Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
FORTALECIMENTO IDENTITÁRIO
Lisley Marcondes
(lisley.sm@hotmail.com)
Faculdade Luciano Feijão
Resumo
A partir do arcabouço da Psicologia Comunitária, o presente artigo pontua a constituição da identidade
negra e sua afirmação nos territórios brasileiros como forma de propagar as expressões culturais
advindas de um determinado grupo social considerados remanecentes de situações opressoras, que
censuram seus modos de estarem no mundo. Diante disso, será abordada uma intervenção sobre
comunidades quilombolas, elaborada a partir de uma visita e relatos de representates direcionando-se
aos problemas sociais a fim de proporcionar mudanças sociais para a redução das desigualdades.
Observou-se a ausência de um empoderamento por parte da própria população desta comunidade e das
dificuldades de inserção no mercado de trabalho, o que levou a traçarmos como objetivo, fortalecer a
identidade dos sujeitos pertencentes a esta comunidade. Dessa forma, delineamos uma intervenção
focada na compreensão do que é ser negro no Brasil, o seu contexto histórico, expressões culturais,
tipos de trabalhos e políticas públicas. Para isso, utilizamos como recursos potencializadores de
expressões, o método de arte identidade. Adotou-se como referenciais teóricos Baró, Góis, dentre
outros.É necessário, portanto, refletir sobre o fazer do Psicólogo nas Políticas Públicas, visto que há
uma importância de promoção na participação política e social dos sujeitos, entendendo as demandas
geradas a partir deles mesmos, considerando assim, seus modos de vida, suas relações sociais e de
trabalho.
Palavras-chave: Quilombolas; Identidade; Psicologia Comunitária.
1. INTRODUÇÃO
A história brasileira é marcada por uma diversidade racial, étnica e cultural, onde
seestabeleceu uma identidade dominante advinda da cultura portuguesa que reprimia outros
modos de manifestações, como os negros que foram submetidos à condição de escravos.A
identidade negra como reflexo da sociedade, foi sendo constituída enquanto sujeitos passivos
sendo retratados em sua maioria como marginalizados ou desviantes. Dessa forma, os negros
no Brasil estiveram desprovidos de direitos, vistos apenas enquanto uma força produtiva.
Assim, constituíram-se os quilombos como estratégia de luta com seus primeiros
registros a partir de 1740, sendo a princípio, caracterizado pejorativamente ao negar sua
organização política e econômica (FERNANDES; MUNHOZ, 2013). Os autores pontuam,
entretanto, que estas pessoas marginalizadas juntavam-se na tentativa de resistir ao sistema de
normas vigente. A partir de 1970 inicia-se a tentativa de ressignificar o conceito de quilombo,
considerada uma estratégia política de grupos minoritários marginalizados, em busca de
romper com as produções hegemônicas.
Como a abolição da escravidão se aproximava, os senhores do período colonial
aprovavam em 1850 a Lei de Terras, a qual instituía a aquisição de propriedades por meio de
compras e vendas de terras. Diante disso, muitos negros submeteram-se ao trabalho livre,
porém permaneceram sob o domínio das relações de opressão, como por exemplo, a
dependência de doações de terra pelos senhores, o que os fez estabelecer novos grupos de
resistência, os quilombos. Esses processos de afirmação da resistência negra, porém, persiste
nos dias atuais (FERNANDES; MUNHOZ, 2013).Nesse sentido, é preciso pensar como essas
questões implicam na formação de sua identidade, havendo a necessidade de oferecer a esses
grupos autonomia para o enfrentamento através de ações que os auxiliem na participação
política. Esta pesquisa resulta de uma experiência fruto da disciplina Psicologia Comunitária,
no qual foi realizada uma intervenção pensando um grupo de universitários enquanto
quilombolas.
O fato descrito acimanos remeteu à escolha da comunidade quilombola do Sítio
Carnaúba II com 620 habitantes, que se localiza no interior da cidade de São Benedito-
CE,para compor este presente trabalho, diante da reduzida visibilidade dada ao grupo na sua
participação social, além da falta de políticas públicas direcionadas para esta população. A
mesma pertence territorialmente ao município de Carnaubal, mas seus moradores consideram-
se cidadãos da cidade de São Benedito- CE, uma vez que há forte relação social, econômica e
política com esta. Seu surgimento se deu a partir de histórias contadas pelos bisavôs, avôs e
pais a respeito de todo sofrimento que eles vivenciaram em épocas passadas e que de certa
forma continuam vivenciando até os dias de hoje, sendo reconhecida pela Fundação Cultural
Palmares como quilombolas no ano de 2013.
