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Olhares sobre a Fotografia

Nuno Pinheiro

Edição

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia

Instituto Universitário de Lisboa

Grafismo e fotografia da capa

Nuno Pinheiro

Publicação –2015

ISBN 978-972-8048-07-05

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia

ISCTE– Instituto Universitário de Lisboa

Edifício ISCTE

Av. Das Forças Armadas

1649-026 Lisboa

t. +351 210 464 018

f. +351 217 940 074

E-mail cies@iscte.pt

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Índice

Olhar 8

Gramofones da Luz, Fotógrafos, fotografia e Arte no Portugal de 1900 12


10

Livro de Viagens 18
17

D. Carlos premiado na Exposição Nacional de Fotografia - 31/12/1899 22


20

Fotografia em Portugal - 1900 23


22

Aurélio da Paz dos Reis, Cidadão e Fotógrafo 26


25

A Realeza e a Fotografia 29
28

“A La Minuta” 32
31

História da Fotografia em Espanha 34


33

Jorge Almeida Lima - Fotógrafo amador 37


36

Christiano Júnior 40
39

A História da Fotografia segundo Rómulo de Carvalho 44


43

Notas sobre Walter Benjamin 46

Fortuna e Malogro (d)o retrato fotográfico em Lisboa – 1860-1900 49


48

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Índice de Imagens

Anúncio das câmaras Goerz , Boletim Fotográfico, 1910 9


Clemente dos Santos, Um Socialista, Boletim Fotográfico, 1900 12
S. Fortes, Uma Paisagem entre Vila Franca de Xira e Cadafaz, Boletim Fotográfico, 1900 14
Carlos Relvas, Golegã, Passagem de um Lago, Arte Fotográfica, Fev, 1885 15
Quarto de D. Carlos, Boletim Fotográfico nº1, 1900 19
Capa de Boletim Fotográfico nº1, 1900 21
João Carlos Coutinho, Aspeto Geral da sala da Exposição, Boletim Fotográfico, nº1 23
Lavandeiras, Rio Almonda – Lapas (Torres Novas), Boletim Fotográfico, 1900 24
D. Maria Pia, Boletim Fotográfico, 1900 27
Chapas portuguesas (de Pinheiro d’Aragão & C.ª, do Porto), Boletim Fotográfico, 1900 30
Camilo dos Santos, Alhambra, Boletim Fotográfico, 1900 32
Almeida Lima, A Nau dos Corvos, Boletim Fotográfico, 1910 35
Jorge Almeida Lima, Cabeça do Russo, Boletim Fotográfico, 1900 38
Página de Publicidade, Boletim Fotográfico, 1910 41
Serões, nº 33, Março de 1908 44
Emílio Biel & C.ª, Carte de Visite, col. do autor 47
Não identificado, D. Luís e D. Maria Pia, Carte de Visite, Col. do Autor 49
Sobreposição de Cartes de Visite, Retratos de busto masculinos, Portugal, 1880-1910 52
Carte de Visite, Colecção do Autor 53

7
Olhar
Nesta recolha apresento textos escritos ao longo de mais de quinze anos, a maior parte são novas versões do que es-
crevi aquando da minha colaboração no suplemento Olhar de A Capital, pouco antes do encerramento daquele que
foi o último vespertino de Lisboa. Devo a minha breve passagem por aquele vespertino ao João Vaz, entusiasta do
jornalismo e da fotografia e que, durante, mais de uma década dinamizou o Olhar , que acabou por ser uma das publi-
cações fotográficas de maior longevidade em Portugal.
Esses textos, escritos em 1997/98 tinham, na maior parte dos casos, uma função de atualidade que entretanto se per-
deu, davam muitas vezes conta de exposições ou publicação de livros. Entre as dezenas então escritos e publicados
foram escolhidos os que mais se relacionavam com a fotografia portuguesa antiga, deixando de parte aqueles que as
grandes mudanças tecnológicas tinham deixado irremediavelmente desatualizados. Alguns destes textos feitos por
ocasião de exposições ou edição de livros e terão partes fatalmente datadas, mas que em face do pouco que foi es-
crito sobre a fotografia portuguesa, não terão perdido todo o interesse. Outros textos foram propositadamente escritos
para esta coletânea, tentando manter aquilo que era o “modelo” original, quer na sua extensão, quer em alguma faci-
lidade de leitura necessária numa publicação dirigida a um público mais vasto do que o académico. São textos mais
de divulgação do que estudos aprofundados, mas que não deixam de, por vezes, ser polémicos.
Alguns textos são visões de conjunto, outros particularizam acontecimentos ou fotógrafos. De entes à que realçar que
não havia um texto escrito em Portugal sobre Christiano Júnior, um dos mais importantes fotógrafos portugueses e
desconhecido em Portugal, ou mesmo na sua Ilha das Flores natal. No entanto os estudos sobre a sua vida e obra são
frequentes no Brasil e Argentina, onde fez a maior parte da sua obra. Os seus retratos, as suas fotografias de tipos
sociais, incluindo os escravos do Brasil fazem parte da memória desses países. Senti a necessidade de escrever agora
sobre ele, na falta de um grande estudo que inclua os seus primeiros anos de vida em Portugal. É um texto que não
tem dificuldade em enquadrar-se com os anteriores.
Não se esperará que esta recolha de textos seja uma História da Fotografia em Portugal, falta-lhe para isso a sistema-
tização. Mesmo a intenção mais crítica que descritiva destes escritos o impede.
Foi essa intenção crítica que impulsionou a escrita do pequeno texto sobre Walter Benjamin que parece mais difícil
de enquadrar. Este surgiu como uma necessidade em face da frequência com que é citado em todas as obras que de
alguma forma se debruçam teoricamente sobre a fotografia. É o texto mais teórico, o que tem uma relação menos
direta com fotografias, aquele que se dirige a um público mais especializado.
Uma recolha diferente de texto, uma que fosse mais centrada na “atualidade” levaria à inevitável conclusão de que,
desde os finais dos anos 90 até agora, a fotografia terá mudado mais do que o fez nas décadas anteriores. A velocida-
de da mudança tem sido, aliás, muito grande e, tal como aconteceu na viragem do século XX, implica mudanças téc-
nicas, assim como (e talvez mais importante) mudanças na forma de partilhar as imagens. Curiosamente a empresa
que impulsionou essas mudanças nos finais de oitocentos, acabou por ser a sua maior vítima.
A tentação de escrever um texto pensando no que é hoje a fotografia foi grande, chegou mesmo a ter algumas linhas
e um título que acabaria com alguma coisa como “até ao FLICKR”, só que aparentemente esse título estaria ultrapas-
sado, o site de partilha FLICKR parece um pouco desatualizado em face das aplicações pensadas na partilha de ima-
gens feitas com telemóvel. Se não estivesse desatualizado hoje, em pouco tempo só poderia despertar os sorrisos e
uma certa nostalgia de um passado recente. O ritmo de mudança tem sido extremamente rápido e abrange a tecnolo-
gia, mas sobretudo aquilo a que nós hoje chamamos “modos de partilha”. Na verdade duas outras grandes
“revoluções” na fotografia foram centradas nessa questão da “partilha”. Foi o alargamento da possibilidade de parti-
lhar as imagens fazendo delas um símbolo social que levou à grande expansão da “Carte de Visite” nas décadas de
50 e 60 do século XIX. Também foram novas possibilidades de partilha a fazer o sucesso da empresa que mais mar-
cou a fotografia em mais de 100 anos, a Kodak. Esta empresa acabaria, depois de mais de um século, e até tendo con-
seguido ser pioneira na nova era, por ser a maior vítima destes novos tempos.
A publicação desta coletânea estava prevista desde há muito, é também a expansão de novos formatos de partilha de
textos que a torna possível.

8
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Os Gramofones da Luz
Os fotógrafos, a fotografia e a arte no Portugal de 1900
Hoje vive-se um tempo de expansão e valorização da atividade fotográfica que acontece quando há dois aconteci-
mentos que a parecem contradizer: O primeiro é a perca de importância do fotojornalismo enquanto forma de comu-
nicação; a segunda é a ausência em Portugal de publicações dedicadas à fotografia de que o “Olhar” é a excepção.
O início do século XX também foi uma época de expansão da fotografia: as inovações técnicas permitiram torná-la
acessível, quer do ponto de vista financeiro, quer do técnico. No entanto estas inovações e o facilitar do processo
fotográfico vieram a tornar mais urgente a legitimação artística de um processo que até aí se distinguia pela dificul-
dade técnica.
Não é possível calcular o número de praticantes de fotografia em Portugal no princípio do século XX, no entanto
eram os suficientes para alimentar três publicações a ela dedicadas, das quais o Boletim Fotográfico, com a sua pu-
blicação entre 1889 e 1914 foi a de maior longevidade em Portugal. Os debates e as imagens que vão atravessando
esta imprensa permitem ver como a fotografia servia de forma de distinção social e procurava a sua legitimação ar-
tística.
A prática da fotografia não permite que atualmente se faça uma distinção de classe. Estudos feitos nos EUA sobre
as fotografias que existiam expostas em casas de famílias de vários grupos de rendimentos não permitiram encon-
trar diferenças muito significativas. Bourdieu também encontrou uma relação maior entre a existência de aparelhos
fotográficos e a estrutura do agregado familiar do que com a pertença a um dado escalão de rendimentos.
No entanto a prática da fotografia já constituiu um dos modos de distinção para uma burguesia que na ausência de
diferenças jurídicas tinha que se impor pelo seu modo de vida. Numa primeira fase a distinção permitida pela foto-
grafia era considerável. Em meados do século XIX o ato de se fazer fotografar era bastante caro, e o acto de foto-
grafar não só era dispendioso como exigia uma dedicação e uma perícia técnica notáveis.
Durante a segunda metade do século a procura estimulou o progresso técnico, baixando enormemente o preço do
retrato, sendo a sua popularidade cada vez maior, alargando-se a camadas mais baixas da sociedade. A Carte de V i-
site foi o formato que tornou a fotografia universal, pelo menos entre as classes médias.
Era uma situação típica dos produtos industriais desse tempo, consumidos sobretudo pelas classes médias que não
sendo suficientemente ricas para produtos de grande luxo tinham, contudo, a capacidade económica suficiente para
este tipo de consumo.
A discussão de se a fotografia ‚ ou não uma arte vem praticamente de desde o seu inicio, em que interessou não só
aos intelectuais, mas também, por razões mais praticas aos tribunais. Não é muito relevante o facto de os tribunais
franceses (país onde a questão se colocou mais veementemente) tenham decidido que a fotografia era uma arte, o
facto é que, em termos do reconhecimento público, a fotografia era inferior às "Belas Artes".
Apesar da intervenção da química e da mecânica, a dificuldade e morosidade dos processos garantiam por si algum
reconhecimento. No entanto as ultimas décadas do século XIX foram aquelas em que a facilitação de processos tor-
nou a pratica da fotografia muito mais fácil e só dependente de meios económicos bem inferiores aos das décadas
anteriores.
Estamos perante uma nova situação: A fotografia tinha-se tornado muito mais fácil, mais barata, acessível a um nú-
mero muito maior de pessoas. Já existia um equilíbrio delicado entre amadores e profissionais a que se vem juntar
esta nova categoria de amador, aquele que faz fotografia para o seu prazer, sem para isso ter grandes preocupações
artísticas, ou conhecimentos técnicos.
Temos, de novo, lançado o debate da fotografia como forma artística, estamos na viragem do século XX época em
que surgem mais publicações dedicadas ao amador, mais associações de amadores, época da maior expansão da
prática da fotografia.
Vai ser por meio dessas publicações que vamos tentar saber quais as linhas de distinção entre estes três grupos: - De
um lado os praticantes de uma profissão que se situava entre o manual e o intelectual, não facilmente conciliável
com o modo de vida burguês, do outro os que sem uma dedicação ou um investimento excessivo praticavam a foto-
grafia, finalmente aqueles para quem o estatuto profissional de fotografo seria inaceitável, mas que à fotografia de-
dicavam esforços e verbas consideráveis. Era a estes últimos que estas publicações se dedicavam, dando-nos, pois
uma visão algo limitada, não contemplando, geralmente, os esforços dos profissionais para quem essa legitimação
teria um interesse prático real. Veremos, pois, onde se situa a barreira que na fotografia faz a distinção entre os seus
praticantes.

10
Distinção
Ter um modo de vida burguês, era a forma de se poder pertencer, e mostrar que se pertencia à nova classe domi-
nante. Desfeitas que estavam as barreiras jurídicas do antigo regime, não havia outra forma de marcar a diferença
em relação às classes populares. Uma das distinções fundamentais fazia-se por meio do dinheiro. As práticas bur-
guesas eram caracteristicamente aquelas para as quais os meios económicos necessários eram superiores ao supor-
tável pelos não pertencentes à burguesia.
No entanto uma distinção que só se fazia por meio do dinheiro não era inteiramente satisfatória para uma classe
que na sua produção ideológica propagandeava o mérito individual, que era, aliás, a sua forma de demarcação em
relação à velha aristocracia. A distinção tinha que se fazer, pois, também no campo do mérito, em que os melhores,
mais educados, com mais talento, com mais cultura, tinham que ter o seu lugar, para além das suas capacidades
económicas.
Claro que a prática da fotografia correspondia ao primeiro critério, era cara. A consulta do Eco Fotográfico, em
que havia anúncios com preços de equipamento e material sensível leva-nos a máquinas que custavam 100$000
reis, e que eram bastante populares entre os leitores da revista, as chapas e todo o material de revelação também
custavam quantias considerável.
Mas os últimos anos do século XIX são marcados por uma simplificação técnica que também impôs uma redução
dos custos da fotografia. Ao mesmo tempo que existiam esses aparelhos a 100$000 reis, também se podiam encon-
trar outros, mais simples, a quantias tão reduzidas como 2$400 reis, pelo que as barreiras da distinção tinham que
se fazer notar de outras formas.
A fotografia era, também, o exemplo de atividade a que um burguês se podia dedicar nos seus lazeres, mas que não
seria bem vista como profissão. Apesar de se poder ser considerada como uma profissão intelectual e de, por exem-
plo em França, ter contado com alguns filhos de burgueses como seus profissionais (Nadar), implicava o manuseio
de substâncias sujas e repugnantes, e uma certa dose de trabalho manual. Além disso a sua pratica era possível com
um mínimo de conhecimentos que não implicavam uma grande formação profissional. A existência da fotografia
só é possível com conhecimentos profundos de óptica, química, mecânica, mas a sua prática é perfeitamente possí-
vel sem que destes se tenha o mínimo domínio.
Era importante fazer a distinção face ao amador que se tinha limitado a confiar no slogan que George Eastman ti-
nha lançado uns anos antes: "You press the button, we do the rest". Aqui a desqualificação fazia-se de duas formas,
em primeiro lugar pela simplicidade do processo que fazia desaparecer veleidades artísticas, em segundo lugar pelo
seu embaratecimento que o ia tornando acessível a camadas mais baixas da população. Em ambos os casos lutava-
se contra uma massificação que arriscava a fazer desaparecer a fotografia como barreira, ou pelo menos a colocar
essa barreira mais baixo na escala social.

