Vous êtes sur la page 1sur 16

GT 06 – Estado, sociedade, políticas públicas e instituições

políticas

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OSS) NA EDUCAÇÃO: TÁTICAS DE


AVANÇO DA ONDA NEOLIBERAL NO GOVERNO DO ESTADO DE
GOIÁS?

Rodrigo De Melo Machado1

Resumo

Esta pesquisa se insere no campo das pesquisas em Ciências Sociais e da Sociologia da


Educação e teve como objetivo principal, realizar uma análise acerca do processo de
implantação e implementação de Organizações Sociais (OSs) na administração das escolas da
rede pública de ensino do Estado de Goiás, sob o regime de Contratos de Gestão, na tentativa
de compreender se esta seria um indicador para um processo de privatização e terceirização
do sistema público de educação, cumprindo assim, a agenda de expansão do projeto neoliberal
de sociedade, que vigora no Brasil desde os Anos 90. O neoliberalismo é uma corrente teórica
e ideológica que tem como objetivo principal, a reestruturação produtiva do capital. Para isto
efetiva diversas privatizações e fomenta políticas de desmanche do setor produtivo estatal.
Buscou-se com a pesquisa, compreender a relação neoliberalismo-educação, e os impactos da
tentativa de implantação das OSs à educação do Estado de Goiás. O projeto do governo
Marconi (PSDB) tem sido gerador de polêmicas, resultando ampla movimentação por parte
de estudantes e docentes da educação estadual, bem como diversas instituições públicas,
movimentos sociais e internautas, que se manifestam contra a política defendida pelos
gestores, defensores das políticas neoliberais. Tratando-se de um tema contemporâneo, no
contexto do Estado de Goiás, consideramos relevante uma pesquisa que pudesse traçar um
panorama da relação neoliberalismo-educação. A pesquisa demonstrou que as mudanças na
legislação, vieram para subsidiar, do ponto de vista jurídico, um processo de ampliação das
reformas neoliberais feitas no Estado de Goiás, sobretudo nos governos Marconi, que têm
como um de seus objetivos centrais, a terceirização e privatização dos serviços administrados
pelo estado. Tendo em vista que as leis que regulamentam e permitem que uma atividade seja
ou não exercita pelo estado e pela sociedade civil, mudanças na lei foram efetivadas, com o
objetivo de ampliar as possibilidades de atuação das OSs para todos os setores que o estado
administra. As OSs já atuavam na saúde, existem editais de chamamento para atuação de OSs
1
Licenciando em Ciências Sociais; IFG/ Campus Formosa; Bolsista de Iniciação Científica do CNPq;
rohh.mello0806@gmail.com.
na cultura e há, também, grandes avanços do governo na proposta de implementação das OSs
na administração das escolas técnicas da rede pública estadual. Apesar das mobilizações
populares, que foram bastante representativas, não houve o total impedimento da
implementação destas políticas, compreendidas como danosas à educação.

Palavras-chave: Neoliberalismo; Educação pública; privatização e terceirização.

1. Introdução

Esta pesquisa buscou compreender o processo de implantação e implementação de


Organizações Sociais (OSs) na administração das escolas da rede pública de ensino do Estado
de Goiás, sob o regime de Contratos de Gestão. Buscamos compreender os impactos da
implantação de tal medida, no contexto da educação goiana, a fim de investigar se estas
seriam, ou não indicadores da expansão do projeto neoliberal de sociedade.

Num primeiro momento, no intuito de nos aproximarmos do objeto da pesquisa,


buscamos fazer um balanço da bibliografia anteriormente desenvolvida a respeito do tema,
no intuito de compreender o surgimento das Organizações Sociais (OSs) durante a década de
1990, e sua ligação com o ideário do neoliberalismo, bem como buscamos compreender o
papel do Estado na sociedade capitalista.

Posteriormente, buscamos analisar os editais de chamamento publicados pela


SEDUCE-GO, documentos publicados pelo Governador e pelo Estado de Goiás, a proposta
que o projeto de implantação e implementação da política apresenta, bem como o discurso da
gestão – que defende com veemência a execução da política – no intuito de compreender
melhor como se estrutura a proposta de gestão por Organizações Sociais e o seu impacto na
educação.

