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AS REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA

CONTEMPORÂNEA. ENTRE O CICLO


REVOLUCIONÁRIO E AS DEMOCRACIAS
RESTRINGIDAS
EDITORA UEM/PGH/HISTÓRIA

Programa de Pós-Graduação em História


Coordenador: Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota
Coordenador Adjunto: Prof. Dr. João Fábio Bertonha
Secretária: Márcia Satie Kutsunugi Fujikawa

CONSELHO EDITORIAL

Alexandre Fortes (UFFRJ)


Angelo Priori (UEM)
Cláudia Viscardi (UFJF)
Carlos Alberto Sampaio Barbosa (UNESP)
Francisco Carlos Palomanes Martinho (USP)
Gilmar Arruda (UEL)
Lúcio Tadeu Motal (UEM - Coord. Editorial)
João Fábio Bertonha (UEM)
José Cal Montoya (Universidad de San Carlos de Guatemala – USAC)
José Luiz Ruiz-Peinado Alonso (UB, Espanha)
Solange Ramos de Andrade (UEM)
Marcela Cristina Quinteros
Luiz Felipe Viel Moreira
(Organizadores)

AS REVOLUÇÕES NA AMÉRICA LATINA


CONTEMPORÂNEA. ENTRE O CICLO
REVOLUCIONÁRIO E AS DEMOCRACIAS
RESTRINGIDAS

Medellín Maringá
Pulso & Letra UEM-PGH-História
2017 2017
EQUIPE TÉCNICA
Apoio Técnico:
Rosane Gomes Carpanese
Revisão Textual e Gramatical:
Os Autores
Tradução:
Marcela Cristina Quinteros
Normalização Textual e Referências:
Rosane Gomes Carpanese
Projeto Gráfico, Diagramação e Capa:
Jeferson Gonçalves de Lima

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Biblioteca Central - UEM, Maringá, PR, Brasil)

As revoluções na América Latina contemporânea:


M454 entre o ciclo revolucionário e as democracias
restringidas / Marcela Cristina Quinteros, Luiz
Felipe Viel Moreira (organizadores). – Maringá,
PR : Ed. UEM-PGH-História ; Medellín, CO : Pulso
& Letra : Universidad de Antioquia, 2017.
381 p. : il.

ISBN 978-958-09-0005-4 (Pulso & Letra Editores)


ISBN 978-85-88613-13-3 (Editora UEM-PGH-História)

1. Revoluções - América Latina - História.


2. América Latina - História. I. Quinteros, Marcela
Cristina, org. II. Moreira, Luiz Felipe Viel, 1959-,
org. III. Universidade Estadual de Maringá. IV.
Universidad de Antioquia.

CDD 23.ed. 980.03

Ficha Catalográfica: Glaucia Volponi de Souza - CRB-9/948

Copyright © 2017 para os autores


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por
qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização,
por escrito, dos autores.

EDITORA UEM/PGH/HISTÓRIA
Editora UEM/PGH/História
Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo, 5790 - Bloco H-12 - sala 16
CEP 87020-90 - Maringá - PR
Sumário
Apresentação ............................................ 9

Capítulo 1 - Colombia en un siglo. Caudillos,


violencias y procesos políticos
inconclusos (1917-2017).......................... 15
Rafael Rubiano Muñoz

Capítulo 2 - O stronismo: uma gestão autoritária bem


sucedida ................................................... 67
Lorena Soler / Marcela Cristina Quinteros

Capítulo 3 - Política y violencia en la Argentina del


último tercio del siglo XX ...................... 121
Damián H. Antúnez

Capítulo 4 - Pacto e violência política na Venezuela


de Punto Fijo (1958-1998) .....................177
Anatólio Medeiros Arce

Capítulo 5 - El Salvador 1960-1992: reformas, utopía


revolucionaria y guerra civil .................237
Carlos Gregorio López Bernal

Capítulo 6 - Palimpsestos y paradojas. Itinerarios


histórico-políticos en Bolivia
(1952-1993) ............................................ 291
Magdalena González Almada
Rosario Barahona Michel
Capítulo 7 - Que Estado é esse? A perene
criminalização das lutas populares e a
violência estatal na América Latina .... 333
Vera Lúcia Vieira
Héctor Hernán Mondragón Báez
APRESENTAÇÃO

“As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo


revolucionário e as democracias restringidas” é o segundo volume de uma
trilogia sobre a temática das revoluções na América Latina. Mas a coleção
não foi inicialmente pensada como tal, mas se impôs por uma avaliação da
necessidade de haver desdobramentos.
O que agora se tornou o primeiro volume era, a princípio, para
ser um livro único. “As revoluções na América Latina Contemporânea”
foi publicada em 2016, e sua introdução era uma justificativa a limites
conceituais e a escolha de alguns estudos de países.
E foram essas experiências, independente do potencial
transformador das estruturas sociais que as mesmas puderam alcançar,
que tratamos naquele livro. No primeiro capítulo, o professor colombiano
Rafael Rubino Munõz justamente trabalhou um período relativamente
longo, um século. Em Colombia de un siglo a otro: Modernidad elusiva,
revolución, contrarevolución y procesos políticos inconclusos (1853-1953), o
autor, no marco de duas conjunturas, a de 1863 a 1886 e de 1934 a 1953,
procura ver como se buscou transformar as estruturas e as mentalidades
do país.
A temática da violência política é que permeou o segundo estudo,
sobre o Paraguai. Seus autores, a professora argentina Marcela Cristina
Quinteros e o brasileiro Luiz Felipe Viel Moreira, abordaram em A violência
política na história do Paraguai (1904-1954), meio século crucial na história
deste país mediterrâneo, com seus cenários de guerras civis, golpes e
“revoluções”.
No terceiro trabalho, Movimento peronista y revolución, o
professor argentino Damián H. Antúnez não trabalhou um “acontecimento
revolucionário em si”, ou um “ciclo revolucionário”, algo problemático na
discussão historiográfica argentina. O estudo de caso veio pelo “discurso
sobre a revolução”, feita por um movimento político que foi um divisor de
águas na Argentina contemporânea, o peronismo, no período que vai de
1955 a 1976.

9
O quarto capítulo foi sobre a Venezuela, do professor brasileiro
Gilberto Maringoni. Em Venezuela, turbulências de uma economia
petroleira, o autor enfatizou a história econômica contemporânea deste
país exportador de petróleo, para podermos entender dois momentos de
quase rupturas estruturais, 1989 e 2002, e suas marcas na atualidade com
o chavismo.
O quinto e o sexto estudos de caso, sobre a Nicarágua e a Bolívia,
retomaram as revoluções paradigmáticas consagradas pela historiografia.
Em Pela Pátria e pela Liberdade: a Nicarágua e o sandinismo no século XX, o
professor brasileiro Raphael Nunes Nicoletti Sebrián analisou o movimento
sandinista, desde seu início nos anos 1920-1930 até os acontecimentos de
1979, com a derrubada por guerrilheiros esquerdistas da longa ditadura de
Somoza.
Por fim o caso boliviano. O professor brasileiro Everaldo de Oliveira
Andrade, em A revolução boliviana abordou como a revolução de 1952
significou uma mudança histórica para o país. E embora tenha alcançado
desdobramentos nos limites do reformismo nacionalista, o processo
revolucionário teve perspectivas socialistas concretas.
O resultado final dessa produção coletiva, imediatamente levou a
uma proposta de continuidade nas análises feitas em um segundo volume.
Isto é, seria complementarmos os debates para os mesmos seis países,
com seus autores avançando os estudos até a década de 1990, com o corte
cronológico dado agora pelas mudanças políticas desse final de século, que
em toda América Latina trouxe à ação novos movimentos e atores sociais,
num marco de profundas transformações globais.
Dentro das especificidades de cada um dos países, estaríamos
abarcando uma etapa cronologicamente mais centrada na segunda metade
do século XX, período onde se desdobram tanto um ciclo revolucionário
como um contra-revolucionário, bem como os problemas e limites da
retomada da democracia. Assim surgiu “As revoluções na América Latina
Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as democracias restringidas”.

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Novamente um coletivo com professores de diversos países
latino-americanos ficou a cargo do livro. Tanto quanto o primeiro volume,
este segundo leva a marca dessa Nossa América. Se no primeiro volume
houve uma maior presença de autores brasileiros, isto se inverteu agora
nesse segundo livro. Cabe destacar que desde o primeiro volume, houve a
determinação de não fazermos a tradução dos textos, forçando os leitores
a terem que ler em duas línguas – espanhol e português. A aposta que
fizemos numa publicação dessa natureza nos indicou ser apropriada, pois
sua boa aceitação redundou agora num projeto em coedição, brasileira
e colombiana. O apoio para que isso se efetivasse veio da Universidade
Estadual de Maringá (Brasil), da Universidad de Antióquia (Colômbia) e da
Editora Pulso & Letra (Medellín).
Houve do primeiro para o segundo volume uma única alteração nos
estudos de casos, sendo a Nicarágua substituída por El Salvador. Isto se
deu pela perspectiva de olharmos os acontecimentos na América Central
de forma mais ampla e dando ênfase a desdobramentos que ao final foram
denominadores comuns a vários países. Assim El Salvador entra nesse
segundo volume pelo que significou a retomada das lutas guerrilheiras de
esquerda na região, que ganham combustão com os acontecimentos de
1979.
O livro que vocês agora tem em mãos ficou então assim organizado.
No primeiro capítulo, o professor colombiano Rafael Rubiano Muñoz retoma
um período relativamente longo de análise, um século. No capítulo Colombia
en un siglo. Caudillos, violencias y procesos políticos inconclusos (1917-2017),
o autor busca compreender como as variadas formas de violência, desde
institucionais e de grupos, bem como problemas políticos recorrentes,
mostram o panorama de um país que ainda não alcançou a democracia, a
modernidade e uma integração nacional adequada aos desafios do século
XXI.
A temática da violência política novamente permeia o segundo
estudo, sobre o Paraguai. Suas autoras, agora as professoras argentinas
Lorena Soler e Marcela Cristina Quinteros, abordam em O stronismo: uma

11
gestão autoritária bem sucedida como que, com o golpe de Estado de 1954,
a violência ganhou uma nova roupagem institucionalizando-se no cotidiano
da sociedade paraguaia, expressa no mais longo governo militar da história
da América, ultrapassando a própria queda do ditador Stroessner em 1989.
No terceiro trabalho, Política y violencia en la Argentina del último
tercio del siglo XX, o professor argentino Damián H. Antúnez analisa a relação
entre política e violência no marco do processo histórico argentino. Isto
desde as revoltas populares que inaugurou canonicamente o “Cordobazo”
em 1969, passando pela última ditadura militar, até as novas tensões sociais
com a retomada da democracia, canalizadas nas revoltas sociais de 2001
que levaram a renúncia do presidente De la Rua.
O quarto capítulo é sobre a Venezuela, de autoria do professor
brasileiro Anatólio Medeiros Arce. Em, Pacto e violência política na
Venezuela de Punto Fijo (1958-1998), o autor analisa os quarenta anos
do Pacto, quando instituições relativamente democráticas e eleições
relativamente competitivas conviveram com a persistência de um exercício
autoritário de poder. Todo um período marcado pela continuidade do uso
da violência como uma forma dos dois partidos dominantes enfrentarem
seus adversários.
O quinto estudo trata do caso de El Salvador. No capítulo El
Salvador 1960-1992: reformas, utopía revolucionaria y guerra civil, o
professor salvadorenho Carlos Gregorio López Bernal analisa o longo e
tortuoso caminho do reformismo à revolução. Um percurso que vai dos
sonhos reformistas frustrados de progresso e modernização conservadora
dos anos 50 e 60, até seu desenlace na opção revolucionária, com a guerra
civil da década de 1980.
O sexto trabalho, de autoria da professora argentina Magdalena
González Almada, e da professora e escritora boliviana Rosário Barahona
Michel, trata da Bolívia. Em, Palimpsestos y paradojas. Itinerarios histórico-
políticos en Bolivia (1952-1993), as autoras postulam um desenvolvimento
histórico para a Bolívia que não pode desconhecer as heterogêneas
estruturas sociais e políticas do país andino-amazônico. Ao fazerem

12
uma análise do período que vai de 1952 até o início das reformas
neoliberais, tanto no plano de uma política estatal republicana quanto
do desenvolvimento histórico dos movimentos indígenas, observam seus
processos revolucionários intrínsecos: o da própria revolução de 1952 com
seu alcance nacional e as micro revoluções protagonizadas pelos sujeitos
indígenas.
Por fim para este segundo volume agregamos mais um capítulo, mas
longe de se tratar de analisar outro país. A proposta de sua inclusão veio
da perspectiva de se trazer aos leitores uma reflexão sobre os caminhos da
democracia na América Latina. Se os trabalhos aqui apresentados seguem
tendo como eixo a temática da “Revolução”, e cronologicamente se situam
em grande medida entre o último ciclo ditatorial do século XX e a retomada
das democracias, caberia não apenas se fazer um balanço do período, mas
também indagar sobre as relações entre sociedade e Estado
E a isso se dispuseram dois professores, a brasileria Vera Lúcia
Vieira e o colombiano Héctor Hernán Mondragón Báez. Em Que Estado é
esse? A perene criminalização das lutas populares e a violência estatal na
América Latina, os autores fazem uma reflexão sobre a natureza da nossa
democracia e a situação aparentemente paradoxal que se passou a viver
nessas últimas décadas do século XX, pois para os professores, ao mesmo
tempo em que esteve em curso um “processo(s) democratizador(es)”,
ampliou-se a criminalização das lutas sociais.
De alguma forma foi este debate que acabou definindo o próprio título
desse segundo volume: As revoluções na América Latina Contemporânea.
Entre o ciclo revolucionário e as democracias restringidas. Esperamos
como organizadores deste livro contribuir a um debate historiográfico,
enfatizando o compromisso social de todos seus pesquisadores. É essa
tomada de posição que possibilitará uma análise crítica para o terceiro
volume, que trabalhará o tempo presente. Não pouco coisa, tendo em vista
os acontecimentos que estamos vivendo, em que os “que sonharam com
um avanço progressivo no continente, desencantaram-se com um século
banhado pelo sangue e um final pleno do neoliberalismo”.