11
Clemente dos Santos
Um Socilalista, Boletim Fotográfico, 1900

12
Definição da arte

"Entretanto, depois que a prática da fotografia se generalizou entre amadores, quantas câmaras foram e estão sendo
apenas os gramofones da luz!" Afonso Lopes Vieira
Esta ‚ uma definição pela negativa, a rendição simples do real, aquilo que era possível fazer sem o "esforço, gosto e
estudo" de cuja falta o Eco Fotográfico se queixava em relação a um concurso que organizou (6). A crítica dirigia-se
noutro número da mesma revista àqueles que não empregavam o papel de carvão, um processo difícil, mas cuja pou-
ca utilização em Portugal provaria a falta de gosto artístico dos amadores fotográficos a quem "pouco lhe importa
que essa prova tenha ou não foros de artística; o que pretende‚ que seja nítida e fácil de executar e nada mais".(7)
A arte ‚ algo que se vê nos "olhos educados de um amador" que encontra na natureza: quadros,"como se estivesse
vendo a sua reprodução numa tela emoldurada", no mesmo texto é atacada a preocupação de apanhar particularida-
des que escapam à nossa perceção quando se observa diretamente a natureza".
A fotografia seria assim uma arte quando executada por "indivíduos que pelo seu talento mostrem ser artistas", no
entanto no mesmo artigo em que num dicionário se pretendia definir arte esta é definida como um "agregado de re-
gras e preceitos que ensinam a executar com perfeição alguma coisa".(8)
Esta ultima definição de arte é mais próxima da de uma técnica sendo de técnica que se ocupam a maioria dos arti-
gos de todas estas revistas‚ em que apesar de se fazer a exaltação do pictorialismo, (que pretende submeter a rendi-
ção da realidade à impressão causada), as fotografias reproduzidas têm quase sempre uma rendição realista.
É uma forma particular de realismo que não se assemelha muito ao tipo de imagens dominantes a partir dos anos 30.
As pessoas que aparecem em poses, aparentemente, naturais são cuidadosamente posadas naquilo a que se chama o
"quadro de género" para a confeção dos quais "se pintaram fundos apropriados, se escolheram modelos, se vestiram
e se dispuseram artisticamente, tal como no atelier do artista.” (9) A questão parece ser aqui a da reprodução dos mé-
todos da pintura, quer na sua rendição (que não se fazia muito frequentemente em Portugal), quer nos seus métodos.
Retrato do Artista

Para haver arte são necessários artistas. No entanto são raras as referências aos fotógrafos enquanto artistas. "Sombra
e Luz", que antes de se dedicar inteiramente à fotografia tinha igualmente artigos sobre pintura e literatura, incluía
nas suas páginas artigos sobre escritores ou artistas, nem sempre maiores, mas só teve uma referencia mais desenvol-
vida em relação a um fotógrafo aquando da morte de David Ramos, colaborador habitual nos concursos por ela pro-
movidos.
As referências a artistas estrangeiros eram também escassas e mais escassas ainda eram as reproduções do seu tra-
balho, o que contrastava com o noticiário sobre novidades técnicas, que era abundante. Reflexos de uma "arte de
praticantes"?
Uma arte de praticantes ‚ o que parece ser sugerido pela presença no "Eco Fotográfico" em 1907 e 1908 de uma
"Galeria de Amadores Contemporâneos", em que não aparecem os nomes dos fotógrafos mais conhecidos da altura,
mas sim aqueles cujas referências são enviadas para a revista. O tom ‚ invariavelmente panegírico, elogia nos mais
modestos "os sacrifícios que fazem por amor à fotografia", nos mais abastados a modéstia. São comuns as referên-
cias ao material sofisticado que possuem, mas são escassas as referências ao tipo de fotografia que produziam e em
nenhum caso aparece a reprodução de trabalhos que tenham feito. Isto poderia ter a sua explicação nas dificuldades
de impressão, mas todas estas biografias são acompanhadas do retrato do biografado.
Estes amadores são pessoas com alguma diversidade de recursos e ocupações, desde os aristocratas (Visconde de
Tinalhas; Conde de Almeida Araújo), a pessoas bem mais modestas (oficiais de repartição de finanças; rádio telegra-
fistas em África...) passando por comerciantes; padres, incluindo mesmo, algumas senhoras. Parece procurar-se mais
a legitimação da arte pelo estatuto dos seus praticantes do que a elevação da pessoa pela arte. Entre as pessoas que
viram os seus trabalhos reproduzidos contavam-se o próprio rei D. Carlos (Sombra e Luz), o infante Luís Filipe
( Eco Fotográfico), ou mesmo a Rainha Maria Pia (Boletim Fotográfico).

13
Os excluídos

Do processo de afirmação da "Arte Fotográfica" estavam excluídos, por motivos diferentes duas categorias de fotó-
grafos. Em primeiro lugar, e de um modo geral os profissionais, que eram acusados em muitos casos de não ter a
formação necessária e de, no fundo, serem maus profissionais, utilizando materiais que não eram os melhores, mas
sim os mais baratos.
Outra acusação que era comum fazer-se aos profissionais era a de estarem submetidos ao (mau) gosto dos clientes,
não podendo, pois, fazer refletir a sua expressão pessoal.
No entanto a rivalidade entre profissionais e amadores que se fazia sentir nas tentativas quase simultâneas de cria-
ção da Sociedade de Fotografia, com amadores e profissionais e do Clube Fotográfico, só com amadores (1907) que
afirmavam que os dois são incompatíveis e da colaboração conjunta "só para os profissionais (...) poderão advir gló-
ria e nome que por direito só aos amadores pertenceriam"(10), tem as suas tréguas quando a "glória e nome" de al-
guns profissionais contribuem para abrilhantar alguma atividade ou revista de amadores. Sem sucesso, o Eco Foto-
gráfico, tentou criar uma galeria de Retratos Profissionais, a que só respondeu a casa Biel, que praticava um géne-
ro de fotografia bem próximo do defendido pela publicação, com o retrato cuidadosamente posado, mas a dar a im-
pressão de natural, de camponesas do norte. Um exemplo de bucolismo tão em moda em todas as formas de expres-
são artística nesse tempo.
O profissional era aqui quase sempre entendido como o que tinha um atelier de retrato, o novo tipo de repórter não
era nunca referido, não só pela novidade do seu aparecimento, mas também por o seu trabalho ser completamente
oposto aos cânones estéticos destas revistas. Os novos repórteres praticavam o instantâneo documental, quando o
que era defendido por estas revistas era a composição de quadros que fugissem à documentação e ao realismo.
Rejeitado era também o instantâneo dos "amador vulgar que possuidor de uma caixinha preta e de ordinário mal
construída, vai por essas ruas a carregar num botão, impressionando as suas chapas a esmo, atamancando a fotogra-
fia" (11)., apesar de Afonso Lopes Vieira defender que para a pratica da fotografia não são necessário os aparelhos
excecionais, a este tipo de amador liga-se sempre, a fraca qualidade do aparelho "caixinha preta", ou "Kodak" que
complementa a sua falta de sensibilidade artística, ou de conhecimentos de técnica fotográfica.
A exclusão faz-se, assim a dois níveis, a um nível económico, em que a posição social inferior do "amador vulgar"
ou do profissional são rejeitadas, mas também ao nível de formação técnica que o profissional muitas vezes não ti-
nha e o "amador vulgar" nunca tinha. A posição inferior do profissional fazia-se notar na falta de independência "as
exigências todas dos modelos são a maior parte das vezes contrárias ao seu modo de ver e de pensar."(12)

S. Fortes, Uma passagem entre Vila Franca de Xira e Cadafaz


Boletim Fotográfico, 1900

14
A Arte, a Fotografia e o Bom Senso

"O facto ‚ que a definição de uma fotografia de certo valor ‚ a mesma que a da pintura, com a diferença que as linhas
principais são o resultado da ação da luz sobre a chapa emulsionada; e não se pode pretender que um quadro não
pode constituir uma obra de arte, pelo facto certo de que as suas linhas principais, o esboço, o esqueleto enfim, são o
resultado dessa ação", mas "para produzir um quadro de valor pelo método fotográfico‚ preciso antes de tudo ser um
grande artista e os artistas de exceção não são coisa corrente" (13)
Talvez a falta de artistas de exceção estivesse na origem do pouco reconhecimento público da fotografia como arte
no início do século. As consequências práticas disso eram importantes: o material fotográfico que já era onerado
com direitos de importação bastante altos viu-os agravados pela pauta alfandegária de 1909. Também como não ha-
via em Portugal uma lei específica sobre a propriedade autoral da imagem fotográfica.
Mesmo a diversidade de publicações fotográficas deste início de século foi uma curta vaga, já que todas tinham aca-
bado em 1915, tendo sido nessa altura criada a "Arte Fotográfica" (título que já tinha aparecido em 1884/85) que
também não durou muito.
Os processos mais "artísticos" que víamos defendidos nos artigos técnicos do Boletim Fotográfico ou do Eco Foto-
gráfico, não pareciam ter muitos seguidores, tanto as fotografias reproduzidas nas suas páginas como aquelas de
que davam notícias em concursos ou exposições usavam os processos mais correntes e correspondentes aos stan-
dards de uma indústria que se ia impondo. (14) Eram também bastante pouco variadas em género e em temática
assemelhando-se muitas vezes à pintura naturalista da mesma época.
Os progressos técnicos começavam a permitir o instantâneo, a utilização com pouca luz, criando uma nova barreira
de demarcação técnica no processo fotográfico, deixava de haver muita razão de ser para posar pessoas de forma a
imitar a naturalidade.
Este esforço para o reconhecimento da fotografia como um das belas-artes ficou naquilo a que Bourdieu chama "Un
Art Moyen", a quem as portas dos museus só foram entreabertas muito mais tarde. Se hoje formos consultar uma
qualquer história da fotografia os nomes que encontramos como mais importantes do início do século XX são os de
Lartigue (então uma criança que fotografava o lazer da sua família e amigos), Atget que fazia as suas fotografias da
velha Paris para vender a pintores que sobre elas faziam as suas obras, ou, em Portugal, o de Benoliel, um repórter
fotográfico de quem não encontramos qualquer trabalho nestas publicações. Estes são nomes são sobretudo sinais
dos caminhos que a fotografia seguiu a partir dos anos 1920.
Mais conseguida foi a afirmação da fotografia como componente não só do modo de vida burguês, mas também da
sua ideologia: a importância da educação, da expressão e da liberdade individual, assim como a de criar novas bar-
reiras quando a anterior se tornou demasiado banal estão bem presentes na prática fotográfica do Portugal do início
do século XX.

Carlos Relvas, Golegã, Passagem de um Lago


Arte Fotográfica, Fev. 1885

15
Os progressos técnicos começavam a permitir o instantâneo, a utilização com pouca luz, criando uma nova barreira de
demarcação técnica no processo fotográfico, deixava de haver muita razão de ser para posar pessoas de forma a imitar a
naturalidade.

Este esforço para o reconhecimento da fotografia como um das belas-artes ficou naquilo a que Bourdieu chama "Un Art
Moyen", a quem as portas dos museus só foram entreabertas muito mais tarde. Se hoje formos consultar uma qualquer
historia da fotografia os nomes que encontramos para o inicio do século são mais os de Lartigue ( então uma criança que
fotografava o lazer da sua família e amigos), Atget que fazia as suas fotografias da velha Paris para vender a pintores que
sobre elas faziam as suas obras, ou em Portugal o de Benoliel, um repórter fotográfico de quem não encontramos qual-
quer trabalho nestas publicações. Mas estes são sobretudo sinais dos caminhos que a fotografia seguiu a partir dos anos
20.

Mais conseguida foi a afirmação da fotografia como componente não só do modo de vida burguês, mas também da sua
ideologia: a importância da educação, da expressão e da liberdade individuais, assim como a de criar novas barreiras
quando a anterior se tornou demasiado banal estão bem presentes na pratica fotográfica do Portugal do inicio do século
XX.