2. Neoliberalismo, Reestruturação produtiva e Educação

O Neoliberalismo pode ser compreendido, segundo Almeida (2009), como uma


corrente teórica e ideológica surgida na Europa e América do Norte após a segunda guerra
mundial, como “uma reação teórica contra o Estado intervencionista e de bem-estar” (p. 37),
que reelabora o chamado Liberalismo clássico (formulado à partir do século XVII), tendo
ganhado força, a partir da década de 1970, com “a crise do petróleo, que gerou baixas taxas
de crescimento e altas taxas de inflação” (p. 37). A autora afirma que a “base do projeto
político e ideológico neoliberal é o processo de reestruturação produtiva do capital. ” (p. 37).
Antunes (2009), compreende a reestruturação produtiva como o processo no qual o
capitalismo busca dar uma resposta às suas crises estruturais. Segundo o autor, busca-se
recuperar o ciclo reprodutivo do capital, reestruturando a economia sem transformar os pilares
essenciais do modo de produção. Trata-se de reestruturar o padrão produtivo, com o objetivo
de repor os patamares de acumulação existentes no período anterior de crescimento
econômico. Para o alcance desse objetivo, seguindo as ideias de Almeida, os neoliberais
adotam uma série de políticas, como a descentralização do Estado, efetiva privatizações das
empresas estatais, desregulamentações os direitos dos trabalhadores, bem como o desmanche
do setor produtivo estatal.

Conforme sugere Bobbio (1986) o “(neo)liberalismo é, como teoria econômica,


favorável à economia de mercado e como teoria política, é promotor do “estado que governe
o menos possível ou, como se diz hoje, do estado mínimo (isto é, reduzido ao mínimo
necessário)” (p. 114). Nesse sentido, as políticas empregadas nesse tipo de governo, se
direcionam para o que Almeida chama atenção, a “reestruturação produtiva do capital” (p.
37). Uma concepção mercadológica da sociedade, calcada nos princípios de produção e lucro,
ou seja, a concepção da sociedade como um dinâmico ambiente de negócios, onde o Estado
tem como papel principal “evitar que as pessoas empreendam ações lesivas à preservação e
ao funcionamento regular da economia de mercado” (MISES, 1990, apud ALMEIDA, 2009,
p. 38).

Almeida sugere que no Brasil, desde a década de 1990, com o governo Collor,
podemos observar indícios da implementação do “projeto neoliberal” (p. 43). Segundo ela,
durante o governo de Fernando Collor, com a gradativa redução do tamanho do Estado, e
consequente privatização de diversas empresas estatais, entre outras políticas adotadas
durante seu mandato, preparou-se o terreno para a emergência acentuada do neoliberalismo
no Brasil, que ocorreria a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), onde
vários instrumentos legais foram criados para “beneficiar credores no Estado brasileiro, como
a isenção fiscal para instalação de grandes indústrias” (p. 43). Desde então, gradativamente,
políticas desse cunho vem sendo empregadas e o ideário político-econômico do
neoliberalismo emerge, de forma cada vez mais acentuada gerando graves consequências para
a sociedade civil brasileira.

Nesse contexto, dentre os vários setores da sociedade influenciados pelas mudanças


estruturais, advindas do modo de governar do neoliberalismo, conforme sugere Gentili (2001)
em sua análise sobre o Consenso de Washington, documento elaborado no final da década de
1980 nos Estados Unidos (BATISTA, 1995), um dos campos afetados pelo impacto dessas
políticas, é o campo da educação, que segundo Gentili, vivencia diversas mudanças, não
somente estruturais.

As políticas de reestruturação neoliberais, com o advento da globalização, provocam


também, uma série de mudanças ideológicas, modificando-se assim, não somente o
funcionamento dos sistemas educacionais, mas operando também, nas nossas subjetividades,
“nos sentidos construídos e atribuídos à educação como prática política” (GENTILI, 2001, p.
9). Como diriam Marx e Engels (1996), a forma como a sociedade se organiza, produz, a
forma de organização ideológica das pessoas que compõem a sociedade.

Ainda que tenha sido usado quase que exclusivamente para fazer referência geral às
políticas de ajuste econômico, segundo Gentili (2001), é possível defender a tese de que existe
um Consenso de Washington no campo das políticas educacionais que tratariam de “transferir
a educação da esfera política para esfera do mercado negando sua condição de direito social
e transformando-a em uma possibilidade de consumo individual, variável segundo o mérito e
a capacidade dos consumidores.