Góis (2008) ressalta que a psicologia comunitária é uma área da psicologia social,
voltada para a compreensão da atividade comunitária como atividade social significativa
(consciente) própria do modo de vida (objetivo e subjetivo) da comunidade e que abarca seu
sistema de relações e representações, modo de apropriação do espaço da comunidade, a
identidade pessoal e social, a consciência, o sentido de comunidade e os valores e sentimentos
implicados na comunidade, tendo por objetivo o desenvolvimento do sujeito. Mediante o
aprofundamento da consciência dos moradores com relação ao modo-de-vida da comunidade.
De acordo com Gomes (1999), comunidade é considerada um grupo social com certo grau de
organização, que compartilha o mesmo espaço físico e psicológico, e alguns objetivos em
comuns derivados de crenças, valores e atitudes; mantém um sistema de interação no tempo e
no espaço, essa relação integra e fluída entre as pessoas constituem diversas subjetividade.
À princípio, realizamos uma visita à comunidade a fim de identificar as demandas
com base nos relatos da população adquiridos através de uma entrevista semi-estruturada.
Para Gil (2008) a entrevista é uma forma de interação social e de diálogo, em que uma das
partes busca coletar dados e a outra se mostra como fonte de informação. Mais
especificamente a entrevista semi-estruturada, na qual é utilizada “(...) como uma lista das
informações que se deseja de cada entrevistado, mas a forma de perguntar (a estrutura da
pergunta) e a ordem em que as questões são feitas irão variar de acordo com as características
de cada entrevistado (OLIVEIRA 2011, p. 36). A partir dessa coleta de dados, planejamos
uma atividade de acordo com os conceitos da Psicologia Comunitáriaa qual direciona-se aos
problemas sociais a fim de proporcionar mudanças sociais para a redução das desigualdades
(GÓIS, 2008).
Em vista da ausência de um empoderamento por parte da própria população desta
comunidade e das dificuldades de inserção no mercado de trabalho, traçamos como objetivo
fortalecer a identidade dos sujeitos pertencentes a esta comunidade. Para isso partimos da
seguinte pergunta: Quais as implicações psicossociais de uma identidade reconhecida dos
jovens quilombolas? Dessa forma, delineamos uma intervenção que seria realizada com os
jovens da comunidade focada na compreensão do que é ser negro no Brasil e o seu contexto
histórico, expressões culturais, tipos de trabalhos e políticas públicas. Para isso, utilizamos
como recursos potencializadores de expressões, o método de arte identidade.
Diante disso, é importante discutir a posição que deve ser assumida pelo Psicólogo
que se insere em contextos específicos, tomando como base uma reflexão crítica sobre seu
papel que muitas vezes é reduzido a resolução de problemas. No entanto, entendemos que o
desenvolvimento do sujeito não deve incluir o seu ajustamento social mediante as relações de
poder, e sim assumir uma práxis libertadora a partir da perspectiva das maiorias populares na
construção da conscientização por meio de atividades que superem uma identidade alienada
(BARÓ, 1996).
O Grupo Palmares de Porto Alegre, entre 1971 e 1978, foi responsável pela
proposição do dia 20 de novembro, como alternativa às comemorações do 13 de
maio. Palmares também 8 foi um dos precursores do chamado movimento negro
moderno, que se caracterizou pela construção de uma nova identidade negra,
referenciada em aspectos locais e globais. Ao afirmar-se e organizar-se como grupo
étnico, adotam uma postura e um discurso subversivo que colocam em cheque
conceitos estruturantes da sociedade brasileira, como democracia racial, identidade e
cultura nacional (2006, p.03 apud ARISPE 2012. p.07).
2.1.Comunidades quilombolas
As comunidades quilombolas são uma herança viva da história do nosso país, diz
muito de lutas e fugas, mas também diz muito das hostilidades de uma sociedade dissimulada
e desigual. O território se constitui enquanto elemento importante para um grupo étnico
reproduzir seus costumes, valores, ideologias, modos de vidas, ocupando o lugar de figura
central no processo identitário.
