalho partiu da pre-
missa de que as mudanças no
modo de ocupação da paisagem, no de-
Essas mudanças, como as percebe-
mos, acarretam re-elaborações no co-
nhecimento, no modo de pensar, no sis-
senvolvimento de sistemas agroecológi- tema de crenças e valores dos agriculto-
cos e agroflorestais deveriam ser decidi- res e agricultoras. São mudanças que
das pelos agricultores e agricultoras, ou operam no nível dos indivíduos e das
seja, pelas próprias pessoas que gover- relações humanas e das relações entre
nam e executam essas mudanças em sua os seres humanos e o meio ambiente.
área de domínio, o lote. Demandam, portanto, tempo de acumu-
A questão fundamental de nossa lação para desencadear mudanças tan-
estratégia é como operar essas mudan- gíveis no ecossistema local.
ças no nível familiar, convergindo cole- Uma condição essencial para que
tivamente para um plano de desenvolvi- este processo se inicie é o desejo de
mento local que seja sustentável tanto mudança. As pessoas têm de querer
do ponto de vista ambiental, quanto so- mudar; é necessário criar um estado de
cial e econômico. mobilização social e de participação efe-
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Resultados principais
Monitoramento e avaliação No último monitoramento foram
A ênfase do monitoramento e da
avaliação realizada nos siste-
mas agroflorestais recaiu sobre o desen-
contabilizadas 58.601 árvores frutíferas
de 41 espécies, em cerca de 140 hecta-
res de sistemas agroflorestais. Ocorreram
volvimento daquelas espécies frutíferas avaliações fitotécnicas e uma descrição
com produção voltada para o mercado. do manejo realizado pelas famílias.
Enfatizou-se também a evolução geral Quanto ao desenvolvimento, 54% dos
do sistema, tendo como parâmetros a di- sistemas foram avaliados como satisfa-
versidade e a fitossanidade. tórios, 36% como regulares e 9% como
não satisfatórios. Duas espécies de frutí-
Este trabalho foi realizado de for-
feras apresentaram problemas fitossani-
ma participativa. Um grupo de técnicos
tários.
e agricultores realizou a coleta de da-
dos em todas as unidades familiares. A
equipe técnica organizou as informações Experimentação participativa
e coordenou as reuniões de avaliação Os resultados do monitoramento
participativa. apontam problemas que mobilizaram o
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ESPÉCIE QUANTIDADE
Canela 42
Poncã 133
Pupunha 152
Rambutão 1
Tamarindo 4
Cacau 81
Fruta-do-conde 32
Jaboticaba 48
Pimenta-do-reino 69
Pinha 95
Ingá 288
Cainito 2
Cravo 7
Jambo 5
Abricó 4
Umbu 17 57
Cajá 59
Siriguela 45
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Parcerias e redes
O s parceiros privilegiados do
Terra Viva são as entidades re-
presentativas dos agricultores e agricul-
As redes de entidades são consti-
tuições estratégicas e fundamentais no
processo de geração e acumulação de
toras. Em diferentes instâncias de gestão novos conhecimentos. No nosso caso, a
as ações articulam-se com os sindicatos participação na Rede PTA propiciou o
e associações locais. No caso do assen- acúmulo de experiências e o grau de su-
tamento Riacho das Ostras, esta parce- cesso que atingimos. A aprendizagem
ria se constituiu com a associação local, possibilitada pelo intercâmbio perma-
mantendo nossos princípios de autono- nente entre técnicos e agricultores, em
mia e participação. especial do GT em Agroflorestação, am-
Outros parceiros importantes na pliou nosso grau de acerto nas ações e
execução do projeto foram a UNEB, a nos permitiu a construção de proposi-
EBDA (na execução dos projetos de cré- ções viáveis e coerentes para políticas
dito) e a Embrapa - Centro de Mandioca públicas que fortaleçam a agricultura fa-
e Fruticultura, pelo apoio técnico e for- miliar e a agroecologia, como referên-
necimento de material genético. cia para um desenvolvimento nacional
sustentável.
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Acervo Terra Viva
Desafios presentes
Relativos à educação dadania, o direito de estudar e de maior
agroecológica qualificação para o trabalho e contribuir
de maneira organizada para a constru-
A experiência de execução do
Projeto vem contribuindo vi-
sivelmente para mudanças na relação
ção de “alternativas possíveis”. Isto sig-
nifica combinar trabalho, renda, segu-
homem-mulher e natureza. Novos de- rança alimentar, equilíbrio ecológico
safios e demandas emergem à medida num conjunto articulado de ações dire-
que a comunidade se conscientiza da tas e conseqüentes.
complexidade de seu atendimento e das Ao conjunto de velhas demandas
alternativas possíveis. Novas demandas de ações já realizadas somam-se novas
somam-se às antigas, cujas alternativas demandas produtivas, econômicas, de
não foram concluídas e/ou gestadas, formação, de informação, de conheci-
viabilizadas ou formuladas. mento, de habilidades, de capacidade
Acreditamos na necessidade de organizativa e de domínio de tecnologi-
uma intervenção negociada, visando so- as compatíveis com a natureza da agri-
cializar o conhecimento, resgatar a ci- cultura familiar, tais como:
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Lista de siglas
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PDA
SUBPROGRAMA PROJETOS DEMONSTRATIVOS
Setor Comercial Sul
Quadra 6 - Bloco A - Ed. Sofia
2º Andar
Cep 70.300-500
Brasília - DF
Fone: 61.325-5224
Fax: 61.223-0763
E-mail: pda@rudah.com.br
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wirtschaftliche Zusammenarbeit
und Entwicklung Banco
Mundial
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Fundo Francês para o Meio Ambiente