A educação deve ser pensada como um bem submetido às regras diferenciais da


competição. Longe de ser um direito do qual gozavam os indivíduos, dada sua condição de
cidadãos” (Ibidem, 2001, p. 19).

Em seus estudos sobre a relação neoliberalismo-educação, o autor se propõe a pensar


o impacto da onda neoliberal no campo da educação da América-latina e em especial, a
educação brasileira, desenvolvendo análises acerca das diversas formas de privatização da
educação.

Entre as modalidades de privatização elencadas pelo autor, cabe ressaltar uma que
segundo ele, podemos destacar como uma das mais originais tentativas de privatização do
ensino público: “a delegação de determinadas funções educacionais para o setor privado com
a manutenção do financiamento público” (Ibidem, 2001, p. 86).
Segundo o autor, a problemática dessa modalidade de privatização vai além da pouca
interferência do Estado nas políticas públicas. Esse tipo de privatização elucida “uma dimensão
peculiar e pouco estudada da reforma escolar em curso” (Ibidem, 2001, p. 86).

E é justamente esse tipo de política, quem vem chamado a atenção, no Estado de Goiás,
onde se encontra em curso processos de reformas na educação que visam transferir a
responsabilidade do Estado para Organizações Sociais no que tange à gestão escolar.

3. Organizações Sociais: entendendo o contexto, compreendendo o projeto

Antes de entrarmos na discussão do processo de implementação das OSs e o desfecho


dos editais propostos pela SEDUCE (Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte),
gostaríamos inicialmente de compreender o que são as OSs, como surgem e em que contexto
político, econômico e social elas se inserem no Brasil.

Criada no contexto da reforma administrativa e da reforma do estado da década de


1990, a OS é para os seus idealizadores, a possibilidade de saída de uma dita “crise do Estado”
(BRASIL, 1997), a qual, segundo estes, o Brasil já enfrentava desde a redemocratização pós-
regime militar. Segundo os Cadernos MARE (1997), devido ao modelo de desenvolvimento
adotado no Brasil, com grande, intervenção em diversos setores da economia, como energia,
telecomunicações, saneamento, setor bancário, petroquímicas, petróleo e gás etc. (ALMEIDA,
2010), o Estado havia perdido suas funções primordiais.

Necessitava-se então, reestruturar o Estado e colocá-lo no âmbito que representava sua


função primordial. Conforme o Programa Nacional de Desestatização, era preciso “reordenar a
posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades
indevidamente exploradas pelo setor público” (BRASIL, 1990). A partir de então, durante toda
a década de 1990, empreenderam-se diversas privatizações nos diversos setores da economia
em que o estado atuava como provedor e que os governos consideravam um domínio da
economia “indevidamente explorado” pelo setor público

Nesse contexto, surgem no final da década de 1990, com a publicação da Lei federal
nº 9.637, de 15 de maio de 1998, as OSs. Segundo o Art.1º, da referida lei, o poder executivo,
pode qualificar como organizações sociais,
Pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção
e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos
nesta Lei. (BRASIL, 1998)

As entidades da iniciativa privada, qualificadas como organizações sociais, segundo


Mazza (2013), adquirem algumas vantagens peculiares, como “isenções fiscais, destinação de
recursos orçamentários, repasse de bens públicos, bem como empréstimo temporário de
servidores governamentais”. (p. 157, grifo nosso)

Segundo os Cadernos MARE, a proposta central da criação das Organizações Sociais


“é proporcionar um marco institucional de transição de atividades estatais para o terceiro setor
e, com isso, contribuir para o aprimoramento da gestão pública estatal e não-estatal. ”
(BRASIL, 1997, p. 7). Esse movimento em direção ao terceiro setor, tinha como um de seus
principais argumentos, a crítica “pela rigidez dos procedimentos e pelo excesso de normas e
regulamentos. ” (ibidem, 1997, p. 8), presentes na burocracia estatal.

Mazza (2013), compreende que esse movimento em direção às OSs e ao terceiro setor,
está relacionado a um processo de privatização “lato senso, realizado por meio da abertuda de
atividades públicas à iniciativa privada” (p. 157). Posição essa, condizente com a defendida por
Gentili (2001). segundo o autor, “privatizar não significa ‘afastamento’ do Estado e sim, em
alguns casos, participação decidida de um aparelho governamental, ele mesmo privatizado, que
opera em benefício dos grupos e corporações” (p. 87).