Notas

(1)Halle, David, “The Family Photograph” in Art Journal, Nova Iorque, Fall,1987, pp 217,225

(2)Bourdieu, Pierre, et al, Un Art Moyen, Minuit, Paris,1965

(3)Justino,David, A Formação do Espaço Económico Nacional, Portugal 1810-1913, 2 vols. Vega, Lisboa,s/d

(4)Freund, Giséle, Photographie et Société, Seuil, Paris,1974

(5)in Illustração Portuguesa, nº199 e 200, 1909

(6)nº8, Jan 1907

(7)Echo Photographico, nº9 Fev 1907

(8)Echo Photographico, nº 28 Set. 1908

(9)Echo Photographico, nº42, Jun. 1910

(10)Echo Photographico nº 12, Maio de 1907

(11) Sena, António, Uma História de Fotografia, INCM, Lisboa,1991

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Livro de Viagens
Este texto foi difícil de escrever, foi originado na exposição “Livro de Viagens - Fotografia Portuguesa 1854-1997”
esteve patente no Centro Cultural de Belém em 1998. A dificuldade provem da hesitação entre o tom de contenta-
mento pela boa fotografia que inclui e o de deceção por não corresponder à grande expectativa criada pelo seu títu-
lo. Acabei por não optar, ou seja, por tentar dar os dois lados da questão.
Uma viagem ao interior de Portugal
Feita para ser apresentada na Feira do Livro de Frankfurt, esta exposição tinha sobre os seus ombros a responsabili-
dade, acrescentada pelo título, de mostrar a “fotografia portuguesa”. A sua primeira imagem e o contexto em que
era apresentada sugeriam uma ligação com a literatura.
Alexandre Herculano, um dos principais escritores novecentistas portugueses, apresentado num daguerreótipo de
1854 é uma das melhores aberturas que podia haver para esta exposição. Sendo o título “Livro de Viagens” estáva-
mos perante um viajante forçado, um homem que o miguelismo obrigou ao exílio. Em Herculano pode-se ver tam-
bém um dos símbolos e um dos ideólogos da luta para a implantação de uma sociedade liberal e burguesa.
Seguindo o que Giséle Freund disse sobre a fotografia como meio predileto para a representação da ascensão social
da burguesia no século XIX, está o título da primeira parte da exposição, dedicada à fotografia novecentista:
“Inventar o país burguês”. Este país burguês era o país de uma viagem interna, o Brasil tinha sido perdido, a África
ainda não tinha sido redescoberta. As imagens de Flower, Rocchini, Possidónio da Silva mostram um lado da ques-
tão. São principalmente paisagens, era uma das formas de “construção” de um país, mas não a mais importante.
Quem construía o país burguês eram os burgueses que desejosos da sua própria representação usavam e abusavam
do retrato (voltamos a Freund) e este não está presente.
Uma das imagens de Rocchini mostra o transporte de uma palmeira para os jardins do Palácio do Conde de Burnay,
é das mais interessantes, já que mostra um dos episódios da construção (no sentido figurado, mas também no real)
do status de uma burguesia em ascensão, incluindo os títulos aristocráticos.
Se os fotógrafos portugueses do século XIX estavam a participar do que era a descoberta visual do país (não se pas-
sou só neste jardim à beira-mar plantado), a presença de W. Frederick Flower é mais curiosa. Este fotógrafo inglês
fez parte de um movimento a que podemos chamar exotismo. Veio para Portugal onde viveu e fotografou durante
muitos anos, o nosso país era considerado, tal como a Espanha, a Itália ou a Grécia, uma das partes “exóticas” da
Europa. Tendo em conta as ligações politicas e económicas Portugal/Inglaterra, em especial em relação à cidade do
Porto, quase que poderíamos incluir estas imagens entre as do império...britânico.
Rocchini era um dos “fotógrafos da casa real” é pena não se incluir esse lado da sua atividade nesta exposição.
Também se nota a falta dos próprios membros da família real que fotografavam. Outros fotógrafos como Relvas,
Almeida Lima, Benoliel, os Vicentes seriam escolhas imprescindíveis para a “construção de um país burguês".
Da descoberta à saudade.
A fotografia participou (muito) na redescoberta do mundo dos finais do Século XIX. Em Portugal a questão era re-
descobrir uma África em que nunca tinha havido uma presença real e que agora era preciso defender das outras po-
tências. “Angola é nossa” é um slogan mais moderno, mas que se poderia aplicar às imagens de Cunha Moraes. A
tentativa de mostrar ao público a diversidade de paisagens naturais e humanas existentes em Angola é uma reivindi-
cação política e uma demonstração de presença.
Só que foi preciso continuar a demonstrar essa presença por quase mais cem anos, mantendo uma relação ambígua
com os “nativos” que tinham deixado de ser escravos, para no final serem proclamados como cidadãos de um
“Portugal plurirracial”.
Estas metamorfoses e contradições do império têm uma representação admirável que vai dos retratos de estúdio de
intenções “antropológicas” a muito estranhas imagens dos anos 50, em que é notória a contradição entre o
“indígena” e o “português”.
Faltou, infelizmente, a última e final metamorfose do império: A guerra que lhe pôs fim, encerrando o ciclo colonial
português. É um dos acontecimentos marcantes da nossa história contemporânea e o fim de uma viagem iniciada em
1415 (conquista de Ceuta), que não deveria faltar nesta exposição.
Depois de 1975 a viagem é a da saudade, é o tempo para mostrar alguns dos autores contemporâneos. A escolha
aqui é sempre (felizmente) discutível. Não falando em nomes diria, apenas, que a exposição tem pouca diversidade.
Estão representados os eternos viajantes (Nozolino) e aqueles a quem a iniciativa oficial tem apoiado em projetos de
regresso a locais de importância histórica. Numa imagem de 1995, de António Leitão Marques, há crianças que
brincam num padrão português, do Estado Novo, derrubado. Estava-se em Moçambique e o império estava morto
há vinte anos, estas crianças não o tinham conhecido.

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Nos anos 60 os Portugueses descobriram a Europa (especialmente a França), emigraram às centenas de milhar. No
final do século XIX, tinha acontecido o mesmo com o Brasil, são viagens das mais importantes na “nossa história”,
mas não têm nem uma imagem. Será que há viagens e viagens? Viagens honrosas e outras desclassificadas?
Com esta exposição Portugal mostrou-se ao mundo e também a si próprio, acabou por tentar dar uma tradicional
imagem de velha grande potência, temperada pelo “encontro de culturas”. Omitiu-se a emigração, esqueceu-se o
fotojornalismo, a côr, a viagem interna dos portugueses na descoberta das férias e da praia, depois de Abril.
Quando se dá como subtítulo “Fotografia Portuguesa 1854-1997” criam-se responsabilidades de criar uma visão de
conjunto, são essas responsabilidades que deixam alguma deceção depois de uma bela exposição.

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Quarto de D, Carlos, Boletim Fotográfico nº1, 1900

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D. Carlos premiado na Exposição Nacional de Fotografia -
31/12/1899

Se neste final do Século XX vivemos com alguma obsessão do progresso e preocupação com as últimas inovações
técnicas e seus perigos, há cem anos os nossos antepassados marcavam o final do ano de 1899 com uma exposição
que homenageava uma das invenções do seu século – a fotografia, foi assim que a 31 de Dezembro de 1899, na So-
ciedade de Geografia se inaugurou a Exposição Nacional de Fotografia. Como dizia o Boletim Fotográfico que ini-
ciou a sua publicação em Janeiro de 1900: – “A abertura foi pomposa e solene”, estiveram presentes suas Altezas
Reais que se demoraram uma hora. A exposição durou até 22 de Janeiro de 1900 altura em que foi feita a entrega
dos prémios.
O Rei entre os Ilustres participantes

A semente do projeto tinha sido lançada na estância balnear da moda e da alta sociedade – Cascais – onde no ano
anterior se tinha realizado uma outra exposição, em favor do Asilo do Bom Pastor. A lista dos participantes era im-
pressionante e refletia a pequenez da sociedade portuguesa de então: O rei D. Carlos que lhe dava a sua proteção e
sua mãe, D. Maria Pia, seu irmão, Infante D. Afonso, o actor Eduardo Brazão, os médicos Dr. Aníbal Bettencourt e
Dr. Virgílio Machado, para além de aristocratas como o Conde de Tomar que a ela presidia ou o Visconde de Coru-
che, ou amadores conhecidos como Jorge de Almeida Lima, um grande proprietário.
Ao todo participaram 52 fotógrafos amadores que tiveram que pagar 4$000 reis pela sua participação, uma ninharia
para os nossos dias, mas uma quantia importante na altura. Um operário qualificado levaria pelo menos três dias
para ganhar esse dinheiro. Não seria obstáculo para um grupo em que se encontravam alguns dos homens mais ricos
do país, alguns já tinham gasto a pequena fortuna de 100$000 reis para comprar uma máquina fotográfica. Poucos
anos antes tinham aparecido as pequenas Kodaks que iriam tornar a fotografia popular em largas camadas custavam
muito menos, mas não eram bem aceites entre este grupo de amadores sérios e endinheirados. A receita obtida desti-
nar-se-ia à edição de um catálogo e ao lançamento de uma associação de fotógrafos amadores.
Com uma tal lista de participantes seria de esperar o interesse da imprensa, pelo menos da “cor-de-rosa”, e assim
foi, os participantes foram homenageados com a principal manchete e a quase totalidade da primeira página de um
dos principais jornais de então – “O Século”, embora a notícia tenha chegado com duas semanas de atraso. Fazendo
justiça ao seu nome foi o jornal “Novidades” a dar a notícia no próprio dia. Alguns tiveram direito a retrato, mas não
em fotografia que ainda não se usava na imprensa de então.
Das paisagens ao micróbio da peste

A divisão de temas proposta mostra-nos os interesses da época, havendo a possibilidade de apresentar paisagens ou
marinhas; fotografia de monumentos e de arquitetura; retratos e também, o que nos pode parecer estranho neste tipo
de exposição, a Fotomicrografia ou a Radiografia. Eram técnicas novas que despertavam um enorme interesse. Co-
mo tema especial propunha-se: “Uma paisagem animada e com água”, não fosse este um país de marinheiros.
Houve prémios, nem que fossem de consolação, para todos, em primeiro lugar para o D. Carlos e sua mãe que mes-
mo tendo participado “extra concurso” tiveram medalhas de ouro; o Infante D. Afonso só teve direito a uma de
“Vermeil”. Entre as fotografias de D. Carlos que já tinha feito pintura a óleo e aguarelas contava-se uma fotografia
de um comboio em andamento, tirada de um outro comboio em andamento, sinal da obsessão com a velocidade des-
se tempo.
Outros dos mais importantes premiados foram o Visconde de Coruche ou Eduardo Brazão que apresentou uma série
de retratos, entre os quais os de Rosa Damasceno, uma das actrizes maiores do seu tempo. Talvez destoassem um
pouco dos temas mais em voga em que eram fundamentais as fotografias de lavadeiras (décadas antes da “Aldeia da
Roupa Branca”, as paisagens com água ou os monumentos. Se as fotografias de ondas na Boca do Inferno não nos
parecem tão entusiasmantes como então, as fotografias do Dr. Aníbal Bettencourt, médico e investigador afamado
que entre os ampliações de formas de vida microscópicas mostrava o micróbio da peste, podem parecer algo assus-
tadoras. Umas como outras eram o sinal de tempos, à beira de uma data simbólica, preocupados com o futuro, mas
obcecados com a tradição e o passado que lavadeiras, monumentos e paisagens marinhas representavam.

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Boletim Fotográfico nº1, 1900

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Fotografia em Portugal - 1900
Para fazer o balanço dos últimos 100 anos da fotografia em Portugal é preciso voltar a 1900 e ver quais as
facilidades e dificuldades que os fotógrafos tinham nessa altura. Talvez se possa começar por saber quem
eram esses fotógrafos.
O dia 31 de Janeiro de 1899 foi marcado pela inauguração de uma exposição nacional de amadores fotográfi-
cos. Diziam que era a primeira, já que as duas anteriores tinham sido há tanto tempo que ninguém se lembra-
va delas. Participaram 52 fotógrafos, número que nos parecerá pequeno, mas que era razoável tendo em conta
que a fotografia não era para todos. Só para participar na exposição era preciso pagar uma taxa de inscrição
de 4$000 reis, cerca de quatro dias de salário de um trabalhador, já se vê quem não participava na iniciativa.
Aliás a fotografia era uma prática ou, como se diria na altura, um sport de ricos o que é patente na lista dos
participantes da exposição. Entre os participantes estava o próprio Rei D. Carlos, sua mãe D. Maria Pia e seu
irmão D. Afonso, conhecido em Lisboa por “Arreda” porque foi o primeiro “acelera” (mas não o primeiro
proprietário de automóvel) neste país. Outros participantes eram um Conde, um Visconde e um Barão, outros
concorrentes eram médicos, uma profissão que parece ter ganho bastante cedo um entusiasmo pela fotografia,
uma das pessoas mais famosas a participar foi o actor Eduardo Brasão que levava imagens da que era consi-
derada um das mulheres mais bonitas, a actriz Rosa Damasceno. Nomes como Aurélio Paz dos Reis ou Jorge
de Almeida Lima têm estado em foco ultimamente e participaram nesta exposição, para não falar em Marga-
rida Relvas élève de son pére.
A própria prática fotográfica tinha, claro, maiores custos que os da simples inscrição numa exposição. O mes-
mo trabalhador teria que labutar quase um ano para comprar uma máquina aperfeiçoada como uma Goerz
Anschutz, mas esta tinha um obturador com velocidades até 1/1000 de segundo, sendo o melhor que havia.
Uma “detective” simples podia custar 15$000 reis, mesmo assim uma quantia muito elevada.
Também era preciso comprar material sensível para tirar fotografias. Já há algumas décadas que não era pre-
ciso sensibilizar as próprias chapas. Ultimamente tinham aparecido, até, as películas em rolo e as chapas de
película rígida, no entanto, os amadores “sérios” e os profissionais continuavam a preferir o vidro. O formato
mais comum era o 9 × 12 e as mais baratas as chapas portuguesas Pinheiro e Aragão (mas isso não parecia
significar sucesso comercial) que custavam $500 reis a dúzia, enquanto que as importadas Agfa ou Marion
podiam custar $700 ou $800 reis. Duas curiosidades: a celulóide era mais caro do que o vidro e, se hoje há
quem utilize o revelador Agfa Rodinal, já o poderia fazer há 100 anos.
A maioria da população não tinha o dinheiro necessário para esta prática, nem o tempo que a ela era preciso
dedicar. Fazer fotografia implicava revelar e imprimir (geralmente por contacto). A Kodak tinha aparecido há
pouco tempo com o slogan “carregue no botão que nós fazemos o resto”, mas a ideia estava no seu início. A
viragem da Kodak para um público mais massificado ia dar um passo importante em 1900 com o apareci-
mento da câmara Brownie que era muito mais barata do que tudo o que se tinha feito até aí. Foi a Kodak que
permitiu que a fotografia chegasse a todos, mas a procura de um novo público fez-se porque o público tradi-
cional da fotografia não tinha respondido como era esperado à inovação da película de celuloide.

