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Fisher
Ariel Kessel Akerman e Matheus Genaro Dantas Xavier
Introdução
Quem eram os “previsores”1 econômicos do início do século passado? É procurando responder a
essa pergunta que Walter Friedman (2014) nos apresenta, entre outras, as carreiras de Irving Fisher (1867
forecaster
1947) e Roger Babson (1875 1967), dois americanos ligados à profissão de de formas muito
distintas: enquanto o primeiro seria um economista de grande importância acadêmica que, com uma
elaboração teórica, estatística e analiticamente consistente e adequada à ciência de seu tempo (Friedman,
forecaster
2013, p. 51), também dedicou parte da carreira ao trabalho como , o segundo seria um homem
de negócios que construiu um método “pseudocientífico” (Friedman, 2013, p. 30) de fazer previsões,
calcado em análises estatísticas e gráficas, e, com ele, fez fortuna.
É devido a essa fundamental distinção entre esses dois autores e à curiosidade por ela despertada
que, no presente trabalho, procuramos discutir conjuntamente as formas com que compreendiam a
dinâmica econômica. Com isso, esperamos uma maior profundidade não nas questões já cobertas por
Friedman a respeito da capacidade fazer previsões, mas sim em algo anterior2 : a forma com que
pensavam a economia, com que sistema concebiam o mundo e de que instrumentos dispunham para
raciocinar3.
Para tanto, fundamentaremos nossa análise na leitura das seguintes obras: de Fisher, escolhemos
The Purschasing Power of Money
seu clássico , publicado originalmente em 1911 com reedição em 1922,
Business Barometers and Investment
além de um breve artigo publicado em 1913; de Babson tomamos ,
cuja primeira edição data 1940. A escolha por tais obras foi dada na medida em que, ainda que não
sintetizem minimamente toda a produção de seus autores (ambos escreveram muito ao longo de suas
vidas) nem sejam “obras teóricas”, permitem que nos aproximemos do que pensavam, de quais forças
seriam as mais relevantes nos movimentos econômicos e de como apreender e representar as pressões
envolvidas nas variações da atividade dos negócios.
Com isso em vista, à seguir teremos uma seção em que esmiuçamos a compreensão de Fisher,
outra em que nos voltamos à de Babson, uma em que tratamos de comparálos mais atentamente e, em
seguida, uma conclusão.
1
Usaremos essa palavra como tradução do termo forecaster
.
2
Ainda que nem um pouco distante, é certo.
3
Em especial, as analogias. Conforme Friedman (2014) explicita, as analogias com a física eram, para ambos os
autores, um recurso de grande valia.
Fisher e suas analogias:
O livro de Fisher aqui tomado para discussão é uma tentativa de reconstrução da “velha teoria
quantitativa da moeda” (Fisher, 1963 [1922], p. viii), de forma a entender como a quantidade de papel
moeda em circulação, sua velocidade, o volume de depósitos bancários, sua velocidade de circulação e o
volume total de comércio estariam relacionados. Para ele, tratar dessas cinco variáveis deveria ser
reconhecido como “
an exact science, capable of precise formulation, demonstration, and statistical
verification
” (Ibid., p. viii), e é esse o tom da análise por ele elaborada.
Partindo de uma série de definições e princípios claros em relação à matéria com a qual está
lidando, Fisher toma como pedradetoque de sua elaboração da equação quantitativa da moeda, aqui
escrita como M .V + M ′.V ′ = Σ p.q = P .Q 4 . Com essa identidade clara, para ele óbvia 5, entre fluxos
monetários e o consequente equilíbrio entre os dois lados da equação, o autor apresenta ao leitor uma
interessante representação de sua “lei” – posteriormente reproduzida em seu artigo de 1913 – na qual as
quantidades são os pesos de uma balança e as distâncias ao polo são as velocidades e o nível de preços.
Representação da equação para os anos de 1896 a 1898. Fisher, 1963 [1922], p 307.
Essa representação física de sua equação, que ocupa um espaço bastante relevante na apresentação
de sua leitura do funcionamento da economia, poderia deixar patente a proximidade – quando não
identidade – entre leis físicas (no caso, questões relacionadas ao equilíbrio em torque) e econômicas.
