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AULA
a adequação de registro
Helena Feres Hawad
Meta da aula
Apresentar a importância de considerar
a situação ao selecionar a variedade
linguística a ser empregada, bem como
estratégias para realizar essa seleção.
objetivos
INTRODUÇÃO Todos nós sabemos que nossa língua apresenta variações. Um exemplo desse
fenômeno são as diferenças que existem entre o português falado no Brasil
e o português falado em Portugal. Elas são o assunto de um livro intitulado
Dicionário de português: schifaizfavoire: crônicas lusitanas, escrito por Mário
Prata. Veja dois verbetes desse divertido “dicionário”:
Agrafador
Calção
Cuidado para não fazer confusão. Calção não é uma calça grande nem
um maiô, mas sim a nossa bermuda. Por outro lado, a palavra bermuda
não existe. Se você pedir uma bermuda no comércio, as vendedoras
vão ficar olhando uma para a cara da outra (p. 34).
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ao escrever, precisamos estar cientes das possibilidades que temos à nossa
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AULA
disposição e também dos efeitos de nossas escolhas no texto que produzimos.
A VARIAÇÃO DE REGISTRO
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Escolher bem a linguagem é como escolher a roupa própria para cada
ocasião. Assim como a roupa, a linguagem empregada faz parte da
imagem que apresentamos de nós mesmos aos outros na vida social.
Melodi T
Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/m/me/melo-
di2/548833_dress_shopping.jpg
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Língua Portuguesa Instrumental | Com que roupa eu vou? − a adequação de registro
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A VARIAÇÃO DE MODALIDADE
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A fala e a escrita são usadas em condições diferentes. A fala, ao
contrário da escrita, normalmente ocorre numa interação face a face,
ou seja, as pessoas que falam estão diante umas das outras. Elas podem
ver uma à outra e, por isso, muitos sinais não linguísticos, como, por
exemplo, expressões faciais e corporais, podem contribuir para a comuni-
cação. Pessoas que conversam compartilham um “aqui e agora” e, desse
modo, muitos elementos presentes na situação que as circunda podem
ser auxiliares para o entendimento. Elas podem, por exemplo, apontar
para um objeto enquanto dizem “Que engraçado!”, ou “Cuidado!”, ou,
então, “Me empresta?”. Em cada um desses casos, o entendimento do
que foi dito depende de que o outro veja não apenas o gesto de apontar,
mas também o objeto apontado.
Na escrita, ao contrário, praticamente não se pode contar com
elementos presentes na situação, porque os participantes da interação não
se encontram face a face. O momento e o lugar em que o autor escreve
um texto costumam ser muito diferentes daqueles em que o leitor o lê.
A principal consequência disso é que o texto escrito precisa ser mais
explícito: tudo que é necessário para seu adequado entendimento precisa
estar contido nele mesmo.
Por estarem em presença umas das outras, pessoas que conversam
se alternam no uso da palavra, trocam os papéis de falante e ouvinte.
Essas trocas de turno são rápidas. Você acharia natural que um dos par-
ticipantes da conversa ficasse esperando por trinta minutos, em silêncio,
que o outro pensasse no que vai dizer em seguida?
Na escrita, ao contrário, não existe a pressão por rapidez criada
pela presença imediata do interlocutor – isto é, temos tempo. Podemos
levar vários dias para escrever umas poucas páginas, refletindo com
calma, escolhendo as palavras, retificando detalhes... A escrita, então,
se desenvolve, normalmente, como um discurso mais planejado que a
fala. Por isso, na modalidade escrita, é mais fácil observar as normas
gramaticais, empregar um vocabulário mais variado e preciso, usar frases
mais extensas e de estrutura mais complexa, empregar maior variedade
de elementos de ligação. Por isso, também, tende a haver maior cobrança
social sobre a correção gramatical na escrita que na fala.
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Língua Portuguesa Instrumental | Com que roupa eu vou? − a adequação de registro
(...) uma vez uma... uma amiga falou pra mim... "engraçado
aqui"... ela não é brasileira... então ela falou assim... ela é equa-
toriana... ela disse assim... "engraçado no Rio... principalmente
Copacabana Ipanema Leblon... a gente anda cercado de gente
à beça... mas ninguém olha pra gente... ninguém..."... e sozi/...
você parece ir sozinha... e você po/... como... ela dizia... "poxa eu
não tenho muito poder aquisitivo agora... mas eu posso andar de
calça Lee durante um mês que ninguém vai olhar pra mim..."... vai
per/... dizer se ela está ruça... rasgada ou eu que ando muito bem
alinhado... muito bem arrumado e ninguém repara... no mesmo
bar em que se senta uma... uma... não digo um... restaurante de
luxo entende... mas um bar... um bar assim da moda em que senta
um... um deputado... senta muito bem arrumado e tal... do lado
dele senta um rapaz hippie... uma moça muito tranquila mesmo
e não... não se sente choque...