13
Por fim um agradecimento à Universidad de Antióquia (Colômbia)
e à Editora Pulso & Letra (Medellín), por acreditarem neste projeto em
coedição. Agradecemos também o apoio da Universidade Estadual de
Maringá (Brasil), na figura dos professores Lúcio Tadeu Mota, Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em História da UEM, e Angelo
Priori, Coordenador Editorial da UEM/PGH/História, por facilitarem a
concretização desta experiência acadêmica. A todos uma boa leitura.

Marcela Cristina Quinteros


Luiz Felipe Viel Moreira
(Organizadores)

14
2
Capítulo
O STRONISMO: UMA
GESTÃO AUTORITÁRIA BEM

INTRODUÇÃO
SUCEDIDA
Lorena Soler
Marcela Cristina Quinteros

O Partido Colorado paraguaio – atualmente


no governo – chegou ao poder em 1946 por caminhos
pouco convencionais: a longa ditadura do general
Higinio Morínigo (1940-1948), pressionada externa e
internamente, abriu seu gabinete para a incorporação
de civis, entre eles, membros do coloradismo, em
vista de uma futura abertura democrática. Desde
então e excetuando a presidência de Fernando
Lugo (2008-2012), o Partido Colorado domina a
cena política nacional. A tradicional imagem de
um Paraguai instável contrasta com uma realidade
histórica de permanências.
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Localizado no “coração da América do Sul”, equidistante das


capitais das nações vizinhas, o país mediterrâneo representou a estabilidade
na região durante a segunda metade do século XX. A longevidade do
regime de Alfredo Stroessner (1954-1989) se explica por inúmeros
fatores. O historiador inglês Andrew Nickson (2014) enumerou cinco:
uma fachada democrática, um eficiente sistema repressivo, a corrupção
institucionalizada, o uso de uma ideologia nacionalista e o apoio norte-
americano. Outros autores, como Neri Farina (s/d), salientam o poder da
aliança entre exército/partido/governo. Porém, alguns pesquisadores
tem se questionado se estes elementos são característicos apenas do
stronismo.
Com intensidades diferentes, eles estão presentes no Paraguai
anterior e posterior a Stroessner, e tem suas raízes na violência política
da primeira metade do século XX. Algumas práticas dessa violência
política levaram à perda dos direitos políticos e sociais, repressão, exílios,
assassinatos, desaparições, guerras civis... Outras, levaram à construção
de certo “consenso” que deu legitimidade à violência política e institucional
em geral, e ao stronismo em particular1.
A biografia de Stroessner (1912-2006) escrita pelo argentino
Alberto Carbone e pelo boliviano Walter Sotomayor, ambos jornalistas, e
publicada no Brasil em 1996, retrata não apenas uma faceta muito difundida
do stronismo, como constitui um dos escassos escritos que fazem um
balanço geral desse período da história paraguaia. Assim como boa parte
dos trabalhos publicados logo após a queda de Stroessner em 03/02/1989,
eles confirmam o carácter autoritário e, incluso, desconcertante de seu
governo:

A ditadura – Stroessner governou com mão de ferro o


Paraguai – fora derrubada pelos militares que, dias antes,
identificavam-se com o regime. O chefe da insurreição,
o general Rodríguez, era sogro de um dos filhos de
Stroessner (CARBONE; SOTOMAYOR, 1996, p. 13).

1 Não é objetivo deste trabalho, mas é necessário prestar especial atenção aos mecanismos de
recriação de consensos com participação da sociedade civil. Ver: SOLER, 2017.

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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

O desafio de explicar a longevidade do stronismo, muitas vezes,


conduz a colocar o acento no seu aspecto repressivo. Para Carbone e
Sotomayor, o importante era demonstrar que “o Paraguai pode enveredar
pelo caminho irreversível da transição à democracia”, apesar dos percalços
do percurso. Daí a condenação do regime a partir de seu rasgo mais obscuro.
Outros trabalhos publicados no Brasil durante o final do século passado
mantinham o mesmo perfil. Alguns deles, como o texto publicado pelo
também jornalista Julio José Chiavenato em 1979, quando Stroessner ainda
estava no poder, tiveram uma ampla circulação entre o público brasileiro. Já
trabalhos como o do historiador Alfredo da Mota Menezes (1987) tentaram
oferecer um estudo acadêmico das relações internacionais do stronismo
com o Brasil, mas oferecendo uma análise mais geral e convertendo-se, por
tanto, em referência obrigatória de outros trabalhos. Neste mesmo sentido,
deve ser considerado o texto de Ceres Moraes (2000), também orientado
a brindar um panorama geral do stronismo.
Textos deste tipo foram escritos nas últimas duas décadas do
século XX, em um clima generalizado de condenação das ditaduras latino-
americanas e de valorização dos processos de redemocratização. Em
grande medida, esse clima acabou influenciando e orientando a seleção dos
objetos de estudo das pesquisas acadêmicas feitas recentemente no Brasil,
principalmente, no que se refere às dissertações e teses dos programas de
pós-graduação. O número de investigações vinculadas ao stronismo vem
mostrando um franco crescimento nos últimos anos, sobre temas diversos
e com resultados notáveis. Os trabalhos de pesquisa transitam por temas
como a) as relações bilaterais entre o Brasil e o Paraguai; b) a construção da
represa de Itaipu; c) a Operação Condor; d) a política externa do stronismo;
e) os brasiguaios; f) a realidade social e econômica nas regiões de fronteira;
g) as lutas pela terra; entre outros.
Porém, as especificidades dos temas se diluem nessa perspectiva
orientada a reafirmar o carácter autoritário, repressivo e corrupto do
stronismo, observando-se a ausência de trabalhos que ofereçam um
balanço geral deste período da história paraguaia e que incluam a análise

69
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

dos fatores que viabilizaram uma constante renegociação entre Stroessner


e os diversos setores de poder econômico, social, militar, religioso e político
do Paraguai, facilitando a permanente reconstrução de um consenso social
e político que deu sustento e legitimidade ao regime.
O argumento geralmente utilizado para explicar o stronismo, além
do carácter personalista do exercício do poder e de uma sociedade civil
disciplinada pela presença histórica e reiterada de tiranos, tem sido a
centralidade dada ao Partido Colorado e às Forças Armadas como base do
andaime institucional e político sobre o qual se organizou a dita ditadura mais
longa da América Latina (LEWIS, 1986; MORÍNIGO, 1989; LEZCANO, 1989;
ARDITI, 1992; NICKSON, 2010). As análises feitas a partir do resultado final
do regime tem provocado a extrapolação de algumas conclusões. As mais
difundidas tem presentado o Partido Colorado como um partido-Estado,
fusão que teria possibilitado, através de prebendas, o funcionamento
de um regime autoritário como uma configuração de fato para uma
sociedade “atrasada” (PALAU, 1991; YORE, 1992). Também somou-se a
função coercitiva implementada pelas Forças Armadas em um contexto de
crescimento econômico causado pelo giro nas relações internacionais e a
“nova” orientação que Stroessner imprimiu, especialmente, na relação com
o Brasil.
Porém, no caso de aceitarmos uma leitura do regime a partir de seu
resultado final, o logro é bastante posterior a sua chegada já que, em sua
longa temporalidade, produziram-se profundas mudanças e tensões que
excederam claramente uma legitimidade assentada nas prebendas ou na
coerção. Em um país pouco frequentado pelas ciências sociais, e partindo
das leituras realizadas na abertura democrática, acabou primando uma
análise feita desde o último resultado de um regime de 35 anos, sem refletir
sobre o processo pelo qual se chegou nesse resultado. Por tanto, deveria se
desconstruir o que muitas vezes foi apresentado como naturalizado e dar
espaço ao processo que viabilizou um resultado fortuito e não necessário
de uma ordem política determinada.
Consideramos que a estrutura do regime é o último dado de um
processo político e econômico que refletiria os modos de conquistar o

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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

poder e de mantê-lo legitimamente, em relação direta com a estrutura


social e política, interna e externa, na que se inscreve toda ordem política.
Nesse sentido, superestrutura e estrutura social estariam, em um processo
histórico, condicionadas reciprocamente.
O objetivo não é pensar o stronismo como uma ordem que veio
para garantir a estabilidade política a partir do estrito controle da figura
do tirano, mas, sem desconsiderar os elementos coercitivos para a
construção de uma ordem, entende-se que o processo significou um
profundo processo de mudança das estruturas econômicas e políticas.
Esse processo de mudança trouxe elementos inovadores e a busca de
outros “autênticos”, sob um jogo dialético de conservação e mudança, no
qual o resultado final foi a construção de um regime político. O stronismo
constituiu efetivamente uma bem-sucedida e inédita forma de construção
de uma nova ordem social, que incluso é possível de observar na criação
de uma nova linguagem política compartilhada pela “sociedade civil”, como
se reflete na existência do Diccionario usual del stronismo (BOCCIA PAZ,
2004).
Em seu célebre trabalho, Barrington Moore (2002) utilizou o conceito
“revolução desde cima” para analisar os processos de mudança social e
política em que os aparelhos estatais e as burocracias públicas, em aliança
com classes ou setores sociais que não estavam em condições de leva-
los adiante por si mesmos, desempenharam papéis protagônicos centrais.
A modernização conservadora consistia em modernizar a economia por
meio da iniciativa estatal, ao mesmo tempo em que eram preservadas
as formas de vida e valores tradicionais. Geralmente, os processos bem-
sucedidos dessa modalidade de mudança social foram levados adiante por
meio da utilização de formas autoritárias de regulação do sistema político
e cooptação de classes sociais ou elites políticas. Nos lugares onde essa
revolução teve sucesso, articulou-se um controle dos aparelhos estatais,
coerentes em termos técnicos, com um alto grau de legitimidade de suas
metas perante a sociedade. Como sua conceptualização assim o indica,
isso esteve acompanhado de altos índices, até inauditos, de crescimento
econômico.

71
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Partindo desta conceptualização, o stronismo será estudado


através da análise da transformação de algumas instituições estatais
e políticas, tais como os partidos e os órgãos de representação política,
considerados centrais para a reprodução do regime e para o sucesso da
modernização conservadora implementada por meio de uma revolução
desde cima que traria consigo as reformas constitucionais de 1967 e 1976,
como as mudanças operadas no sistema político e na estrutura social. Dita
“revolução de cima” esteve acompanhada tanto pela ideologia ou valores
que alimentaram a ordem política, quanto pelas representações utilizadas
na busca de uma imagem política que projetara legalidade e outorgara
recursos de legitimidade diante de uma ordem que exibia uma fachada
democrática como parte da modernização e da mudança que promovia.

REGIME POLÍTICO E APARELHO REPRESSIVO

O General Alfredo Stroessner Matiauda obteve a presidência da


República após profundas modificações no sistema político. O triunfo na
Guerra do Chaco (1932-1935) e a posterior crise tiveram seu correlato mais
nítido na autodenominada Revolução febrerista (pelo golpe de 17/02/1936).
Seu rápido fracasso e a posterior instabilidade da ordem, expressão de
uma crise de dominação política, colocou os militares em um cenário
propício para reivindicações nacionais e antiliberais. Como Gramsci tem
salientado, tais situações são o terreno propício para as soluções de força,
representadas por homens providenciais ou carismáticos. Deste modo, a
Guerra do Chaco converteu-se em provedora indiscutida de legitimidade
política para quem tivesse pretensões de governar o Paraguai nos seguintes
anos. As profundas mudanças na relação entre o Estado e a sociedade civil,
como a participação das Forças Armadas converteram o nacionalismo em
um elemento gravitante do sistema político que nem o próprio Partido
Liberal, que esteve no poder durante a guerra, conseguiu evitar.
A instabilidade política advinda após o fim da guerra com a Bolívia,
que teve seu ponto mais intenso na Guerra Civil de 1947, foi tão grave ou

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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

mais intensa que a que seguiu o pós 1870, quando do término da Guerra
contra a Tríplice Aliança. A tão ansiada ordem política e a restituição do
monopólio da coação – nos termos de Weber – e da decisão – segundo
Schmitt –, inesperadas até para as próprias elites políticas locais, seriam
proporcionadas pela lenta mas efetiva construção do regime stronista.
Em rigor, Stroessner chegou ao governo após a queda de Federico
Chaves, o último dos presidentes eleitos “democraticamente”, e da
provisória presidência do arquiteto Tomás Romero Pereira, presidente do
Partido Colorado.2 Depois de um desempenho militar pouco destacado
na Guerra do Chaco e de uma filiação muito recente ao coloradismo
(1951), Stroessner foi promovido como candidato presidencial.3 Após o
golpe de 04/05/1954, o governo provisório convocou a eleições nas que
se apresentou como único candidato. Eleito presidente, completou um
primeiro período até 1958, tal como era estipulado na Constituição de 1940.
A vida política paraguaia esteve dominada pelos partidos políticos
e sua centralidade tem que ser explicada pela presença de um Estado,
certamente débil e debilitado, e pela fragilidade da instituição militar
após duas guerras internacionais, o que “consolidou a hegemonia civil e
fortaleceu os partidos que apoiavam lideranças civis” (ABENTE BRUN, 1996,
p. 45) e, em um contexto de crise de dominação, inabilitou a constituição
das Forças Armadas como um ator político autônomo.
A tardia profissionalização das Forças Armadas também contribuiu
a este processo. Se bem a primeira Escola Militar tinha sido criada em 1915,

2 Ao longo da primeira metade do século XX, o jogo eleitoral ficou praticamente circunscrito
à participação de apenas dois partidos: o Liberal e o Colorado. Porém, as inúmeras irregula-
ridades impediram a realização de eleições transparentes e, na maioria das vezes, um dos
dois partidos era excluído do cenário eleitoral nacional. Após a ditadura de Higinio Morínigo
(1940-1948), foram convocadas várias eleições para a presidência nas que somente o Partido
Colorado pôde apresentar candidatos (QUINTEROS; MOREIRA, 2016).
3 Em diversos textos destaca-se a carreira militar meteórica de Stroessner – desde seu batismo
de fogo na Guerra do Chaco com 19 anos de idade, até sua nomeação como general em 1949,
com 36 anos, e como comandante em chefe das Forças Armadas em 1951, com 39 anos. Mais
do que salientar o carácter “quase prodigioso” de Stroessner, os autores buscam mostrar a
“astúcia” do militar para permanecer no exército ininterruptamente, proeza rara numa época
em que os militares eram “presa fácil dos incessantes vaivéns políticos”. Essa mesma astúcia
do jovem militar explicaria, segundo alguns autores, a habilidade política para permanecer no
poder por tanto tempo (NERI FARINA; BOCCIA PAZ, s/d).

