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lacaniana.
2) Introdução
O filósofo Henri Bergson afirmava que “todo filósofo tem duas filosofias: a sua
própria e a de Spinoza” (BERGSON,1959, p.587). Sendo a aplicabilidade dessa afirmativa
coerente e legítima, há de se pensar que para além das contribuições para o campo filosófico a
obra do holandês do século XVII Benedictus de Spinoza1 “parecia ter vislumbrado soluções
que a ciência só agora está oferecendo para vários problemas” (DAMÁSIO, 2004, p.13). De
tal modo que estudos na física, química, sociologia, antropologia, psicologia e psicanálise tem
confrontado ou se apropriado da teoria spinozana para redirecionar suas perspectivas
epistemológicas e teóricas. Mais estritamente algumas abordagens teóricas dentro da
psicologia e psicanálise tem-se atentado consideravelmente para uma das principais temáticas
tratadas por Spinoza em seu livro Ética demonstrada a maneira dos geômetras que é: “ a
verdadeira natureza e força dos afetos e como a mente pode fazer para moderá-los”
(SPINOZA, 2008, p.45). Com Lacan esse premissa se valida, já que o mesmo está entre o hall
de pesadores que retornaram a filosofia para um maior embasamento de sua própria teoria.
Desde sua origem nascimento da psicanálise com seu dialogo e epistemologia e suas
matrizes a filosofia, o próprio Freud em seu texto ‘O interesse científico da psicanálise’(1913)
faz uma crítica a um possível devir que a psicanálise poderia contribuir no campo filosófico a
partir de então:
“A filosofia, até onde se apóia na psicologia, não poderá deixar de levar integralmente
em conta as contribuições psicanalíticas à psicologia e de reagir a esse novo
enriquecimento de nossos conhecimentos, tal como fez em relação a todo processo
digno de consideração nas ciências especializadas. Em particular, o estabelecimento
da hipótese de atividades mentais inconscientes deve compelir a filosofia por um lado
ou outro e, se aceitar a idéia, modificar suas próprias opiniões sobre a relação da
mente com o corpo, de maneira a poderem se conformar ao novo conhecimento”
(FREUD, 1913, p. 125)
Esse caráter de uma filosofia a partir da psicanálise pode ser utilizado tanto para
compreender aspectos até então não levados em conta pela filosofia, como também de
utilizar-se dessa aproximação para uma leitura epistemológica da psicanálise. Sendo assim, a
possibilidade de estudos que visam estabelecer as conexões entre psicanálise e filosofia são de
relevância impar, seja para um conhecimento das origens dos questões problemas que a
psicanálise tem a resolver ou para aparato conceitual da interpretação conceitual no campo
1
É adotada a grafia latina do nome do filosofo, tendo como base a discussão de André Santos Campos em
“Spinoza e Espinosa: excurso antroponímico”, Revista Conatus, n.1, 2007.
psicanalítico. Em ‘História do movimento psicanalítico’ Freud nos atenta para da importância
dessa aproximação:
“A teoria da repressão sem dúvida alguma ocorreu-me independentemente de
qualquer outra fonte; não sei de nenhuma impressão externa que me pudesse tê-la
sugerido, e por muito tempo imaginei que fosse inteiramente original, até que Otto
Rank (1911a) nos mostrou um trecho da obra de Schopenhauer World as Will and
Idea na qual o filósofo procura dar uma explicação da loucura. O que ele diz sobre
a luta contra a aceitação da parte dolorosa da realidade coincide tão exatamente
com o meu conceito de repressão que, mais uma vez, devo a chance de fazer uma
descoberta ao fato de não ser uma pessoa muito lida.” (FREUD, 1914, p. 10)
Além disso (pelo corol. prec. e pelo corol. 2 da prop. 16), compreendemos
claramente qual é a diferença entre, por exemplo, a idéia de Pedro, que
constitui a essência da mente do próprio Pedro, e a idéia desse mesmo
Pedro que existe em outro homem, digamos, Paulo.A primeira, com efeito,
explica diretamente a essência do corpo de Pedro, e não envolve a
existência senão enquanto Pedro existe; a segunda, entretanto, indica mais o
estado do corpo de Paulo do que a natureza de Pedro e, assim, enquanto
durar o estado do corpo de Paulo, sua mente considerará Pedro como lhe
estando presente, mesmo que Pedro, já não exista. (SPINOZA, 2008, p.
