Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
PARA QUALQUER UM
1
Entende-se pela locução Assuntos Gerais o período de uma AGE durante o qual são
deliberados assuntos que não se enquadrem nos demais tópicos. No tópico assuntos gerais
fica implícito que quaisquer assuntos poderão ser tratados, não servindo de fundamento para
que se anule o que ali foi posto por condomínio, discutido e organizado.
2
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007. p. 267.
Este artigo visa apresentar os resultados de pesquisa empreendida na
jurisprudência e na doutrina em busca de respostas para o que se pergunta. E
para se resolver a primeira indagação rememore-se que o sistema jurídico
brasileiro está estruturado preponderantemente com a finalidade de aplicar o
direito escrito, positivado, obedecendo ao art. 5º, II, da Constituição Federal de
1988 (CF/88), a estabelecer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Do referido dispositivo advém o
princípio da legalidade, que, além de proteger o indivíduo em face do Estado,
legitimando somente as imposições que respeitem as leis previamente
estabelecidas no ordenamento, também serve como de instrumento norteador
da atividade jurisdicional.
Agora, em razão da adoção do sistema do stare decisis3, há que se
repensar a compreensão do termo “lei”, empregado na CF/88. Se até
recentemente “lei” significava apenas as espécies legislativas, agora, em razão
da força obrigatória dos precedentes, há que se contemplar também o
precedente judicial, mormente aquele que, em razão do status da Corte que o
firmou, tem cogência prevista no próprio ordenamento jurídico.
Por óbvio, os precedentes não devem ser aplicados de qualquer maneira
pelos magistrados. Há necessidade de que seja realizada uma comparação
entre o caso concreto e a ratio decidendi da decisão paradigmática. É preciso,
em poucas palavras, considerar as particularidades de cada situação
submetida à apreciação judicial e, assim, verificar se o caso paradigma possui
alguma semelhança com aquele que será analisado. Essa comparação, na
teoria dos precedentes, recebe o nome de distinguishing (distinção) que,
segundo Cruz e Tucci é o método de confronto “pelo qual o juiz verifica se o
caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”. 4
Nesse sentido, por mais que juízes e tribunais tenham em parte aceito
determinado caminho é possível que situação diversa das até então analisadas
aponte não ser aquele o único para a justa prestação jurisdicional. A decisão
divergente sugere que o caso submetido deve ser apreciado desvinculado de
3
Stare decisis et non quieta movere (termo completo) significa “mantenha-se a decisão e não
se moleste o que foi decidido”, cfe. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como
fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
4
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004.
caráter vinculante que possa ser considerado de decisões anteriores tomadas
em sentido contrário.
A respeito da questão de “assuntos diversos” encontram-se dispersos
pelos tribunais alguns precedentes que permitem a discussão e deliberação de
determinados assuntos sem discrição detalhada no edital convocatório. A
recente decisão de 14 de abril de 2015, em sede de recurso inominado, o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) é um exemplo. A corte
decidiu contrariamente ao pleito de que a contratação de novos encargos não
poderia ter sido tratada como tema de “assuntos gerais” necessitando
veiculação específica, bem como que a contratação de internet banda larga se
referia à despesa voluptuária a necessitar a aprovação de 2/3 dos condôminos.
Eis como foi ementada a decisão:
Veja-se mais:
E mais:
5
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
6
HOUBERT, Ives Henrique. Condomínio em geral e incorporações imobiliários Curitiba: ISSDE:
Brasil S.A., 2009, p. 73.
Superado este primeiro ponto, adiante-se para a análise da existência de
leis que restrinjam o debate e a deliberação de condôminos em assembleias.
Inúmeras leis regem as relações condominiais, admitidas inicialmente no
Código Civil com vários dispositivos, indo do art. 1331 a 1358, Constituição
Federal, Código Penal, Lei do Inquilinato, Decretos, Regulamentos, Portarias,
Leis Estaduais, Municipais e a Lei do Condomínio, a de nº 4.591, de 16 de
Dezembro de 1964, que veio disciplinar as relações entre Condôminos.
Apesar do calhamaço de leis, o legislador não precisou regras para
assegurar ao condômino o conhecimento sobre as circunstâncias da realização
das assembleias de condôminos e dos assuntos a tratar nelas, de forma a
permitir-lhes estarem presentes ou representados e preparados
adequadamente para intervir na discussão e votação.
Na falta de um texto legal inequívoco, alguns especialistas fazem
paralelo com dispositivos legais pertinentes a demandas estranhas à seara
condominial, a exemplo de Francisco Eduardo Loureiro que advoga a tese de
que omissa a convenção do condomínio, a forma de convocação das
assembleias deve observar as regras que regem a convocação das
assembleias das sociedades anônimas, que admite a discussão sobre matéria
não contemplada na ordem do dia, mas, nunca, a deliberação. 7 A matéria,
contudo não é tão pacifica assim. Tanto é que a
7
LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código civil comentado. Coord. Min. Cezar Peluso. 7ª ed.,
Barueri: Ed. Manole, 2013, p. 1.395; J. NASCIMENTO FRANCO. Condomínio. São Paulo: Ed.