Por terem suas atividades relacionadas à pesquisa, científica, desenvolvimento


tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, as OSs atuam em
áreas de interesse público, mas que, no entanto, segundo o autor, não podem ser consideradas
serviços públicos stricto sensu (MAZZA, 2013), tendo em vista o rearranjo da atuação do
Estado nos setores a elas vinculados.

A lei nº 15.503, de 28 de dezembro de 2005 estabelece a regulamentação das OSs do


Estado de Goiás, ela prevê os critérios para a seleção e define as áreas em que as OSs poderão
atuar. Inicialmente, a lei previa a atuação das OSs, inicialmente nos setores de “ensino, pesquisa
científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura,
saúde e assistência social” (GOIÁS, 2005), no entanto, modificações feitas em 2014, 2015 e
2016 ampliaram as possibilidades de atuação das OSs para diversos setores do serviço público.
Segundo o Art. 2º, da versão atual da lei, as entidades qualificadas como organizações sociais,
podem vir a atuar essencialmente nas áreas de,

a) assistência social; b) cultura; c) educação; d) desenvolvimento tecnológico; e)


gestão de atendimento ao público; f) gestão de serviços sociais e auxiliares em
unidades profissionais; g) integração social do menor infrator e garantia de seus
direitos individuais e sociais; h) pesquisa científica; i) proteção e preservação do meio
ambiente; j) saúde; k) educação profissional e tecnológica; l) esporte e lazer; m)
assistência técnica e extensão rural. (GOIÁS, 2005)

Como podemos observar, houve uma ampliação significativa nos setores em que as
OSs podem vir a atuar. Por que essa ampliação? Por que a implementação dessas medidas neste
momento político, econômico e social específico? É sobre essas questões que iremos nos
debruçar.

Para compreender melhor esse aspecto, é preciso que nos debrucemos um pouco sobre
uma compreensão materialista do papel do direito e do estado em nossa sociedade. Para isso,
precisamos revisitar brevemente, alguns postulados a respeito da teoria do estado, a partir de
uma compreensão marxista de sua origem e função em nossa sociedade.

Tradicionalmente, dentro das Ciências Sociais, faz-se referência aos teóricos do


contrato social para se pensar a teoria “clássica” do Estado. John Locke (1978, apud
ALMEIDA, 2009), em “O segundo tratado sobre o governo civil” compreende que os homens,
antes do surgimento do Estado, viveram em um Estado de Natureza, que se constituía em
liberdade e igualdade de sociabilidade entre os homens.

Neste Estado, conforme sugere Almeida (2009), a razão é a lei natural que orienta a
ação dos homens. Aqueles que não seguissem essa lei, poderiam ser castigados por todos os
outros homens, estes tornando-se executores das leis da natureza. O autor argumenta que “todos
os governantes estão em Estado de natureza enquanto não concordem em formar uma
comunidade, fundando um corpo político” (LOCKE, 1978 apud ALMEIDA, 2009, p. 34).

A propriedade para Locke, é um direito adquirido, nasce da força de trabalho, isto é,


quando os homens empreendem uma ação sobre a realidade, eles criam também sua
propriedade. Isto porque para Locke, a ação do homem sobre um espaço da realidade lhe
confere possse desta realidade, o diferenciando dos demais. Se um homem cultiva um pedaço
de terra, nenhum outro tem direito de se apropriar dela (ALMEIDA, 2009).

A liberdade, para o autor, é a capacidade de

Dispor e ordenar, conforme lhe apraz a própria pessoa, as ações, as posses e toda a
sua propriedade, dentro da sanção das leis sob as quais vive, sem ficar sujeito à
vontade arbitrária de outrem, mas seguindo livremente a própria vontade (LOCKE,
1978 apud ALMEIDA, 2009)

O Estado, definido pelo autor como Estado político, neste contexto nasce de um pacto
entre os seres humanos que compõem a sociedade. É ele quem regulamenta as relações de
propriedade, garantindo que os homens não empreendam ações lesivas uns aos outros e é ele
que garante a liberdade e o direito à vida, propriedade inicial para todos os homens (ALMEIDA,
2009).

