Vous êtes sur la page 1sur 37

A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO

INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Émilien Vilas Boas Reis


Pós-doutor em Filosofia pela Universidade do Porto (2014).
Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2010).
Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006).
Graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004).
Professor Adjunto da Escola Superior de Ensino Dom Helder Câmara (BH) em nível de
graduação e pós-graduação (Mestrado).

Kiwonghi Bizawu
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2011).
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2006).
Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara (BH).

Resumo

Este artigo objetiva analisar a Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco,


dedicada ao meio ambiente no contexto complexo do Direito Internacional
Ambiental. O texto procura abordar a preocupação papal sobre o cuidado
da casa comum que é a mãe Terra, o nosso planeta, que clama por um
agir rápido dos Estados desenvolvidos, em face da ameaça de destruição
devido ao aquecimento global e ocasionada pelas mudanças climáticas,
sendo tal luta um imperativo moral para salvar a humanidade da ganância
e da indiferença dos ricos. Utilizando-se do método dedutivo quanto às
afirmações e preocupações do Papa Francisco e da pesquisa exploratória
abarcada no levantamento bibliográfico, o estudo propõe uma reflexão so-
bre a responsabilidade universal e a solidariedade planetária, considerando
a importância de diálogo diante dos danos causados à Mãe Terra por causa
do lucro econômico e da falta de efetividade das convenções internacionais
sobre o meio ambiente.

Palavras-chave: Encíclica Laudato Si; meio ambiente; Direito Internacio-


nal Ambiental.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 29


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

THE ENCYCLICAL LAUDATO SI UNDER THE INTERNA-


TIONAL LAW ENVIRONMENT

Abstract

This article aims to analyze the Francis Pope’s Encyclical Laudato Si


dedicated to the environment within the complex context of the International
Environmental Law. The text seeks to address the papal concern about the
care of the common house the Mother Earth, our planet, which calls for a
fast acting of the developed states in view of the threat of destruction because
of global warming occurred by climate change being such struggle a moral
imperative to save humanity from greed and indifference of the rich persons.
Utilizing the deductive method as to the assertions and preoccupations of
Pope Francis and exploratory research in bibliographical survey the study
proposes a reflection on the universal responsibility and the planetary
solidarity by the importance of dialogue front of damage caused to the
Mother Earth because of the economic profit and the lack of effectiveness
of international conventions on the environment.

Keywords: Encyclical Laudato Si; environment; Environmental


International Law.

30 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

INTRODUÇÃO

Um dos assuntos mais comentados ultimamente é a publicação


da Encíclica Laudato Si (Louvado sejas) do Santo Padre Francisco sobre o
cuidado da casa comum; em outras palavras, sobre a Mãe/Irmã Terra, que
acolhe a todos em seus braços, mas é maltratada pelo uso irresponsável de
seus bens pelo ser humano.
O posicionamento firme do Papa Francisco veio reforçar o des-
pertar da consciência de uma grande parte da humanidade para os perigos
que nosso planeta enfrenta e para as ameaças provocadas pelo aquecimen-
to climático, devido à destruição cada vez mais cruel de seu equilíbrio
ecológico e de seus ecossistemas. Os danos causados à Mãe Terra colocam
em perigo iminente toda a humanidade, se nada for feito pelos países em
desenvolvimento, que são os grandes poluidores, resistentes à redução de
emissão de gases do efeito estufa.
É indiscutível que a humanidade esteja, atualmente, diante de
uma crise ambiental devido à lentidão na efetividade de medidas radicais
para combater o aquecimento global, pois as mudanças climáticas se tor-
naram uma grande ameaça à sobrevivência de todos os seres que são parte
do planeta. O culto da produção e do consumo tem levado à indiferença
os países ricos, interessados apenas no crescimento econômico. Deve-se
pensar na industrialização da economia sem preservar e conservar a na-
tureza? Como promover o desenvolvimento econômico sem esgotar os
recursos naturais, vitais tanto para as gerações presentes como para as fu-
turas? Existe antagonismo entre o progresso econômico e a preservação e
a conservação do meio ambiente? Os recursos naturais oriundos dos países
em desenvolvimento têm ocasionado a poluição nos países desenvolvidos,
o que enseja o entendimento de que a mesma poluição é fruto da miséria
em que vivem as populações dos países em desenvolvimento.
É nesse contexto de paradoxo entre a proteção e a conservação
do meio ambiente e o desenvolvimento econômico e o consumo sustentá-
vel que entra em cena a Encíclica do Papa Francisco, chamando a atenção
sobre o cuidado da casa comum, exortando profeticamente os governos
a agir rapidamente para salvar o planeta - que é a mãe que nutre todos os
povos, a “pacha mama” que acolhe e abraça a todos, mas sofre ainda danos
irreparáveis, fruto da violência que caracteriza o ser humano movido pela
ganância e pelo espírito do lucro.
Assim, as mudanças climáticas causadas pela ação humana são