73
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

em grande medida, a formação dos oficiais paraguaios continuava sendo


feita no exterior ou através da presença de delegações estrangeiras no país
(MENDOZA, 2011). A própria história militar pessoal de Stroessner – que na
década de 1940 fez um curso de artilharia no Brasil e nos anos de 1950 fez
outro nos EUA – é uma evidência desse mecanismo de profissionalização
que, por sua vez, contribuía a estabelecer vínculos com os países onde era
feito o adestramento (NICKSON, 2014).
A Associação Nacional Republicana (ANR ou Partido Colorado)
providenciou uma base institucional de legitimidade política e colaborou na
organização da dominação mediante a estrutura partidária, possibilitando
um ordenamento político apoiado nas instituições típicas da democracia
liberal através das eleições presidenciais e legislativas como da reforma
constitucional de 1967, realizada por meio de uma assembleia constituinte
eleita segundo os mecanismos eleitorais vigentes e contando com a
presença dos principais partidos políticos.
Por outra parte, o Partido Colorado teve sob sua responsabilidade
a execução de outras funções sociais de cooperação e controle, que iam
desde a participação em clubes de bairros até a identificação de possíveis
opositores. Assim, a organização territorial também abria as pontes da
política com o mundo dos dominados. Uma complexa rede partidária, que
se fazia presente até nos confins rurais mais distantes, instituída ainda
durante a ditadura de Morínigo e consolidada após a Guerra Civil de 1947
durante as presidências de González e de Chaves, garantiu ao stronismo
um eficiente serviço de informação, a cooptação da população civil
através da filiação obrigatória ao partido para poder aceder a trabalhos na
administração pública e às políticas sociais do Estado como a distribuição
de terras, e uma onipresença do partido na vida cotidiana das pessoas
(GÓMEZ FLORENTÍN, 2013).
Porém, esta representação do Partido Colorado como partido-
Estado que temos hoje foi uma construção histórica que só é possível
vislumbrar a partir da década de 1960 ou quando o regime estava
chegando na metade de sua longa vida. Stroessner afirmou sua liderança e

74
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

hegemonia no partido após de transcorridos pelo menos dois períodos de


governo. Inclusive, é possível alegar que sua chegada ao poder obedeceu
mais a uma profunda crise dos partidos e à incapacidade do Partido
Colorado, como do resto das classes dominantes, em resolver a dita crise
de dominação em um clima de conflito social e político. De fato, depois da
Guerra Civil de 1947, vastos setores do partido apostaram por um período
de normalização interna do país por meio da denominada “unificação
partidária”, que não seria outra coisa que uma trégua entre os movimentos
internos. Na posterior convocatória a eleições, triunfou a ala democrática
do partido que, com maioria no Parlamento, reclamaria insistentemente
pela normalização institucional do governo, o que significava, entre outros
aspectos, levantar o estado de sítio.
Na realidade, nos começos do regime, o Partido Colorado foi um
dos frentes opositores mais difíceis que Stroessner teve que enfrentar.
Sem âncora política em nenhuma das linhas internas e sem militância
política prévia nessa estrutura partidária, o exílio dos principais referentes
internos e ex presidentes Juan Natalicio González – líder dos guiones rojos
– e Federico Chaves – referência dos democratas –, nas embaixadas de
México DF e Paris, respetivamente, não foi suficiente para silenciar as vozes
contrárias. Assim, longe daquela imagem de uma “ditadura” que sempre
controlou cada um dos redutos do funcionamento social, a estabilização
construída por meio da cooptação das elites políticas foi acompanhada
de momentos nos que a continuidade política de Stroessner no governo
esteve em risco.
Stroessner adotou a tipificação dos governos colorados que
lhe precederam, diferenciando entre inimigos – traidores/legionários/
antiparaguaios – e adversários – que apesar de opositores, podiam ser
incluídos na categoria de “paraguaios”, o extremo positivo do binomio – do
regime.4 Enquanto os primeiros não podiam ser tolerados dentro do território
paraguaio, os segundos geralmente pertenciam à estrutura partidária do

4 Andrés Colmán Gutiérrez (2014) denomina esta diferenciação como a oposição “perseguida”
e a “tolerada”.

75
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

governo e com eles devia estabelecer uma articulação e negociação para


se manter no poder. Para Alfredo Seiferheld, o triunfo político de Stroessner
radicava nos erros de seus adversários políticos, “vítimas” de Stroessner
que foram “convertidas em uma sorte de cúmplices de seus vitimários por
obra do silêncio” (SEIFERHELD; TONE, 1988, p. 17). Esta cumplicidade, que
estava longe de ser passiva, operou favoravelmente para a construção do
“consenso” e do “apoio” ao stronismo. Para chegar neste ponto, os dois
primeiros anos de Stroessner na presidência foram fundamentais para a
neutralização de seus potenciais rivais políticos dentro do coloradismo.
Rápidos e certeiros movimentos no tabuleiro partidário garantiram
a Stroessner uma nova relação de forças dentro do partido. Manter os
principais adversários em embaixadas distantes de Assunção era uma
prática instaurada nas administrações liberais, no início do século. A
novidade foi a sua sistematização. Assim como Chaves e González, todos
os adversários com uma liderança suficientemente sólida como para
disputar o poder de Stroessner foram enviados ao exterior, numa sorte de
“exílio assalariado”, nas palavras de González. A primeira destas manobras
foi aplicada a Epifanio Méndez Fleitas, figura carismática identificada como
o “Perón paraguaio” que, enviado para Europa em uma missão cultural,
nunca mais pode regressar ao país.5 A prática, além de manter as figuras
opositoras longe do Assunção (as nomeações sempre aconteciam em
países que não fossem limítrofes com o Paraguai), garantia o silêncio e uma
vigilância constante de todos seus atos, além da exigência de defender a
imagem de Stroessner no exterior.
Deslocadas as principais lideranças das diferentes correntes
internas do coloradismo, as autoridades do partido – a Junta de Governo –

5 Méndez Fleitas era considerado o sucessor “natural” de Chaves na presidência do Paraguai


e o candidato capaz de disputar a liderança de Stroessner. A sua equiparação com Perón
obedecia a várias características comuns a ambos: o carisma, a popularidade e a progressiva
acumulação de cargos que lhe outorgaram um poder invejável, provocando temores e intrigas
entre seus adversários. Segundo Flecha (2014), Stroessner conseguiu isolá-lo de sua base
de apoio militar e dentro do coloradismo. Destituído de todos os seus cargos, o enviou para
a Europa, mas não foi beneficiado com uma embaixada. Tratou-se apenas de uma tática de
expulsão “pacífica”.

76
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

convocaram um “reencontro” partidário em 25/10/1955, que não foi mais


do que um pacto de não agressão entre guiones e democratas, cedendo
espaço à nova etapa do “coloradismo com Stroessner” (PRIETO YEGROS,
s/d). Segundo Neri Farina (s/d), a estratégia de Stroessner era preparar a
desarticulação do Guión Rojo, dos democratas e dos epifanistas, o que de
certa forma obteve com a expulsão das lideranças e com o “reencontro”
de figuras que, até então, tinham sido dirigentes de segunda linha e que
passariam tanto a dirigir o partido como ocupariam lugares chave dentro
do gabinete de Stroessner durante prolongados períodos – como os
ministros de Interior, Edgar Ynsfrán (1956-1966) e o de Relações Exteriores,
Raúl Sapena Pastor (1956-1976).
Após quatro anos no poder, Stroessner aceitou iniciar um programa
de institucionalização do país que implicava que os partidos políticos
voltassem à legalidade e levantar o estado de sítio. Em 29/05/1959, porém,
a Câmara de Representantes aprovou, por uma maioria de 36 contra 21, uma
declaração de repúdio à violência policial contra manifestantes estudantis,
da que foi responsabilizado Ramón Duarte Vera, Chefe da Polícia. A medida
também dispunha enviar os antecedentes da causa para a justiça comum.
No dia seguinte, Stroessner dissolvia o Congresso.
Desse modo, completava-se a “faxina” partidária. Para Neri Farina
e Boccia Paz (2011), a dissolução do parlamento foi um autogolpe como
resposta também à “ousadia” dos dirigentes colorados que apresentarem a
“Nota dos 17”, de 12/03/1959, em que solicitavam o levantamento do estado
de sítio, uma lei de anistia geral e a liberdade de imprensa, entre outros
pontos necessários para implementar o programa de institucionalização.
Os 17 assinantes da nota partiram para o exílio e Stroessner eliminou o
último vestígio de oposição interna do Partido Colorado.
Porém, a debilidade de Stroessner para disciplinar o partido, diante
da ausência de forças próprias, também se evidenciavam no fato de que
os presos e torturados dos primeiros anos pertenciam, em um 90%, ao
Partido Colorado e às Forças Armadas (BLANCH, 1991). Por outro lado,
com a “limpeza” partidária, os opositores colorados no exílio formaram o

77
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Movimento Popular Colorado (MOPOCO), o Movimento Popular Colorado


Nacional (MOPOCONA) e a Associação Nacional Republicana no Exílio e
a Resistência (ANR-ER). Entretanto, o resto dos filiados que continuaram
no país foram distribuídos em 240 seções, para reeleger uma Junta de
Governo do partido por meio de uma lista única.
Os ditos “inimigos”, empurrados ao exílio, prisão e/ou persecução,
se valeram de outras estratégias. Em primeiro lugar, e incluso após os
deslocamentos internos, os partidos políticos opositores levaram adiante
duas tentativas de golpes de Estado em 14/11/1956 e em 09/05/1957. Mais
tarde, surgiram as ações das guerrilhas clandestinas encabeçadas pelo
Movimento 14 de Maio (1958)6 e pela Frente Unida de Libertação Nacional
(FULNA, 1959-1960), organizações lideradas pelos setores políticos
tradicionais – liberais, febreristas, colorados dissidentes e ex militares da
Guerra do Chaco expulsos do exército ou no exílio – que pugnavam pela
abertura do sistema democrático.
Assim, a dificuldade em criar uma ordem política, diante da ausência
de forças próprias e leais no partido, e a presença enfraquecedora dos
oponentes ao regime, se cristalizava nos “jogos” de abertura e fechamento
do sistema político, segundo o modo em que eram apresentadas as
impugnações políticas internas ou externas.
Em uma década especialmente convulsionada, na que se inscreveram
desde o Maio Francês e a Revolução Cubana até a Doutrina Social da Igreja,
suscitaram-se manifestações políticas transcendentais para a vida do país.
O movimento sindical urbano, organizado na Confederação Paraguaia de
Trabalhadores, liderou uma greve geral em 19587, por conta da decisão de
congelar os salários, contemplado no programa de “estabilização”.

6 Em 12/12/1958, a primeira coluna desta guerrilha, que seria totalmente aniquilada pelas tro-
pas do Governo, entrou no território paraguaio. Seus últimos membros sucumbiram em 1962.
A repressão adquiria rasgos de crueldade insuspeitados. O líder do 14 de Mayo, Juan José
Rotela, foi executado em 30/06/1960 na fazenda Tapyta, onde também foram assassinadas
Juana Peralta, Antonia Perruccino e Julia Solalinde, após sofrerem bárbaras torturas por or-
dem do general Patricio Colmán.
7 Após este fato, o sindicato ficou sob a liderança de Enrique Volta Gaona, líder de uma as-
sociação paralela – a Organização Republicana Operaria – criada em 1946 para combater a
influência do comunismo no movimento sindical. Para uma exaustiva história das origens do
movimento operário paraguaio, ver: GAONA (2007).

78
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

A persecução também afetou à Igreja. Em 1958, Ramón Talavera,


um sacerdote de Assunção, foi expulso e condenado ao exilio no Uruguai
por pregar uma visão crítica do regime. Em 1959, somava-se o movimento
estudantil contra o aumento o preço da passagem no transporte público.
Ao longo de todo o regime, os estudantes foram protagonistas de diversas
ações. Entre elas, a manifestação de repúdio de 1956, a greve de estudantes
da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Assunção (UNA) –
também em 1956 – e a manifestação estudantil de 28/05/1959.
Nesse clima, a abertura restringida para conduzir à oposição
dentro de um marco de legalidade foi o mecanismo mais eficiente para
assegurar a subsistência do regime. Sob essa lógica performativa, que
fomentou a presencia partidária por meio de sua desarticulação8, o regime
permitiria a participação dos partidos a partir de seu terceiro governo
(1963) o que, para Nickson (2010), representa a conclusão da fase de
consolidação do stronismo. Para isso, foram ditadas as leis eleitorais que
regulamentavam a convocatória para eleições e seria a primeira vez na
história em que as mulheres paraguaias poderiam votar e ser eleitas em
função do direito outorgado em 1961. No caso de se apresentar somente
um partido, assumiria a totalidade dos cargos. Entre as restrições, figurava
que o Partido Comunista, “como qualquer outro gênero de organização
totalitária” (Lei nº 600, art. 16, cap. III), não teria direito em se inscrever na
disputa nem em ser reconhecido como força partidária.
Embora todos os cargos eletivos (presidente, representantes
legislativos, juntas municipais, juntas eleitorais) eram eleitos pelo voto
direto e secreto, o sistema de representação adotado outorgava dois terços

8 A partir de 1963, o Partido Liberal incorporou-se ao processo eleitoral. Entretanto, o Parti-


do Revolucionário Febrerista também participaria nas eleições municipais de 1965. Um bom
exemplo da manipulação sobre a oposição o brinda o papel desempenhado pelo Partido Libe-
ral (PL). Em 1962, a ditadura reconheceu o PL e, em 1967, ao Partido Liberal Radical (PLR), ou-
tro grupo dentro do Partido Liberal que não coincidia com os separatistas. Ambos os partidos
se encontravam no Parlamento e participavam nas eleições. Quando em 1977, o PL e o PLR
combinaram não se apresentarem no processo eleitoral, o general Stroessner pactuou com
um grupo opositor interno do PL, com o qual os abstencionistas, para se diferenciarem, come-
çaram a se denominar Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), denominação que conserva
até hoje.