Entretanto, tal percepção não procede. No argumento de Fisher, todas as definições têm como
fundamento uma leitura estritamente econômica. Conforme veremos, o entendimento das dinâmicas do
ajuste de preços, questão fundamental nessa obra que se refere ao poder de compra da moeda, tem como
4
Aqui, M e M’ seriam o papel moeda em circulação e os depósitos bancários, V e V’ seriam suas velocidades, p e q
seriam o preço e a quantidade de cada produto, P e Q seriam o nível de preços da economia e a quantidade
produzida. Em outra formulação, a equação seria também igual a P.T, sendo que
T seria o volume de comércio.
Todas essas variáveis diriam respeito a um determinado período.
5
Sobre a obviedade dessa formulação, afirma: “
To throw away contemptuously the equation of exchange because it
is so obviously true is to neglect the chance to formulate for economic science some of the most important and
exact laws of which it is capable ” (Fisher, 1963 [1922], p. 157)
origem exclusiva os princípios por ele apresentados, além de séries de causações econômicas. Nesse caso
específico das balanças, podemos, portanto, sem correr o risco de imprecisão, afirmar que essas não
passam de uma analogia heurística. O mesmo seria o caso de sua explicação da lei de Gresham6 ,
discutindo o impacto de sistemas monetários com mais de uma moeda no poder de compra do dinheiro,
na qual faz uso de um curioso diagrama em que constam fluxos de líquidos em recipientes distintos, cada
um deles representando uma moeda.
Fisher, 1963 [1922], p. 116.
Os recipientes nas laterais de cada imagem representam os estoques de ouro e prata em barras,
enquanto o recipiente central é a moeda cunhada em circulação, sendo a distância do topo ao nível da
água correspondente ao poder de compra da moeda. Também estão representadas as perdas de
“vazamentos” (por destruição de moeda por exemplo) em cada recipiente. A imagem à direita representa
a entrada do bimetalismo no sistema, aumentando a moeda em prata em circulação ao mesmo tempo em
que a moeda em ouro é “expulsa”, enchendo o reservatório da esquerda (até alcançar o equilíbrio do nível
da água entre os vasos comunicantes na linha divisória representada).
Mais uma vez, percebemos que o papel que esse tipo de representação análoga ao universo da
física é, antes de qualquer outra interpretação possível, um “mero” recurso expositivo. Como ele mesmo
afirma,
It need scarcely be said that our mechanical diagram is intended merely to give a picture
of some of the chief variables involved in the problem under discussion. It does not of
itself constitute an argument, or add any new element ; nor should one pretend that it
includes explicitly all the factors which need to be considered. But it does enable us to
grasp the chief factors involved in determining the purchasing power of money. It enables
us to observe and trace the following important variations and their effects.
(Fisher, 1963
[1922], p. 108)
6
A Lei de Gresham pode ser elaborada como “uma moeda ruim expulsa uma moeda boa do mercado”. Esse
movimento aconteceria devido a diferenças entre os preços de mercado e os legalmente estabelecidos em um
padrão bimetálico, por exemplo, e era um tema de preocupação enquanto vigia o padrãoouro, no século XIX e
início do XX (Eichengreen, 2008, p. 89).
Dessa forma, o entendimento da economia deveria passar ao largo desse tipo de esquema
heurístico, como de fato o faz. Em sua explicação do funcionamento dos ciclos seguidos de uma expansão
da quantidade de moeda – questão fundamental a ser explicada em sua obra, em especial pelo seu caráter
caro à possibilidade de se fazer previsões –, por exemplo Fisher (Ibid, pp. 5860) propõe dedutivamente
uma cadeia causal7 , a partir da série de princípios por ele propostos. Entretanto, sua argumentação vai
além de uma mera enunciação de leis: há um esforço bastante relevante de verificação empírica de sua
equação quantitativa da moeda e de outras relações e dinâmicas propostas. Esse esforço empírico é
baseado principalmente na leitura não apenas de séries de estatísticas referentes aos EUA (Ibid., p. 264),
como também se sustenta sobre a própria história econômica do país e do mundo, no sentido de dar
suporte factual a sua teoria. Nessa empreitada estão, por exemplo, a análise de uma operação da lei de
Gresham na França oitocentista (Ibid., p. 133135) e, com grande destaque, a reflexão sobre a emissão
greenbacks,
das apresentada
para dar suporte à discussão sobre quais seriam os melhores sistemas
monetários (Ibid., p. 140159). Toda essa observação empírica e históricoestatística, cabe mencionar, é
complementada por uma longa discussão metodológica feita nos apêndices, sobre quais os melhores
númerosíndice, como auferir e mensurar mudanças nos níveis de preços, como coletar e apresentar dados
e assim por diante.