Temos aí, algumas das principais características do Estado Moderno. Estes postulados
referem-se à organização de uma instituição que está presente enquanto ente regulador das
relações em nossa sociedade. No entanto, cabe destacar que esta é uma compreensão liberal do
Estado e seu papel na sociedade civil. O Estado, e suas leis, não são uma entidade “neutra”, que
tem em seu papel a “função” de garantir a lei e a ordem impedindo que os homens prejudiquem
uns aos outros.

Engels (1980, pp. 190-191), compreende que

O Estado nasceu direta e fundamentalmente dos antagonismos de classes que se


desenvolviam no seio mesmo da sociedade gentílica. Em Roma, a sociedade gentílica
se converteu numa aristocracia fechada, em meio a uma plebe numerosa e mantida à
parte, sem direitos mas com deveres; a vitória da plebe destruiu a antiga constituição
da gens, sobre os escombros instituiu o Estado, onde não tardaram a se confundir a
aristocracia gentílica e a plebe.

Para Engels, o Estado é um produto da sociedade. Quando esta chega a um determinado


grau de desenvolvimento, onde os conflitos e antagonismos de classe que dividem a sociedade
se tornam irreconciliáveis. Neste contexto, surge o Estado como um poder aparentemente
colocado por cima da sociedade “chamado para amortecer o choque e mantê-lo dentro dos
limites da ‘ordem’.”. (ENGELS, 1980, p. 191).
Segundo Almeida (2009), Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, defende que

Os indivíduos que compõem o Estado não são uma massa homogênea, mas
indivíduos situados em contextos sociais específicos e que compõem e
representam classes específicas, sendo estas compostas de grupos que se juntam ou
se separam no processo das lutas sociais pelo controle do Estado. (pp. 32-33, grifos
nossos)

O Estado, na compreensão marxista é atravessado por antagonismos de classe, e os


indivíduos que ocupam as instâncias institucionais onde o poder de Estado se materializa,
representam as classes a que pertencem, ainda que não tenham consciência disso, tendo em
vista que a existência dos sujeitos também é atravessada por estes antagonismos.

Neste sentido, as ações empreendidas pelos membros do Estado, derivam de seu


horizonte social de classe, horizonte este que vai determinar se as ações do Estado vão se
direcionar a favor ou contra a classe trabalhadora.2

Cabe então, retomar os questionamentos feitos anteriormente: Por que essa ampliação
da área de atuação das OSs para diversos setores do Estado? Por que a implementação dessas
medidas neste momento político, econômico e social específico?

Pachukanis (2017, p. 234), compreende que “a assim chamada ‘ideia do direito’ nada
mais é do que a expressão unilateral e abstrata de uma das relações da sociedade burguesa”.
Isto é, o campo jurídico, compreendido pelo liberalismo em uma dimensão de “neutralidade”
no que tange à normatização da sociedade civil, na verdade, também é um campo da luta de
classes, em que as disputas e as relações de dominação se manifestam.

Em Goiás, as mudanças empreendidas na legislação, vêm para subsidiar, do ponto de


vista jurídico, um processo de ampliação das reformas neoliberais feitas no Estado de Goiás,
sobretudo nos governos Marconi, que têm como objetivo, a terceirização e privatização dos
serviços administrados pelo estado. Tendo em vista que as leis que regulamentam e permitem
que uma atividade seja ou não exercita pelo estado e pela sociedade civil, mudanças na lei, com

2
Cabe considerar que conforme sugere Mann (1992), o Estado possui uma autonomia relativa em relação à
sociedade civil. Sendo que em alguns contextos, suas ações podem vir a entrar em conflito com algumas frações
das classes sociais em disputa pelo poder de Estado. Isto é, a composição social das instituições em que o poder
de Estado se materializa não é um determinante absoluto da orientação de suas políticas. No entanto, para os fins
deste artigo, seguiremos discutindo o caráter de classe do estado e suas políticas.
o objetivo de “aperfeiçoar e aprimorar a lei sobre o tema” (GOIÁS, 2016), vêm sendo
empreendidas para “facilitar” o avanço das políticas neoliberais no Estado de Goiás.

4. Análise da política de gestão por OS, proposta pelo governo do Estado de Goiás

Nos últimos tempos, têm se assistido a uma disputa3 no campo da educação goiana, no
que se refere à implementação, pelo atual governo de uma política que prevê a “celebração de
Contrato de Gestão objetivando o gerenciamento, a operacionalização e a execução das
atividades administrativas, de apoio para a implantação e implementação de políticas
pedagógicas definidas pela [Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte] SEDUCE
nas Unidades Educacionais da Rede Pública Estadual de Ensino” (GOIÁS, 2015, p. 1).