79
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

dos cargos ao partido que tivesse obtido o maior número de votos válidos.
Dessa forma, era muito provável que as juntas eleitorais ficassem nas mãos
do Partido Colorado, responsável do escrutínio como da confecção das
atas que eram enviadas para a Câmara de Representantes.
A partir de 1963, os rituais eleitorais de partido único foram
substituídos pelas eleições semi-concorrentes ou por um sistema de
pluralismo restringido no qual alguns partidos ou fações destes foram
legalizados lentamente, qualidade necessária no horizonte da Assembleia
Constituinte de 1967.
Em efeito, o formato da democracia liberal foi a fórmula política
capaz de manter a setores sociais e organizações políticas sob a lógica
da dominação, uma forma de organização da dominação que permitia
assegurar a participação dos partidos políticos de oposição no próprio
regime político, ao mesmo tempo em que desarticulava os espaços para a
construção destes como sujeitos políticos com capacidade de impugnar a
ordem política em formação.
Três anos mais tarde da instauração da ditadura no Brasil, o
stronismo convocou uma Assembleia Constituinte na qual participaram
todos os partidos do espectro político paraguaio, previamente legalizados
para as eleições presidenciais de 1963, os que não se privariam de
apresentar seus respectivos projetos constitucionais:

A los veintisiete años de la sanción de la Constitución


de 1940, el Paraguay se rige por una nueva constitución
elaborada por los representantes de los cuatro partidos
políticos […] como corresponde al régimen democrático
y republicano que nos rige (Acta de Asamblea General
Constituyente, 1967, p. 53).

A Constituição de 1967 e a Lei de Defesa da Democracia (294/55)


pretendiam somar mais argumentos sobre a “efetiva democracia”
outorgando reconhecimento político e legal à oposição partidária. Essa
legislação também facilitava se apresentar perante o mundo como uma
democracia efetiva. Por outro lado, objetivava prover novas engenheiras

80
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

legais para a reprodução do regime, tais como a possibilidade de duas


reeleições presidenciais consecutivas a mais para Stroessner, após ter
utilizado a instância de reeleição prevista na Constituição de 1940, além do
reconhecimento político e legal para a oposição partidária. Desse modo, o
stronismo buscou dotar ao regime de figuras e andaimes “democráticos”,
além de encerrar uma demanda histórica ao se apresentar como a primeira
experiência de estabilidade política “democrática” no Paraguai.
Alguns setores opositores acreditaram que pelo fato de serem
reconhecidos legalmente tinham o caminho liberado para acessar à esfera
governamental e, por tanto, poderiam participar nas eleições nacionais
imediatas (1968), concorrer e disputar as eleições com o Partido Colorado9.
Houve três pontos de maior controvérsia nas discussões da
Assembleia Constituinte. Por um lado, a regulamentação da implementação
do estado de sítio, que conviveria com um Congresso que seria um
legislador constante graças à supressão do recesso parlamentar. A
presença permanente do Congresso evitaria os decretos presidenciais e a
faculdade de estabelecer o estado de sítio “quando as circunstâncias assim
o exigirem” lhe seria exclusiva. Por fim, o Conselho de Estado mereceu um
capítulo aparte.
Contudo, o que mais chamou a atenção foi o respaldo dado ao
recurso de amparo e ao de habeas corpus, pelo fato de que os constituintes
assumiam a possibilidade de sua efetividade.
A eleição que levou Stroessner a seu quarto mandato (1968-
1973), com todos os partidos inscritos na legalidade após a Constituinte
de 1967, foi realizada sem maiores inconvenientes para o triunfo oficialista.
Na hipótese de Jorge Lara Castro (1987), este fato poderia se considerar
como “o início da consolidação da ditadura sob a forma de um governo
de democracia representativa”. Durante dez anos, os partidos de oposição
ocuparam suas bancas nas câmaras de deputados e de senadores como
minoria, discutindo em silêncio, sob as normas stronistas, os projetos do
Executivo e lutando com uma maioria colorada aliado ao novo regime.

9 Nessa direção, o PLR confeccionou um manual com as instruções e diretrizes que seus votan-
tes, fiscais e presidentes de mesa deveriam considerar para controlar o escrutínio.

81
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Assim, legalizando lentamente alguns partidos ou fações deles,


o regime conseguiu recriar um sistema de pluralismo restringido. O
funcionamento dotado pelo regime para este sistema de partidos foi definido
como hegemônico pragmático (ABENTE BRUN, 1996) ou bipartidismo com
partido hegemônico (MORÍNIGO, 1998). Ou seja, concebeu-se a presença
formal de outros partidos – que incluso o próprio regime alentava – mas
sem garantir as condições de igualdade para a concorrência e, por tanto,
para o acesso ao governo.
A recriação do partido teve outra função primordial na reprodução
do regime político. Devido à debilidade do Estado paraguaio para se
apresentar como uma instituição com capacidade para a reprodução das
relações sociais em um território determinado, os partidos políticos sempre
tinham tentado se apresentar como o Estado mesmo mais que como partes
em disputa pelo poder político ou a dominação. Desse modo, além de uma
base de identidade nacional, os partidos subministravam a penetração
institucional e territorial que o próprio Estado-nação não possuía. Mas,
neste sentido, com o regime stronista, a relação inverteu-se e o Estado
converteu-se no instrumento do partido.
O agora reorganizado Partido Colorado cumpriu com a dupla função
de cooptação e controle político. Foi o principal agente de recrutamento
das burocracias estatais, que tinham terminantemente proibido protestar
e/ou realizar greves (art. 55, cap. V). Para poder trabalhar no funcionalismo
público – tanto na administração pública quanto nas forças policiais –
determinou-se como requisito legal estar filiado ao partido. Por outro lado,
o Estado era o provedor de ajuda social para a população, compreendendo
de escolas até postos de saúde, passando pelos serviços fúnebres e
assessoria jurídica.
O partido também dava assistência para as Forças Armadas por
meio de milícias cívicas conformadas pelas organizações do partido e dos
vizinhos que informavam sobre possíveis opositores. Assim, a estrutura
partidária brindava a capacidade institucional para a articulação das
relações sociais. As denúncias efetuadas pelos “vizinhos” evidenciavam

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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

essa construção subjetiva de todo o corpo social que não fosse normalmente
colorado.
Está claro que a aliança entre o Partido Colorado e os militares não
teve somente como consequência a “partidização” das Forças Armadas,
mas também – o que foi o fato menos mencionado e mais grave – a
militarização do partido a partir da nomeação de generais como presidentes
da Junta de Governo10.
Essa aliança tem sido uma prédica constante nos discursos de
Stroessner. Antes mesmo de assumir a presidência em 1954, em uma
convenção partidária em Paraguarí, explicava:

Espero contar con el cariño del Partido y el espíritu de


la Patria, porque entiendo que la Asociación Nacional
Republicana no es otra cosa sino la poderosa organización
civil que, a la par de las Fuerzas Armadas de la Nación,
sólo se inspiran en la felicidad y grandeza de la patria
paraguaya (MENSAJES Y DISCURSOS, PRESIDENCIA DE
LA NACIÓN, p. 82).

Porém, vários autores (GATTI CARDOZO, 1990; RIQUELME, 1992;


1993; YORE, 1992) tem assinalado que esse recurso discursivo, embora
presentado como uma estratégia pessoal de Stroessner – o que constitui
uma crença generalizada em muitas análises –, obedecia a alianças prévias
e a transformações ocorridas nas Forças Armadas desde 1947 e que o
“aporte de Stroessner consistiu em formalizá-lo” (RIQUELME, 1992, p. 53).
A crise de 1947 e o levantamento militar de Concepción, no norte do
país, tinha provocado um reordenamento das forças políticas e militares11, a

10 Após a Guerra Civil de 1947, diante da situação adversa do coloradismo nas Forças Armadas
cujos oficiais tinham se levantado contra Higinio Morínigo, o governo passou a exigir a filiação
ao partido dos integrantes das Forças Armadas. A situação se institucionalizou nos governos
de González e de Chaves, e, quando Stroessner chegou à presidência do Paraguai, esta práti-
ca foi mantida. Mas, durante o stronismo, o contrapeso à coloradização do Exército foi a mili-
tarização da ANR. Se antes eram as autoridades partidárias as que aprovavam a nomeação de
oficiais, agora era a cúpula militar a que dava sua aprovação para admissão de novos filiados
e/ou autoridades no partido (QUINTEROS; MOREIRA, 2016).
11 O Partido Colorado apoiou Higinio Morínigo, enquanto o Partido Liberal, ao setor revolu-
cionário. A purga militar de oficiais liberais e febreristas foi iniciada pelo então presidente
Juan Natalicio González, diante do fracasso da tentativa de golpe de Estado encabeça-
da por Stroessner que, como aconteceria mais tarde, em 1989, se exiliou em Brasil.

83
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

purga dos oficiais institucionalistas que tinham se sublevado contra Higinio


Morínigo. As consequências foram a devastação do exército profissional
do Chaco e o surgimento de um novo exército através da ascensão dos
oficiais de reserva, mobilizados e reincorporados pelo partido.
Porém, a ausência de forças próprias no exército – fato que ficou
evidente no levantamento de oficiais em 1955 – empurrou Stroessner a
continuar excluindo os últimos oficiais com prestígio, o que incluía também
os colorados12.
Os baixíssimos gastos efetuados em matéria militar foram
coerentes com a tentativa de desarticular todos os componentes e
valores próprios da instituição castrense – profissionalização, hierarquia
e corporativismo. Durante o stronismo (LEZCANO, 1989; LEZCANO;
MARTINI, 1994), a infraestrutura nunca foi modernizada e o preparo dos
soldados era sumamente precária devido à inexperiência dos oficiais recém
incorporados e promovidos. A desproporção radicava na quantidade dos
recursos humanos.
Como parte da desarticulação da instituição, a lealdade militar
deixou de se basear nos critérios próprios das instituições militares,
substituindo as promoções dos oficiais pela concessão da administração
de empresas estatais e pela adjudicação fraudulenta de grandes extensões
de terra.
Isto explica que o esquema repressivo tenha se apoiado na
formação da Polícia Nacional, especificamente no trabalho do III
Departamento de Investigações da Polícia da Capital (DIPC) e da
Direção Nacional de Assuntos Técnicos (DNAT), que realizaram tarefas
de inteligência, contra inteligência e operações. Estes órgãos repressivos
tinham a responsabilidade de defender a Lei da Democracia, promulgada

12 Não concordamos com Lezcano (1989) nem com Lezcano E Martini (1994) que, seguindo a
conhecida argumentação de Augusto Vargas, afirmam que as Forças Armadas paraguaias
sofreram um processo de encapsulamento com valores que lhe eram próprios e que não re-
fletiam aqueles que predominavam em suas respetivas sociedades. Manter este argumento
significaria outorgar às Forças Armadas um grau de autonomia que entra em contradição com
a obrigatoriedade da filiação à ANR e com a relação que as duas instituições mantinham. De-
veria ser lembrada a participação dos militares mais profissionais na Guerra Civil de 1947, que
tinham atuado na Guerra do Chaco, o que produziu um deslocamento nas fileiras castrenses.

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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

em outubro de 1955, daqueles que transgredissem disposições tão vagas


como “difundir a doutrina comunista ou quaisquer outra doutrina que
tenha como objetivo destruir ou mudar pela violência a organização da
democracia republicana da Nação” (nº 294/55, art. 2).
Não obstante, o aparelho repressivo do stronismo foi muito mais
eficiente no estabelecimento de uma cultura do medo, desconfiança,
suspeita e autocensura que em um lubrificado mecanismo de repressão
ou no estabelecimento de um estado terrorista. A vigilância regular das
atividades dos opositores ao regime era realizada por uma rede extensiva
de informantes denominados pyrague, distribuídos na administração
pública, o serviço diplomático e no próprio partido oficial.
A descoberta dos Arquivos do Terror, em 1992, conformados
por duas toneladas de documentos vinculados ao Departamento de
Investigações da Polícia da Capital, novamente colocou em evidência esta
estratégia de violação dos Direitos Humanos13. Como afirmou José Carlos
Rodríguez (1991), o governo de Stroessner não se caracterizou pela extrema
violência e sim pela moderação em sua dose, sua falta de restrições éticas
e seu cálculo. Por essa razão, a Comissão Verdade e Justiça estimou que
20.090 pessoas sofreram atos de violação dos direitos humanos, incluídas
59 execuções extrajudiciais, 336 desaparições e 3.470 exílios. Porém,
foram consignados 19.862 arrestos arbitrários durante o stronato, dos que
não menos de 18.772 (94%) passaram por algum tipo de tortura14.

13 Como parte do Plano Condor, vários opositores ao regime foram sequestrados no estran-
geiro, especialmente na Argentina (em particular, em Buenos Aires e no nordeste do país).
O caso paradigmático foi o de Esther Ballestrino, paraguaia sequestrada em Buenos Aires,
militante do grupo de familiares de desaparecidos da Argentina. Sobre a descoberta de parte
da documentação do Plano Condor em Assunção e de suas sequelas simbólicas, ver o esti-
mulante trabalho de González Vera (2002). Cabe lembrar que, a maior parte dos documentos
pertencem ao período stronista, mas também contêm registros vinculados aos governos an-
teriores. Milda Rivarola (1995) analisou os prontuários do arquivo policial sobre investigação
de pessoas (1917-1952), chegando à conclusão de que muitos indivíduos vinham sendo inves-
tigados pelos governos anteriores. A vigilância contínua dessas pessoas – em sua maioria,
trabalhadores –, ao longo de várias décadas, permitiu o acúmulo de informações valiosas que
eram perpassadas de um governo a outro.
14 Aliás, calcula-se que as vítimas indiretas – familiares ou pessoas próximas – atingiram o nú-
mero dos 107.987. Ao analisar o informe da Comissão Verdade e Justiça, observa-se rapida-
mente que as detenções maciças e o exílio coincidiram com os períodos de maior conflitivida-
de política (1960, 1976, 1980).