Profissionais
A actividade dos profissionais estava mais desenvolvida do que a dos amadores. Ser fotógrafo profissional
significava, em primeiro lugar ter um estúdio de retrato ou andar de terra em terra, de feira em feira. As cartes
de visite tinham-se implantado como um hábito burguês por volta de 1860 e distribuíam-se a amigos e paren-
tes. Por volta de 1900 estavam espalhadas como um hábito por toda a sociedade urbana.
Em Lisboa havia, de longe, a maior concentração de ateliers de fotógrafo. Alguns ostentavam o título de Fo-
tógrafo da Casa Real, eram os que mais facilmente chegavam à alta sociedade. Bobone, Camacho ou Vidal e
Fonseca eram alguns destes, mas havia outros que procuravam um público mais popular. Havia uma Fotogra-
fia Social e os próprios Armazéns Grandella, catedral do consumo da altura, estabeleceram uma Secção Foto-
gráfica. Aí vendiam máquinas, produtos e tiravam retratos, uma forma de o fazer era com o autómato foto-
gráfico. Como a electricidade era uma novidade a maioria dos retratos era feita com luz natural, só Arnaldo
Fonseca propunha retratos nocturnos para “aproveitar a toilette de excepção de quem vá ao teatro ou a reuni-
ões.”
A alta sociedade portuense fotografava-se na Casa Biel, de onde provinham uma série de livros e postais com
paisagens do Norte. Em Coimbra uma das praxes académicas era o tirar uma fotografia de capa e batina, sen-
do o local indicado para isso a Fotografia Académica Conimbricense de A. Silva e Sousa. Claro que havia
quem aproveitasse a época balnear para se fotografar, alguns fotógrafos deslocavam-se para esses locais du-
rante o Verão. Figueira da Foz, Póvoa do Varzim eram alguns dos locais de concentração de fotógrafos na
época balnear.

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Tirar o retrato significava, na maior parte dos casos, posar em frente a um fundo pintado a imitar um jardim ou uma
casa burguesa, nalguns casos podia-se chegar aos extremos da paisagem com neve ou o pequeno barco. Que o fundo
fosse plausível não era muito importante.
A fotografia de imprensa dava os seus primeiros passos. Nos anos 1880 tinha começado a ser publicado “O Ociden-
te” que ainda reproduzia, muitas vezes, a fotografia a partir de gravuras em madeira. As imagens eram quase sempre
estáticas, basicamente retratos. Foi a segunda série da “Ilustração Portuguesa” em 1906 que iniciou a utilização mo-
derna da fotografia. O seu repórter “estrela” era Benoliel, mas este não fazia, sozinho, a publicação. Havia outros
(poucos) profissionais da imprensa como Aníbal Carlos de Lima ou José Artur Leitão Bárcia e os amadores mais
conhecidos iam tendo o seu contributo.
A rivalidade entre amadores e profissionais era bastante feroz, com uma pequena interrupção num movimento con-
tra o aumento de direitos alfandegários sobre as chapas fotográficas em 1902. Talvez essas rivalidades sejam a mai-
or semelhança entre a fotografia portuguesa em 1900 e 1999.

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Boletim Fotográfico, 1900

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Aurélio da Paz dos Reis, Cidadão e Fotógrafo
Há um facto na vida de Aurélio da Paz dos Reis que abafou tudo o que mais possa ter feito: A introdução do cinema
em Portugal. No entanto foi um cidadão interveniente na política do seu tempo, tendo participado na revolta do 31 de
Janeiro de 1891 e na Revolução Republicana, foi também fotógrafo e muito bom. É à sua fotografia que o Centro
Português de Fotografia dedicou uma exposição, patente na Cadeia da Relação do Porto.
Vida quotidiana do Porto
Muitas das imagens de Paz dos Reis são da vida da sua cidade na viragem para o nosso século. São imagens que hoje
não nos espantam, já que o quotidiano se tornou num tema comum para a fotografia, mas que estavam longe daquilo
que era bem visto há cem anos. Há alguma semelhança com as imagens de Benoliel, com quem a comparação é ine-
vitável. Já tem sido chamado de Benoliel do Porto, embora fosse um “semi-profissional” ao contrário deste que ali-
mentava alguns dos periódicos mais importantes do país e que estavam domiciliados em Lisboa. O facto de ter uma
menor pressão profissional ainda torna mais interessante o seu trabalho.
Se a comparação entre Paz dos Reis e Benoliel é inevitável, a comparação entre Lisboa e o Porto não o é menos. Tal-
vez seja por conhecer pior a capital do Norte, mas hoje reconheço mais o Porto de Paz dos Reis que a Lisboa de
Benoliel. À beira Douro parece viver-se uma vida mais tradicional, com um espaço físico mais semelhante ao que
existia há cem anos do que em Lisboa.
No entanto, não é o espaço físico da Cidade Invicta que fascina Paz dos Reis, estava-se longe dos tempos do Patri-
mónio Mundial e o que era mais importante era a vida da cidade. Os seus ofícios, os seus transportes (antigos e mo-
dernos), o seu movimento. Algumas das suas imagens acabavam, também, na imprensa, havia menos distinção entre
amadores e profissionais. Era sempre necessário fazer a cobertura de algum incêndio ou de outro acontecimento que
se desse no Porto e ele era um dos fotógrafos mais capazes de o fazer.
O Porto também era uma cidade de tradição revolucionária. De lá tinha partido o primeiro movimento liberal em
1820 e também a primeira revolta republicana, a de 31 de Janeiro de 1891. Paz dos Reis participou nela. Era um ci-
dadão, republicano e fotógrafo - a ligação que faço nesta frase é propositada, não creio que seja apenas coincidência.
Acaso é o facto de ter passado, como consequência do 31 de Janeiro, pela Cadeia da Relação, onde agora estão ex-
postas as suas fotografias. O ideal progressista do Século XIX fazia da educação popular uma questão prioritária e a
fotografia era vista como uma boa forma de elevação das massas. Ele próprio empenhava-se na sua educação como
fotógrafo e cineasta, tendo uma boa biblioteca de fotografia e da nascente arte das imagens em movimento.
De entre as suas imagens mais interessantes contam-se as que nos levam aos bairros populares da cidade, o que pou-
cos fotógrafos faziam, dando-nos alguma ideia de como era a vida popular dessa altura.
Até o seu primeiro filme mostra um aspecto da vida quotidiana: A saída das operárias da fábrica Confiança, curiosa-
mente o primeiro de todos os filmes, feito pelos irmãos Lumiére em Lyon também mostra a saída de uma fábrica.
Uma família burguesa
Outro lado interessante da fotografia de Paz dos Reis é a sua fotografia de família. Era um comerciante, relativamen-
te prospero no seu comércio de flores, o que lhe permite sustentar a fotografia e algumas viagens. Temos imagens da
sua família, até os retratos que dele tiraram alguns dos mais importantes profissionais do Porto, tudo como manda-
vam as normas da sua origem social.
Casamentos, festas de S. João, passeios no jardim ou à beira-mar, tudo está documentado no espólio Paz dos Reis e
corresponde ao que seria de esperar. Menos comuns são alguns dos seus postais de Boas Festas, em que aproveitava
para fazer propaganda republicana e progressista, bustos da Republica, automóveis, máquinas de escrever foram ele-
mentos que usou.
Compreendeu (no seu tempo não era uma evidência) que a fotografia podia ser utilizada como meio de propaganda
comercial. Fotografava as suas flores, produzia os seus catálogos. Expunha fotografias e arranjos florais, com suces-
so nos dois casos.
As suas viagens também eram objecto de fotografia, em especial a que fez ao Brasil. Das suas imagens do Brasil, por
onde passaram tantos portugueses seus contemporâneos, o Centro Português de Fotografia organizou uma exposição
por altura da cimeira ibérica.

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Também desceu a Lisboa numa altura bem conturbada, a tempo de fotografar a Revolução Republicana de 1910.
Fez algumas das fotografias com os revoltosos da Rotunda, aquelas sobre as quais os humoristas da época diziam
que as pessoas fotografadas eram muitas mais do que os que de facto tinham feito a revolução.
Foi cidadão, foi fotógrafo, fazendo da fotografia mais uma das actividades em que afirmou a cidadania. Pertenceu à
maçonaria e a uma série de associações cívicas ou culturais que iam da Junta Patriótica do Norte, ao Clube de Caça-
dores, ou ao muito caracteristicamente portuense Clube dos Fenianos. No entanto, ficará conhecido por ter trazido
para Portugal o cinema, começando a ser descoberto como fotógrafo. Do seu trabalho estão no Centro Português de
Fotografia quase dez mil positivos e mais de dois mil negativos. Com esta exposição, a edição de um grande catálo-
go e de um CD-ROM dá-se um contributo para o conhecimento do trabalho de um dos fotógrafos mais importantes
da viragem do Século.

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D. MariaPia, Boletim Fotográfico, 1900

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A Realeza e a Fotografia
Nos finais do século XX a fotografia tinha-se estabelecido como uma das componentes da vida das classes superio-
res. Primeiro como forma de representação ideal para a difusão das imagens, depois como passatempo demarcador
de pertença a um segmento determinado da sociedade.
Uma família do seu tempo
Talvez devido à sua morte trágica, D. Carlos é um dos reis de Portugal que tem uma memória mais presente. Se uma
boa parte dessa memória está relacionada com o regresso a um certo fausto nas cortes nos finais do século XIX há,
seguramente uma componente desta que envolve os seus passatempos. A oceanografia, a caça, ou até a pintura fo-
ram actividades que D. Carlos praticou e deixaram memória.
Não admira esta presença de D. Carlos e da família real em alguns dos passatempos mais populares no seu tempo.
Despojados do poder absoluto e das tarefas directas da governação desde o início do século XIX, os reis ficavam
com bastante tempo livre para ocupar. A sua situação não era muito diferente da de alguns ricos proprietários de ter-
ras como Relvas ou Almeida Lima (para falar em dois fotógrafos amadores desse tempo).
A caça, a pintura e a oceanografia são os passatempos mais conhecidos de D. Carlos, menos conhecido, mas não
surpreendente, é o facto de o penúltimo rei de Portugal ter sido um amador fotográfico. Participou, mesmo, na expo-
sição de 1899 na Sociedade de Geografia, onde foi premiado com uma medalha de Ouro, apesar de essa participação
ter sido “extra concurso”.
Essa mesma exposição também teve a participação de sua mãe, D. Maria Pia, que foi igualmente premiada com me-
dalha de ouro e de seu irmão, infante D. Afonso que recebeu medalha de vermeil. Só não sabemos se essas distin-
ções tiveram alguma relação com os trabalhos apresentados pelo rei sua mãe e irmão, ou se foram uma deferência
para com a casa real que pouco tempo depois seria deposta.
As imagens expostas por D. Maria Pia e seu filho não eram só os exemplos publicados no Boletim Photográphico,
mas estes, em especial a árvore fotografada pela rainha mãe correspondiam aos padrões amadores da viragem do
século. O melhor será dar a palavra a Arnaldo Fonseca, respeitando a sua ortografia e sintaxe, que em Fevereiro de
1900, no segundo número do Boletim Fotográfico fazia a crítica dos trabalhos expostos:
“ Salientam-se fora do concurso, as exposições d’El-Rei o sr. D. Carlos de S.M. a srª D. Maria Pia e de S. Alteza o
sr. Infante D. Afonso.
Expõe El-Rei o sr. D. Carlos 15 grandes quadros cheios de provas que muito mostram quanto lhe é agradável a foto-
grafia. Tem provas de muita felicidade, e aborda todos os géneros: Interiores, paisagens, instantâneos de grande ve-
locidade (como o do comboio em marcha, fotografado de outro comboio em andamento) e uma magnifica onda na
Boca do Inferno.
Como provas de efeito seguro, citarei entre outras: Manhã de nevoeiro, Gado Bravo em V endas Novas, A bordo do
Lia.
S.M a Rainha sr.ª D. Maria Pia e sua alteza o sr. Infante, expõem quatro quadros com algumas provas brilhantes,
sobretudo no que respeita á escolha do assunto: entre elas sobressai a Praia do Guincho, onde uma onda cresce sob
uma atmosfera de lindas nuvens”.
Por estas palavras D. Carlos parecia ser um amador bastante activo e capaz de abarcar os temas mais correntes da
época, o mesmo acontecendo, em menos escala, com sua mãe e irmão.
Sabe-se que antes de D. Carlos já o seu pai D. Luís tinha sido um aficionado da fotografia. Mesmo seu avô, D. Fer-
nando II, incluía na dedicação às artes, o entusiasmo pela imagem fotográfica. Tinham companhia noutras casas re-
ais europeias. A Rainha Vitória tinha uma câmara escura no Castelo de Windsor e do Kaiser Guilherme conhecem-
se algumas das primeiras imagens em Kodak.

Marketing Político

Não era como amadores que as casas reais utilizavam melhor a fotografia. Assistia--se ao desenvolvimento dos mei-
os de comunicação de massas. A fotografia ganhava relevo nesta situação. A imagem das pessoas e das famílias era
promovida por meio de fotografias que se entregavam às pessoas do círculo de relações, eram as chamadas cartes de
visite. Um pouco da mesma forma que a partir dos anos 20 se popularizaram postais de estrelas de cinema, as ima-
gens da família real (e de alguns políticos) circulavam como cartes de visite. Era um “negócio” em que todos ganha-
vam: a casa real ganhava um lugar mais próximo dos corações dos seus súbditos, estes, por seu lado, ficavam com a
ilusão de ter o rei, ou os seus parentes próximos, no círculo familiar.

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Era também um bom negócio (agora sem aspas) para os produtores dessas fotografias que se vendiam bastante bem.
Além disso podiam depois utilizar o título de “fotógrafo da casa real”, como faziam Emílio Biel e A. Bobone.
A imprensa ilustrada que teve o seu nascimento na viragem do século também apontava as suas objectivas para a
família real, eram uns bons produtores de notícias, tal como hoje o são para as revistas de coração e bisbilhotice.
Os assuntos eram um pouco diferentes, não se falava tanto em namoros e casamentos, mesmo havendo Infantes casa-
doiros e bem parecidos, como D. Luís Filipe e D. Manuel. O assunto ainda era visto considerado muito sério, e uma
questão de estado. A família real era mais vista nas suas viagens, caçadas e actividades sociais.
É uma ironia do destino que os Reis de Portugal que mais trabalharam no seu marketing político tenham sido os de
fim mais triste. D. Carlos foi assassinado quando parecia ser um rei popular. Dois anos depois era a vez de seu filho
ser deposto pela revolução republicana.
Podiam ser populares e estar à frente de um regime impopular? Talvez, já que depois do 5 de Outubro, a Ilustração
Portuguesa, insuspeita de simpatias monárquicas, dedicou a D. Maria Pia uma capa e um grande e respeitoso arti-
go.