Ser membro de um grupo étnico é se submeter a uma série de regras sociais
estabelecidas pela tradição e perpetuadas geração após geração. E isso ocorre, a
despeito das pessoas manterem sua autonomia enquanto indivíduo e dessas regras
tradicionais se alterarem ao longo do tempo. Ou seja, tradição não é submissão e
nem estagnação absoluta. (INCRA, 2017, p.7)
3. POLÍTICAS PÚBLICAS
É um conjunto de ações do governo que influenciam a vida do sujeito na tentativa de
solucionar situações sociais problemáticas ou mesmo minimizá-las. Influenciam na economia
e nas sociedades, esclarecendo as inter-relações entre Estado, Política, Economia e Sociedade.
Outros segmentos além do Governo, são envolvido na formulação de Políticas Publicas, como
os movimentos sociais, com um grau de influência a depender do tipo de política formulada.
(SOUZA, 2006).
Segundo Fernandes e Munhoz (2013, p. 372):
4. EXPRESSÕES CULTURAIS
É mais do que sabido que as comunidades quilombolas são uma herança viva da
história do nosso país, diz muito de lutas e fugas, mas também diz muito das hostilidades de
uma sociedade dissimulada e desigual. No que tange as manifestações culturais dentro de
comunidades Quilombolas como todo, mas especificamente na comunidade quilombola do
Sítio carnaúba II, que fica localizada na cidade de São Benedito, ainda são mantidas vivas. A
cultura é passada de geração para geração o que possibilita que hábitos, costumes, os modos
de vida, a própria relação com a terra e a natureza permaneçam vivas no seio dessa(s)
comunidade(s).
Para a UNESCO (2003):
As manifestações culturais fazem parte do bem imaterial e são reconhecidas
mundialmente através das tradições, do folclore, dos saberes, fazeres, das
festas, dos rituais, dentre tantas outras expressões transmitidas oralmente ou
gestualmente, recriadas na coletividade e modificadas ao longo do tempo e
espaço, tornando-se importantes por proteger e promover a memória cultural
de uma civilização.
Diante disso, vale ressaltar que tais manifestações culturais circundam o espaço de
diversão, e quando experienciadas de forma a obter a participação de todos, se tornam ações
que podem e assumem diversos significados, como também funções singulares para cada
sujeito, caracterizando assim sua relevância na evolução das sociedades.
A comunidade quilombola apresentada preserva esustenta entre suas manifestações
culturais, o artesanato, danças como: makulelê e roda de capoeira. Tais manifestações são
praticadas de forma coletiva, é uma maneira de expressarem sua identidade. É o momento que
se lançam na sua identidade cultural, ao passo que quem esta de fora pode compreender seus
significados, como também seus valores.
5. AGRICULTURA FAMILIAR
A emergência da expressão “agricultura familiar” surgiu no contexto brasileiro em
meados da década de 1990 (Schneider, 2003). A Secretaria Especial de Agricultura Familiar e
do Desenvolvimento Agrário, reconhece a agricultura familiar como uma gestão da
propriedade que é compartilhada pela família e a atividade produtiva agropecuária é a
principal fonte geradora de renda. Além disso, o agricultor familiar tem uma relação particular
com a terra, seu local de trabalho e moradia. A Lei 11.326, que data de 24 de julho de 2006,
trata da execução da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares
Rurais.
Gasson e Errington,1993 in: Abramovay, 1997, destaca seis características básicas que
definem a agricultura familiar:
1. A gestão é feita pelos proprietários. 2. Os responsáveis pelo
empreendimento estão ligados entre si por laços de parentesco 3. O trabalho
é fundamentalmente familiar 4. O capital pertence à família 5. O patrimônio
e os ativos são objeto de transferência intergeracional no interior da família
6. Os membros da família vivem na unidade produtiva. (p. 74).
Ao relacionar qualidade de vida e Agricultura Familiar Orgânica, de acordo com
Dimenstein e Leite (2013), “possibilita a promoção de valores sociais, aumento da autonomia
dos agricultores e uma percepção positiva acerca do estado geral de saúde da família.” Ainda
de acordo com os autores, “no meio rural, a qualidade de vida se relaciona ao grau de
conhecimento dos agricultores de que suas necessidades podem ser supridas através de
práticas agroecológicas.” Suas bases são as relações que o indivíduo estabelece em sociedade,
incluindo o contexto familiar, que promovem o repasse de conhecimento de geração em
geração, ou seja, a cultura da comunidade, onde os pais ensinam seus filhos, e assim por
diante. Isso possibilita uma melhora na qualidade de vida das pessoas que trabalham na
comunidade com agricultura. Além de proporcionar a esse trabalhador um trabalho que tenha
significado para ele, pois ao contribuir na agricultura da comunidade, ele está ajudando na
renda da mesma, é um trabalho necessário e que faz parte de uma cultura.