85
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

A institucionalidade da Doutrina de Segurança Nacional esteve


consideravelmente retrasada, entre outras razões, porque as “FFAA
paraguaias não tiveram – assim como seus pares – que se involucrar
ativamente na persecução de subversivos” (RIQUELME, 1992, p. 63) e,
como tem se demonstrado (RIQUELME, 1992, p. 1993), ela não gerou um
novo tipo de profissionalismo militar como o originado nos outros países do
cone Sul.
Mas sim é necessário considerar o trabalho “técnico militar”
iniciado pelos Estados Unidos no território já que, depois de desconsiderar
geopoliticamente o Paraguai, passou a enxergá-lo como o eixo de alerta do
comunismo pela sua localização geopolítica.
A documentação recentemente desclassificada permitiu confirmar
o papel de doutrinamento que tiveram os órgãos superiores do Partido
Colorado na formação do discurso que legitimaria a repressão dos ditos
subversivos comunistas.
De fato, a começos da década de 1970 aconteceria uma virada
política importante para a região e para o regime stronista. Naquele tempo,
o panorama latino-americano exibia escassos rasgos democráticos.
Com o antecedente mais distante da ditadura brasileira iniciada em
1964 e com o posterior golpe de Estado na Bolívia, em 1971, a influência
autoritária mais decisiva para o Paraguai e a região chegaria depois de
1973, e muito especialmente, em 1976. Foram anos nos quais aconteceram
eventos determinantes que cristalizaram mudanças profundas: a queda
de Salvador Allende e o início da ditadura chilena15, o regresso de Perón e
sua inesperada morte, a chegada da ditadura uruguaia e, finalmente, sob o
nome de Processo de Reorganização Nacional, a instauração da ditadura
militar argentina. Tudo isto coincidiu, também, com a ruptura das relações
harmoniosas com os Estados Unidos que, entre 1971 e 1972, acusou o
Paraguai de participar no narcotráfico, especialmente de heroína. Andrés
Rodríguez, segundo no comando das Forças Armadas (quem encabeçaria

15 Stroessner foi o primeiro presidente em realizar uma visita oficial ao Chile do ditador Augusto
Pinochet. As relações entre o Chile e o Paraguai continuam sendo um campo inexplorado
pelas ciências sociais em geral e das relações internacionais em particular.

86
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

o golpe contra Stroessner em 1989), foi um dos maiores involucrados16.


Internamente, os discursos e argumentos se deslocariam cada
vez mais em direção da Doutrina de Segurança Nacional, quando seria
realizada a última reeleição stronista para o período 1973-1978, com a
participação dos partidos opositores. A começos da década de 1980, foram
formalizados os objetivos e as missões, assim como a organização geral
das Forças Armadas. Através da Lei nº 83, elas passaram a ter a missão de
“garantir a segurança interna em coordenação com outras instituições do
poder nacional”, o que implicava “organizar, equipar e adestrar forças para
enfrentar quaisquer tipo de agressão”.
Era o momento da reconfiguração do regime que, após as eleições
presidenciais de 1973, começava a clausurar cada vez mais o espaço para a
participação política. Enfrentava-se abertamente contra a Igreja e desafiava
publicamente ao Partido Liberal Radical, que seis anos antes tinha se oposto
sem maiores restrições ao projeto oficial da reforma constitucional de 1967.
Mediante um comunicado da Junta do Partido Colorado, de 02/07/1975,
manifestava:

La posición eminentemente subversiva adoptada por


esos mismos dirigentes radicales en sus exhortaciones
e incitaciones deterioran la normalidad democrática y el
ordenado y libre juego pluripartidario (…) en desmedro de
la claridad de su posicionamiento en el proceso democrá-
tico dentro del cual actúa con todas las garantías de la
constitución y las leyes (MEMORIA DE LA JUNTA DE GO-
BIERNO, 1975, p. 73-74).

Essa guinada culminou na emenda constitucional da Assembleia


Nacional, de julho de 1976, que modificava o art. 173 da Constituição

16 A partir do conflito diplomático, os Estados Unidos recortaram sua parcela de compra de


açúcar paraguaio. Como contrapartida, o governo do Paraguai se orientou ao Japão em busca
de ajuda financeira. A relação com o governo japonês remonta-se a 1934, quando uma lei no
Brasil limitou a entrada de imigrantes japoneses no país vizinho. O incidente deu lugar a que a
empresa Colonização Brasileira S.A. se radicasse no Paraguai e promovesse a entrada de 100
famílias de imigrantes japoneses que, com a compra de um terreno de 11.000 hectares, locali-
zado em uma planície a 130 km ao sudeste de Assunção, deram origem à colônia La Colmena.

87
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Nacional e permitia a reeleição indefinida17. Os partidos políticos decidiram


não apresentar candidatos e apelaram abertamente por uma posição
abstencionista nos seguintes comícios (1978, 1983, 1988), que se realizariam
sem maior transcendência18.
Este novo ordenamento político teria sua contrapartida na gestação
de um novo padrão de acumulação. Em 26/04/1973, foi assinado o tratado
para a construção da represa de Itaipu, o que marcaria o fim de um ciclo
e o nascimento de outro. A assinatura coincidiu com um dos momentos
mais claros da crise do regime e recebeu críticas de seus aliados como
dos opositores através de uma reivindicação nacional na que não faltaram
leituras permeadas pelo prisma da Guerra da Tríplice Aliança. As forças
opositoras, que incluíam setores da burguesia urbana, setores industriais, o
movimento estudantil, a igreja e a imprensa nacional, denunciaram o tratado
– que se traduziu na entrada de capitais transnacionais e, especialmente,
na consolidação das estratégias geopolíticas de Brasil no país – como uma
violação da soberania paraguaia.
Finalmente, Itaipu – como todo milagre – desmoronou-se logo,
apenas iniciada a década de 1980, e exibiu as consequências de um
crescimento econômico desigual e transnacionalizado. Era o momento em
que a modernização conservadora encontrava seu limite, em coincidência
com o início do longo declínio stronista. Itaipu modificou a fisionomia
econômica e, em consequência, a distribuição urbana, dando espaço a
novos atores que experimentariam outros percursos políticos e sindicais.

UMA OUTRA ORDEM: A CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA

A ordem stronista produziu, pelo menos, duas operações de sentido


significativas. Recriou os heróis nacionais e lhes outorgou um forte arraigo

17 Pelo mencionado art. 173, estabelecia-se que: El Presidente de la República será elegido en
comicios generales directos que se realizarán por lo menos seis meses antes de expirar el
período constitucional que estuviere en curso, y podrá ser reelecto. In: Convenção Nacional
Constituinte. Documentos oficiales, Enmienda Nº 1 de 1976.
18 Já em 1973, o Partido Revolucionário Febrerista decidiu deixar de participar nos comícios,
decisão imitada pelo PLRA, em 1977.

88
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

popular, apresentando o regime como o portador de uma estabilidade


política através de um formato democrático legitimado por uma nova
ordem jurídica.
Estas duas destrezas semânticas permitiram vincular a
modernidade política provida pela “democracia” com uma herança
nacional que brindava ingredientes “autóctones” para a construção de uma
ordem “democrática e representativa”. Por tanto, essa ordem era alheia a
outros possíveis projetos democráticos apegados a ideias externas, ou
seja, comunistas ou subversivas. As velhas imagens, relidas à luz dos novos
tempos, terminariam assimilando o ser nacional com o ser colorado, até se
converterem em sinônimos durante a nova pátria.
Embora não fosse uma novidade que os regimes autoritários e
militares invocassem mitos e figuras nacionais, nem que reformassem os
marcos jurídicos do Estado – com maior ou menor sucesso –, considera-
se que a singularidade do caso reside no resgate de imagens de um
passado clausurado pelos resultados da Guerra contra a Tríplice Aliança e
o posterior regime político que permitiu ao stronismo, após o fim da Guerra
do Chaco, reencontrar os “autênticos” heróis da nação. Paradoxalmente, o
apelo aos heróis da guerra habilitou a construção da paz interna mas em
uma ordem política moderna, diante da evidência histórica do fracasso dos
mecanismos da democracia liberal para a instauração de uma organização
política estável para o Paraguai.
Seria possível afirmar que o reordenamento político e econômico
do regime materializou-se na Constituição de 1967. Em efeito, os novos
marcos jurídicos permitiram somar argumentos sobre o funcionamento da
“democracia” e, especialmente, subministrou novas fontes de legitimidade.
Assim, as imagens históricas disponíveis possibilitaram vincular a
democracia com a ordem (estabilidade política), o progresso (crescimento
económico) e a paz (eliminação do conflito).
A releitura do passado tinha começado com o século XX, quando
um grupo de intelectuais, vinculados direta ou indiretamente com o
coloradismo, resgataram a figura de Francisco Solano López – que de

89
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

“assassino da pátria” passou a herói – e construíram um relato histórico


sobre a Guerra contra a Tríplice Aliança que permeou todas as lutas
políticas da centúria. Após o golpe de 1936, essa história se oficializou com
leis e monumentos que exaltavam López e outros heróis – como o general
Bernardino Caballero, fundador da ANR.
A essa operação consagradora de heróis se opunha uma campanha
de estigmatização dos ditos “traidores” ou “legionários” – em alusão aos
paraguaios que tinham se somado às tropas aliadas durante a guerra
oitocentista. A partir de então, conceitos binários como patriota/traidor,
paraguaio/legionário, colorado/antiparaguaio seriam resignificados
constantemente. Assim, no marco da Guerra Fria – coincidente com o
stronismo –, os opositores do regime, em particular, os comunistas, foram
identificados como legionários.
Ainda na década de 1930, à história revisionista, somou-se um
discurso anti-imperialista que completava a orientação nacionalista e que
integrava-se em uma rede de discussão mais ampla em que a questão do
imperialismo como tema de debate sobre a identidade latino-americana
se impunha aos intelectuais do subcontinente (PITA GONZÁLEZ;
MARICHAL SALINAS, 2012). Assim, a Guerra Grande foi interpretada
como consequência dos interesses econômicos da Inglaterra na região.
A formação de redes intelectuais, como a Força de Orientação Radical
da Jovem Argentina (FORJA) que também convocou escritores latino-
americanos, favoreceu a difusão desta interpretação, convertendo-se em
hegemônica na escrita da história latino-americana.
A primeira década de Stroessner, no auge da Guerra Fria e com
o adicional triunfo da Revolução cubana, foi propícia para a leitura nessa
clave imperialista da Guerra do Paraguai, inscrita no movimento revisionista
rio-platense das décadas de 1960 e 1970, e finalmente fortalecida pela

90
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

teoria da dependência19. Desse modo, consolidou-se um relato histórico


em que Solano López deixava de ser um tirano para ser enxergado como
vítima de uma conspiração internacional. Esta corrente atacou duramente
o liberalismo, denunciando a ação imperialista e criticando o desempenho
dos chefes militares aliados.
Assim, o clima antiliberal e nacionalista militarista foi propício,
quando não ideal, para a reivindicação de Stroessner como sucessor das
“famílias fundadoras” e um defensor da identidade autóctone diante do
avanço do que se considerava um novo tipo de imperialismo, o “perigo
vermelho”.
De alguma maneira, ainda não tinha acontecido de que um
presidente se transformasse no herdeiro dessa tradição. As imagens que
estavam disponíveis desde fins da década de 1930 foram materializadas
e projetadas, com sucesso, como simbologia de um novo regime político:

Y porque tales herederos somos, que nuestro pueblo ha


reeditado en la Guerra del Chaco las páginas de la epo-
peya del 70. Los que fuimos actores de esa guerra y so-
brevivimos a las batallas, sentimos hoy la satisfacción del
deber cumplido a la altura de nuestra tradición (MENSA-
JES Y DISCURSOS, PRESIDENCIA DE LA NACIÓN, p. 84).

Stroessner reforçou o nacionalismo revisionista, com suas


adaptações para o momento de Guerra Fria, através de medidas que
cativavam à população em geral e a às elites em particular. Em 01/03/1955,

19 Entre os expoentes desta teoria, podemos mencionar Atilio García Mellid, José Maria Rosa,
Léon Pomer, Milcíades Peña e Júlio José Chiavenato, entre outros. Para uma revisão de alcan-
ce explicativo desta teoria, ver: Abente Brun (1989). Interpretações recentes sobre a Guerra
contra a Tríplice Aliança (DORATIOTO, 2004) questionaram profundamente essas interpre-
tações em clave imperialista, demonstrando, entre outros aspectos, o escasso aporte de ca-
pitais ingleses no conflito, bem como as tentativas diplomáticas inglesas para evitar a defla-
gração bélica. Desse modo, essas interpretações desestimam a “incompatibilidade” entre a
política liberal de estilo europeu e o capitalismo estatal paraguaio da época. Nos originais das
cartas roubadas durante a Guerra Grande, é possível ler a posição da Inglaterra, assim como
foi demonstrado por Francisco Doratioto. Uma cópia dos epistolários, reunidos sob o original
título de Papeles del Tirano del Paraguay por los aliados en el asalto del 27 de diciembre de
1868, propriedade de uma biblioteca pessoal, pode ser consultada no Centro de Documenta-
ção e Informação Regional da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade
Nacional de Misiones (Argentina). Uma resenha crítica de velhas e renovadas interpretações,
pode ser lida em: Brezzo (2007).

