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BENEVIDES
2017
GUILHERME ELIAS CORREA
BENEVIDES
2017
UMA ANÁLISE DO SÁBADO EM GÊNESIS 1:
LITERALIDADE, ESTRUTURA LITERÁRIA, SIGNIFICADO
E SIGNIFICÂNCIA PARA A CONTEMPORANEIDADE
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar o relato da criação do sábado em Gênesis 2:1-
3. Por ser a primeira menção ao sábado na Bíblia deve-se dar uma atenção especial para
tal texto. Em primeiro lugar será averiguado a semântica textual, a validade ou invalidade
do sábado depende do sentido conotativo ou denotativo do relato de sua criação (Gn 1-
11). Depois, a estrutura literária do texto de Gênesis 1 será investigada com o objetivo de
estabelecer uma unidade entre os sete dias, mas também realçar a importância que o autor
dá ao sétimo dia como clímax da criação. Em sequência, será realizado uma breve busca
pelo significado que o relato da criação do sétimo dia teve para os personagens bíblicos.
Por fim, um apelo para a urgência de busca por uma conservação do valor bíblico do
sábado, como selo de confiança em Deus como Criador.
1
Graduando em Teologia pela Faculdade Adventista da Amazônia – SALT FAAMA.
guilhermecorrea.sda@gmail.com
Criação: Interpretação Alegórica de Gênesis 2 e 3” em que fica explícito sua abordagem
hermenêutica.
Augustus Nicodemus (2014, p. 20) faz uma análise da interpretação alegórica de
Filo em Gênesis:
A criação do jardim do Éden (Gn 2: 8 -14) (grifo meu) – O rio Gion
(2:13) significa “coragem” e circunda a terra de Cuxe, que significa
“humilhação”; o sentido alegórico é que a coragem dá demonstrações
de bravura diante da covardia. Já rio Tigre (2:14) significa temperança,
pois como um tigre, resiste resolutamente ao desejo. Eufrates (2:14) não
se refere ao rio. O sentido alegórico é justiça. O rio Pisom (2:11)
significa “mudança na boca”, que é o falar com prudência!
A criação e queda o homem (Gn 2—3) (grifo meu) – Filo considera
fábula a narrativa da criação da mulher da costela de Adão, após o
mesmo haver adormecido. Ele rejeita a interpretação literal da
passagem. O sentido verdadeiro é que Deus tomou o poder dos sentidos
externo (Eva) e o conduziu à mente (Adão). Esse poder é sempre
ameaçado pelo prazer (a serpente). A promessa messiânica: “este te
ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (3:15) é interpretada como
Deus dizendo ao prazer (serpente) que a mente (o homem) vai vigiá-la
e que em troca, o prazer (serpente) vai atacar a mente (homem)
oferecendo os prazeres mais básicos (morder o calcanhar)!
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Para ver o vídeo, acessar: <https://www.youtube.com/watch?v=GVLrS0imTqc>.
Segundo Hasel (s.d, p. 1), Orígenes optou por uma interpretação alegórica dos
dias da criação em detrimento da interpretação literal. Não que ele apoiasse o conceito
evolucionista, mas porque ele encontrava contradições entre o Deus atemporal de suas
pressuposições filosóficas e o relato de seis dias de criação. Como o autor afirma, “na
filosofia grega Deus é [a]temporal. Como os “dias” da criação incorporam-se à atividade
divina, supunha-se que eles também deviam ser entendidos num sentido não temporal”
(Ibidem).
No final de cada dia, o autor inspirado adiciona י־ב ֶקר יֶ֥ ֹום
ֹ֖ י־ע ֶרב וַֽ ְי ִה
ֶ֥ ֶ ָׁש ָׁ ָ֑מיִ ם וַֽיְ ִה-
“houve tarde e manhã o _____ dia” (1:5, 8, 13, 19, 23, 31, cf. 2:3). Tal expressão dá fim
a um dia e preanuncia o outro. Na semântica, o termo “yom” (dia) pode ter diferentes
significados, desde um dia literal de 24 horas até um período indefinido de tempo (Juízes
14:4), em um sentido mais geral “o tempo de um mês” (Gênesis 29:14), o “tempo de dois
anos” (II Samuel 13:23 e 14:28; Jeremias 28:3 e 11), o “tempo de três semanas” (Daniel
11:2 e 3). No plural pode significar “ano” (I Samuel 27:7), um “tempo de vida” (Gênesis
47:8), etc. Em suma, esta palavra pode “expressar tanto um instante quanto um período
de tempo” (HARRIS, 2012, p. 604).