109-111)
O corpo em Lacan também possui lugar de destaque. Em seu texto ‘Radiofonia’ Lacan
desenvolve claramente a importância do corpo no pensamento psicanalítico, sendo o corpo
aquele que pode portar as marcas, de maneira similar que com Spinoza diz sobre afecções
sofridas pelo corpo percebidas pela mente, que diz que “A mente humana não conhece a si
mesma senão enquanto percebe as idéias das afecções do corpo” (SPINOZA, 2008, p. 117).
Disso segue o trecho de Lacan:
O corpo, a levá-lo a sério, é, para começar, aquilo que pode portar a marca
adequada para situá-lo numa seqüência de significantes. A partir dessa marca, ele é
suporte da relação, não eventual, mas necessária, pois subtrair-se dela continua a
ser sustenta-la. (LACAN, , p. 407)
A função dos afetos é outro ponto a ser destacado numa leitura paralela entre os dois
autores. Michael Della Rocca (1996) faz uma leitura pertinente e crítica sobre as
possibilidades de se ter uma psicologia de cunho afetivo spinozano. A discussão sobre as
modificações cognitivas provocadas pelos afetos é evidente, mas a dimensão prática e ética
dos afetos também é inserida:
A natureza cognitiva dos afetos tem uma função central na explicação spinozana dos
meios que podemos usar para destruir afetos danosos ou ao menos diminuir seus
efeitos deletérios. Já que um afeto danoso- como qualquer outro – envolve crenças,
pensamentos etc. de maneira essencial, se formos capazes de alterar o estado
cognitivo relevante, com isso alteraremos ou até mesmo destruiremos o afeto
danoso. Dessa maneira, podemos ver como, para Spinoza, os princípios de
constituição dos afetos têm importantes implicações práticas e éticas. 2 (Rocca, 1996,
p. 243)
Spinoza ao concentrar em seu terceiro livro da Ética ‘Da origem e natureza dos afetos’
um esforço para elaborar uma organização de como os afetos influem na vida humana. É feito
por ele um esforço para compreender como os afetos são causa de nossa servidão ou liberdade
e com isso baseia-se nessas modificações corporais e mentais simultaneamente. Essa
discussão spinozana pode nos auxiliar a compreender a importância que o padrão afetivo
2
The cognitive nature of affects plays a central role in Spinoza's account of the means by which we may destroy
harmful affects or at least lessen their deleterious effects. Since a harmful affect - like any other - essentially
involves beliefs, thoughts, and so forth, if we are able to alter the relevant cognitive state, we will thereby alter or
even destroy the harmful affect. In this way, we can see how principles of affect constitution carry importante
practical and ethical implications for Spinoza.
possui na análise, sendo os afetos uma nuance para intervenções bem sucedidas durante a
análise se levada em conta por parte do analista.
Considera-se, com efeito, que aquilo que poderemos chamar um certo número de
afetos, na medida em que o analista seja tocado por eles na análise, constitui um
modo, senão normal, pelo menos normativo, do balizamento da situação analítica, e
um elemento não somente da informação do analista, mas até mesmo de sua
intervenção, pela comunicação que ele pode fazer disso, eventualmente, ao
analisado. (LACAN, 1992, p. 247)
4) Objetivos
Objetivos específicos:
Em relação à leitura de Lacan com uma obra qualitativamente maior que a de Spinoza
serão abordados os seminários onde o Spinoza é citado primeiramente. Isto porque é
necessário estabelecer na obra de Lacan como a teoria do filosofo é utilizada, para qe
posteriormente os conceitos de ambos os autores sejam interpretados por si só. E isto é
possível graças uma característica da própria leitura lacaniana:
Lacan era um leitor e intérprete voraz; para ele, a própria psicanálise é um método
de leitura de textos, orais (a fala do paciente) ou escritos. Não há maneira melhor de
ler Lacan, então, que praticar seu modo de leitura e ler os textos de outros com
Lacan. Assim, cada capítulo deste livro vai confrontar uma passagem de Lacan com
um outro fragmento (de filosofia, de arte, de cultura popular e ideologia) (ZIZEK,
2010, P.12)
CHAUÍ, Marilena. Mea philosophia: depoimento. [13 de março, 1999]. São Paulo: Revista
da Folha de São Paulo. Entrevista concedida a Bento Prado Jr. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/resenha/rs13039901.htm. Acesso em 14 de junho de 2017
FREUD, S. O interesse científico da psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das obras
completas, vol. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. A história do movimento psicanalítico. In: Edição Standard Brasileira das obras
completas, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996
FOUCAULT, Michel A Ordem do Discurso. Aula Inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 19.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
LACAN, Jacques. (1956-57). Radiofonia. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.