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In Boletim Fotográfico, 1900

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“A La minuta”
As histórias da fotografia dedicam sempre muito espaço aos grandes nomes, aos grandes artistas, esquecendo sempre
os milhares de homens (mais homens que mulheres) que indo de terra em terra tornaram a fotografia verdadeiramen-
te popular. Em Portugal ficaram conhecidos como fotógrafos “A La minuta”, já que um dos custos de ser ambulante
era a necessidade de fazer o trabalho, entregá-lo pronto e receber o pagamento num curto espaço de tempo, alguns
minutos.
De feira em feira
Desde os anos 60 do Século XIX que os grandes centros urbanos foram tendo os seus ateliers de fotografia. Muitos
deles têm uma história conhecida, para alguns países até há estudos aprofundados sobre a sua importância social. É
fácil compreender porquê, o facto de serem lojas abertas com uma morada definida permite a sua localização em ar-
quivos. O atelier de fotografia era um fenómeno urbano, mas nas pequenas localidades e nos meios rurais havia fotó-
grafos ambulantes que acompanhavam o percurso das feiras. Estes últimos, tendo em conta a fraca urbanização de
Portugal no passado, teriam um publico potencial mais numeroso.
O fenómeno teve a longevidade suficiente para não ser preciso ter muitos cabelos brancos e recordar a sua presença
em locais como o Terreiro do Paço, o Cristo Rei ou a Costa da Caparica. O último em Portugal esteve em atividade
no Miradouro de Santa Luzia - Viana do Castelo.
Esta presença em locais turísticos é possível quando o turismo se torna num fenómeno de massas, mesmo se as dis-
tâncias não são grandes. Porém, deixa de fazer sentido quando a cada turista começou a corresponder uma máquina
fotográfica e recebe o golpe de misericórdia com a penetração da cor no mercado amador. É que a fotografia “a la
minuta” não permite a cor e não se caracteriza por uma grande qualidade técnica.
A permanência das imagens também não era um ponto forte, tendo em conta a brevidade do tempo que as folhas de
papel passavam no fixador e na água de lavagem, o que faz com que não sobrevivam muitas. As fotografias eram,
frequentemente, demonstrativas: - Uma pessoa ou, mais vulgarmente, um grupo frente a um monumento, diziam esti-
ve lá. Nas feiras havia possibilidades mais fantasiosas. Os fundos pintados podiam representar as cenas mais incon-
gruentes, dos castelos e caravelas às paisagens de neve. Melhor era a criança que se sentava num cavalo de pau obri-
gatória em várias gerações ou a variedade de cenários pintados em que se podia enfiar a cabeça para ser, durante o
tempo de uma fotografia, um halterofilista, ou o mais destemido dos pilotos. Para falar verdade, não era só neste tipo
de fotógrafos que se corria o risco de ter a imagem fixada para a posteridade num cenário pouco realista, os melhores
ateliers também tinham os seus cenários e adereços extravagantes.
O processo
Apesar das manipulações misteriosas e mágicas que são obrigatórias para que a partir da luz do sol se faça um positi-
vo, o processo é o mais habitual para as imagens a preto e branco. Há um negativo que é exposto revelado e fixado,
deste faz-se um positivo que vai passar pelos mesmos passos. A principal característica é o negativo ser feito em pa-
pal fotográfico fino, perde-se definição e a sensibilidade aos vermelhos não é muita (daí as peles bronzeadas). Os
materiais que agora se produzem para fazer negativos são demasiado caros, a sua grande sensibilidade a todo o es-
pectro luminoso torna-os difíceis de utilizar.
A máquina “A La Minuta” é um prodígio de engenharia do improviso. A sua parte frontal é feita a partir de uma ve-
lha máquina de fole, a objectiva não precisa de ser extraordinária, o obturador pode não existir. A parte traseira é um
caixote onde estão as tinas com os líquidos para a revelação. Com as mãos enfiadas através de mangas escuras neste
caixote o fotógrafo ia fazendo a revelação, manipulações misteriosas que ajudavam ao lado mágico da fotografia.
Se estes processos pareciam mágicos para as crianças da segunda metade do Século XX, imagine-se qual era o efeito
que produziam cem anos antes quando os fotógrafos ambulantes começaram a percorrer feiras e localidades. Faziam
uma coisa que pouca gente conhecia, fotografias. Dirigiam-se a um público pouco abastado, pelo que tinham que
utilizar processos baratos. O daguerreótipo então dominante era caro, os fotógrafos ambulantes de há 150 anos utili-
zavam o ferrotipo, em que a imagem era um negativo produzido numa chapa de ferro sensibilizada. Tal como no da-
guerreótipo, este negativo era visto como positivo sob determinados ângulos de luz.
Tem-se tentado uma adaptação dos processos modernos instantâneos à fotografia “a la minuta”. Há uns anos um fo-
tógrafo percorria alguns restaurantes da baixa à procura dos seus clientes que fotografava com uma “Polaroid” co-
mum. No entanto, hoje, o determinante neste tipo de fotografia é o seu apelo nostálgico. Ter uma fotografia numa
determinada situação é fácil, mais difícil é ter uma fotografia com a cabeça enfiada para que se faça parte de um ce-
nário castiço castelhano, estes cenários eram habituais neste tipo de imagem.

31
Boletim Fotográfico, 1900

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História da Fotografia em Espanha
Por vezes tenho vontade de dizer: - “Quero ser Espanhol”! Neste caso não é por causa do Dantas, nem sequer da Ex-
po, mas pelos belos estudos de História da Fotografia que têm sido publicados por terras de Espanha. Estas obras de-
vem-se a um autor, Publio López Mondéjar e a uma editora a Lunwerg. Deviam servir de inspiração para Portugal.
Em 1985 a Lunwerg propôs a Mondéjar a edição de uma grande História da Fotografia em Espanha, era um projecto
difícil, já que a investigação sobre o assunto era ainda muito pouca, mas que deu frutos. Iniciaram a publicação da
colecção em 1989 com “Fuentes de la Memória (Fotografia y la Sociedad en la España del Siglo Diecinueve”. Segui-
ram-no volumes dedicados ao período até à guerra civil (1992) e à época franquista (1996), estando prevista a publi-
cação do último volume que comportará a época post-Franco. São edições cuidadas, exaustivas, com excelentes re-
produções em quadricromia. Sendo por vezes luxuosas. No final de 1997 saiu uma História de la Fotografía em Es-
paña que é um livro mais pequeno e uma boa introdução à colecção. É uma edição mais pequena, em que as repro-
duções não têm o mesmo nível (embora sejam aceitáveis), custava menos de 3 000 pesetas (ainda não o vi por cá) o
que desculpa os pecados anteriores.
Apesar de numa entrevista à revista Foto V ideo o autor se ter queixado da pouca importância dada à História da Fo-
tografia em Espanha, o facto é que só um estado relativamente avançado dessa investigação permite que se façam
obras tão completas quanto estas. Para se conseguir ter uma visão de conjunto foi necessário conhecer os autores, que
é o que se vai hoje fazendo por cá.
O Século XIX
A fotografia espanhola do Século XIX é extremamente interessante. Talvez seja melhor falar na fotografia em Espa-
nha que na fotografia espanhola, uma vez que algumas partes do estado vizinho se encontram entre as mais procura-
das por fotógrafos, já que eram, na Europa, regiões das mais exóticas. Houve uma verdadeira invasão da Espanha
(também de Portugal, mas em menor escala). Homens como Clifford ou Wheelhouse tiveram ocasião de fazer algu-
mas das suas imagens na Península Ibérica, mas não foram os únicos, também E.K. Tenison, George Borrow tiveram
ocasião de visitar e fotografar a Espanha. Alguns locais foram os eleitos, eram os que correspondiam à ideia românti-
ca que pela Europa se fazia da exótica Espanha: -Sevilha; Segóvia; Toledo; Granada; Aranjuez; Córdova; Salaman-
ca... Deixando de parte as mais europeias e industriais cidades da Catalunha.
A fotografia estava na sua fase de descobrir o mundo, mas só descobria fotograficamente o mundo que conhecia de
outras formas e Espanha era a terra de D. Quixote, do exotismo andaluz, das planícies de Castela. D. Quixote foi alvo
de uma fotografia bastante conhecida e que corresponde às modas dos anos 1850/60 trata-se de Don Quixote in his
Study, feito por William Lake Price e que mostra o estereótipo novecentista do cavaleiro da triste figura.
Outra invasão de Espanha foi a dos retratistas. Tal como aconteceu por todo o lado a Espanha viu estabelecerem-se,
ao longo do século XIX, estúdios de retrato primeiro nas principais cidades, posteriormente nas mais pequenas. Ca-
racterístico da Península Ibérica foi o facto de estes estúdios terem sido em muitos casos, montados por estrangeiros.
Charles Clifford montou estúdio em Madrid, teve ocasião de fotografar a família real e de, para eles realizar um le-
vantamento fotográfico de mais de 800 monumentos. Nem todos tiveram tanto sucesso, mas ao olharmos para um
retrato de estúdio tirado em Espanha no século XIX, há grandes possibilidades de não estarmos a observar a obra de
um espanhol. J. Laurent. De origem francesa, foi outro dos fotógrafos mais importantes de Madrid, com retratos, pai-
sagens e monumentos e imagens importante e interessantes feitas em Portugal.
As outras principais tendências da fotografia do século XIX também se podem encontrar em Espanha. Fotografias
das grandes obras públicas, em especial dos caminhos-de-ferro que se iam estabelecendo nos primeiros tempos da
imagem fotográfica e fotografias de cenas da vida quotidiana, tornadas possíveis pelo desenvolvimento da tecnologia
fotográfica no final do século.
Em Toledo Casiano Alguacil fotografava os homens célebres, mas também os tipos populares: mendigos, barbeiros,
etc..., outros como José Maria Sánchez e J. Suárez editaram “Museus Fotográficos” com paisagens e cenas da vida de
Madrid.
A fotografia era também entendida como um instrumento político e em Espanha conhecem-se imagens não só das
principais personagens como dos principais acontecimentos políticos.
O Século XX

O Século XX espanhol é marcado por dois acontecimentos decisivos: A Guerra Civil (1936/39) e a queda da ditadura
(1975). Estes acontecimentos levam a uma periodização da fotografia, com uma época anterior à ditadura marcada
pelo pictorialismo, pela expansão da fotografia de amadores e pelo crescimento de alguma indústria fotográfica e
pelas convulsões políticas que levaram à Guerra. Um outro período que é o do Franquismo, limitado pela censura,
mas que foi muito vivo nos seus últimos anos. Por fim o período do post-franquismo em que a fotografia espanhola
se tem revelado uma das mais importantes na Europa, com nomes como J.FontCuberta, Toni Catany, C. Garcia Ro-
dero, Ouka Lele e (talvez o mais importante) Javier Vallhorat. Trabalham em estilos muito diferentes e tornam difícil
o falar de uma “fotografia espanhola” contemporânea.

33
No entanto os trabalhos dos três primeiros quartéis do nosso século têm algumas características comuns. Nota-se
em Espanha uma sobrevivência do pictorialismo até aos anos cinquenta, havendo uma notável continuidade em
obras como a de Ortiz Echague, J. Esquirol ou A. Campañá. Também as temáticas “nacionalistas” mantiveram a
sua continuidade até mais tarde que noutros locais, possivelmente fruto da longa ditadura.
Não sendo obra de um fotógrafo espanhol, mas de grande importância para a fotografia do século XX, não podia
faltar a referência à reportagem Spanish V illage, feita por Eugene Smith para a Life em 1951 na pequena cidade
estremenha Deleitosa.
As obras de Mondéjar são a forma mais fácil de conhecermos a fotografia em Espanha. Esse facto foi reconhecido
com a sua nomeação para a Academia de Arte de S. Fernando. Tal como na “História Geral” as semelhanças com
Portugal são muitas, a grande diferença está no estado em que se encontra a investigação.