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 31


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

uma realidade cientificamente comprovada e que se tornam um imperativo


moral para toda a humanidade. Tal situação exige, portanto, uma tomada
de consciência sobre o perigo e uma responsabilidade planetária consti-
tuída na solidariedade entre os povos e na cooperação internacional entre
os países desenvolvidos e não desenvolvidos, endossando a mesma luta
contra a destruição do planeta.
Procura-se então analisar, neste artigo, a importância da Encícli-
ca Laudato Si, do Papa Francisco, à luz do Direito Internacional Ambien-
tal, tomando-se como ponto de partida a Declaração das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (1972), e a Declaração
do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), bem
como a Convenção sobre a Biodiversidade (1992), sem olvidar o Protocolo
de Kyoto relativo às metas a serem cumpridas pelos países desenvolvidos
para a redução da emissão de gases do efeito estufa; ou seja, a diminuição,
de forma significativa, de dióxido de carbono para combater o aquecimen-
to global com suas sérias consequências, tais como a desertificação, a po-
luição do ar, as enchentes e outras, que causam os desastres ambientais,
as imigrações, a degradação da terra para a agricultura e o surgimento de
epidemias.
Utiliza-se, para o desenvolvimento do presente artigo, o método
dedutivo, com ênfase na pesquisa exploratória assentada no levantamento
bibliográfica e na análise e interpretação da Encíclica em tela, contribuin-
do-se, desse modo à interpelação da humanidade quanto ao perigo a que
fica exposto o planeta pela exploração excessiva de seus recursos naturais
para o crescimento econômico e pelo consequente desequilíbrio de seus
ecossistemas.

1 A TRADIÇÃO CRISTÃ E A NATUREZA

A partir do final da década de 60 do século XX, a tradição judai-


co-cristã passou a ser acusada como uma das causadoras da crise ambien-
tal no ocidente. Tal posição recebeu força e, no meio acadêmico, ganhou
status de verdade absoluta. Uma chave de leitura é a interpretação de que a
tradição judaico-cristã é antropocêntrica em sua essência, o que permitiria
ao homem explorar a natureza desmedidamente:

Especially in its Western form, Christianity is the most anthropocentric religion the
world has seen [...] Christianity, in absolute contrast to ancient paganism and Asia’s

32 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

religions (except, perhaps, Zoroastrianism), not only established a dualism of man


and nature but also insisted that it is God’s will that man exploit nature for his proper
ends. (WHITE, 1967, p. 1205).

De acordo com Ian Bradley, tradicionalmente, há três elementos


identificados como sendo fundamentais para aquelas acusações ao cristia-
nismo:

El primero - derivado del mandato de Dios a Adán, en el primer capítulo de la Biblia,


de dominar el resto da creación - es la idea de que la naturaliza existe exclusivamen-
te para beneficio del hombre. El segundo es la imagen de Dios, propiciada por los
intentos de alejar el cristianismo de los cultos paganos panteístas, que tiende a re-
presentarlo como un dios totalmente trascendente, separado por completo del mundo
creado por él y sin un interés ni un compromiso constantes por los elementos huma-
nos de su creación. El tercero es la concepción del mundo natural como uma esfera
de profanidad y de tinieblas, concepción derivada de las tradicionales distinciones
dualistas entre materia y espíritu y, concretamente, de la doctrina sobre la <<caída>>.
(BRADLEY, 1993, p. 17-18).

Entretanto, no decorrer das décadas seguintes, começou um


movimento contrário de interpretação histórica que via tais explanações
como tendenciosas: “from this complex picture the adverse interpretation
of Christian attitudes is at times derived by such methods as the selective
use of evidence and the exaggeration of the significance of some of the
evidence selected”. (ATTFIELD, 1983, p. 369).
Colocar no cristianismo a justificativa para a destruição ambien-
tal humana, principalmente a que está relacionada ao modo de vida ociden-
tal, parece mais ser uma postura ideológica do que intelectual, ou uma má
leitura do cristianismo e de sua longa tradição. Pois, da mesma forma que
se encontram argumentos forçados para detectar no cristianismo a origem
da crise ambiental, essa mesma tradição possibilita leitura contrária, o que
permite descobrir, avant la lettre, uma defesa e um cuidado da natureza.
No início do Livro do Gênesis, encontra-se um dos trechos que
serviu para a acusação de que o cristianismo é antropocêntrico e causador
da crise ambiental:

26. Então Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele
domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e to-

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 33


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

dos os répteis que rastejam sobre a terra». 27. E Deus criou o homem à sua imagem;
à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher. 28. E Deus os abençoou e
lhes disse: «Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra; dominem
os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos que rastejam sobre a terra».
29. E Deus disse: «Vejam! Eu entrego a vocês todas as ervas que produzem semente
e estão sobre toda a terra, e todas as árvores em que há frutos que dão semente: tudo
isso será alimento para vocês. 30. E para todas as feras, para todas as aves do céu e
para todos os seres que rastejam sobre a terra e nos quais há respiração de vida, eu
dou a relva como alimento». E assim se fez. 31. E Deus viu tudo o que havia feito,
e tudo era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: foi o sexto dia. (GÊNESIS,
1, 26-31)

Uma das traduções do verbo ‘dominar’ em latim é ‘praeesse’.


Em várias versões da Bíblia latina, a palavra aparece no versículo 26, como
‘praesint’ (“Et ait Deus: faciamus hominem ad imaginem et similitudinem
nostram et præsint piscibus maris et volatilibus cæli et bestiis universæque
terræ omnique reptili quod movetur in terra”), ou seja, 3ª pessoa do plural
do presente do conjuntivo. O sentido próprio da palavra é ‘estar à frente’,
‘estar à testa de’ ‘presidir’ e ‘comandar’. É interessante frisar que outra
tradução em sentido poético é ‘proteger’. Nesse sentido, o termo ‘dominar’
não significa, necessariamente, destruir e aniquilar, o que muitas interpre-
tações contemporâneas fizeram.
É possível também perceber que a passagem em Gênesis, 1, 31:
“E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom”, possibilita uma
leitura em que as criaturas são equivalentes, ou seja, são todas boas:

El relato Sacerdotal de la creación deja también muy claro que el hombre no es el


único objeto del interés y la solicitud de Dios. Su objectivo es la creación del mundo
como un todo, y no sólo la creación del hombre [...] Dios vio que eran buenas muchas
otras cosas, aparte de los seres humanos por Él creados. (BRADLEY, 1993, p. 35).

A acusação de que as passagens - acima analisadas - do Livro do


Gênesis fundamentam uma visão destrutiva do homem perante a natureza,
na verdade, não se sustenta.
A figura central do Novo Testamento, Jesus, também pode ser
interpretada por meio da relação com a natureza. Em uma conferência
em Oxford, em 1995, ainda não publicada, John Muddiman elencou as
seguintes crenças de Jesus e do Novo Testamento, relacionadas ao tema
natureza:
34 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015
Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

O único Deus Verdadeiro fez tudo o que há no universo; o mundo foi criado para a
glória de Deus e não para o benefício ou conveniência exclusivos de nenhuma espé-
cie; Deus ordena tudo com sabedoria e providências divinas; o mundo é o mundo de
Deus e partilha, enquanto criação, das boas dádivas do seu Criador, incluindo a dádi-
va da liberdade; e Deus outorga um pouco da criatividade divina aos seres humanos,
que são feitos à imagem de Deus, e chama-os a cooperar com os fins do criador, como
detentores responsáveis de domínio sobre a natureza. (ATTIFIELD, 2007, p. 106).

É possível identificar, em falas de Jesus no Novo Testamento,


como Deus se preocupa com toda a sua criação Por exemplo: “28. E por
que vocês ficam preocupados com a roupa? Olhem como crescem os lírios
do campo: eles não trabalham nem fiam. 29. Eu, porém, lhes digo: nem o
rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles.” (MA-
TEUS, 6, 28-29).
Pode-se afirmar que posições que acusam a Bíblia de antropo-
cêntrica também não se fundamentam, pois não compreendem seu signifi-
cado teocêntrico.

Não obstante, seria um exercício artificial a tentativa de classificar a Bíblia como bio-
cêntrica, ou como antropocêntrica ou ecocêntrica, por mais que a sua teoria do valor
possa apontar para uma tal classificação pelas suas atitudes para com as criaturas.
Para a Bíblia, todas as criaturas derivam de Deus a sua existência e, por consequên-
cia, a própria possibilidade de ter valor no mundo real. Se algum <<centrismo>> se
encontra na Bíblia é o teocentrismo, a crença de que o mundo existe para glória de
Deus. (ATTIFIELD, 2007, p. 106).