O projeto que têm como objetivo, transferir a gestão das escolas para as OSs previa
inicialmente, abarcar somente a “Macrorregião IV, Anápolis” (Ibidem, 2015, p. 1), e
posteriormente, conforme a secretária de Educação, Cultura e Esporte, Raquel Teixeira
declarou em entrevista à TV UFG (2016), pretende-se ampliar para toda a rede de ensino do
Estado.

Desde 2010, o governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo, filiado ao Partido da


Social Democracia Brasileira (PSDB), que já está em seu quarto mandato frente à administração
do Estado, apresenta em seu Plano de Governo, a proposta de promover Contratos de Gestão
na administração de diversos setores do Estado.

Calcado na ideia de uma gestão pública por resultados, orientada para o


estabelecimento de um retorno dos “trabalhos a serem realizados, metas a serem atingidas,
prazos de execução, sua operação, orçamento e os resultados esperados. Serão instrumentos
para acompanhar e fiscalizar o desempenho dos projetos, órgãos e entidades, assim como de
seus gestores” (PERILLO, 2010, p. 16), que o governador vem implementando projetos nesse

3
A decisão do governo de transferir a administração das escolas da rede pública às Organizações Sociais (OSs)
gerou uma série de manifestações por parte de parcela população goiana, em especial, parte dos estudantes da
educação básica da rede pública de ensino do Estado de Goiás, que iniciaram em Dezembro de 2015, um
movimento de ocupação das escolas por todo o Estado, intitulado Movimento “Secundaristas em Luta – GO” como
forma de protesto, contra a implementação das OSs na educação goiana, argumentando que o mesmo, estaria com
a referida política pública, iniciando um processo de privatização e terceirização da educação goiana.
sentido, como a inserção das OSs na administração dos Hospitais públicos em 2011 e, a partir
de 2015 iniciou-se o processo de implementação das Organizações Sociais na educação.

O processo de implementação das OSs na educação se inicia em abril de 2015, através


da “Convocação Para Qualificação De Entidades Como Organização Social De Educação”
(GOIÁS, 2015). A referida convocação foi feita tendo em vista que não existiam organizações
sociais qualificadas em educação no Estado de Goiás. Neste sentido, conforme prevê a lei de
OS do estado de Goiás, é papel do mesmo estimular “a qualificação como organização social
do maior número possível de entidades de direito privado” (Idem, 2005).

Em dezembro de 2015 foi publicado o 1º edital, que estabelecia as diretrizes a serem


seguidas pelas Organizações Sociais concorrentes. O edital estabelecia que as OSs tinham que
apresentar projetos que apresentassem propostas de melhorias do “ponto de vista pedagógico,
econômico, operacional e administrativo e os respectivos prazos e formas de execução”
(GOIÁS, 2015) durante o período de vigência do contrato gestão das escolas, a OS precisava
ser idônea e que seus proprietários não tivessem inadimplências com o Estado de Goiás.

As escolas foram selecionadas através das três principais etapas:

a) estruturação de um banco de dados com variáveis que caracterizam as escolas


estaduais; b) aplicação da técnicas estatísticas (sic) denominada de análise fatorial
para identificação de agrupamentos de unidades escolares por similaridades; c)
definição de critérios para a caracterização do Grupo Alvo e identificação das
unidades escolares prioritárias. (GOIÁS, 2015)

As variáveis consideradas no estudo foram “i) perfil da escola; ii) localização; iii)
indicadores de desempenho, iv) indicadores de contexto ou socioeconômicos, v) indicadores de
infraestrutura e vi) indicadores econômico-financeiro das escolas” (GOIÁS, 2015). A partir
desse processo, agrupou-se as escolas em grupos com perfis semelhantes, buscando selecionar
as escolas com o perfil mais adequado para a OS atuar.
Cabe destacar que até o momento, três editais consecutivos foram suspensos pos
irregularidades.4 Membros das Organizações Sociais estão envolvidos em processos judiciais e
não possuem idoniedade moral.5

Segundo a secretária Raquel Teixeira (2017), o objetivo das OSs é trazer melhoria e
qualidade para a educação do Estado. No entanto, o discurso da gestora merece análise mais
criteriosa. Conforme a Secretária declarou em entrevista ao Jornal Opção, que no que se refere
às OSs,
O conceito é de uma parceria, quase um convênio, porque a OS tem interesse na
educação, tem metas a atingir e quer contribuir no processo. O que tenho visto é que
a maioria delas quer ir além e dar uma contribuição à educação pública, até mesmo
por marketing ou outra coisa.