Projeto iniciado em de esclarecer que ela é estrangeira (ela não é brasileira); volta a preparar
1970 em cinco uni- a citação (então ela falou assim...); diz novamente que ela é estrangei-
versidades federais
brasileiras, com o ra, fornecendo uma informação mais específica (ela é equatoriana...),
objetivo de caracte-
rizar a língua culta e reinicia a citação (ela disse assim...).
falada em cinco capi-
Podemos observar também que o falante às vezes começa a dizer
tais do país. Desde
seu início, o NURC algo e parece mudar de ideia, interrompendo a frase e começando de novo:
coletou uma grande
quantidade de amos- eu posso andar de calça Lee durante um mês que ninguém vai
tras do português
falado no Brasil, as
olhar pra mim..."... vai per/... dizer se ela está ruça... rasgada
quais têm servido de Com “per/”, o falante talvez pretendesse dizer “perceber”, mas
base para inúmeras
pesquisas. Hoje, acabou interrompendo e optando por empregar “dizer”. Nesse caso,
parte do corpus do
Projeto encontra- houve um reparo: o falante retificou o que ia dizer.
se disponível na
internet.
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AULA
Os fragmentos do corpus do NURC citados nesta aula aparecem regis-
trados por escrito, mas são, originalmente, textos falados. A notação ...
(três pontos) indica pausa; a notação / (barra) indica interrupção brusca.
ATIVIDADE
Atende ao Objetivo 1
no mesmo bar em que se senta uma... uma... não digo um... restaurante
de luxo entende... mas um bar... um bar assim da moda em que senta
um... um deputado
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RESPOSTA COMENTADA
Nesse trecho, o falante diz inicialmente: "no mesmo bar em que se
senta uma... uma..". Nesse ponto, ele talvez pretendesse dizer “uma
pessoa” (isto é: “no mesmo bar em que se senta uma pessoa –
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Língua Portuguesa Instrumental | Com que roupa eu vou? − a adequação de registro
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Uma vez, uma amiga, que é equatoriana, me disse que acha
engraçado o fato de que, no Rio, principalmente em Copacabana,
Ipanema e Leblon, as pessoas andam cercadas de muitas outras,
mas parece que vão sozinhas, pois ninguém olha para ninguém.
Ela disse ainda que não tem muito poder aquisitivo, mas pode
andar de calça Lee durante um mês que ninguém vai reparar se
a calça está desbotada e rasgada, assim como ninguém repara se
um outro anda muito bem vestido. Ela notou que, num mesmo
bar da moda, pode se sentar uma pessoa muito bem arrumada,
como um deputado, e, ao lado dela, se sentar um rapaz hippie,
sem que isso provoque estranheza.
ela dizia... poxa eu não tenho muito poder aquisitivo agora... (...)
ficou assim:
Ela disse ainda que não tem muito poder aquisitivo (...)
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ATIVIDADE
Atende ao Objetivo 2
(...) eu acho que a nossa solidão vira neurose... Ipanema é muito bom...
maravilhoso... você pode andar como você quer... como você não quer... como
você quer... mas ao mesmo tempo a pessoa... eu sinto muita alienação...
entende... os contatos são superficiais... entende... não sei se decorrente
de Ipanema em si... ou já Ipanema é decorrente do Rio de Janeiro ou não
sei... problemas de pessoas... de épocas... mas você sente é uma alienação
incrível entende...
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RESPOSTA COMENTADA
O fragmento reescrito pode ficar assim:
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c) Eliminar hesitações e reparos, como por exemplo “a pessoa... eu
sinto muita alienação”.
d) Explicitar de modo completo os sentidos. Isso se desdobra em
duas outras operações:
− Selecionar cuidadosamente o vocabulário, isto é, empregar as
palavras e expressões exatas. Por exemplo: “[não sei se] Ipanema é
decorrente do Rio de Janeiro”. “Ser decorrente de algo” é, literalmente,
ocorrer como consequência de algo. É claro que, em sentido literal,
Ipanema não é decorrente do Rio de Janeiro! O que o falante queria
dizer é que a situação percebida em Ipanema talvez seja decorrente
de outra mais ampla, existente em toda a cidade do Rio de Janeiro.
Na fala, essa interpretação pode ser deixada para o interlocutor
elaborar. Na escrita, ela tem de estar perfeitamente explícita no texto.
− Construir frases completas. Por exemplo, o trecho “não sei... pro-
blemas de pessoas... de épocas...” foi reescrito como “não sei se isso
depende das pessoas, das épocas”.
Qualquer que seja sua solução, tome cuidado para não alterar o
sentido pretendido pelo falante que produziu o texto inicialmente.
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Língua Portuguesa Instrumental | Com que roupa eu vou? − a adequação de registro
[...]