34
Almeida Lima, A Nau dos Corvos, Boletim Fotográfico, 1910

35
Jorge Almeida Lima - Fotógrafo amador
Depois de com Frederick William Flower e com San Payo ter mostrado a infância e a juventude da fotografia em
Portugal. A exposição de 150 imagens de Almeida Lima o Museu do Chiado e o Arquivo Nacional de Fotografia dá-
nos oportunidade de conhecer a sua adolescência.
A adolescência da fotografia
Almeida Lima desenvolveu a sua actividade fotográfica entre as décadas de 1880 e de 1920, anos em que a fotogra-
fia passou por enormes mudanças. O aparecimento da máquina Kodak levou ao nascimento de um novo tipo de ama-
dores que já não necessitavam nem dos recursos técnicos, nem da dedicação à arte dos primeiros fotógrafos. Ao mes-
mo tempo foi criada a necessidade de uma nova legitimação cultural para a fotografia que pudesse criar uma separa-
ção dos “grandes amadores” em relação aos portadores das simples Kodaks que não necessitavam de grandes conhe-
cimentos técnicos. O pictorialismo, tendência fotográfica mais em voga nesse tempo, nasce dessa necessidade e vai
procurar uma aproximação à pintura, feita pela recusa de algumas das características próprias da fotografia e da sua
massificação. À exactidão da rendição dos detalhes vai opôr o “flou”, à normalização de processos e produtos indus-
triais opõe procedimentos mais artesanais com processos como o carbono e a goma bicromatada. As inovações técni-
cas também permitiram a entrada da fotografia em alguns campos novos, como a velocidade, ou a noite.
Portugal viveu ao longo destes anos uma das épocas mais fecundas da sua fotografia em que as publicações abunda-
ram, as exposições e concursos eram frequentes e se organizaram, até, algumas associações fotográficas.
Jorge Almeida Lima, um “grande amador”
Almeida Lima (1853- 1934), participou em todos estes movimentos, tendo conseguido algum reconhecimento dos
seus contemporâneos, no entanto a sua memória quase se perdeu nas seis décadas que nos separam da sua morte. A
única tentativa de em Portugal se escrever uma História da Fotografia, a da António Sena, não lhe faz qualquer refe-
rência. Significativa deste esquecimento é a forma como é descrita na página 39 do catálogo a forma como a equipa
do Arquivo Nacional de Fotografia teve contacto com os descendentes do fotógrafo:
“Algures em 1989, pelas 12.30 horas, os técnicos do ANF iam sair para almoço. Abrimos a porta e deparámos com
uma Senhora, que se apresentou como Nina Oom, manifestando a sua preocupação com os espólios que ainda esta-
vam em poder da família do bisavô de seu marido, Jorge Almeida Lima. Com alguma veemência afirmou:”- Eu creio
que ele foi um homem muito importante, para a Fotografia Portuguesa, merecia ser divulgado”. Sorrimos com todo o
prazer, convidámo-la a entrar e mostrámos-lhe um papel que se encontrava em cima de uma secretária...
“URGENTE! É necessário entrar em contacto com a família de Jorge Almeida Lima. D. Nina”.
Apesar de nos últimos anos a obra de Almeida Lima não ter tido divulgação, as publicações fotográficas (e não só)
do início do século concederam-lhe um espaço considerável. A sua actividade de amador levou-o à participação em
concursos e exposições onde conseguiu resultados brilhantes. Um primeiro prémio na muito polémica exposição pro-
movida pelos Armazéns Grandella em 1908 é disso o melhor exemplo. Também não se podem esquecer as suas re-
portagens nas publicações ilustradas do seu tempo: Brasil-Portugal e Illustração Portuguesa de que se podem desta-
car as fotografias do terramoto de 1909 que destruiu Benavente e Samora Correia.
Isto não significava a perca do seu estatuto de amador, as participações de fotógrafos amadores na imprensa eram
mais frequentes que hoje.
Na exposição patente no Museu do Chiado há uma variedade temática que parece excessiva, Almeida Lima tudo fo-
tografou, do nu aos mendigos, do instantâneo familiar aos hábitos e tipos populares, das visitas de reis e rainhas aos
terramotos, das paisagens aos retratos. Esta diversidade faz que a obra de Almeida Lima, possa parecer quase um
resumo do que os amadores fotográficos faziam no início do nosso século.
Uma actividade amadora tão produtiva e variada só era possível a quem tivesse meios financeiros consideráveis, e
esse era o caso de Almeida Lima e de outros “grandes amadores” como Carlos Relvas. Este amadorismo significava
uma presença de meios técnicos consideráveis e também uma dedicação muito maior do que a que hoje se exige a
um amador que pode com umas centenas de gramas produzir bons resultados. Levar em reportagem um equipamento
composto por uma máquina de 18X24, as respectivas chapas de vidro, o tripé, as objectivas e alguns acessórios re-
presentava um esforço que só quem tinha muita dedicação à arte poderia fazer. Neste sentido a presença na exposi-
ção de algum do material usado por Almeida Lima contribui para uma maior compreensão da forma como trabalha-
va.
Ser amador significava (para os próprios fotógrafos da viragem do século) o ter uma maior liberdade na produção, já
que esta era feita sem interesses materiais, e, na maior parte dos casos, sem grandes limitações económicas, já que
estamos a falar de uma actividade de ricos. Uma das possibilidades que estes amadores tinham era a experimentação:
Experimentação de temas, de técnicas, de processos. Almeida Lima, como já vimos, fê-lo com uma grande variedade
de temas. Em alguns dos seus trabalhos encontramos o fascínio pela velocidade e sua reprodução fotográfica que
tanto entusiasmaram os seus contemporâneos. Também se dedicou à fotografia estereoscópica com que se tentava
dar uma impressão de três dimensões.
.
36
Era um fotógrafo meticuloso, o que se pode verificar pela forma como fazia o inventário do seu material e das suas
imagens, mas também pela sua própria produção fotográfica, que parece animada de um espírito de coleccionador.
A exposição
A exposição tem 150 fotografias quase sempre gelatina sais de prata (processo ainda hoje corrente), havendo um
pequeno núcleo de autochromes (primeiro processo comercial a cores) e um ou outro exemplo de processos diferen-
tes. O uso de processos como a platinotipia, a goma bicromatada, o carbono, ou não sobreviveram, ou não entusias-
maram Almeida Lima. Também as técnicas que conduzem a imagens difusas, o que no seu tempo era chamado de
“flou”, ou os efeitos atmosféricos então muito apreciados, não faziam parte das suas preferências. A excepção é o
belo contraluz de 1916 “Rua do Arco”.
O pouco recurso aos processos que hoje se chamam alternativos parece ser uma das principais características da
fotografia portuguesa deste tempo, pelo menos havia queixas nesse sentido, como é o caso de Arnaldo Fonseca que
no primeiro número do Boletim Fotográfico lamenta que na Exposição Nacional de Fotografia inaugurada no últi-
mo dia de 1899:- “De 52 concorrentes, a não ser um, nenhum se afasta das corriqueiras manipulações industriais.
Isto é: executando o fototipo mais ou menos mecanicamente em aparelho próprio (apontar... dar ao gatilho... mar-
che...) segue-se uma revelação e uma impressão, sem cunho especial...”. O mesmo autor queixa-se da não utilização
do “flou”, já que o “excesso de nitidez” esmaga a fotografia.
Nem todas as impressões presentes nesta exposição são “provas de autor”, muitas são provas actuais, produzidas
pelo ANF, com papéis actuais e, na maior parte dos casos, com um tom castanho avermelhado. Como seria de espe-
rar, são boas impressões (embora num caso ou outro as tenha achado demasiado contrastadas). As provas originais
de Almeida Lima são uma demonstração de toda a capacidade do fotógrafo pois não só são magníficas como pare-
cem muito bem conservadas, o que só é possível graças ao seu rigor técnico.
Nas imagens presentes nesta exposição tenho uma afeição muito especial pelas de mendigos, mas muitas das paisa-
gens, !”. Esta “Cabeça de Russo” é de um burro e não estando presente na exposição ou no catálogo perdemos esta
iroou das cenas marítimas são igualmente admiráveis.
O catálogo
Com um autorretrato de Almeida Lima de bicicleta na capa este catálogo situa-nos de imediato no universo dos
mais abastados da viragem do século, de que a bicicleta e a fotografia eram componentes importantes. Só lamento
que os textos não estejam à altura das excelentes reproduções, dando um excesso de pormenores biográficos e fami-
liares, faltando-lhe elementos preciosos para a compreensão social da fotografia no contexto nacional e internacio-
nal do seu tempo.
Uma última nota nos comentários produzidos às obras de Almeida Lima no primeiro número do “Boletim Fotográ-
fico”, reproduzida na página 19 do catálogo, faz-se referência a uma “Cabeça de Russo” notabilíssima...é superior a
muitas outras cabeças que por lá se exibiram.

37
Jorge Almeida Lima, Cabeça do Russo, Boletim Fotográfico, 1900

38
Christiano Júnior
É sabido que o reconhecimento de uma personalidade em Portugal está muito dependente do seu reconhecimento
internacional, o que torna difícil de compreender que em Portugal a figura de Christiano Júnior seja quase desconhe-
cido. De facto, este fotógrafo, nascido em 1832 (aliás 1826) na Ilha das Flores é visto no Brasil e Argentina (onde
exerceu a maior parte da sua atividade) como uma das figuras fundamentais da fotografia oitocentista, sendo quase
desconhecido em Portugal. Mesmo na Ilha das Flores, onde nasceu, perdeu-se a memória deste homem que, em data
desconhecida, emigrou para o Brasil, onde aparecem registos da sua atividade fotográfica desde 1862.
Não se sabe o que o levou num percurso atípico para o Brasil, quando a maioria dos açorianos que abandonavam as
ilhas rumavam para a América do Norte. Não se sabe igualmente se o seu percurso o levou diretamente das Flores
para Maceió, ou se aprendeu o ofício de fotógrafo antes ou depois de emigrar.
Conhecemos, em contrapartida, bastante bem o seu percurso a desde anos 1860, em que aparecem registos de estar
estabelecido como fotógrafo em Maceió, até 1902, data da sua morte em Assunção no Paraguai. Foi um dos fotógra-
fos que nos deixou escritos sobre o seu trabalho.
Parece pouco provável que tenha aprendido as complexidades do processo fotográfico na Ilha das Flores, em que
não há registo de fotógrafos em época tão recuada. Te-lo-à feito no Brasil, ou no percurso que não conhecemos até
Maceió? Parece mais provável que o tenha feito já no Brasil nos anos que mediam da sua chegada (1855) até se lhe
conhecer atividade fotográfica.
Percurso é a palavra-chave na vida deste homem, pouco depois estava no Rio de Janeiro, anunciando a sua atividade
no Jornal do Comércio de 3 de Janeiro de 1863. Em 1864 estabeleceu a Fotografia do Comercio que não terá dura-
do muito. Em 1865 desenvolve a sua atividade só, na Rua da Quitanda, 45, para depois se associar a Bernardo José
Pacheco, associação que durou até 1875.
A sua atividade fotográfica além do tipo de retrato que era habitual nessa altura, incluía também as imagens da
população cativa que representava 1/3 da população do Rio de Janeiro. Marcelo Eduardo Leite, defende que estas
imagens (vendidas no formato Carte de Visite) são vendidas no comércio local e servem como uma espécie de souvenir
dos trópicos, sobretudo, útil ao imaginário eurocêntrico que acompanha os viajantes que por aqui passam. Estas imagens
correspondem muito rigorosamente a um ideal oitocentista de catalogação e reproduzem os “tipos sociais” tão em voga
na altura, com a inclusão da questão da escravatura e da raça. As imagens de Christiano Júnior tinham até uma
informação detalhada sobre a origem africana dos cativos.
É a atividade de retratista que o vai fazendo deslocar para sul, primeiro para Mercedes, no Uruguai, depois para
Buenos Aires, em que a sua chegada é anuncida em La Tribuna, em outubro de 1867.
Abel Alexander e Luís Priamo contabilizaram, nos seus álbuns existentes no Arquivo General de La Nacíon, certa
de 4 000 retratos que produziu entre 1873 e 1875, o que demonstra a prosperidade do negócio. Mas à prosperidade
deve-se juntar o prestígio, é frente à objetiva de Christiano Júnior que passa a mais importante sociedade de Buenos
Aires numa altura importante para a construção nacional. O prestígio também lhe vinha dos prémios e trofeus em
concursos e exposições.
Também estabeleceu um estúdio especializado em fotografia de crianças tipo de fotografia que na altura, devido aos
grandes tempos de exposição era bastante difícil. Este estúdio, destruído por um incêndio, vai ser reaberto pelo seu
filho, José Virgínio que antes tinha sido seu ajudante.
Vai-se interessar novamente pela imagens de tipos populares, mas mais ainda pelo contraste entre a Argentina
tradicional rural e pastoril e a imagem de um novo país em construção. Isto é patente nos dois volumes de Album de
Vistas e Costumes de La Argentina, publicados em 1876 e 1877, algumas das imagens que aparecem nestes álbuns
são as mesmas que tinha à venda no seu estúdio. Entre 1879 e 1883 vai percorrer e fotografar outras regiões da
Argentina, frequentemente estabelecia-se em cidades exercendo a sua atividade de retratista, ao mesmo tempo que
trabalhava nos seus álbuns de vistas. Na introdução do primeiro volume deste Album de V istas e Costumes de La
Argentina mostra uma muito oitocentista intenção de sistematização quando diz que quando terminar o seu plano
“a República Argentina não terá nem pedra, nem árvore histórica, do Atlântico aos Andes, que não se tenha
submetido ao enfoque vivificador da câmara escura”.
Vai-se interessar novamente pela imagens de tipos populares, mas mais ainda pelo contraste entre a Argentina
tradicional rural e pastoril e a imagem de um novo país em construção. Isto é patente nos dois volumes de Album de
Vistas e Costumes de La Argentina, publicados em 1876 e 1877, algumas das imagens que aparecem nestes álbuns
são as mesmas que tinha à venda no seu estúdio. Entre 1879 e 1883 vai percorrer e fotografar outras regiões da
Argentina, frequentemente estabelecia-se em cidades exercendo a sua atividade de retratista, ao mesmo tempo que
trabalhava nos seus álbuns de vistas. Na introdução do primeiro volume deste Album de V istas e Costumes de La
Argentina mostra uma muito oitocentista intenção de sistematização quando diz que quando terminar o seu plano
“a República Argentina não terá nem pedra, nem árvore histórica, do Atlântico aos Andes, que não se tenha
submetido ao enfoque vivificador da câmara escura”.

39
Esta intenção de sistematização levou-o em peregrinação por várias regiões da Argentina, carregando o seu material
em mulas e pedindo (nem sempre conseguindo) apoio para o seu projeto aos governos provinciais. Também terá si-
do em função deste objetivo que vendeu o seu estúdio a Witcomb & Mackern, em 1878, num momento alto da sua
carreira.
Acabará por deixar a sua atividade fotográfica, vendendo o seu último estúdio em Corrientes, dedicando-se à produ-
ção de vinhos e licores. Já anteriormente tinha tido outros negócios que não a fotografia, edição, estabelecimento de
banhos.
Faleceu, quase cego e arruinado, em 1902, em Assunção no Paraguai.
Esta sua odisseia contribuiu para engrandecer a imagem do fotógrafo, assim como para aquilo que hoje se conhece
de regiões remotas da Argentina. As suas imagens de escravos feitas no Brasil, as vistas e tipos populares da Argen-
tina, assim como as fotografias das mais importantes personalidades da Argentina dão-lhe uma grande importância
entre os fotógrafos sul-americanos de oitocentos.
O seu prestígio e as obras que lhe têm sido dedicadas no Brasil e na Argentina não são difíceis de compreender, mais
difícil é entender como continua desconhecido em Portugal, quando é o único fotógrafo oitocentista português com
projeção internacional.