RT, 1997, p. 93.
8
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Boas Práticas
para Assembleias de Acionistas. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo:
IBGC, 2010. p. 54.
Outros fundam o argumento no disposto no art. 24, caput da Lei nº
4.591/64. Por este viés, os defensores da tese restritiva de deliberação e voto
entendem que nas Assembleias todos os temas em deliberação devem estar
devidamente expressos no edital de convocação para que a decisão seja válida
e principalmente exigível dos condôminos ausentes. É o que dizem se inferir da
Lei do codomínio (art 24, caput) ao referir-se que a assembleia geral ordinária
compete aprovar as matérias inscritas na ordem do dia.
Lembrar que apesar de para muitos o Código Civil não ter revogado a
Lei 4591/64, havendo conflito de normas entre a Convenção, a Lei 4591/64 e o
9
Cabe lembrar que o Código Civil não revogou a Lei 4591/64, que continua valendo, naquilo
que ela não conflitar com o Novo Código, obedecendo ao princípio da hierarquia das Leis.
Portanto, havendo conflito de normas entre a Convenção, a Lei 4591/64 e o Novo Código, este
prevalece.
Código Civil, este prevalece. A propósito, neste sentido, decidiu o TJ-RS, no
trazido Recurso Cível: 71005059266 que “Não há que se falar em nulidade da
assembleia uma vez que a convenção do condomínio estabelece que serão
tomadas em Assembleia Geral Ordinária decisões de interesse geral, sem
estabelecer a necessidade de realização de Assembleia extraordinária e
10
específica para a contratação de serviços ao condomínio.”
A corte estadual, ao invés de tomar como restritivo o dispositivo da Lei
de Condomínios conferiu-lhe maior abrangência e alinhada ao sistema do stare
decisis, deu força obrigatória aos precedentes, ao acrescentar jurisprudência
da Turma Recursal em julgamento de caso similar:
10
TJ-RS. Recurso Cível: 71005059266 RS, Relator: Fabiana Zilles, Data de Julgamento:
14/04/2015, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
16/04/2015.
em “assuntos gerais” impede que sua natureza jurídica e seus efeitos práticos
sejam, na verdade, os de anulabilidade relativa e não os de nulidade absoluta.
A anulação ou anulabilidade de negócios jurídicos é tema por deveras
extenso, sendo que por não se ter pretensão de esgotá-lo, se irá consignar
alguns alertas básicos para que se evitem injustiças e as problemáticas,
indesejáveis, que possam anular as assembleias. Para os fins deste artigo a
apreciação se voltará especificamente para a anulação ou anulabilidade de
assembleias que deliberam sobre assuntos importantes, mas cuja pauta consta
apenas a expressão “assuntos gerais”.
Como dito por Caio Mario da Silva,
11
SILVA, Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1995, 18ª
ed., p. 402,
12
Código Civil Português Decreto-Lei n.º47344/66 de 25 de Novembro. Disponível em:
http://www.dominio-lda.com/21-xptd47344.htm. Acesso em: 29 mai. 2017.
fragmento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 3 de
Novembro de 2016, reproduzido nas mesmas palavras:
Com efeito, Pires de Lima e Antunes Varela 13 afirmam que «no âmbito
desta disposição não estão compreendidas nem as deliberações que
violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por
objectos assuntos que exorbitam da esfera de competência da
assembleia de condóminos. Quando a assembleia infrinja normas de
interesse e ordem pública (suponha-se, por ex., que a assembleia
autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do
edifício que o n.º 1 do art. 1421.º considera forçosamente comuns; que
suprime, por maioria, o direito conferido pelo n.º 1 do art. 1428.º; que
elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427.º a qualquer condómino, de
proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do
edifício; que suprime o recurso dos actos do administrador a que alude
o art. 1438.º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de
incêndio, diversamente do que se dispõe no n.º 1 do art. 1429.º), as
deliberações tomadas devem considerar-se nulas, e como tais,
impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do
art. 286.º. (…) Quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos para
que não tenha competência (tal será o caso em que, por exemplo, a
assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento
do respectivo titular, uma parte do prédio pertencente em
compropriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberação deve
considerar-se ineficaz: desde que a não ratifique, o condómino afectado
a todo o tempo pode arguir o vício de que ela enferma, ou por via de
excepção, ou através de uma acção de natureza meramente
declarativa.»
Esta interpretação é igualmente adoptada por Aragão Seia 14, o qual,
após referir que são somente anuláveis as deliberações que a
assembleia tome dentro da área da sua competência, isto é,
respeitantes às partes comuns do edifício, devem considerar-se nulas
ou ineficazes as que violam preceitos de natureza imperativa e as que
exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos.
(sic)