Para Gentili (2001, p. 75) a privatização da educação, em linhas gerais, pode ser
compreendida como “um amplo e progressivo processo de transferência de responsabilidades
públicas em matéria educacional para entidades privadas que começam a invadir espaços que
o Estado ocupava ou devia hipoteticamente ocupar”.

A Secretária de Educação do Estado de Goiás, no entanto, tem opinião adversa à do


autor. Segundo ela,
As pessoas costumam fazer confusão entre o que é público é o que é estatal. O que é
público? A escola é aberta a todos, sem discriminação de qualquer nível – raça, cor,
gênero ou seja o que for; tem de ser transparente e é “vigiada”, digamos assim, pelos
órgãos controladores da aplicação dos recursos públicos; e a qualidade dos serviços,
esperamos, será melhor.

O discurso da qualidade em educação tem como critério principal, a busca pela melhoria
do desempenho dos alunos em provas estaduais, a busca por uma educação com menor custo e
o argumento de que é necessário que organizações do terceiro setor assumam a gestão das
escolas estaduais.

4
Ver: MP decide manter suspenso o edital para implantação das OS na rede de educação. Disponível em:
<http://www.jornalestadodegoias.com.br/2017/06/28/ministerio-publico-decide-manter-suspenso-o-edital-
para-implantacao-das-os-na-rede-estadual-de-educacao/> Acesso: 1 jul 2017.
5
Ver: Justiça determina suspensão de edital para escolha de OS na educação
<http://g1.globo.com/goias/noticia/2017/01/justica-determina-suspensao-de-edital-para-escolha-de-os-na-
educacao.html> Acesso:05 jan 2017.
A proposta de educação por OSs, transfere a responsabilidade do Estado em gerir as
escolas e as coloca nas mãos de grupos empresariais. Gentili (2001, p. 87) afirma que,
Privatizar não significa ‘afastamento’ do Estado e sim, em alguns casos, participação
decidida de um aparelho governamental, ele mesmo privatizado, que opera em
benefício dos grupos e corporações que passam a controlar verdadeiramente o campo
educacional.

Isto é, o Estado mostra seu caráter de classe através das políticas que o governo
implementa. Neste ponto, cabe nos questionarmos: Quem ganha com a implementação das
Organizações Sociais na educação do Estado de Goiás?

Conforme afirma a secretária de Educação, o modelo de gestão por OS foi elaborado a


partir dos modelos das escolas Charter, nos Estados Unidos da América e algumas experiências
na Europa (TEIXEIRA, 2017). Estes modelos de gestão, têm o mesmo princípio das OSs,
financiamento estatal e gestão de entidades do terceiro setor.

Apesar de o argumento da qualidade estar presente na fala da Secretária de Educação,


pesquisas de especialistas em Educação, têm mostrado que seu precioso modelo não é tão eficaz
assim, pois a média atingida pelos estudantes nas escolas Charter em avaliações da
aprendizagem mostram que, em geral, os estudantes da charter das escolas da rede privada têm
resultados semelhantes, em alguns casos, inferior. Freitas (2012, p. 391), questiona, “Por quê
copiamos de quem está na média do Pisa há 10 anos (EUA) e não de quem esta consistentemente
no topo deste programa (Finlandia)?”.

A resposta é simples: a questão que se coloca por trás das Organizações Sociais não é
uma questão orçamentária, como afirmam os gestores neoliberais do Estado de Goiás,
tampouco uma questão que se refere à qualidade da educação fornecida pelo Estado. A questão
é que grandes grupos empresariais e organismos financeitos internacionais, como o Banco
Mundial, se beneficiam com estas políticas (FREITAS, 2012 ;KLEES e JR., 2015) e estes
mesmos grupos têm interesses políticos e econômicos que precisam ser defendidos por quêm
os representa no Estado.