Santo Agostinho (353-430), o grande pensador da Patrística, é


um bom caminho para o entendimento do pensamento cristão, no fim da
Antiguidade, a respeito da natureza, e que marcará os séculos vindouros.
O misticismo agostiniano coloca Deus como centro do Universo, mas a
natureza, apesar de decaída, é parte do processo para a ascensão até Ele:
“Feristes-me o coração com vossa palavra, amei-Vos. O céu, a terra e tudo
o que neles existe, dizem-me por toda a parte que Vos ame. Não cessam
de o repetir a todos os homens, para que sejam inescusáveis.” (SANTO
AGOSTINHO, 2000, p. 263-264). A beleza da criação clamará aos ou-
vidos de muitos místicos cristãos nos períodos seguintes. Tal perspectiva
não se coaduna com a visão destrutiva ante a natureza que se atribui ao
cristianismo:

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 35


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

O papel da mística cristã, o que é importante conhecer e recorrer, revela-nos uma in-
teração de respeito grandioso para com todas as formas de vida. A compaixão: ‘sentir
profundamente com’, ‘sim-patia’ com as formas de vida que revelam a grandeza e
bondade do Criador; tudo isso é presente em, praticamente, todos os santos e místicos
cristãos. (PELIZZOLI, 2004, p. 755-756).

Em suma, o amor a Deus passa pelo amor às demais coisas da


natureza, pois, criadas por amor, ilustram a expressão desse mesmo amor
divino: “A vida espiritual conhece o mesmo equilíbrio delicado da vida
biológica. Mas o homem, como criatura, pode apenas sentir o amor de seu
Criador e, consequentemente, sentir amor pela criação e tratá-la com res-
peito, porque Deus criou cada coisa com amor.” (BERNEX, 1996, p. 96).
No cuidado com as criaturas (animais, plantas, minerais e os
próprios homens), e por meio de suas diferentes atividades, o homem con-
tribui para a preservação da natureza, sendo visto, simbolicamente, como
um cocriador, ideia que será retomada pelos beneditinos e, por conseguin-
te, por todo o medievo: “But Augustine held that man participates in God’s
work through the arts and the sciences, agriculturea mong them; a tea-
ching put into practice, [...], by Benedict”. (ATTFIELD, 1983, p. 378).
O pensador dominicano escolástico, Santo Tomás de Aquino
(1224-1274), considerado o maior pensador medieval, tem sido acusado
de ser um expoente de uma pretensa visão antropocêntrica do pensamento
cristão. Muitas vezes, seus adágios são descontextualizados, a fim de de-
fenderem tal acusação. Entretanto, encontram-se em sua vasta obra passa-
gens que eximem tal autor de ser um “defensor” implacável da destruição
humana ante a natureza e de ser um patrono da dominação humana a qual-
quer custo frente a outros animais, como no fragmento da Suma Teológica
abaixo da Parte I, questão 47, artigo 1°, solução:

La diversificación y la multitud de las cosas proviene de la intención del primer agen-


te, que es Dios. Pues produjo las cosas en su ser por su bondad, que comunicó a las
criaturas, y para representarla en ellas. Y como quiera que esta bondad no podía ser
representada correctamente por una sola criatura, produjo muchas y diversas a fin de
que lo que faltaba a cada una para representar la bondad divina fuera suplido por las
otras. Pues la bondad que en Dios se da de forma total y uniforme, en las criaturas se
da de forma múltiple y dividida. Por lo tanto, el que más perfectamente participa de
la bondad divina y la representa, es todo el universo más que cualquier otra criatura.
(SANTO TOMÁS DE AQUINO, 2001 p. 468).

36 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

Para Tomás de Aquino, todas as coisas criadas são manifestações


da bondade de Deus. Existem várias coisas no universo, pois uma só não
é capaz de explicitar a benevolência divina. Deve-se notar que tal visão
não permite afirmações generalizadas e apressadas de antropocentrismo ao
cristianismo, pois todas as criaturas são expressões do mesmo criador.
Tomás de Aquino era da ordem dos dominicanos. Essa ordem
mendicante, criada por São Domingos (1170-1221), surgiu no século XIII.
No mesmo período, outra ordem e personagem também fariam história:
os Franciscanos e seu fundador, São Francisco de Assis (1182-1226). Seu
poema-oração Cântico das Criaturas ou Cântico do Irmão Sol é um pa-
radigma da espiritualidade cristã frente à natureza. Escrito em sua maior
parte em 1224 ou 1225, num momento em que já se encontrara enfermo,
a oração foi enviada aos demais frades a fim de evangelizarem. No texto,
São Francisco exorta a Deus por todas as criaturas feitas, que expressam o
esplendor de Deus através de sua criação:

Altíssimo, onipotente, bom Senhor,


teus são o louvor, a glória e a honra e toda bênção.