Na comunidade quilombola, a atividade da roça e plantação de alimentos são
importantes, pois se configuram como importante fonte de renda para os moradores. São
alimentoscomo café, mandioca, batata, cana de açúcar, côco, corante, etc. A organização e a
participação dos agricultores no processo de desenvolvimento local devem visar distribuição
de renda e igualdade social, bem como promover uma relação mais equilibrada com a
natureza (TOMASETTO et al., 2009). Sendo a plantação um trabalho comum e antigo em
comunidades, pode-se considerar que ela ajuda a construir a identidade de um povo, de
acordo com suas especificidades regionais. Em documento publicado pelo INCRA afirma-se
que a regularização de territórios Quilombolas não atrapalha o desenvolvimento da agricultura
e do País, uma vez que são “realizadas não só para o sustento da comunidade, mas também
para o fornecimento ao mercado local, contribuindo para o desenvolvimento tanto das
comunidades como da região em que estão inseridas” (INCRA, 2017).
Além disso, o artesanato também faz parte da economia da comunidade, pois lá eles
fabricam chapéu, vassoura, bolsas, abano, etc. A vendem desses produtos garante o capital da
comunidade. O artesanato, de acordo com LEMOS (2011), se refere ao conjunto de artefatos
mais expressivos da cultura de um grupo, representativo de suas tradições e incorporados à
rotina, sendo parte integrante e inseparável dos seus usos e costumes. A produção geralmente
se dá de forma familiar ou comunitária. Ainda de acordo com a autora, “sua importância e
valor cultural decorrem do fato de preservar a memória cultural de uma comunidade,
transmitida de geração em geração” (LEMOS, 2011).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Psicólogo vem atuando, ao longo da história, nas Políticas Públicas, voltando seu
fazer predominantemente para a população urbana por questões relacionadas ao rendimento
nas produções, por maiores possibilidades do mercado de trabalho, onde se propagou um
olhar elitista, como forma de controle e de adequação, sem se pensar a participação.
Foi no século XXI, que o trabalho do Psicólogo disseminou-se nos interiores por
motivos relacionados principalmente pelo mercado de trabalho saturado nas cidades e a
ampliação do acesso às Políticas Públicas. Entretanto, lança-se aqui a questão: A serviço de
que e de quem começamos a ocupar esses espaços? Para alguns ela está apenas como garantia
de trabalho e de salário, sendo vista como a primeira oportunidade de ingresso no mercado de
trabalho, o que gerou consequencias como a naturalização como forma de controle que existia
e persiste até os dias atuais na implementação dessas políticas. ´
É necessário, portanto, refletir sobre o fazer do Psicólogo nas Políticas Públicas,
visto que há uma importância de promoção na participação política e social dos sujeitos,
entendendo as demandas geradas a partir deles mesmos, considerando assim, seus modos de
vida, suas relações sociais e de trabalho. Além de ampliar o olhar do mesmo com relação a
pertencimento e identidade com o lugar, diante das suas próprias percepções, extinguindo
uma hierarquia de saberes onde se desconsidera os saberes do senso-comum.
Dessa forma, é possível a produção de saberes participativos e reconhecedores de
seus direitos. Diante das dificuldades de melhorias na execução das Políticas Públicas, nós
enquanto futuros Psicólogos podemos adentrar nas comunidades com o objetivo de
transformar a participação da população, contribuindo assim, para mais movimentos sociais
promotores de mudanças.
7. REFERÊNCIAS
ARISPE F.N. Consciência Negra como notícia: O 20 de novembro da RBS TV –
UFSMUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. 2012. Disponível em:
www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2012/resumos/R30-1307-1.pdf
GIL, Antônio Carlos. Modos e Técnicas de Pesquisa Social. Editora: Atlas. 6ª edição.São
Paulo, 2008.
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: Uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre,
ano 8, numero 16, julho/dezembro, 2006.