40
Boletim Fotográfico, 1910

41
A História da Fotografia segundo Rómulo de Carvalho
Entre as obras de divulgação científica de Rómulo de Carvalho conta-se uma pequena História da Fotografia. É um
pequeno tratado de Física e Química, dedicado ao público mais jovem. Esta pequena obra mostra que, apesar de a
famosa “Pedra Filosofal” não ter nenhuma estrofe dedicada à fotografia, o seu autor a tinha na conta de uma das
grandes invenções da humanidade.
A visão que Rómulo de Carvalho dá da fotografia ao público mais jovem, o seu principal alvo, é a de que esta é uma
matéria principalmente científica. Os aspectos que privilegia são os dos progressos técnicos, principalmente da Quí-
mica e da Física, preocupando-se menos com os artísticos ou sociais.
A obra de um grande escritor consegue ter uma linguagem simples e, ao mesmo tempo, ser apaixonante. A História
de uma disciplina científica corre sempre o risco de se tornar num relato aborrecido, no entanto, Rómulo de Carvalho
consegue fazer-nos fugir do aborrecimento ao tornar esta história numa série de aventuras, as aventuras dos homens
que contribuíram para o avanço da fotografia.
O desconhecido que em 1825 descobriu a fotografia

Estão lá todos: de Da Vinci a Daguerre; de Niepce a Fox-Talbot; de Eastman a Porta, mas a história mais apaixonante
é a do “inventor perdido da fotografia” que em 1825 teria apresentado a sua invenção a um fabricante de ópticas:
(...)”O pobre homem, sem dizer palavra, tirou da algibeira uma velha carteira desbotada, abriu-a, tirou dela um peda-
ço de papel, desdobrou-o cautelosamente e colocou-o sobre o balcão.
- Consegui obter isto - disse.
O dono do estabelecimento olhou alternadamente para o papel e para o desconhecido com ar estupefacto. Tinha, na
sua frente, uma coisa nunca vista: uma fotografia obtida sobre papel, representando uma vista de Paris tirada da jane-
la do maltrapilho. Era um conjunto de chaminés e de telhados, tendo por fundo a cúpula dos Inválidos.
- É maravilhoso! - exclamou o dono da loja. Não se pode saber com que substância é que o senhor obteve este resul-
tado?
- Pode - continuou o homem modestamente. Aqui a tem.”(p.39)
Este homem de quem se perdeu o rasto estava mais de uma década avançado em relação à descoberta “oficial” da
fotografia. Nada mais se sabendo dele, os “heróis” deste livro são, como seria de prever, os “inventores oficiais da
fotografia”: Niepce e Daguerre cuja história é abordada com algum detalhe. Não se pense que são tratados como su-
per-heróis, o que por vezes acontece neste tipo de obras, os “pais da fotografia” foram homens cujas qualidades e
defeitos acabam por ser expostos:
- “Após a assinatura do contrato, Niepce e Daguerre expuseram então, sem rodeios, um ao outro, os resultados dos
seus trabalhos, aliás como já dissemos, bem insignificantes.” (p.51)
Uma história dos processos

Este pequeno livro é, talvez, a forma mais simples de conhecer os processos fotográficos do passado. Talvez as suas
indicações não sejam suficientes para que com eles se obtenham resultados, mas para saber como funcionava o da-
guerreótipo, a albumina, ou o colódio seco, as explicações são simples e esclarecedoras.
Hoje assiste-se a um renovar do interesse nos processos antigos, que se relaciona com a necessidade de tornar difícil
um processo a que os progressos técnicos deram mais facilidade. Talvez estejamos perante um dos efeitos da entrada
da fotografia no mercado de arte.
Para tirar fotografias já não é preciso saber nada de química ou de óptica, saber o que é uma lente convergente, nem
sequer perceber o que é a imagem latente, mas não é isso que torna menos interessantes esses conhecimentos.
Será um livro para os jovens de hoje?

Sendo a obra de um professor e com uma intenção didáctica evidente, este livro foi escrito a pensar no público jo-
vem. No entanto, ouve-se com frequência a queixa de que os jovens estão pouco interessados na leitura. De facto, a
variedade de meios, postos ao dispor do jovem moderno, é muito maior que a de que dispuseram os seus pais, mais
habituados a obras deste tipo. As ilustrações do livro, que eram adequadas na altura, são decepcionantes para quem
está mais habituado a animações multimédia.

42
Não creio que a vontade de saber tenha diminuído, e uma vez que a fotografia tem vindo a ter uma importante ade-
são juvenil, tenho esperança que possa continuar a ser lido.
Afinal se com a descoberta da fotografia estamos perante “uma das mais belas páginas da história da Ciência” (p.51)
porque não conhecer melhor a sua história através de um pequeno livro de um grande autor português?

nota: as páginas referidas dizem respeito à 3ª edição de 1976 (Atlântida, Coimbra)

43
Serões, nº 33, Março de 1908

44
Notas sobre Walter Benjamin
O pensador alemão que faleceu em 1940 é hoje um dos autores mais citados no pensamento crítico sobre a ima-
gem e a fotografia. Sendo a parte mais significativa da sua obra produzida na conturbada Alemanha dos anos
20/30 a sua obra, nomeadamente e sua “História da Fotografia” e “A obra de arte na era da sua reproductibilida-
de”, não gozou de uma popularidade imediata, nem sequer do tipo de projeção que alguns daqueles que viveram
no mesmo ambiente cultural tiveram depois da 2ª guerra mundial. À exceção da obra de Gísèle Freund são poucos
os textos anteriores a 1980 em que se nota a sua influência. Freund era aliás uma sua discípula direta.
Tratando-se de um pensador marxista com influência direta de Luckas a sua obra passou a ser conhecida apenas
nos anos 1980, precisamente numa época de retorno de um liberalismo económico e ideológico característicos da
época de Thatcher e Reagan. Victor Burgin que é o responsável por esta descoberta, ou redescoberta de Benjamim
é-o de uma forma consciente já que pretendia opor-se ao crescente liberalismo ideológico.
Menos previsível é que Benjamim se tenha acabado por tornar num autor obrigatório para todos os que defendem
a pobreza da imagem fotográfica.
A sua frase: “Uma fotografia das fábricas Krupp ou AEG não diz nada sobre essas fábricas”, tem sido repetida
vezes sem conta como forma de desvalorizar a importância do testemunho da imagem fotográfica. Porém creio
que a frase tem sido descontextualizada em relação ao próprio Benjamin, já que o que pretenderia dizer era que
não dizia nada sobre o modo de produção capitalista. Uma outra frase que escreveu em A obra de A rte na Era da
sua Reprodutibilidade Técnica, tem, aliás um sentido completamente oposto: “Os registos fotográficos, com
Atget, começam a tornar-se provas no processo histórico.”
Aliás na esteira de Luckas, Benjamim na sua “História da Fotografia”, faz uma apreciação crítica da fotografia que
vai nesse sentido. Os autores pioneiros são valorizados pois correspondem à burguesia revolucionária ascendente.
Já os posteriores a Disderi são desvalorizados pois eram já os da burguesia que tinha triunfado. Segundo Luckas,
escrevendo sobre a literatura, o que separaria uma da outra eram as revoluções de 1848, não tão longe assim da
época da Carte de Visite, se acrescentarmos a pequena história de Napoleão III a fazer o desvio para passar pelo
estúdio de Disderi, na partida para a campanha de Itália, a proximidade é ainda maior.
O desvio, as tropas à espera que o Imperador tirasse o retrato parecem demasiado rocambolescas para ser verdade,
porém a verdade é que Disderi fotografou, e vendeu em massa a fotografia de Napoleão III. Podia ser visto como
um fotógrafo dos vencedores de 1848. Freund, numa interpretação claramente marxista, considera que a fotografia
correspondia diretamente aos interesses e aspirações desta burguesia.
A fotografia faria assim parte da super estrutura ideológica e assim voltamos à citada frase de Brecht, a fotografia
não diria nada sobre as fábricas Krupp, AEG ou outros por não mostrar o modo de produção capitalista e por ser
parte da super estrutura da sociedade capitalista, Atget, pelo contrário seria um realista e o seu trabalho teria um
profundo significado político, mesmo que o próprio dele não tivesse consciência.
A descontextualização desta citação tem sido a base da abordagem relativista da fotografia, da ideia da pobreza da
imagem fotográfica da qual dificilmente se encontram raízes em Marx, ele próprio um dos orgulhosos burgueses
da fotografias, de quem se conhecem 15 fotografias, entre as décadas de 1860 e 1880, as mais famosas tiradas em
1875 pelo importante fotógrafo londrino John Mayall. Tem-se citado frequentemente Barthes como o iniciador
dessa abordagem relativista, porém qualquer leitura atenta da sua derradeira obra, “A Câmara Clara” afasta essa
ideia. Obras anteriores de Barthes referem-se à fotografia como uma mensagem sem código, porém o não ter códi-
go não significa não ter conteúdo, ou que o seu conteúdo seja por definição pobre.
A obra de Benjamim tem inegavelmente o mérito de ser a primeira em que se pensa criticamente sobre a fotogra-
fia, a primeira em que se as questões sociais e políticas se sobrepõe às funções estéticas. Retomando a ideia do
próprio Benjamim, o seu trabalho surge numa altura em que a transformação mais lenta da superstrutura em rela-
ção à infra-estrutura já teria ocorrido.
A construção de uma ideologia e de uma ética da fotografia, com grande prioridade á objetividade, estava numa
fase inicial da sua elaboração. Ao longo do século XIX e mesmo no início do século XX a manipulação da ima-
gem de imprensa, o seu retoque, as imagens em pose eram completamente aceitáveis. Bejamin dá, aliás, sinal de
conhecer parcialmente essa construção ideológica na citada referência sobre Atget. Também refere alguns fotógra-
fos do seu tempo como Sander, Blossflet ou Moholy-Nagy, porém não dá mostras de conhecer o movimento para-
lelo que ia acontecendo do outro lado do Atlântico.

45
O regresso das suas ideias, depois de décadas de esquecimento, liga-se à grande presença dos media na vida quotidi-
ana a partir dos anos 1960. Benjamim torna-se num dos primeiros críticos da sociedade mediática, numa altura em
que esta dava os seus primeiros passos. Mesmo os 15 minutos de fama de que falava Wahrol e que pareciam visioná-
rios nos anos 1960, estão previstos por Benjamin quando diz: “Um dia todos serão filmados”. Ambos fizeram um
crítica à sociedade dos media e ao papel da arte.
A sua pequena história de fotografia é largamente devedora da tradicional história de arte, porém transforma os crité-
rios sociais e políticos em apreciação estética. Alegadamente até se propõe a fazer essa rutura quando propõe romper
com os conceitos tradicionais como “criatividade, genialidade e o valor”. Não é, ao contrário da “Historia da Foto-
grafia” de Newhall, modelo do optimismo fotográfico, uma obra erudita, demonstrando um conhecimento relativa-
mente superficial da fotografia. Benjamin mostra-se por seu lado otimista em relação ao cinema soviético, símbolo
de uma nova forma de produzir arte.
A abordagem post-moderna e relativista que tem usado Benjamim é largamente contraditória com uma interpretação
bastante dogmática do marxismo que era a sua. A sua “popularidade” como pensador parece largamente anacrónica
já que surge na altura em que as abordagens marxistas mais ortodoxas, como a sua, ou mais livres, como as dos es-
truturalistas não são as mais frequentes e inspira autores muito longe do pensamento marxista, acabando por servir
de fundamento a ideias derivadas das que combatia. A sua presença atual é muito fruto de ter uma obra só aparente-
mente monolítica, fruto do ambiente cultural rico, mas também contraditório da República de Weimar.
A sociedade digital levanta novos desafios, há novos meios de produção, de manipulação e de divulgação da ima-
gem fotográfica. Neste momento todos são filmados e todos filmam. Em muitas situações o que escreveu Benjamin
mantém-se fortemente atual, noutros é evidente a desatualização, sinais de um pensamento mais rico e contraditório
que os seus seguidores fazem crer.

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Emilio Biel & Cª, Carte de Visite, Col do autor

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Fortuna e Malogro (d)o retrato fotográfico em Lisboa –
1860-1900
Este texto é uma tentativa de combinar duas apresentações feitas em conferências que apesar de contextos e locais
diferentes se dirigiam a dois aspectos da mesma temática.
Em Lisboa, em Novembro de 2012 no XXXII Encontro da APHES, tendo como tema “Fortuna e Malogro” apresen-
tar o retrato fotográfico como representação dessa fortuna e desse malogro. Meses mais tarde numa conferência na
Universidade DeMonfort em Leicester apresentei o retrato fotográfico em Lisboa, do ponto de vista da sua produção
e dos seus produtores.
Na verdade com este texto reunifica-se o que tinha sido separado pelas temáticas das conferências em que foram
apresentadas, até porque as duas apresentações foram, em grande, parte pensadas e preparadas em conjunto.
Depois da invenção “oficial” da fotografia de entre os processos então existentes, o daguerreótipo expandiu-se muito
rapidamente. Os fotógrafos retratistas, muitas vezes imigrados foram-se estabelecendo nas cidades mais importantes,
ou utilizavam um esquema de itinerância que hoje é possível de acompanhar pelos anúncios de imprensa.
Apesar de os retratistas se irem estabelecendo, desde a década de 1840, é com o aparecimento da Carte de Visite, em
França, em 1856 que a fotografia passa a gozar de uma muito maior expansão e se transforma num negócio mais
consistente.
Alguns processos existentes, como o daguerreótipo, até então eram caros e não permitiam uma produção de fotogra-
fias em grande escala, outros como a calitipia eram lentos e pouco apropriados ao retrato.
Os primeiros processos fotográficos, como o daguerreotipo eram muito caros, mais caros que a pintura de miniaturas.
Passos Manuel queixava-se da quantia (28$000 reis) que tinha despendido com um daguerreotipo, alegando que ti-
nha gasto tal quantia porque este tinha uma muito maior fidelidade ao original. De facto, os preços praticados por um
retrato fotográfico em Lisboa em 1846 situavam-se entre os 2$500 reis (meia chapa) e os 5$000 reis, (chapa inteira),
apesar de altos, estes preços são muito mais baixos do que o referido por Passos Manuel. Mesmo tendo havido, ao
longo da década de 40 e da de 50, uma guerra de preços entre os fotógrafos que os levou até $720, à custa de uma
possível diminuição das dimensões, os processos até então utilizados, como o daguerreotipo e o ambrotipo, não per-
mitiam baixar muito os preços.
O início do processo Carte de Visite que se transformou numa verdadeira mania a “cartomania”. Graças a esta moda,
a partir de 1856, primeiro em França, depois em Inglaterra há uma enorme expansão de estúdios fotográficos. Isto
apesar das queixas de que em Lisboa os preços eram quatro vezes superiores aos de Paris, uma dúzia de cartes de
visite poderia custar 1$200 reis.Este movimento também chegou a Portugal embora fosse mais tardio, prolongando-
se até aos anos 1880. A carte de visite foi um formato que teve impacto mundial.
Nas décadas de meados de oitocentos o fotógrafo era muitas vezes estrangeiro, como é o caso de Laurent, ou de
Thiesson (ou Thierson) anunciado em A Revolução de Setembro no ano de 1845. Ramalho Ortigão escreveu sobre
Alfred Fillon, um dos primeiros Daguerrotipistas activos em Portugal. Fillon tinha vindo para Lisboa, refugiado de
França, tendo sido bem recebido na “sociedade”, no entanto, tornou-se fotógrafo “para que não o tomassem por um
vadio, ou por um escroc. O resultado foi que nenhuma das suas relações na sociedade de Lisboa se tornou a achar em
casa para o receber”. Também não o aceitavam como fotógrafo, preferindo ir fazer os retratos a outros sítios, pelo
que teve que ir estabelecer-se no Porto. Parece estar aqui um sinal de desclassificação social da profissão, uma vez
que parece que a grande questão para a sociedade Lisboeta seria a da confusão com alguém que, pela sua profissão,
estaria numa situação social em relação à qual seria inaceitável mostrar que se tinha tido contactos anteriores numa
situação de igual para igual. Para outro estrangeiro, Rochinni, um carpinteiro italiano que se tornou num dos fotógra-
fos mais conhecidos de Lisboa, a fotografia era uma forma de ascensão social.
As cidades de Lisboa, Porto, em menor escala Coimbra e mais tarde alguns locais de veraneio tornaram-se foram
ganhando um número importante de estúdios de fotografia. Sendo um país ainda pouco urbanizado, o negócio de
fotografia era relativamente incipiente noutras localidades, podendo estar dependente da itinerância ou da existência
de amadores que podiam estar em povoações relativamente pequenas.
Esses estúdios, à medida que a fotografia se ia popularizando, iam tentando chegar a novos segmentos de mercado,
passando das classes altas para as médias e daí para as classes populares. Em Lisboa é muito interessante estudar a
sua distribuição pela cidade, já que esta reflecte os segmentos de mercado procurados. A maior parte dos estúdios
concentrava-se na zona do Chiado ou Bairro Alto, alguns pela Baixa, mas também existiam em Alcântara, Graça,
Martim Moniz, ou mesmo na zona industrial a oriente da cidade. Um estúdio estabelecia-se na Calçada do Duque,
junto à Estação do Rossio. Apontava claramente a um público que chegava de comboio à capital, outro mais próximo
do Castelo tinha clientes da margem sul. A presença de muitos estúdios no Chiado, um espaço mais procurado pelas
classes altas, e uma deslocação posterior para a Baixa, espaço mais interclassista mostra a popularização da fotogra-
fia.