Entretanto, algumas normas semântico-sintáticas tornam perceptível o real sentido
do termo em seu contexto. Botterweck e Ringgren (1978, v. 6, p. 15, 16) afirmam que o
vocábulo “yom” não terá significado literal quando o mesmo se encontrar conectado com
alguma preposição, expressões técnicas, combinações genitivas, frases construtivas, etc.
Os autores afirmam que das 2.304 ocorrências de yôm/yamîm no texto
veterotestamentário, 1.057 (45,9%) delas envolvem uma preposição. A preposição mais
comum é ( בem, na, por, com), que aparece 728 vezes (68,9%), sendo 590 vezes no
singular e 138 no plural3. Este é “o uso mais importante” do vocábulo yom com
preposição: o infinitivo (Ibid). Com isto pode se afirmar que os dias da semana da criação
são literais.
A expressão “houve tarde e manhã” dicotomiza o dia referido. Ela ocorre 6 vezes
na Bíblia, todas elas em Gênesis 1 (v. 5, 8, 13, 19, 23, 31). “Tarde” (heb. ‘erev) é a noite,
primeira parte do dia, e “manhã” (heb. boqer) representa a parte clara. Segundo Hasel
(s.d, p. 1) “tarde e manhã é uma expressão temporal que define cada “dia” da criação
como um dia literal. Ela não pode significar nada mais”.
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Outras preposições também são adicionadas à yom no texto hebraico: ‘ad (121 vezes), le (71 vezes), ke
(76 vezes) e mim (66 vezes). Para um estudo mais detalhado da adição de preposições ao vocábulo yom,
ver: BOTTERWECK, G. Johannes. RINGGREN, Helmer. Theological Dictionary of the Old Testament. [s.l]:
Eerdmans, U.S., 1978. v. 6. p. 14 – 18.
consideravam sua historicidade (Hb 11:7; 1 Pe 3:20; 2 Pe 2:5). Tais evidências reforçam
a literalidade do relato de Gênesis.
O relato da criação vai de Gênesis 1:1 até 2:3. Tal perícope é reforçada por
evidências estruturais que apontam uma clara unidade literária.
2.3 MERISMA
Salisbury (2004, p. 17 apud NUNES, 2016, p. 113) afirma que merisma ocorre
“quando a totalidade é expressa em apenas duas de suas partes limítrofes e que podem
ou não ser ‘opostos polares’ (grifo meu) ”. Neste caso, a expressão “céu e terra” abre a
seção em 1:1 e se repete em 2:1. Para Doukhan (2016, p. 11), “na história da criação, a
frase “criou céus e terra” é usada na introdução (1:1) e na conclusão (2:4a) para marcar o
começo e o fim da unidade, mas também para relacionar a ampla criação do universo
(1:1) com a criação mais particular do mundo humano durante a semana da criação
(2:4a)” 4.
4
“In the creation story, the phrase “create heavens and Earth” is used in the introduction (1:1) and in the
conclusion (2:4a) to mark the beginning and the end of the unit, but also to relate the broad creation of
the universe (1:1) to the more particular creation of our human world during the creation week (2:4a)”
2.4 QUIASMO
Outra evidência que fortalece a continuidade entre os capítulos 1 e 2 é a estrutura
quiástica. Para Doukhan (Ibid, p. 67), a estrutura envolve o sábado com os seis dias:
A B
Deus Criou Os céus e a terra
(1:1)
B1 A1
Os Céus e a Terra Que Deus havia
criado (2:1-3)
Percebe-se que, nesta estrutura, os dias 1-3 dão forma ao informe () ֹ֙תהו, enquanto
que os dias 4-6 preenchem o vazio que recebeu forma () ֹ֔בהו. Entretanto o sábado não se
enquadra em nenhuma das duas partes. Como será exposto mais adiante, tal estrutura não
diminui em nada a relação entre o sábado e os seis dias da criação. O objetivo do autor
era, entretanto, realçar o valor único do sábado para o povo de Deus.