5. Conclusões

O governo do Estado de Goiás continua avançando no processo de implementação das


Organizações sociais na administração das escolas da rede pública do Estado. Apesar dos
esforços de educadores, estudantes e organizações públicas que se engajaram na luta contra a
privatização na educação do Estado, e mesmo com os editais suspensos pela justiça, o Estado
segue, sem diálogo com a população, na tentativa de implementar a política, à fórceps, para
garantir os interesses dos grandes empresários e organizações financeiras que têm interesse em
lucrar com a medida. Cabe considerar que a presente pesquisa, pelos seus próprios limites, não
conseguiria abordar toda a complexidade no que tange ao processo de implementação da
referida política na educação pública do Estado. Aspectos como trabalho docente, qualidade do
ensino, a ligação entre os organismos internacionais e a referida política merecem ser
explorados pelo campo científico. Campo que pode auxiliar na melhor compreensão de projetos
que impactam tão fortemente a vida da sociedade.
Referências

ALMEIDA, L. M. D. Do Liberalismo ao Neoliberalismo. In: ALMEIDA, L. M. D. Nas trilhas


do fazer e do saber a possibilidade de ser: os caminhos do trabalho e da educação na prisão.
Goiânia: [s.n.], 2009. Cap. 1, p. 31-44. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Federal de Goiás, Faculdade de Educação, 2009.

ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.


2ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

BOBBIO, N. Liberalismo Velho e Novo. In: BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma


defesa das regras do jogo. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. Cap. 5, p. 107-128.

ENGELS, F. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Tradução de


Leandro Konder. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brazileira, 1980.

FREITAS, L. C. D. OS REFORMADORES EMPRESARIAIS DA EDUCAÇÃO: DA


DESMORALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO À DESTRUIÇÃO. Educ. Soc., Campinas, v. 33,
n. 119, p. 379-404, Abr-Jun 2012. ISSN 0101-7330. Disponivel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
73302012000200004&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: Janeiro 2017.

GENTILI, P. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do


neoliberalismo. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

GOIÁS. Governo de Goiás busca aprimorar Lei das OSs. Governo de Goiás, 29 mar. 2016.
Disponivel em: <http://www.casacivil.go.gov.br/post/ver/209705/governo-de-goias-busca-
aprimorar-lei-das-oss>. Acesso em: 16 dez. 2016.

GOIÁS, S. AVISO DE CHAMAMENTO PÚBLICO Nº 001/2016 - Seleção de Organização


Social qualificada em Educação. [S.l.]: [s.n.], 2015.

GOIÁS, S. CONVOCAÇÃO PARA QUALIFICAÇÃO DE ENTIDADES COMO


ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE EDUCAÇÃO. Goiânia: [s.n.], 2015. Disponivel em:
<http://portal.seduc.go.gov.br/SiteAssets/Lists/Noticias/AllItems/Convoca%C3%A7%C3%A
3o%20OS%20PDF.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2016.
KLEES, S. J.; JR., D. B. E. Privatização da educação: experiências dos Estados Unidos e outros
países. Revista Brasileira de Educação, v. 20 , n. 60, p. 11-30, jan.-mar. 2015. ISSN 1413-
2478. Disponivel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
24782015000100011&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 20 jul 2016.

MANN, M. O poder autônomo do Estado: suas origens, mecanismos e resultados. In: HALL,
J. A. Os Estados na história. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 163-204.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia em geral, especialmente a alemã. In: MARX, K.;
ENGELS, F. A ideologia alemã. 10ª. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 23-39.

MAZZA, A. Manual de Direito Administrativo. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PACHUKANIS, E. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921-1929).


Tradução de Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017.

PERILLO, M. Plano de Governo, 2010-2014. Goiânia: [s.n.], 2010.

TEIXEIRA, R. Episódio especial sobre OSs na Educação - Boletim Conexões 1ª temporada.


TV UFG, Goiânia, 7 Jan. 2016. Entrevista concedida a Divino Rufino.

TEIXEIRA, R. Raquel Teixeira concede entrevista ao Jornal Opção. SEDUCE - GOIÁS,


Goiânia, 27 fev. 2016. Entrevista concedida a Cezar Santos, Euler de França Belém e Augusto
Diniz. Disponível em: <http://site.seduce.go.gov.br/educacao/raquel-teixeira-entrevista-jornal-
opcao/> Acesso em: 28 Fev. 2017.

Vous aimerez peut-être aussi