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Nesse fragmento, parece que o autor do texto escreveu como se
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estivesse falando, não é? Essa impressão é provocada pelas inversões da
ordem direta das palavras na frase, de modo semelhante ao que encon-
tramos na fala.
Na modalidade falada, é comum mencionarmos primeiro o tópico
sobre o qual pretendemos falar e só depois formarmos uma ideia mais
exata do que vamos dizer sobre esse assunto. No fragmento transcrito,
é como se o falante primeiro anunciasse: “eu vou falar sobre as bebidas
alcoólicas”, e depois, então, desenvolvesse o conteúdo de sua fala. Isso
ocorre porque, como já vimos, a fala é pouco planejada, devido à pre-
sença imediata do interlocutor, a qual representa uma pressão quanto
ao tempo da produção.
Na escrita, o resultado desse tipo de inversão, comum na fala,
é que o leitor poderá achar o texto confuso, difícil de ler. Você achou?
Compare o fragmento com sua reescritura, abaixo, em ordem direta, e
veja como a leitura flui melhor:
Por isso que restringir horários é uma boa opção, porque não
haverá aquele impacto de Oh! Estão proibindo. Irão afetar um
mercado que gera muitos empregos. Isso é uma censura. Já que
elas continuarão existindo.
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CONCLUSÃO
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ATIVIDADE FINAL
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Atende ao Objetivo 2
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c) Essa é uma atitude que deve vir tanto das autoridades escolares quanto dos
próprios alunos, pois, para fazer algo assim, tem que querer.
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d) Por que cada vez mais jovens e adolescentes tendem para o lado das drogas?
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RESPOSTA COMENTADA
a) Os jovens brasileiros estão entrando na fase adulta de forma prematura e, con-
sequentemente, acabam buscando caminhos errados para isso.
O emprego de digamos, na fala, às vezes é um recurso que usamos para “ganhar
tempo”, quer dizer, para preencher o tempo enquanto pensamos nas palavras exatas
que queremos empregar em seguida. Também pode indicar que não era exatamente
aquilo que pretendíamos dizer, mas que não encontramos, no momento, maneira
melhor de exprimir nosso pensamento. É claro que, na escrita, esse emprego de
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Língua Portuguesa Instrumental | Com que roupa eu vou? − a adequação de registro
digamos não faz sentido, pois o interlocutor está distante, e podemos pensar com
calma no que queremos dizer e em como queremos dizer.
b) A prevenção nas escolas deve ter caráter dinâmico.
ou
Uma solução é dar um caráter dinâmico às ações de prevenção nas escolas.
O emprego da palavra bom, conforme realizado no fragmento (b), tem valor fático,
isto é, tem como única finalidade manter o contato com o interlocutor. É o mesmo
caso de entende, que apontamos nesta aula, assim como de tá, né e outras expres-
sões comuns na fala. Como o interlocutor está distante, a maioria das expressões
fáticas correntes na fala não tem função no texto escrito.
c) Essa é uma atitude que deve vir tanto das autoridades escolares quanto dos
próprios alunos, pois, para fazer algo assim, é preciso determinação (OU vontade,
OU comprometimento).
“Tem que” é uma expressão típica da fala. No fragmento (c), esse emprego ficou
ainda mais inadequado porque faltou um sujeito para o verbo: quem é que tem
de querer? Como vimos, as informações precisam estar mais explícitas na escrita.
d) Por que cada vez mais jovens e adolescentes se tornam usuários de drogas?
A rigor, só podemos falar em “lado” se houver, pelo menos, dois! No caso do fragmen-
to (d), qual seria o outro “lado”, distinto do “lado das drogas”? Mais precisamente: o
que vem a ser, afinal, “tender para o lado das drogas”? Ser produtor, ser traficante,
ser favorável à descriminalização, ter interesse em informações sobre o assunto é
“tender para o lado das drogas”? Temos aqui, portanto, mais um exemplo de que,
em prol da clareza, a escolha das palavras deve ser exata na escrita.
RESUMO
A variação é inerente à natureza das línguas. Elas variam de dois modos: de acordo
com quem é o falante, e de acordo com a situação em que o falante se encontra
ao usar a língua. No primeiro caso, estão os dialetos, que podem ser geográficos,
sociais, etários e de sexo. A variação linguística que depende de elementos da
situação é chamada variação de registro e inclui a modalidade (diferença entre
fala e escrita) e o grau de formalismo (do mais formal ao menos formal). A ade-
quação do registro às diferentes situações sociais exige que o produtor do texto
oral ou escrito faça escolhas dentre as possibilidades que a língua lhe oferece
para veicular os significados pretendidos. É preciso ter cuidado especial para não
empregar, no texto escrito, marcas de oralidade que possam prejudicar a clareza.
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LEITURAS RECOMENDADAS
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AULA
KATO, Mary. A natureza da linguagem escrita. In: ______. No mundo da escrita:
uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1990. p. 10-41.
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