91
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

no aniversário da morte de Solano López, Stroessner descerrava do lado


do Panteão dos Heróis, na área mais importante de Assunção e local
da memória por excelência, o busto em bronze de Juan O’Leary. Dessa
maneira, consagrava não apenas o revisionismo paraguaio, mas também
seu mentor como abandeirado da nacionalidade.
Em 1974, o 24 de fevereiro foi consagrado como o Dia da Mulher
Paraguaia em homenagem à luta e à coragem femininas durante a Guerra
Grande. A data lembra a realização de uma assembleia de mulheres,
em 24/02/1867, na que se comprometeram a entregar suas joias para
contribuir com a luta contra os aliados (BARRETO, 2011). A lei foi aprovada
pelo Congresso, a partir de um projeto apresentado pela deputada liberal
Carmen de Lara Castro. A origem partidária e a militância a favor dos
Direitos Humanos da deputada proponente chamam a atenção pelo fato
da data estar associada à liturgia nacionalista defendida pelo coloradismo.
Mas, por trás da data havia a controvérsia sobre qual mulher
homenagear: a residenta ou a destinada. Durante a guerra oitocentista,
às mulheres que doaram suas joias lhes foi permitido “residir” em suas
respectivas cidades; aquelas que não aceitaram colaborar – ou eram
suspeitas de crimes “políticos” – foram “destinadas” a um desterro interno
e acusadas de traidoras. Assim como no século XIX, em que se valorizava a
mulher “leal a López” e se silenciava às mulheres vítimas da guerra, durante
o stronismo se fortaleceu uma memória positiva da mulher paraguaia no
conflito, a da residenta, caracterizada como uma mulher trabalhadeira,
corajosa, dedicada, forte, perseverante, defensora da família e da pátria
(SILVA, 2016).
A data continua vigente e é continuamente resignificada20,
evidenciando seu peso simbólico como o reconhecimento de um
determinado modelo de mulher. Com essa conceptualização era possível,

20 Recentemente o Livro de Ouro, onde constam as doações de joias, foi transferido da Casa de
Governo para o Arquivo Nacional num ato que requereu da presença policial como da impren-
sa. A solenidade do mesmo confirma a heroicização das mulheres do século XIX como não
teve parâmetro em nenhum outro país do continente. Ver: Libro de Oro pasará..., 2017.

92
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

sob o stronismo, resgatar um tipo de mulher e “silenciar” seu oposto. Para


Boccia Paz (2010), o lado positivo do binômio de gênero correspondia à
dona de casa, esposa e, fundamentalmente, à mãe, o que de certa forma
respondia ao modelo de sociedade patriarcal imperante. O lado negativo
estava integrado pelas feministas, sindicalistas, defensoras dos Direitos
Humanos e, obviamente, as desprotegidas do poder público e o alvo
mais vulnerável de uma sociedade machista, as mulheres pobres.21 A este
extremo da dicotomia cabia a discriminação e/ou o exílio.
O discurso nacionalista-revisionista também mediava no âmbito
das relações internacionais. Com a Argentina, as aproximações simbólicas
atingiram sua concretude – em parte, como consequência do revisionismo
histórico difundido em ambos os países – na entrega do grau de General
da Divisão Honoris Causa do Exército Paraguaio ao presidente argentino
Juan domingo Perón, o que se somava à cidadania paraguaia, outorgada
durante a presidência de Chaves, em ocasião da devolução dos troféus de
guerra ao Paraguai22.
Em termos simbólicos, o Brasil não teve a mesma sorte da
Argentina. Embora o Estado brasileiro tenha desenvolvido estratégias
de integração geopolítica que efetivamente possibilitaram romper com

21 Uma das práticas do stronismo mais difíceis para seu estudo tem a ver com as meninas po-
bres, convertidas em escravas sexuais, fato de público conhecimento em seu momento. Ma-
lena, filha do economista e historiador colorado Washington Ashwell e esposa de um oficial
da Armada paraguaia, denunciou a existência de um “harém” de crianças próximo de sua
residência. A influência de seu pai não evitou sua detenção e tortura – sob a acusação de
tentativa de assassinato de Stroessner –, mas garantiu sua sobrevivência e posterior exílio,
quando pôde dar seu testemunho. Ver: Desgarradora historia de..., 2008; e Malena Ashwell…,
2016. Neri Farina e Boccia Paz (s/d) confirmam a vulnerabilidade das mulheres humildes que
sofriam maiores ameaças e perseguições por parte do regime, como as vítimas das Ligas
Agrarias Camponesas.
22 Em 1955, após o golpe de Estado que provocou sua queda, Perón refugiou-se em um buque
canhoneiro paraguaio que, até a presidência de Lugo, encontrava-se na porta do Palácio dos
López (atual sede do poder executivo). Perón também foi homenageado com uma rua de
Assunção que leva seu nome. Em 02/11/1955, em virtude das pressões do governo militar
argentino, Perón foi levado até o Panamá em um avião das Forças Armadas. Stroessner tam-
bém concedeu asilo político a Anastasio Somoza quando este fugiu da Nicarágua em 1979.
Somoza foi assassinado no Paraguai, pouco tempo depois, por ação de um grupo comando.
Até meados da década de 1990, quando foram destruídos os símbolos da ditadura, Somoza
também era recordado com um monumento.

93
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

a hegemonia econômica argentina, as resistências simbólicas tem sido,


além de duradouras, muito mais complexas23. Brasil teve que esperar até
a década de 1970, na antessala do tratado de Itaipu, quando reavivou-se o
passado no contexto do aniversário de Cerro Corá e do natalício de Solano
López24.
A legitimidade nacional do regime colorado era a legitimidade dos
pais fundadores. A partir de então, o ser nacional (todos somos) implicava
o ser colorado, unificação que respondia a um mandato histórico mas
também divino:

La doctrina nacionalista del Partido nos une a todos los


colorados bajo la bandera de la patria […] y como ciuda-
dano, como soldado y como Gobernante, expreso ante
la Nación Paraguaya […] que me hago cargo con voso-
tros ante la historia de la consigna que recibiéramos de
Francia, de los López y del General Bernardino Caballero
(MENSAJES Y DISCURSOS, PRESIDENCIA DE LA NA-
CIÓN, p. 83-87).

Stroessner não falseava a realidade quando, ao falar sobre a


soberania política, referia-se à “grande família” já que as novas tradições
políticas eram também tradições privadas. Ou, em rigor, o privado devia
ser público.
Embora o crescimento econômico alentado pelo intervencionismo

23 Os rastros do conflito bélico continuam influenciando os debates atuais sobre a integração


regional e alimentando as identidades nacionais. Prova disso são as declarações da ex-pre-
sidenta argentina Cristina Fernández, em ocasião da assinatura do tratado do Banco do Sul,
de 09/12/2007, quando se referiu ao conflito oitocentista como a “Guerra da Tríplice Infâ-
mia” – denominação dada à guerra por Milcíades Peña. Pouco tempo antes, mas em um outro
sentido, o jornal Clarín reproduzia parte de um artigo da Folha de São Paulo, sob o título “A
Guerra da Tríplice Aliança ficará em segredo” (Clarín, 17/12/2004, p. 48-49), anunciando que o
governo de Luiz Inácio da Silva tinha decidido não disponibilizar para o público a consulta dos
arquivos secretos da guerra, dado que só contribuiria a reavivar antigas disputas. A decisão é
mais do controvertida se considerarmos que esse mesmo governo tinha entregue ao Arquivo
Nacional os documentos secretos, anteriores a 1975, da Agência Brasileira de Inteligência, de-
pendentes do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), para a Comissão Geral de Investigações
e ao Conselho de Segurança Nacional. Na visita oficial do Governo Paraguaio ao Brasil, em
18/10/2008, Martín Almada solicitou novamente a abertura e devolução dos arquivos profa-
nados pelo Brasil em ocasião da guerra.
24 Sobre a disputa simbólica nas imprensas brasileira e paraguaia, em ocasião do momento
prévio às tratativas por Itaipu, ver: Colman (2016).

94
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

estatal se mantivesse, pelo menos, até a crise da dívida em 1982, o regime


stronista sofreu profundas modificações no novo contexto da década de
1970. Nesse sentido, com a consolidação do Plano Condor se produziu
uma viragem importante nas formas de organizar a ordem. Essa mudança
pode ser constatada tanto na Emenda Constitucional de 1976 para a
reeleição indefinida, quanto nas mais estendidas práticas repressivas e nos
deslocamentos dos argumentos utilizados pelo regime.
Por tanto, se a figura de Solano López era factível de ser
imortalizada, igualmente poderia acontecer com a figura de Stroessner
que, independentemente de sua longeva vida, fez de tudo para formar
parte do Panteão. Mas, a prática de se auto imortalizar dando seu nome
a um bairro, um distrito ou um aeroporto; construindo monumentos em
honor a si mesmo que o equiparavam ao grande prócer López e incluindo
seu aniversário no calendário oficial, teria que afrontar ainda o processo de
transição para a democracia e a sua desoladora morte em Brasília.
Se a nível nacional, Stroessner procurava se erigir como o herdeiro
natural dos López, a nível internacional tentou, do modo sistemático,
se converter no principal referente sul-americano do anticomunismo
hemisférico. Neste sentido, muitas foram as operações simbólicas que
conciliavam o lopismo com os discursos de paz, amizade e liberdade
dominantes no clima da Guerra Fria Cultural.
Se bem a União Soviética promovia iniciativas em torno da
reivindicação da “paz” e o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos
centrou seus esforços na criação de encontros e organizações em defesa
da “liberdade” (BERGHE, 1997), o stronismo levantou o estandarte da
“paz” e da “amizade” no cone sul para mostrar um Paraguai que tendia
“pontes” a seus vizinhos mais próximos (seus antigos inimigos nas guerras
internacionais) e assumia compromissos de solidariedade continental.
A apropriação e ressignificação de conceitos chamarizes
possibilitava não apenas um diálogo identitário com os aliados ocidentais,
como abria caminhos para uma integração em diversos campos (militar,
econômico, político) com os vizinhos rio-platenses. As estratégias eram

95
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

variadas e iam da identificação genérica dos ditos inimigos internos como


“comunistas” à propaganda ideológica própria da Guerra Fria Cultural. Tais
estratégias contemplavam tanto a criação de publicações e agrupações
anticomunistas quanto um rigoroso seguimento dos exilados paraguaios
no exterior através das ações do governo paraguaio que, quase uma
verdadeira “gestapo”25, seguia os movimentos de seus cidadãos e trocava
informações com os governos ditatoriais da região.
Enquanto as práticas culturais promoviam a criação da imagem de
um Paraguai “pacificado” e pretendiam “projetá-lo ao ‘mundo’” na ideia de
um país integrado nas “nações unidas” (SOLER, 2015), superando o mito
do histórico isolamento do Paraguai, os serviços de inteligência paraguaios
em coordenação com os de seus vizinhos – que viabilizaram ações como
a Operação Condor – permitiram a “faxina” dentro e fora do território
nacional dos ditos “legionários” – traidores, vermelhos, perigosos, inimigos
e tantos outros apelativos utilizados para espionar os opositores do regime.

MODERNIZAÇÃO ECONÔMICA E MUDANÇA NOS PATRÕES


DE ACUMULAÇÃO

Em termos históricos e comparativos com outros países da


América Latina, o Paraguai não foi um cenário privilegiado de intervenção
dos Estados Unidos. Sua localização geopolítica marginal, a ausência de
conflitos sociais e políticos radicalizados que colocaram em risco a região,
a ausência de enclaves econômicos rentáveis e estratégicos, e a presença
quase monopólica de capitais e comércio argentinos, primeiro, e brasileiros,
depois, não converteram este país em um mercado especialmente atrativo
para a inversão estrangeira.

25 A expressão pertence a Víctor Morínigo, guión rojo que desempenhou-se como ministro “exi-
lado” do stronismo e era um crítico dos “longos braços da nossa gestapo que podem nos
seguir aonde formos”. In: Carta de Víctor Morínigo a Juan Natalicio González de 30/12/1964.
In: Arquivo Nacional de Assunção, Natalicio Gonzalez Collection, MSE 192v2_2. A espionagem
nas embaixadas paraguaias respondia à política de Sapena Pastor, à frente do Ministério das
Relações Exteriores durante duas décadas.

96
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

Porém, a situação começou a se reverter no final da década de 1930,


aprofundando-se após a Segunda Guerra Mundial a partir de mudanças
importantes, tanto no plano interno como no contexto internacional. Desde
então, o Paraguai nutriu-se dos princípios da escola cepaliana (ESPÍNOLA
GONZÁLEZ, 2010, p. 46) e avançou em um “Plano de Desenvolvimento”
criado para combater o “atraso”26.
Como já foi exposto, desde a década de 1940 começava a ser
dominante no Paraguai – ao igual que em outros países – a premissa
de que o Estado devia ser o principal agente de todo processo de
transformação social, ideia tomada pela Revolução febrerista de 1936
e que termina plasmada na Constituição de 1940. Por outro lado, como
parte do compromisso do Tratado de Paz subscrito após o fim da Guerra
do Chaco, os Estados Unidos outorgaram vários empréstimos financeiros
que, constituído em primeira potência após a Segunda Guerra Mundial,
seguiu promovendo como parte da estratégia para afirmar sua presença na
região. Assim, o aporte externo cumpriria um papel gravitante no processo
de modernização que começou a meados dessa década.
O processo de modernização da economia stronista foi viável na
medida em que contou com as condições internas e externas favoráveis
(BORDA, 1989)27. Entre as primeiras figuram a abundância de terras fiscais,
o declínio da produção extrativa (a florestal como a pecuária extrativa) e o
excedente de mão-de-obra camponesa; entre as segundas, os créditos e as
doações externas abundantes e o estímulo dos organismos internacionais
que alentavam um novo tipo de intervenção estatal.
Até a construção de Itaipu, no início dos anos de 1970, quando
a economia paraguaia se orientou para uma escandalosa proliferação
e especulação financeira, as políticas econômicas do regime estavam
dirigidas a ativar o modelo de crescimento e, através de obras de

26 Com o nome de Plano Decenal de Desenvolvimento, o documento foi publicado na Revista


Estudios Paraguayos da Universidade Católica de Assunção. Ver Vol. II, nº 2.
27 A primeira etapa de crescimento econômico e de estabilidade política do stronismo coincidiu
com o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) e com o “milagre brasileiro”, ponto
culminante do crescimento econômico e da modernização impulsada pelos militares.