A ti somente, Altíssimo, são devidos


e homem algum é digno de te mencionar.

Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente meu senhor o
irmão sol que, com luz, ilumina o dia e a nós.

E ele é belo e radiante com grande esplendor:


de ti, Altíssimo, carrega significação.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã luz e as estrelas,


no céu as formaste claras e preciosas e belas.

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento


e pelo ar e nublado e sereno e todo o tempo
pelo qual dás sustento às tuas criaturas.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água


que é muito útil e humilde e preciosa e casta.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 37


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo


pelo qual iluminas a noite e ele é belo e jucundo e robusto e forte.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa mãe terra


que nos sustenta e governa e produz diversos frutos
com coloridas flores e ervas.

Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles


que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.

Bem-aventurados aqueles que sustentam a paz porque por ti, Altíssimo, serão coro-
ados.

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa morte corporal


da qual nenhum homem vivente pode escapar.

Ai daqueles que morrem em pecado mortal; bem-aventurados aqueles que se encon-


tram em tua santíssima vontade
porque a morte segunda não lhes fará mal.

Louvai e bendizei a meu Senhor


e agradecei e servi-o com grande humildade (SÃO FRANCISCO DE ASSIS, 2001,
p. 67-68).

A sensibilidade ecológica de São Francisco, além de servir de


exemplo para os que se preocupam com as questões ambientais, faria com
que ele fosse declarado “Patrono da Ecologia” pelo Papa João Paulo II, em
1980. Mais uma vez, em um autor cristão, encontra-se a ideia de união de
todas as criaturas em Deus. Sobre Francisco, pode-se afirmar que

[...] uma tal elevada personalidade que mostrou ao mundo o que significa exercer
uma subjetividade integrada e solidária com os seres e suas fragilidades, sem res-
tringir o acolhimento a quem quer que seja, celebrando a profunda vibração da vida
em cada recôndito da existência. Acima das ideias e ideologias, medos e apegos,
estava ali a receptividade, simplicidade, equilíbrio dinâmico do humano no mundo.
(PELIZZOLI, 2004, p. 756).

38 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

Os comentários acima registrados dão uma dimensão da preocu-


pação do cristianismo com o meio ambiente ao longo dos séculos. Deve-
mos, pois, nos deter no conteúdo da Encíclica Laudato Si, do Papa Fran-
cisco.

2 A ENCÍCLICA LAUDATO SI

A Encíclica do Papa Francisco, Laudato Si, publicada em junho


de 2015, foi bastante elogiada pela opinião pública e pela crítica especiali-
zada. O tema em si, a questão ambiental, é capaz de chamar a atenção mun-
dial. Apesar de muitos classificarem os problemas relacionados ao meio
ambiente como sendo uma agenda “verde” ou de “esquerda”, fato é que tal
questão é um problema mundial, e tais reducionismos não são capazes de
encarar verdadeiramente os problemas.
Assim, faz todo o sentido que o líder da principal religião ociden-
tal se pronuncie a respeito do meio ambiente e de suas questões, sem ade-
quar-se em rótulos de “esquerda” ou de “direita”. Além de ser um discurso
legítimo dentro de um espaço democrático, há uma tradição cristã, como
visto no capítulo anterior, que se tem preocupado ou enseja leituras sobre
o cuidado e preocupação com o ambiente.
A frase que compõe o título “sobre o cuidado da casa comum’
dará uma boa chave de leitura a respeito do conteúdo do texto. A abertura
do texto com a referência a outro Francisco, São Francisco de Assis, não é
ao acaso. O Laudato Si, que nomeia a obra, é a expressão “Louvado Seja”
em italiano do século XIII, utilizada por São Francisco em seu Cântico
das Criaturas, citado acima. A casa em questão é a Terra, vista no Cântico
como irmã e mãe. De acordo com o Papa Francisco,

Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e
do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus pro-
prietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração
humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no
solo, na água, no ar e nos seres vivos. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 3).