É claro, portanto, que a leitura de Fisher do mundo econômico é baseada em uma interpretação
científica, tal como seria feita a física. As leis que propõe, testa e usa para tentar apanhar os movimentos
do presente e do futuro, assim, teriam o mesmo caráter que as leis que regem o comportamento dos gases,
como ele mesmo afirma ao comparar sua lei quantitativa da moeda com a lei de Boyle:
“But, to a candid mind, the quantity theory, in the sense in which we have taken it, ought
to appear sufficiently secure without such checking. Its best proof must always be a
priori, not in the sense which applies to the proof of abstract mathematical propositions,
but in the sense which applies to the proof of Boyle's law. (...)
Fortunately, just as Boyle's law has been established both deductively and inductively, we
may now assert that the equation of exchange has been sufficiently established both
deductively and inductively.
” (Fisher, 1963[1922], p. 297298)
Seu raciocínio, assim, lhe parece completo. Há elementos suficientes em sua análise, estabelecidos
tanto pelo raciocínio hipotéticodedutivo quanto pelo tratamento estatístico, que lhe permitem a
compreensão de certos fenômenos ligados ao poder de compra da moeda, além de sua consequência
7
Que, sucintamente, consiste em aumento de preços, aumento da taxa de juros em menor magnitude, aumento dos
lucros empresarias, aumento do volume de empréstimos, aumento dos depósitos maior do que o aumento da
quantidade de moeda, aumento dos preços e assim por diante repetidamente, até que a taxa de juros atinja sua “cifra
normal”.
fundamental: a capacidade de fazer previsões a partir de resultados presentes8 . Sua retórica, diz ele, é a da
ciência, com raciocínio cristalino logicamente apresentado, leis de movimento definidas e clareza
conceitual.
Babson e seus barômetros:
A obra de Babson aqui analisada em nada se descola do espaço ocupado por seu autor como guru
dos negócios: é um livro direcionado àqueles que procuram investir “corretamente” e versa sobre um
grande número de tópicos relacionados a esse assunto, do mercado de títulos à boa economia doméstica.
Entretanto, o autor busca, também, apresentar seu entendimento da dinâmica dos negócios, de forma a
melhor aconselhar seus leitores acerca do que fazer.
Para Babson, o fundamental seria a compreensão do movimento em grande medida cíclico da
economia. Essa ideia não adviria de uma possível ligação entre os ciclos econômico e solar, como teria
sido o caso de Jevons, mas sim da percepção de que a terceira lei de Newton – que pode ser enunciada
como “para cada força de ação há uma força de reação igual e oposta” – poderia ser usada para explicar
um grande número de fenômenos: do ciclo de sono do ser humano (Babson, 1952, p. 24) aos
ensinamentos de Jesus (Ibid., p. 2526), passando pela Revolução Francesa. E essa aplicação – é
importante explicitarmos – significaria que, para uma imensa gama de comportamentos dinâmicos,
haveria uma força (ou pressão) que invariavelmente empurraria o movimento no sentido contrário9 .
Exemplo disso seriam momentos de expansão da economia, que exigiriam depressão subsequente, de
forma que o produtos das durações pelas intensidades desses períodos levassem a resultados opostos.
Como ele mesmo coloca, após explicitar que as origens dos ciclos de diferentes dimensões são
a
determinadas em grande medida por características psicológicas dos seres humanos, “[] period of
overexpansion produces within itself a poison which destroys the prosperity. Excessive prosperity makes
men extravagant and careless” (Ibid., p. 31). Seria a mudança no comportamento humano advinda da
downturn
riqueza que traria o do ciclo.
É interessante notar, de toda forma, que, ainda que de fato mencione quais seriam as origens
últimas de determinadas flutuações, há, diferentemente de Fisher, pouca dedicação ao entendimento do
encadeamento causal desses momentos10. Em uma das raras digressões em que isso é feito, Babson
8
Como faz no artigo de 1913, analisando as estatísticas dos anos anteriores, trabalhando sobre elas e prevendo
tendências aquele ano.
9
É curioso notar a forma com que o autor entende essa Lei de Newton. Enquanto o princípio físico diz respeito a
forças opostas em um mesmo instante do tempo, Babson vê mais uma sucessão alternada de forças, tais como as
que atuam em um pêndulo em movimento harmônico simples, por exemplo. Nesse sentido, Babson estaria
apelando de forma imprecisa à física para fundamentar seu raciocínio.