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As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

infraestrutura, romper com o isolamento interno causado pela ausência de


um mercado nacional (FORMENTO, 2003).
As obras públicas orientadas ao desenvolvimento e à integração do
próprio território favoreceram a abertura de novos mercados e produziram
um sustenido aumento da atividade econômica. A unificação do território
implicava também a criação de um mercado nacional, indispensável para
qualquer país exportador integrado ao capitalismo mundial, a possibilidade
de pôr em circulação não apenas os bens materiais, mas também os
simbólicos para dar lugar tanto à presença do Estado quanto da nação,
em sua dupla função simbólica e de disciplinamento. O crescimento
experimentado foi, por tanto, “orientado para fora”, mas partindo da
integração e do controle interno.
Com a implementação do Estatuto Agrário, foram criados o Instituto
de Bem-estar Rural (1963)28 – responsável pela criação do Fundo Pecuário
(1969) –, o Programa Nacional de Investigação e Extensão Pecuária, e o
Plano Nacional de Trigo (1968). Com estas políticas, dava-se início a um
plano de mecanização dos processos de produção agrícola e pecuária.
Para os setores camponeses foi implementada uma ampla política
agrária dirigida a consolidar a base de sustentação social do regime que,
sem afetar a dominação estrutural, conseguiria ampliar suas bases sociais.
Com o objetivo de regular a tenência da terra, foi posto em marcha um
vasto programa de colonização (reparto de terras em lotes)29 e se avançou
na regulamentação do regime de propriedade das terras comunitárias
(FORMENTO, 2003, p. 57).
A abertura para novos mercados significou o nascimento de um novo

28 Sobre os diferentes programas de reforma agrária, tanto os impulsados pelo Estado quanto os
apresentados pelos partidos políticos para a Assembleia Constituinte de 1967, ver: PASTORE
(1972, p. 461-518). Quando Stroessner chegou ao poder, ainda estava em vigência o Estatuto
Agrário (aprovado em 28/03/1940), implementado pelo Instituto de Reforma Agrária. Depois
de 1962, estabeleceu-se outro estatuto que deu lugar à criação do Instituto de Bem-estar
Rural.
29 Os programas de colonização iniciaram-se a começos do século XX com a intencionalidade
de promover políticas de povoamento. Algumas iniciativas que serviram como antecedente
podemos mencionar os programas para colonos procedentes do Canadá (1926), da União
Soviética (1930) e do Japão (1945).

98
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

perfil exportador, a partir da venda de produtos agrícolas primários como


a soja e o algodão. Essa mudança deu origem a uma peculiar modificação
dos termos de intercâmbio como da própria estrutura produtiva: para 1970,
o cultivo da soja incrementou-se em um 700% e o do algodão, em um
800%30.
O Instituto de Bem-estar Rural controlou vastos recursos
econômicos devido à grande quantidade de terras fiscais ainda existentes no
país, além das grandes extensões de bosques já explorados pelos enclaves
extrativos, que não tinham possibilidades de reconversão econômica, e das
terras que o Estado adquiriu a um custo muito baixo. De fato, a região mais
afetada foi a zona inexplorada, inóspita e menos densamente povoada no
leste do país, receptora do reassentamento de camponeses nacionais e
de contingentes de imigrantes brasileiros. O incremento da imigração nas
fronteiras deu lugar à expansão da produção agrícola e à ocupação de
terras por parte de colonos e proprietários brasileiros.
O processo de colonização da terra esteve acompanhado pela
mobilização da população no duplo sentido Brasil-Paraguai, o que acabou
aliviando a pressão pela terra e a demanda de trabalho. O resultado final
deste processo foi que a colonização implementada incluiu a participação
econômica, mas acabou excluindo a participação política. É compreensível,
então, “a estreita relação existente entre o processo de modernização
capitalista e a estabilidade do sistema social” (DELICH, 2004, p. 55).
Todos os autores que tem estudado o problema da terra e
os camponeses (FOGEL, 1986; FORMENTO, 2003; RIVAROLA, 1982;
GALEANO, 1982; PASTORE, 1972; GARCÍA, 1982), com os dados
disponíveis, coincidem em salientar que a política agrária dirigida a alentar
o processo de colonização não alterou a propriedade da terra ou a estrutura
da propriedade, na medida em que não se traduziu em um processo de
desapropriação de terras improdutivas ou dos latifúndios.

30 Historicamente, o comércio exterior assentava-se na venda de recursos meramente extrati-


vos (madeira, erva-mate, tanino) e dos produtos pecuários que incluíam de animais vivos até
produtos derivados que exigiam certa industrialização.

99
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Em um país consistentemente rural, foram impulsadas modificações


na estrutura agrícola-ganadeira através de um programa de colonização,
segundo a especialização e mecanização dos processos de produção
agrícola e ganadeira que a demanda dos novos mercados internacionais
requeria. Porém, somente os latifúndios tiveram a capacidade econômica e
foram receptivos aos incentivos estatais para a incorporação de tecnologias
avançadas, o que levou à alcançar a “capitalização da estrutura agrária”
(FOGEL, 1989) e a produzir mudanças inusitadas na economia global do
país.
Em virtude disso, a estrutura agrária começou a experimentar a
presença de um sistema de médias e grandes propriedades, de origem
externo, nas terras disponíveis na zona leste e noroeste do país, assim
como a introdução de inovações tecnológicas nos processos produtivos.
Tratou-se de um processo de “modernização agrária autoritária
inconclusa” (GALEANO, 2010) que, sobre o final do stronismo, começou
a se manifestar na perda relativa de 20 a 100 hectares por proprietário,
no caso das explorações administradas por empresas familiares. Estas
últimas, conjuntamente com as grandes extensões de terras em mãos de
estrangeiros – vendidas pelo Estado após a Guerra da Tríplice Aliança –
tinham caracterizado a estrutura da tenência de terras no Paraguai. Desse
modo, trocava-se a relação latifúndio-minifúndio pela relação grande
propriedade-pequena propriedade. A incorporação de tecnologia no
campo, a transformação de uma agricultura familiar em empresas agrárias
e o incremento da média e grande empresa colocaram em xeque a forma de
funcionamento tradicional do setor. Por isso, e ainda no marco de ditadura,
o regime não conseguiu impedir a reaparição de organizações camponesas
e a ocupação de terras, através das Ligas Agrárias, que exibiam níveis de
conflitividade social inéditos.
Em consequência, a modernização da estrutura agrária terminou
por incentivar a criação incipiente de um tímido empresariado nacional
vinculado ao regime e configurar “os inícios da formação da classe
empresarial stronista, que floresceu vigorosamente a partir de Itaipu”

100
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

(BORDA, 1993, p. 71). Francisco Delich (1981) já tinha observado esta


tendência que conduzia à criação de uma nova classe social e o papel
que desempenharia a relação entre o bloque agrário e o regime político
como parte de uma nova reconfiguração ou suporte hegemônico. Não é
casual, então, que o recente informe final da Comissão Verdade e Justiça
(2008) tenha denunciado o abrupto processo de concentração da terra
durante o stronismo, acontecido a partir da adjudicação maciça das
terras, originalmente destinadas para a reforma agrária, para pessoas que
estavam impedidas legalmente a recebê-las. A Comissão também declarou
que as Ligas Agrárias e os movimentos camponeses foram os grupos mais
perseguidos durante esse processo31.
O outro grande capítulo da época seria a reconfiguração das
relações com o Brasil e a Argentina. A ingerência que, desde a Guerra
Grande, estes países tiveram na política e na economia locais não tinha
sido saldada, apesar do perdão da incomensurável dívida em 1942 e
1943, respectivamente. De fato, quase que paralelamente com este
acontecimento fundante para toda a região, instalavam-se em Assunção o
Banco do Brasil (1941), inaugurado por Getúlio Vargas, e o Banco da Nação
Argentina (1942).
Em rigor, os “novos vínculos” políticos entre o Brasil e o Paraguai
tinham sua origem nos acordos assinados entre Getúlio Vargas e o
presidente José Félix Estigarribia (Acordo sobre a Base de um Intercâmbio
Ferroviário, Cultural e Econômico) e na visão dos militares brasileiros –
que vinculavam a segurança nacional a um projeto de desenvolvimento
econômico –, baseada nos teóricos da Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento, que fora elaborada na Escola Superior de Guerra (ESG),
criada em 1949 pelo presidente Eurico Dutra. Por outro lado, somaram-se a
Guerra do Chaco e o papel que a queda de Perón em 1955 desempenhou
no Brasil, além das históricas intrigas sobre a hegemonia disputada por
estes dois Estados.

31 Entre 1954 e 2003, de um total de 12.229.594 hectares adjudicadas, 7.851.295 foram distri-
buídas irregularmente. Considerando o total da superfície do território paraguaio, as terras
entregues ilegalmente representavam um 19,3%.

101
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Como tem demonstrado Melisa Birch (1988), a tendência foi a de


uma política pendular32 entre a Argentina e o Brasil. Segundo a autora, a
política exterior do Paraguai não variava de acordo aos partidos políticos
que se sucediam no poder, o que refutaria a conhecida premissa que
assimilava o Partido Liberal com a Argentina e o Partido Colorado com
o Brasil. Todos os dados indicam que a política externa do Paraguai tem
sido flutuante, na medida em que tem se construído como uma resposta
às condições econômicas e políticas públicas impulsadas pelos países
vizinhos em função de seus próprios interesses.
Por tanto, a primazia final do Brasil se explica tanto pela busca de
se consolidar como referente da América do Sul quanto pelo crescimento
econômico constante obtido, ao contrário das recorrentes crises argentinas.
A nova orientação econômica do Brasil, alentada desde a década
de 1940, permitiu ao Paraguai romper com a subordinação e hegemonia
argentina, que historicamente tinha favorecido a radicação de capitais para
o exercício do comercio e tinha assegurado e fortalecido a dependência
econômica. Um dos pontos centrais foi um conjunto de tratados e acordos
para desenvolver obras destinadas à integração geoeconômica. Ela se
expressaria na mais importante concessão de privilégios como o porto
livre de Paranaguá, mas também através da anterior construção da Ponte
da Amizade sobre o rio Paraná (inaugurado 1965 pelo presidente brasileiro
Castelo Branco) e a pavimentação da rota que conecta Assunção com
Foz do Iguaçu33. Isso, somado à fundação da cidade Puerto Presidente
Stroessner (hoje Ciudad del Este), iniciava a chamada “marcha para o leste”,
levada adiante como parte da política territorial e de integração regional.
Stroessner reconhecia publicamente a ajuda brindada tanto pelos
Estados Unidos quanto pelo Brasil, e apropriava-se dos “novos” vínculos
externos:

32 Carlos María Lezcano (1993) o caracterizou como “equilíbrio instável”. Ceres Moraes (2007)
também reconstruiu a bidirecionalidade das relações durante o stronismo, demonstrando o
papel predominante de Getúlio Vargas na recriação do que derivaria na “nova orientação”.
33 A Argentina só reconheceu a livre navegação do rio Paraná após o Paraguai obter esta outra
saída pelo porto de Paranaguá.

102
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

Nuestra política de buena vecindad sigue rindiendo sus


mejores frutos, merced de una comprensión exacta de
los destinos comunes que ligan a nuestros pueblos […]
Cabe señalar el espíritu de solidaridad que distingue a la
gran nación brasileña y a su gobierno, con la que hemos
firmado acuerdos y convenios […] Mi gobierno reconoce
que los Estados Unidos han habilitado con su concurso
las ejecuciones en que descansa el progreso de Paraguay
(Mensajes y Discursos, Presidencia de la Nación, febrero
de 1956, p. 268).

A consolidação das novas relações com o Brasil se traduziu na


implementação do maior empreendimento hidrelétrico do mundo, a partir
do acordo subscrito por ambos os países em 196634. A nova matriz de
acumulação, embora reconhecesse seus antecedentes nas modificações
operadas na década anterior e nas mudanças regionais e internacionais,
ficaria mitificada com a assinatura do tratado de Itaipu, em uma conjuntura
internacional favorável pelo aumento dos preços da soja e do algodão.
Pelo acordo, projetado como um condomínio integrado pelas duas
nações, o Brasil comprometia-se a financiar – através de um empréstimo
suave de 50 milhões de dólares – o capital inicial que o Paraguai
precisava para a execução de sua parte da obra (mão-de-obra, materiais,
equipamento), de forma que fosse aportado em partes iguais. Porém, logo
ficou demonstrado que os recursos paraguaios foram insuficientes em
magnitude, tecnologia e desenvolvimento como para contribuir em forma
equitativa para a obra. De fato, embora fosse uma quantidade impensável
para a economia nacional, o Paraguai acabou aportando 10.000 operários,
de baixa qualificação, de forma permanente entre 1976 e 1982, impulsando
a proliferação da indústria da construção, que passou de 20 empresas
de baixo nível de capital a 250 quando a obra foi finalizada (BIRCH, 1988;
BORDA, 1989).

34 A assinatura do tratado foi demorada por um incidente diplomático pelos limites fronteiriços,
cuja disputa remonta-se à Guerra da Tríplice Aliança. Durante o altercado, Brasil não se privou
de enviar tropas para a área em questão, provocando protestos entre a população paraguaia
(COLMAN, 2016). Este obstáculo foi superado com a Ata das Cataratas, assinado por ambos
os países, entre o 21 e o 22/06/1966.