O planeta (solo, água, ar e seres vivos) clama o mal que os ho-


mens, pecadores, de acordo com a tradição cristã, têm provocado nele.
Abre-se a possibilidade de diálogo, não só com os católicos ou cristãos,
mas com todo o gênero humano.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 39


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Seguindo de perto alguns dos seus predecessores (Papas Paulo


VI, João Paulo II e Bento XVI) que se debruçaram, de maneira esporádica,
sobre a questão ambiental, Francisco chama a atenção para o fato de que
filósofos, teólogos, cientistas, crentes de outras denominações cristãs e re-
ligiosas têm unido esforços para debater o mal que o homem vem fazendo
à sua casa.
Mas sem dúvidas, seu grande inspirador é São Francisco de As-
sis, que teve a capacidade de unir outros itens à problemática ambiental,
que serão debatidos ao longo do texto: “Nele se nota até que ponto são
inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o
empenhamento na sociedade e a paz interior”. (PAPA FRANCISCO, 2015,
p. 10). Além do mais, em São Francisco o Papa encontra o método adequa-
do para lidar com a natureza, que não se reduz à racionalidade tecnicista,
cientificista e econômica, mas deve ocorrer através de um gesto de admi-
ração e encanto para com a natureza; caso contrário, “as nossas atitudes
serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos re-
cursos naturais, incapazes de pôr um limite aos seus interesses imediatos”.
(PAPA FRANCISCO, 2015, p. 11). A visão mística cristã, explicitada em
São Francisco, pode moldar o olhar humano para perceber uma conjunção
entre todas as coisas do meio ambiente. É claro que tal olhar está baseado
no fato de a natureza ser encarada como criatura; por isso, ela traz consigo
o esplendor do Criador.
Apesar dos vários problemas ecológicos, Francisco exorta a hu-
manidade a mudar de posição “na busca de um desenvolvimento sustentá-
vel e integral [...]”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 12), que ocorre através
de uma solidariedade universal. Para isso, a Encíclica passará por algumas
etapas: a) a crise ecológica atual e as pesquisas mais recentes; b) a tradição
judaico-cristã no debate ecológico; c) as causas do problema ecológico;
d) uma visão ecológica; e) as ações individuais e da política internacional
frente ao problema debatido; f) educação ambiental à luz da espiritualidade
ecológica cristã.

2.1 A crise ecológica atual e as pesquisas mais recentes

O primeiro problema para o qual Francisco chama a atenção é a


poluição causada pelo homem. Ela ocorre devido aos resíduos poluentes
gerados pelas várias atividades, tais como as da indústria, do comércio,
da atividade agrícola e do homem comum: “Estes problemas estão inti-

40 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

mamente ligados à cultura do descarte, que afecta tanto os seres humanos


excluídos como as coisas que se convertem rapidamente em lixo”. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 20). Nesta cultura do lixo, além dos resíduos po-
luentes, há uma necessidade de trocar os objetos existentes, transforman-
do-os em “obsoletos”, incluindo-se, tragicamente, os próprios seres huma-
nos.
Outro assunto destacado é o clima. Tal assunto, hodiernamente,
está inserido em uma disputa ideológica. Para Francisco, apesar de existi-
rem fatores extra-humanos (tais como o vulcanismo, as variações da órbita
e do eixo terrestre e o ciclo solar), grande parte da comunidade científica
atribui o aquecimento global à grande quantidade de gases nocivos ao am-
biente enviados para a atmosfera, à queima de combustíveis fósseis e o
desflorestamento. Apesar de chamar a atenção para os efeitos climáticos
para todos os homens, Francisco é sensível aos menos favorecidos econo-
micamente:

Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os


países em vias de desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente
afectados por fenómenos relacionados com o aquecimento, e os seus meios de
subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços
do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais [...] É trágico o
aumento de emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que,
não sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o
peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa”. (PAPA FRANCISCO,
2015, p. 23).

Interessante notar a preocupação de Francisco em relação às emi-


grações causadas pelos problemas climáticos. A incidência de tais casos
tem aumentado de maneira significativa nas últimas décadas; entretanto, a
sociedade civil ainda é bastante negligente com tal questão.
A crise a respeito da água também é lembrada por Francisco, que
chama a atenção para três aspectos: a) a falta de água em determinadas
regiões do globo; b) as doenças causadas pela má qualidade da água, prin-
cipalmente em países periféricos; e c) a privatização da água em regiões
com grande escassez. A água é um bem natural que está intimamente liga-
do a outros direitos: “o acesso à água potável e segura é um direito humano
essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das
pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos huma-

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 41


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

nos”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 26).