10
Muito menos em termos de “variáveis econômicas”
stricto sensu.
relaciona a fase de expansão do ciclo a aumento do consumo e dos preços, bem como da ostentação. Há
consequente elevação do desleixo – tanto por parte de empresários, que guiam com rédeas soltas a
produção, quanto por parte dos assalariados, que se esforçam menos devido à grande oferta de postos de
trabalho –, cujo resultado inevitável é a ineficiência e, com ela, diminuição da produtividade, dos ganhos
esperados, dos investimentos e da produção. Com isso, Babson apontaria a reversão do clima dos
negócios (Ibid., p. 3134).
De tal explicação é difícil não depreender um tom punitivo de caráter quase divino
veterotestamentário do ciclo econômico: o crescimento acompanhado de excessos especulativos,
invariavelmente, leva à contração econômica. Seu ponto, portanto, não era o de que haveria oscilações em
torno de um preço natural nem de que haveria flutuações cíclicas de período determinado, mas sim se
baseava na certeza de que a tendência presente se revertesse11 .
Acrescentase que, para ele, a reflexão sobre as flutuações econômicas não se resume à dimensão
de punição de humanidade pelos seus excessos em fases de ascensão da prosperidade: para o homem de
negócios, a quem seu livro é dirigido, são centrais os entendimentos de como funcionam os ciclos e de
como descobrir em qual de suas fases está a economia para, assim, realizar bons e sérios investimentos.
Para tanto, é fundamental a análise de aspectos quantitativos do ciclo econômico. É com esse objetivo que
barômetros
Babson propõe a elaboração de várias séries de estatísticas (seus ) que serviriam para indicar
pressões
as sobre os níveis de negócios. Com isso, há um grande esforço de sua parte para medir e
publicar índices que refletiriam a direção dos níveis de atividade.
Vale notar sua defesa ardorosa a observação do mundo econômico como um todo a partir da
combinação de distintos indicadores (Ibid., p 47), o que, da perspectiva do investidor, significaria nunca
se prender a um único “barômetro”. O olhar deveria ser diverso, considerando na análise do ciclo diversos
dados relativos às condições do comércio internacional, ao mercado de trabalho, à circulação monetária, a
falências bancárias e inclusive a condições sociais e religiosas, como a relação do número de igrejas. Com
alguma intuição a respeito do significado econômicos dessas variáveis seria possível saber se o que viria à
frente seria expansão ou depressão, desde que, obviamente, os dados fossem bem coletados. A esse
respeito, é fundamental apontar a qualidade de seu trabalho com a montagem de séries estatísticas,
reconhecida, inclusive, pelos seus contemporâneos, clientes de seu escritório, além de outros nomes tais
como Fisher12.
11
E tal constatação, não nos esqueçamos, vale também para vários outros comportamentos da economia, incluindo,
por exemplo, preços de títulos públicos entre eles (Babson, 1952, p. 37).
12
Fisher, em seu artigo de 1912 (p 342), por exemplo, faz uso das séries do nível de preço nos EUA construídas por
Babson com o objetivo de estimar “sua equação” para o ano seguinte.
babsonchart
O . Babson, 1952, p.4041
babsonchart
Dessa análise quantitativa seria possível elaborar o ponto alto de sua análise, o . O
gráfico, reproduzido nos relatórios de sua empresa de consultória econômica, seria feito a partir da
“value of business index”
plotagem de seu , um índice elaborado a partir das produções e preços em 54
setores da economia (Ibid. 3740), sobre outras séries de preços relevantes, como o valor de títulos do
governo. Essa era o núcleo de sua representação do clima de negócios de dado período, permitindo, a
partir de determinada leitura de acordo com os princípios de Babson, a elaboração de previsões sobre o
arbitrária
futuro. Tais previsões fundamentamse na construção da “linha normal” por um método de
médias, cuja função seria a de separar as fases de expansão e declínio segundo o princípio –
fundamentado em sua concepção da lei de ação e reação – de áreas (hachuradas e indicadas com letras do
alfabeto) iguais para estes dois momentos. A análise das áreas formadas pela oscilação dos índices,
segundo o autor, seria um avanço em relação a procedimentos anteriores, que focavam apenas na
business cycles
dimensão tempo ou na intensidade da flutuação, buscando padrões (periódicos) nos , ao
invés de olhar para o produto destas variáveis. A representação da economia feita por Babson,
consequentemente, recusa a noção de que podemos encontrar ciclos “perfeitos” intrínsecos à atividade
econômica13 . O distúrbio ocorreria apenas quando a linha normal fosse superada, valendo
necessariamente a “regra de ouro”14 , gerando a depressão que deveria corrigir a fase precedente de
superexpansão. Essa linha, por fim, seria também susceptível a mudanças “estruturais”, exógenas aos
13
must
“The idea that we have periods of overexpansion and depression every few years is entirely untrue. In this
sense there is no such thing as a business ‘cycle’.” (Babson, 1952,p.2)
14
Nevertheless, one should not fail to ponder the miseries brought on the world by governments which consider
“
themselves above God and disobey the Golden Rule” (Babson, 1952,p.99 )
In a growing country like America, the figures to be normal
índices que usa para traçála: “ must increase
in proportion to the increase in population, intelligence, industry and righteousness
(...)” (Ibid., p. 44).