Conclui-se, portanto, que o sábado é unido aos seis dias da semana, apesar de não
receber a qualificação de “bom” como os outros seis dias, ou não ter a frase finalizante
“houve tarde e manhã”, ainda assim, há evidências estruturais suficientes para mantê-lo
unido a semana da criação. Além disso, o sábado é distinto em sua natureza como clímax
da criação, dia de descanso e alvo de uma benção e santificação estabelecida pelo Criador.
4 SIGNIFICÂNCIA
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Para um estudo mais detalhado sobre a relação entre os dois textos, ver, FREY, Mathilde. The Sabbath
in the Pentateuch: An Exegetical and Theological Study. 2011. 327 f. Tese (Doutorado) - Curso de Teologia,
Andrews University, Michigan, 2011.
O sábado mostra que Deus está constantemente com Seu povo. Este dia foi
instituído como dia santo. A santidade é a essência do relacionamento divino-humano
(FREY, 2011, p. 303), que nos capacita a sermos completamente aquilo que fomos
criados para ser: a imagem do Criador. Como observa Jamieson (2003, p. 21):
Tal reflexão é suficiente para expor o valar único do sábado. Sua natureza sui
generis é percebida desde sua criação até os dias da eternidade (Is 66:23). Pode-se
concluir, portanto, que o sábado, em síntese, possui três aspectos importantes para o
homem moderno:
1- Descanso físico: Em um mundo tão agitado “o descanso não é a apenas uma
opção, é uma necessidade do nosso corpo” (DDS ONLINE, [s.d], p.1). O
homem precisa de um dia para renovar suas forças. A necessidade de descanso
era uma verdade na época de Israel e é uma verdade em nossos dias também.
O exemplo de Deus em trabalhar em seis dias revela o tempo que nos foi dado
para o trabalho, enquanto isso, Seu descanso sabático prescrevem a atitude
esperada por Deus para todo aquele que O segue.
2- Relacionamento com o próximo: O sábado também é uma oportunidade de
reforçar os laços familiares. A família na sociedade moderna necessita
urgentemente de tempo para relacionamentos reais e construtivos. O sábado
semanal proporcionará uma oportunidade para fazê-lo.
3- Relacionamento com Deus: Após a entrada do pecado no mundo, o
relacionamento humano-divino ficou comprometido. O sábado permaneceu
mesmo após a queda como uma lembrança do interesse de Deus em se
relacionar com a humanidade. O santuário no tempo é um ponto de encontro
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“La institución del sábado es tan vieja como la creación, dando origen a la división semanal del tiempo,
la que prevaleció en las épocas más remotas. Es una ley sabia y benéfica, pues proporciona aquel
intervalo regular de descanso que requiere la naturaleza física del hombre y de los animales empleados
en su servicio, y la inobservancia del mismo trae en ambos casos una decadencia prematura. Además, si
el descanso fué necesario en el estado de la inocencia primitiva, ¡cuánto más ahora, cuando el hombre
se inclina a olvidar a Dios y sus demandas!”
entre a criatura e o seu Criador. Neste momento o fraco pecador recebe forças
e paz das mãos do Onipotente.
REFERÊNCIAS
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46, 1995. p. 315-336.
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http://www.revistacriacionista.org.br/artigos/FC53_diasLiterais.asp>. Acesso em: 16 de
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KRAELING, Emil G. The Old Testament since the Reformation. New York: Schocken
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TIMM, Alberto R. O Sábado na Bíblia: por que Deus faz questão de um dia. 1.ed. Tatuí:
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