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D. Luís e D, Maria Pia, Carte de Visite não identificada, Coleção do autor

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Apesar de trajes e poses tenderem para a normalização é possível, muitas vezes, ter uma ideia da proveniência social,
por via dos fotógrafos que tinham, quase sempre o nome inscrito nos cartões.
Um aspecto interessante é a circulação do gosto entre as classes. Nos anos 1870/1880 quando já existe um número
importante de imagens, com estereótipos relativos a pose traje e adereços começa a crítica do “gosto burguês” e a
ridicularização desses estereótipos. Interessante é notar que essa crítica acaba por ser incorporada nesse gosto, levan-
do a imagens mais simples nos seus adereços. Nas imagens que podem ser reconhecidas como populares essa ten-
dência para a simplificação é mais tardia e pode ter sido, de certa forma, forçada pela necessidade de normalização
do retrato de identificação. Mas a critica ao fotógrafo que se deslocava de feira em feira produzindo retratos baratos
continua, tal como se pode ver neste artigo de 1885 na “Arte Fotográfica”:
“Vimos um desses interiores do tal templo da arte — era um atelier improvisado, debaixo duma ramada! O fundo
tinha saído dum velho xaile de mulher, fanado e nodoento. Ao lado esquerdo erguia-se pitorescamente uma colunata
de pinho da terra e uma mesa da mesma simpática madeira e sobre ela um folheto — o Seringador. O Sol passava na
folhagem da ramada — o que fazia parecer o salão de pose um grande raro de borrifador. Devia-se ali tirar o retrato a
piscar os olhos e o modelo a fingir uma sardonisca!
Pelo chão estendia-se palha. Perguntamos ao fotógrafo o que pretendia aquilo fingir.
Relva.
Ao fundo, em companhia do xaile, também alguns feixes de palha, verticalmente, ao longo do muro, esperavam.
Perguntamos novamente ao fotógrafo:
—Folhagem, paisagem!”

Estas críticas não fazem mais do que mostrar até que ponto a fotografia é determinante para marcar um estatuto de
classe.
A grande expansão deste negócio em Lisboa é dos anos 1880, quando em França e Inglaterra estava em declínio. A
maior parte dos estúdios eram negócios relativamente pequenos, nalguns casos o mesmo fotógrafo tinha vários estú-
dios, mesmo se situados na mesma zona da cidade. Os fotógrafos de Lisboa tinham menos tendência para a itinerân-
cia do que os de outros locais do país, talvez pelo facto de haver uma clientela mais regular na capital.
Ao retrato muitos fotógrafos acrescentavam outras fontes de rendimento, as fotografias dos locais e até de aconteci-
mentos, a fotografia para a imprensa, até se autonomizar a figura do fotógrafo de imprensa e, em especial a partir da
década de 1890, a venda de material e a realização de trabalhos para amadores.
O grande comércio também não desprezava este negócio e os Grandes Armazéns do Chiado e o Grandella tiveram as
suas “secções fotográficas” onde além dos retratos e da venda de material se faziam trabalhos para amadores. Algu-
mas farmácias também vendiam produtos químicos.
Se a maior parte destes estúdios foram negócios efémeros, alguns mantiveram-se durante a maior parte do século
XX, até haver grandes transformações no comércio de Lisboa nos anos 80, alguns deixaram de ser estúdios, mas
mantiveram-se como comércio de equipamento fotográfico, até ainda mais tarde. A manutenção de estúdios de foto-
grafia num mesmo espaço não significava, de forma alguma, que houvesse uma continuidade no negócio. Na maior
parte dos casos iam mudando os proprietários, por via do trespasse.
O crescimento urbano levou ao aparecimento de estúdios nas partes mais modernas da cidade. Sampayo troca os
Restauradores pelo Marquês de Pombal, outro estúdio aparece na Praça do Chile. Nos arredores de Lisboa, e até as
praias à volta não se encontram registo de estúdios, ao contrário do que acontecia na Figueira da Foz, ou na Póvoa do
Varzim, em que além de uma certa itinerância de fotógrafos de Coimbra ou do Porto, havia estúdios estabelecidos.
Mesmo assim a “Fotografia Portuguesa” de José Maria da Silva, em alguns dos seus cartões dá, em complemento à
morada da Rua do Poço dos Negros, uma morada na Ericeira. No catálogo da Exposição Nacional de Industrias Fa-
bris de Lisboa em 1890, alguns dos 27 fotógrafos presentes (nem todos profissionais) davam alguns elementos sobre
o seu negócio, sendo estes sempre pequenos, com um número de empregados que não ultrapassava os sete. No mes-
mo catálogo o único estúdio de Lisboa que deu elementos sobre o seu funcionamento foi o de Francisco Santos Lima
que facturava 4 000$000 reis, tendo apenas 3 empregados.Até 1900 todos os estúdios funcionavam utilizando a luz
natural, o que justificava a sua localização e até alguns tipos de construção, já que precisavam de grandes superfícies
envidraçadas e orientadas de certa forma. Na maior parte dos casos hesita-se entre o piso térreo que é melhor do pon-
to de vista comercial e os pisos superiores mais favoráveis do ponto de vista da iluminação. Nos primeiros anos do
Século XX surgem os primeiros estúdios a utilizar a luz elétrica, primeiro o de Biel no Porto e, a partir de 1902 foi
Arnaldo Fonseca em Lisboa a anunciar o seu estúdio que abriu em 1903. A luz elétrica permitia fotografar sem nas
horas de sol, mas, talvez mais importante, permitia, segundo o mesmo anúncio que se aproveitasse o estar vestido
para ir à Opera para ser fotografado.

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No Porto a dispersão geográfica era menor, os estúdios eram em menor quantidade, mas correspondiam a negócios
maiores, o atelier de Leopoldo Cirne no Porto que empregava catorze pessoas. Isso pode explicar o facto de alguns se
manterem, mesmo se com algumas mudanças de propriedade até aos nossos dias, como a Casa Alvão, ou a Fotogra-
fia Beleza.
Interessante é a situação de Coimbra em que o negócio da fotografia dependia em grande parte da população estu-
dantil. Era comum a organização de álbuns e retratos compostos com todos os estudantes do curso.
A grande quantidade de estúdios fotográficos corresponde à necessidade de utilizar as fotografias como símbolo de
estatuto social. Giséle Freund defende que esta fotografia de retrato e o formato Carte de Visite correspondem às ne-
cessidades da burguesia ascendente.
Esta necessidade de demonstração de sucesso faz-se de uma forma estandardizada. A Carte-de-Visite tem um forma-
to standard, uma fotografia de 6 x 9,5 cm, colada num cartão de 6,5 x 10 cm. Estes retratos tiravam-se não só para os
ter, como para os distribuir, entregavam-se a familiares, amigos ou a quem tivesse algum tipo de relação com o foto-
grafado. Tinham, assim, uma função de representação social muito evidente.
O conjunto da pose, do traje, do fundo e dos adereços constroem a imagem, uma imagem de fortuna que é muito es-
tereotipada com regras muito definidas. Para Benjamin “na perspectiva do fotógrafo, o cliente fazia parte de uma
classe social que se encontrava em ascensão com uma aura tal que estava incrustada desde as dobras do casaco bur-
guês até à “lavallière”.
Exemplos extremos da forma como se impõe este estereótipo são as fotografias de estudantes de Coimbra. com uni-
formidade no traje (académico), na pose (sentados), no enquadramento (meio corpo) e nos livros e fitas como acessó-
rios. Com ela organizavam-se retratos compostos e álbuns, em que um após outro se podia incluir todo um curso.
Claro que o estereótipo dos retratos no formato “carte-de-visite” não era tão limitado, eram na maior parte dos casos
retratos individuais (as fotografias de casal, de família, ou de grupo ainda eram pouco comuns). Os enquadramentos
de corpo inteiro ou meio corpo eram mais favoráveis à demonstração de status já que só assim se podia mostrar o
traje, os acessórios e o cenário. O padrão desta época é austero, o traje masculino em geral é escuro, sem padrões, o
status está nas pequenas coisas.
Sobrepondo várias imagens não se chega a um retrato tão perfeito e coerente como o dos estudantes de Coimbra, mas
é patente a semelhança de traje, pose e enquadramento, em especial nos retratos masculinos.
No retrato feminino são maiores as variações, quer de traje, quer de pose. A forma de vestir tem mais importância, é
mais variada e sujeita à moda. Apesar das queixas de que as empregadas se vestiam com a roupa das patroas as dife-
renças sociais são mais visíveis no traje feminino.
Ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos, desde meados do século XIX, e seguindo o padrão europeu, a
maioria das imagens não faz referência à profissão do fotografado, quer no traje, quer na presença de acessório com
ela relacionados. Faz o mesmo tipo de análise para os Estados Unidos da mesma época, em que defende que: “Na
jovem democracia americana, este novo meio de auto representação corresponde perfeitamente às necessidades dos
pioneiros, orgulhosos do seu sucesso”.
Ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos, desde meados do século XIX, e seguindo o padrão europeu, a
maioria das imagens não faz referência à profissão do fotografado, quer no traje, quer na presença de acessórios com
ela relacionados. Faz o mesmo tipo de análise para os Estados Unidos da mesma época, em que defende que: “Na
jovem democracia americana, este novo meio de auto representação corresponde perfeitamente às necessidades dos
pioneiros, orgulhosos do seu sucesso”.
As exceções à regra de não representação da atividade do fotografado eram as profissões que implicam a utilização
de um traje próprio que se torna num símbolo de status. Os uniformes militares eram disso um exemplo, assim como
as batas de médicos, ou os trajes de cena de atores, sendo o extremo o traje estudantil, já que neste caso as fotografia
é feita em função e para mostrar a situação de estudante.
Ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos, desde meados do século XIX, e seguindo o padrão europeu, a
maioria das imagens não faz referência à profissão do fotografado, quer no traje, quer na presença de acessórios com
ela relacionados. Faz o mesmo tipo de análise para os Estados Unidos da mesma época, em que defende que: “Na
jovem democracia americana, este novo meio de auto representação corresponde perfeitamente às necessidades dos
pioneiros, orgulhosos do seu sucesso”.
As exceções à regra de não representação da atividade do fotografado eram as profissões que implicam a utilização
de um traje próprio que se torna num símbolo de status. Os uniformes militares eram disso um exemplo, assim como
as batas de médicos, ou os trajes de cena de atores, sendo o extremo o traje estudantil, já que neste caso as fotografia
é feita em função e para mostrar a situação de estudante.

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Sobreposição de Cartes de Visite, Retratos de busto masculinos, Portugal,
1880-1910

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Os fundos e cenários que tendiam a ser menos elaborados que noutros países também oscilavam entre o neutro e
aqueles que evocavam uma casa ou jardim, não sendo frequentes os que possam mostrar alguma atividade, ou mesmo
as bibliotecas, populares em Inglaterra. A presença de um único livro como adereço pode ter significados diferentes,
já que esse livro tanto pode ser uma bíblia, como o próprio mostruário do fotógrafo.
A distribuição de estúdios de fotografia pelo país e a forma como o retrato se fazia é reveladora das relações sociais e
da forma como se comportavam as classes médias, em primeiro lugar dá a medida da fraqueza dessas classes fora das
grandes cidades. Os estúdios concentram-se em Lisboa, Porto e pouco mais. Noutras cidades não haveria capacidade
de gerar clientela.
O retrato fotográfico no formato “carte-de-visite” (entre outros) era o sinal da fortuna, a fortuna mostrava-se por um
conjunto de estereótipos que passavam pela serenidade na pose, pela austeridade no traje (em especial nos homens) e
em cenários e adereços que passaram do complicado e evocativo de locais e situações para uma maior simplicidade
que foca a atenção na pessoa fotografada. Esta simplicidade vai-se acentuando à medida que se prefere o retrato mais
aproximado ao de corpo inteiro A esta altura corresponde uma defesa do individualismo que as imagens muito estere-
otipadas desmentem. A fortuna representa-se pela correspondência a um padrão, a um padrão que subtilmente ia mu-
dando, até para poder corresponder à sua função de distinção social, mas que se mantinha bastante rígido.

Carte de Visite, Lisboa, Coleção do autor

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