O estrondoso sucesso financeiro de Babson com suas previsões (muitas vezes acertadas) tornase
um fato curioso à luz do uso de um instrumento, a nosso ver, metodologicamente fraco. Todo o centro de
sua capacidade de compreensão e previsão – a elaboração do
babsonchart – caminha numa corda bamba.
Afinal, a análise baseiase na certeza de uma “lei” externa à esfera econômica recheada de moralidade e a
consequente construção da reta média sem uma regra fixa, passível de constante deslocamento para
ad hoc
sempre dividir qualquer flutuação em duas áreas iguais – , portanto. Dessa maneira, toda subida e
descida podem encaixarse em seu esquema analítico, reforçando a retórica – não difícil de enxergar nos
discursos de economistas até hoje – de “tudo o que sobe, desce”.
Babson e Fisher: base científica e representação
Nossa análise dos entendimentos do mundo econômico para Babson e Fisher perpassa duas
preocupações centrais: a representação e previsão, ambas intimamente relacionadas. A relação da física
(ou de sistemas físicos) com a economia, em ambos os autores, envolve tanto a capacidade de síntese das
características fundamentais da dimensão econômica em questão quanto a possibilidade de gerar algum
grau de previsibilidade em relação ao porvir. No caso, vimos em Babson que sua interpretação da terceira
lei de Newton transborda as fronteiras do mundo físico, valendo em todas as dimensões da vida humana
e, portanto, também no sistema econômico. Esse sistema, por sua vez, é constituído de pessoas com
atitudes e comportamentos próprios, com aspectos sociais, culturais, morais e religiosos igualmente
relevantes que direcionam o curso econômico, sujeitos unicamente à lei suprema da ação e reação. A lei
física, como entendida por Babson, todavia, apresentase de forma dupla: tanto como transcendência
divina punidora – indissociada de uma concepção moral e religiosa do mundo – quanto como resultado da
ação profana da psicologia durante as fases de expansão e depressão. Assim, Babson nos diz que
“
Business depressions are a direct result of extravagance, recklessness, waste, greed, and irreligion,
which develop during the socalled boom times
.” (Ibid., p.9) e, ao mesmo tempo, “
Business conditions
depend chiefly on what men do. What men do depends on what they believe and think; I mean that men
act according to their real beliefs and valuations – not necessarily according to what they say they
believe and think
.” (Ibid. p.28).
No que diz respeito à relação entre o pensamento dos autores em questão e a física, vemos que a
relação de Fisher com a disciplina é uma inversão em relação a Babson. Sua representação da economia
através de balanças e recipientes não busca tratar da economia como esfera sujeita a leis físicas
universais, mas sim trazer leis físicas que possam gerar intuições sobre processos econômicos. Ocupam,
destarte, a função em seu raciocínio como analogias. As intuições obtidas por esse tipo de representação,
no entanto, não são suficientes para uma base científica do conhecimento e nem poderiam ser seu ponto
de partida. É o ferramental matemático dedutivo que assume essa importância em sua obra, para
estruturar o raciocínio e demonstrar proposições na economia, em geral pouco óbvias:
We now come to the strict algebraic statement of the equation of exchange. An algebraic
statement is usually a good safeguard against loose reasoning; and loose reasoning is
chiefly responsible for the suspicion under which economic theories have frequently fallen.