103
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

O “milagre de Itaipu”, apresentado como o maior triunfo


diplomático do stronismo e o maior provedor de divisas de toda a
história do Paraguai, na verdade, colocava o país, mais uma vez, em uma
situação de dependência. A construção da obra em sociedade significava
assumir índices de endividamento escandalosos. Também implicava o
co-financiamento de uma obra que, embora estipulasse dividir em partes
iguais a produção de energia elétrica, não permitia a venda do excedente
para outros países. Portanto, devido à escala do mercado nacional, o
Paraguai terminaria custeando uma obra que subsidiaria a eletricidade
brasileira. O grande problema, que até a década de 1950 representava a
subordinação à economia argentina e as disputas pelo monopólio do porto,
seria substituído pela conflitiva regulação do preço da energia elétrica que
devia ser negociado com o governo brasileiro do momento35.
A cláusula que permitia ao governo paraguaio, em consorcio com
outras companhias internacionais, produzir equipamentos mecânicos mais
sofisticados foi bem aproveitada pelo regime na medida em que foi capaz
de rearticular o conjunto da pequena burguesia interna em torno do grande
capital e da classe política governante. Um indicador permite visualizar
nitidamente estas novas alianças. Em efeito, a partir da promulgação da
Lei da Banca Especializada se criaram, entre 1973 e 1981, 12 bancos, 26
financeiras, 6 sociedades de poupança e empréstimos, e 30 companhias
de seguro. Paraguai converteu-se no paraíso da especulação financeira
(BORDA, 1993).
Neste marco, o Estado implementou a Lei de Fomento Industrial
(216/70 e 550/75), segundo a qual comprometia-se a financiar a atividade
industrial através de empréstimos suaves. O capital estrangeiro foi
investido preferencialmente nos rubros de maior dinamismo como o
financeiro e o agroexportador de soja e algodão. Desde cedo, era possível

35 Não é casual que uma das pautas urgentes na agenda de governo de Lugo tenha sido modi-
ficar o valor da energia elétrica que o Paraguai vende ao Brasil. Porém, as pequenas interven-
ções de Lugo estão longe de alterar substancialmente os termos de intercâmbio devido a que
não é possível uma renegociação das condições da tenência da terra, localizada em uma zona
majoritariamente ocupada por capitais brasileiros que a utilizam para a produção de soja.

104
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

observar como os grupos econômicos financeiros (formados por capital


nacional e estrangeiro) diversificavam parte de seu capital com a compra
de grandes extensões de terra, como os casos de Agriex (54.000 hectares),
AGROPECO (60.000 hectares) e PARAGRO (301.000 hectares).
Dessa forma, as grandes empresas agrícolas transformariam
uma economia agrária de escassa capacidade produtiva em outra de alta
rentabilidade e produtividade. O capital seria canalizado para os setores da
produção e as finanças, aumentaria a capacidade de absorção da força de
trabalho e cresceria o deslocamento do campo para a cidade.
Todos os índices macroeconômicos são contundentes na hora
de demonstrar o inédito crescimento econômico experimentado sob o
regime stronista até a década de 1980. As tentativas de modernização
produziram a entrada da tecnologia no campo, mas com o custo de uma
maior concentração da terra que alimentou o regime para instaurar sua
nova ordem social.
Os processos de mudança substantiva descritos nas estruturas
de acumulação econômica tiveram sua contrapartida na composição
da estrutura social. Durante a década de 1970, a sociedade paraguaia
encontrava-se imersa em um processo de mudanças aceleradas e
profundas. O impacto manifestou-se primordialmente na área urbana,
especificamente na capital e, mais uma vez, ficou demonstrada sua
capacidade histórica para se apropriar dos recursos nacionais. De fato,
um dos efeitos mais notórios foi a “descamponização” (RIVAROLA,
1982, p. 54), observado na periferia de Assunção como consequência do
aumento da mão-de-obra, serviços e insumos, mas também pela brutal
diminuição da emigração paraguaia para a Argentina a partir da década
de 1970. Em termos demográficos, Assunção conseguiu crescer a um 3,4%
anual, cifra recorde em relação a toda sua história. O sistema de esgoto
e de água corrente, como a construção dos primeiros prédios de altura
acompanharam esta modernização urbana.
A construção de Itaipu, ao que somou-se o tratado com a Argentina
para a construção da represa hidrelétrica de Yacyretá, gerou uma

105
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

demanda de mão-de-obra especializada e não especializada incomum na


história econômica do Paraguai. Isto, mais o fracasso da política agrária
de colonização, obrigou muitos agricultores a migrarem para os bairros
periféricos de Assunção em busca de novas oportunidades de vida.
De fato, o impacto do processo econômico mudou a histórica
composição da estrutura social que passou a ser prioritariamente urbana
e assalariada (formal e informal). Este abrupto processo de urbanização,
assalariamento e transformação da estrutura social e econômica se frenaria
repentinamente e daria lugar a um inédito ciclo de conflitividade sindical.
Em poucos meses, as organizações operárias duplicaram o número de
filiados e triplicaram a quantidade de organizações36.
O regime produziu uma modificação da estrutura econômica onde
a agricultura passou a ter um menor peso relativo no P.B.I. (42% em 1954,
32% em 1970, 37% em 1975 e 29% em 1989), enquanto que a indústria e
a construção mantiveram-se constantes em uma média de 20% para todo
esse mesmo período37.
Porém, o peso da agricultura nunca deixaria de ser dominante na
composição do P.B.I., especialmente após ocupar o 50% da P.E.A. Por tanto,
produziu-se um processo de transformação da estrutura que responde às
características de uma modernização conservadora (FOGEL, 1993, 1989),
impulsada pelo Estado através de uma modernização tardia que não foi
precedida por um desenvolvimento industrial urbano.
O fenômeno histórico substantivo foi a reversão da tendência do
crescimento demográfico, pela primeira vez favorável ao setor urbano,
e da presença – embora minoritária – do setor industrial no PBI. Isso

36 Assim, se passou de 202 a 400 organizações e de 19 a 75 mil sindicalizados. Isso foi possível
pela criação, nesse período, do Movimento Intersindical de Trabalhadores (MIT), central pa-
ralela à paraestatal Confederação Paraguaia de Trabalhadores. O conflito salarial do Hospital
das Clínicas (dependente da UNA) foi um caso paradigmático porque aglutinou os dirigentes
estudantis que havia optado por uma militância sindical, renovando assim à classe política na
condução do espaço opositor durante a transição para a democracia.
37 Segundo a CEPAL, nesse período, o crescimento para América Latina foi de 25-28$, sendo
que o México, a Argentina e o Brasil os países que conseguiram índices mais altos. Porém,
comparando o Paraguai com o Equador e a Bolívia, observamos índices similares ou, incluso,
positivos a favor do primeiro.

106
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

não significou que a estrutura agrária não continuasse exercendo sua


supremacia econômica na esfera da produção e da população rural.

A DECOMPOSIÇÃO DA ORDEM

Se bem as continuas renegociações económicas, sociais, políticas


e simbólicas outorgaram um sucesso e uma sobrevida inéditos ao
stronismo, se comparado com seus vizinhos rio-platenses, isso não pode
supor a ausência de conflitos como de resistências com certo margem de
ação e efetividade. Além dos movimentos sociais, políticos e armados que
questionaram o regime, as críticas de membros da Igreja católica foram in
crescendo a partir da década de 1960 e foram adotando medidas de aberto
confronto com Stroessner – tais como excomunhões de membros do
governo, críticas sobre a situação social do país, suspensão de atividades
conjuntas entre o Estado e a Igreja, correspondentes a datas fundantes
da nação, como as procissões n. 8 de dezembro, do Te-déum no 15 de
agosto e do discurso natalino no Palácio dos López, entre outros. Quando
da visita do papa João Paulo II, em 1988, se enxergou um gesto para
pressionar o regime e vislumbrar o início do fim do ciclo stronista (NERI
FARINA; BOCCIA PAZ, 2011, p. 91). As críticas estavam associadas com o
aprofundamento das diferenças sociais, assim como as excomunhões eram
uma manifestação pública da hierarquia eclesiástica de sua desaprovação
dos rumos autoritários e repressivos do stronismo.
As pressões provinham também de outros setores, tanto internos
quanto externos. A retórica defensora dos Direitos Humanos do presidente
norte-americano Jimmy Carter não foi precisamente uma condenação das
ditaduras latino-americanas, mas as obrigou a mudar as táticas discursivas
oferecendo uma imagem mais cuidada de suas gestões de governo.
Isso facilitou certa visibilidade internacional dos organismos defensores
dos Direitos Humanos, obrigando o stronismo a “suavizar” suas práticas
repressivas.

107
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

Por outro lado, apesar de preservar seu eficaz sistema de


inteligência, o stronismo não soube abortar algumas ações armadas
opositoras que tiveram grande repercussão mundial. Tal o caso da investida
do grupo armado que acabou com a vida Anastasio Somoza, em 1980. Além
destes sinais de debilitamento do poder onipresente stronista, o Paraguai
começava a ficar isolado diante do processo de abertura democrática de
seus vizinhos, como pela progressiva perda de apoio econômico e político
por parte dos EUA.
Assim, ao longo da década de 1980, o regime dava indícios de
esgotamento, paralelo ao natural envelhecimento de seu líder Alfredo
Stroesner. Longe de tratar o fim do regime como uma “morte natural”, alguns
indicadores assinalam um estancamento das condições de reprodução da
modernização conservadora. A queda do preço internacional da soja e do
algodão, e a finalização das obras de Itaipu em 1982 marcaram o fim da
bonança dos anos setenta. A crise econômica ocasionou a desvalorização
da moeda paraguaia, o guarani que, junto ao crescimento da mão-de-
obra desempregada, provocariam não somente uma merma no apoio
popular como uma ruptura no próprio Partido Colorado. Os setores
produtivos afetados pela crise, como os industriais, também manifestaram
publicamente seu descontentamento.
Neri Farina (2014, p. 20) identifica o ano de 1982 como o início
do “desgaste lento mas persistente” que conduziu o stronismo à sua
queda, em um golpe militar liderado por antigos stronistas. A pressão
internacional permitiu o regresso de integrantes de MOPOCO, voltando
a se enfrentar com a estrutura partidária stronista. Entretanto, diferentes
médios começaram a se questionar o que aconteceria após Stroessner,
verbalizando o declínio do regime e a necessidade de discutir a sucessão
governamental, enquanto os exilados – de diferentes origens partidárias –
se organizavam para uma transição democrática.
A divisão do coloradismo foi inevitável e alguns setores
castrenses, preocupados com o grau de autonomia de certos grupos do
partido, começaram a refletir sobre a possibilidade de uma ação militar,

108
CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

especialmente após 1987, considerando que Stroessner já tinha perdido


o controle tanto do partido quanto em relação aos ditos inimigos. Nos
últimos dois anos do stronismo, o amplo descontentamento da sociedade
impulsionou a formação de diversas agremiações e movimentos que
começavam a manifestar suas reclamações abertamente.
Quando da reeleição de Stroessner em 1988, a fidelidade dos oficiais
do exército se diluía ao passo que se fragilizava o regime. O protagonismo
do sogro do filho de Stroessner no golpe de fevereiro de 1989 é atribuída,
em parte, às medidas que Stroessner tomou em prejuízo de Rodríguez.
Independentemente de se poderia ter sido outro oficial além de Rodríguez
quem encabeçara o golpe, Stroessner chegou ao fim de seu longo governo
pela falta de uma renovação das forças que o tinham impulsado. Porém,
as práticas autoritárias permaneceram, apesar da alegria popular pela
queda de Stroessner. Apenas três meses após o golpe de Rodríguez, foram
convocadas eleições presidenciais nas que Rodríguez saiu vencedor com
74% dos votos de um padrão eleitoral com 900.000 nomes duplicados
(ABENTE BRUN, 2010, p. 25). Não obstante a fraude, a oposição entendeu
que iniciava-se um novo processo, alentador, no Paraguai.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora ainda prevaleçam as interpretações que colocam o acento


nas práticas repressivas e autoritárias para explicar a permanência do
stronismo, a inovação das pesquisas das últimas décadas permite refletir
sobre outros aspectos que relativizam as primeiras. Ditas pesquisas abrem
caminhos de reflexão sobre a construção de uma ordem que assentava-se
em equilibrados “jogos” de abertura e fechamento do sistema político, que
ora permitia a participação restringida da oposição, ora a clausurava.
O sucesso da gestão autoritária do regime se apoiou na eficácia
de uma cultura do medo e de autocensura que, fortalecida com um longo
período de bonança econômica como consequência do alargamento das

109
As revoluções na América Latina Contemporânea. Entre o ciclo revolucionário e as
democracias restringidas

exportações de produtos primários e da construção de Itaipu, e conciliada


com a política de coloradização do exército e da administração pública,
como da militarização do partido, permitiu que Stroessner se apropriasse e
aperfeiçoasse uma maquinaria autoritária que já estava em funcionamento
desde antes de 1954.
Porém, para a década de 1980, o stronismo era um regime
anacrônico (RODRÍGUEZ, 2014) que já não contava com o apoio daqueles
que o tinham alavancado na década de 1950 – ANR, Forças Armadas,
Igreja. A perda de suas bases teria favorecido a reorganização do
movimento operário, do camponês como do estudantil, assim como abria
o caminho para a expressão pública da oposição e para que a imprensa
se perguntasse abertamente sobre o “pós stronismo”. A crise econômica
iniciada em 1982 eliminou o sustento econômico do regime, agudizando o
descontentamento social.
A tendência em explicar o stronismo a partir de seu resultado final
levou a considera-lo uma ditadura, sem defini-la conceitualmente. Porém, a
observação dos fatos históricos à luz de uma lupa deixam mais incertezas do
que certezas para a definição dos governos anteriores a Stroessner como
democráticos e o stronismo como ditatorial. As práticas autoritárias dos
diferentes protagonistas para se manterem no poder – González, Chaves,
Stroessner, Rodríguez – são as mesmas. Elas apenas se tornaram mais
eficazes sob o stronismo graças a sua sistematização e à consolidação de
um sistema político restritivo e autoritário.
A queda de Stroessner de 1989 não representou o fim do
autoritarismo no Paraguai. Pelo contrário, muitas instituições preservaram
toda uma legislação e práticas de controle social, político e econômico que
paulatinamente – e com muitos obstáculos – tentam ser erradicadas pela
sociedade. Talvez, uma das expressões mais enérgicas da população tenha
sido sua oposição à mudança constitucional que permitiria a reeleição do
presidente, no início de 2017, na tentativa de erradicar velhos fantasmas.

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CAPÍTULO 2 | O Stronismo: uma gestão autoritária bem sucedida

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