If it is worth while in geometry to demonstrate carefully, at the start, propositions which
are almost selfevident, it is a hundredfold more worth while to demonstrate with care the
propositions relating to price levels, which are less selfevident ; which, indeed, while
confidently assumed by many, are contemptuously rejected by others.
(Fisher, 1963 [1922],
p. 24)
Em Fisher, vemos uma economia passível de ser representada por “fotografias”, descrita por
mecanismos de equilíbrio (o que não significa que a dinâmica não tenha importância), dos quais seria
possível extrair relações (realizar modelagens) que produzam enfim leis econômicas. Construindo
modelos, a capacidade de predição – sendo ou não o objetivo principal – é apoiada pela dedução
matemática (algébrica) somada à intuição econômica acerca das cadeias de causação e completada pela
verificação empírica estatística e histórica, o que assegura o valor de seu caráter científico. Tal visão está
fora do quadro analítico de Babson, que recorre quase que exclusivamente a dados “históricos” (trajetória
de índices no tempo) – com os quais, segundo seus métodos, representações de equilíbrios estáticos não
caberiam – sem a finalidade de encontrar leis gerais da sociedade além da circunscrita à alternância entre
ação e reação15 .
Fisher e Babson, assim, apresentam nessas obras aqui lidas não apenas duas concepções distintas a
respeito dos movimentos de variáveis relativas ao sistema econômico, como também duas posturas
metodológicas distintas – ainda que, algumas vezes, consonantes, como na defesa da investigação
estatística como uma forma de apreender a realidade. A esse respeito, nossa exposição consistiu em
atentar à utilização de algumas analogias e dos raciocínios a elas subjacentes, de forma que depreendemos
um procedimento de análise mais “científico” de um em relação à argumentação do outro.
É fundamental, finalmente, fazer uma última reflexão sobre esse ponto. De fato, comparando o
babsonchart
com as balanças de Fisher, é inegável que o segundo faz parte de uma exposição a respeito
de um truísmo razoável, cuja justificativa é apresentada em termos econômicos e explorada dentro do
15
Sobre a visão de Fisher sobre Babson, Friedman (2013) comenta: Fisher could hardly present a greater contrast
“
to Roger Babson’s mailorder pieties and pseudoscience. Babson existed only on the fringes of academia and his
work was often assailed in scholarly journals. ‘Babson is a nice gentleman,’ Fisher once remarked. ‘He receives
great publicity and has a large following, but he has no academic standing’.” (Friedman, 2013, p. 51)
arcabouço da disciplina, enquanto o primeiro (a linha normal, mais precisamente) parece ser construído
de forma inconsistente. Entretanto, é inegável que uma comparação pura e simples entre essas duas
representações – e mesmo entre os dois livros aqui postos lado a lado – não é suficiente. Isso porque
miram distintos públicos e foram escritas por autores díspares: Fisher era acadêmico e procura em sua
obra pensar acerca de certos princípios que regem a economia, enquanto Babson tem com seu livro o
objetivo de bem aconselhar homens de negócio a prever o comportamento do mercado e realizar os
melhores investimentos. Com isso, a distância entre os dois autores ganha outro significado, dado que
seus comprometimentos com ciência, entendimento por parte do leitor ou previsão são melhor
contextualizados.
Bibliografia
BABSON, R. W. Business Barometers and Investment. 6ª Edição. Nova Iorque: Harper &
Brothers Publishers, 1952.
EICHENGREEN, B. Globalizing capital
: A history of the international monetary system. 2ª
Edição. Princeton: Princeton University Press, 2008.
FISHER, I. "The Equation of Exchange" for 1912, and Forecast .
The American Economic Review
Vol. 3, No. 2 (Jun., 1913), pp. 341345
FISHER, I. The pruchasing power of money: Its determination and relation to credit interest and
crises. 2ª Edição. Nova Iorque: Augustus M. Kelley, 1963. Reimpressão.
FRIEDMAN, Walter. Fortune Tellers: The Story of America's First Economic Forecasters .
Princeton University Press, 2014.
HARRÉ, R. Analogy and metaphor. In BLUME, L. E., DURLAUF, S. N. The New Palgrave
Dictionary of Economics. Palgrave Macmillan, 2ªEd. (digital), 2008.
BIOGRAPHY of Roger Babson. Disponível em < http://www.babson.edu/aboutbabson/
ataglance/babsonshistory/Pages/biographyofrogerbabson.aspx >. Acessado em 5 de nov. de 2015