A perda da biodiversidade causa as extinções de milhares de es-
pécies vegetais e animais, assim como o possível encontro de curas para
doenças em determinadas espécies eliminadas. Para o Papa, em um espírito
cristão, a eliminação significa que “Por nossa causa, milhares de espécies
já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-
nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer”. (PAPA FRAN-
CISCO, 2015, p. 28). Pode-se notar que Francisco enfatiza a importância
de todas as espécies perante o Criador, o que impede a destruição de outras
espécies por parte do homem.
Francisco também critica a lógica exclusivamente calculista que
domina a maior parte das relações com a biodiversidade, dado que “o custo
dos danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo maior do que
o benefício económico que se possa obter”. (PAPA FRANCISCO, 2015,
p. 30). A extinção de espécies tem um preço incalculável. O Papa tam-
bém chega a analisar uma série de ecossistemas, mas chama a atenção a
análise que ele faz sobre um tema importante ao Brasil: a Floresta Ama-
zônica, que, juntamente com outros importantes ecossistemas de florestas
tropicais, apresenta grande biodiversidade; e que, quando “são queimadas
ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inú-
meras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos”. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 31).
Um dos pontos mais interessantes da Encíclica passa pela análise
que Francisco faz da questão ambiental associada ao ser humano:

Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que
tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não
podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo
actual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 34).

Nesse sentido, a análise deve iniciar-se pela cidade, local por


excelência do homem nesses tempos hodiernos. Péssimas condições são
características da maior parte das urbes contemporâneas. Crescimento de-
sordenado, poluição visual, sonora e atmosférica, transportes deficitários,
congestionamentos e a falta de espaço verde - esses são alguns dos vários
problemas enfrentados na cidade. Nesta mesma cidade encontram-se de-
semprego, violência, exclusão e solidão.

42 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

Apesar dos problemas citadinos afetarem todos os indivíduos, o


Papa debruça-se nos pobres: “Estes são a maioria do planeta, milhares de
milhões de pessoas [...] com frequência parece que os seus problemas se
coloquem como um apêndice, como uma questão que se acrescenta qua-
se por obrigação ou perifericamente, quando não são considerados meros
danos colaterais”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 38). A sensibilidade de
Francisco aos menos favorecidos ocorre, pois, pelo fato de eles serem ex-
cluídos, esquecidos pelas políticas públicas, que estão distantes deles. Para
Francisco, há uma relação intrínseca entre o ecológico e o social: “Mas,
hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem
ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a jus-
tiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra
como o clamor dos pobres”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 39).
Todos esses aspectos ilustram como o homem vem maltratando
a terra. Não há, ainda, um pensamento global. Persiste uma dificuldade em
buscar soluções viáveis. Nesse sentido, tendo consciência de que ideais
éticos não são satisfatórios e de que apelar apenas para a benevolência
humana são insuficientes, Francisco chama a atenção para a importância
da legalidade institucionalizada nessas questões. O direito tem um papel
fundamental:

Torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e


assegure a protecção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas
do paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los não só com a política, mas
também com a liberdade e a justiça. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 43).

Em contrapartida, existem alguns setores na sociedade que, fre-
quentemente, criticam a noção de que vivenciamos uma crise ambiental.
A descrença ocorre devido a visões incompletas, distorcidas e calculistas
da realidade. No fundo, é buscada uma justificativa para permanecer com
os mesmos costumes destrutivos ante a natureza e garantir que o nível de
estragos e gastos permaneçam os mesmos.

Como frequentemente acontece em épocas de crises profundas, que exigem decisões


corajosas, somos tentados a pensar que aquilo que está a acontecer não é verdade.
Se nos detivermos na superfície, para além de alguns sinais visíveis de poluição
e degradação, parece que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta
poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições actuais. Este comportamento

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 43


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de produção e consumo.


(PAPA FRANCISCO, 2015, p. 47).

Francisco alerta para as justificativas utilizadas para manter os


modos de vida destrutivos para a natureza. Assim, se buscará na tradição
judaico-cristã alguma inspiração para mudança.

2.2 A tradição judaico-cristã no debate ecológico

Francisco inicia o próximo ponto colocando o papel da religião


em um debate que poderia ser visto como exclusivamente científico. Ele
tem plena consciência de que, no mundo contemporâneo, há até uma certa
crítica à tradição religiosa. Entretanto, está certo também que as religiões
podem contribuir para problematizar a questão ambiental. Assim, como
visto em teóricos e místicos da tradição cristã, Francisco irá retomar a
mensagem bíblica. O Livro do Gênesis, por exemplo, fala simbolicamente
sobre “as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a
Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas
também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado”. (PAPA FRANCISCO,
2015, p. 52).
Com esse linguajar cristão, Francisco lida com a questão do Cris-
tianismo acreditar em um criador e, ao mesmo tempo, ter que justificar
como o homem, apesar de ter sido criado bom, é um pecador que, entre
outras coisas, tem como consequência a problemática relação com o meio
ambiente, pois, é devido ao pecado que “a relação originariamente harmo-
niosa entre o ser humano e a natureza transformou-se num conflito. (cf.
GÊNESIS, 3, 17-19).” (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 52).
O Papa também adentra a já vista acusação comum de que a tra-
dição judaico-cristã, devido aos seus textos doutrinários, teve contribuição
para a crise ambiental. Lembra ele que os textos bíblicos devem ser lidos
em seu contexto, por meio de uma leitura hermenêutica, o que, claramente,
os detratores do cristianismo não o fazem:

[...] hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados à imagem
de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre
as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma
justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a « cultivar e guardar » o jardim
do mundo (cf. Gn 2, 15). Enquanto « cultivar » quer dizer lavrar ou trabalhar um

44 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

terreno, « guardar » significa proteger, cuidar, preservar, velar. (PAPA FRANCISCO,


2015, p. 53).

A visão teocêntrica, pode-se assim dizer, também aparece em


suas considerações, já que a responsabilidade do homem de salvaguardar
a terra, como é possível verificar em várias passagens das Escrituras, ilus-
tram o fato de Deus ser o dono de toda a criação, e o homem, como ser do-
tado de inteligência, deve exercer tal responsabilidade. Ademais, as outras
criaturas, também têm um valor em si mesmas, fazendo com que não sejam
tomadas como meros meios de satisfação humana. O homem tem um papel
fundamental de cuidar dos outros indivíduos e de todos os outros seres
criados: “Quando todas estas relações são negligenciadas, quando a justiça
deixa de habitar na terra, a Bíblia diz-nos que toda a vida está em perigo”.
(PAPA FRANCISCO, 2015, p. 57). O Gênesis, os Salmos e os Profetas dão
suporte ao argumento de Francisco.
A perspectiva teológico-filosófica cristã de que Deus é o Criador
de todas as coisas será esmiuçada por Francisco. Apesar de levar em consi-
deração o termo natureza, comumente utilizado, Francisco deixa claro que,
em uma visão onde há um Criador, aquilo que antes era analisado como
natureza tem seu correto significado quando se toma tudo o que existe
como sendo originado do amor de Deus. Tal visão pode ser um ponto fun-
damental para que os indivíduos tenham uma relação harmoniosa com a
natureza e com os outros indivíduos.

Na tradição judaico-cristã, dizer « criação » é mais do que dizer natureza, porque


tem a ver com um projecto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um
significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa,
compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das
mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos
chama a uma comunhão universal. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 60).

Apesar de o homem ser criado por Deus, há nele a liberdade de


poder lidar com a criação da maneira como quiser. Isso permite tanto a
destruição quanto o cuidado da natureza. Deus opta por criar um mundo
onde o homem pode contribuir com a criação. Com isso, pode cooperar
para aquela harmonia intrínseca na criação:

Mas todas avançam, juntamente conosco e através de nós, para a meta comum,

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 45


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e
ilumina. Com efeito, o ser humano, dotado de inteligência e amor e atraído pela
plenitude de Cristo, é chamado a reconduzir todas as criaturas ao seu Criador. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 65).

Ainda que as criaturas tenham a mesma importância na criação,


há que se destacar o fato de que o homem está em uma situação de protago-
nismo, por ser capaz de reponsabilidade perante a criação. Isto não signifi-
ca negligenciar as demais criaturas. Entretanto, Francisco quer enfatizar o
terrível hábito dos homens de serem descuidados com outros homens. Em
sua visão, “deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que
existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem
mais dignos do que outros”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 71).
Um dos pontos mais controversos da Encíclica é quando Fran-
cisco fala sobre o direito à propriedade privada. Há uma crítica explícita
a tal direito no sentido de que: “A tradição cristã nunca reconheceu como
absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função
social de qualquer forma de propriedade privada”. (PAPA FRANCISCO,
2015, p. 73). Tal crítica não significa uma visão considerada de esquerda
em relação à propriedade privada. A posição cristã não deve ser reduzida
a uma noção de “esquerda” ou de “direita”. Há muito, o cristianismo se
colocou como uma via diferente. Francisco cita João Paulo II, o que cor-
robora a interpretação acima: “a Igreja defende, sim, o legítimo direito à
propriedade privada, mas ensina, com não menor clareza, que sobre toda a
propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens
sirvam ao destino geral que Deus lhes deu”. (Papa João Paulo II apud
PAPA FRANCISCO, 2015, p. 74). A Igreja aceita a propriedade privada,
mas prega uma distribuição razoável, posição que tem confundido os di-
versos ideólogos.
Cristo: o centro da mensagem cristã deve ser tomado como um
referencial para as questões discutidas até aqui. Todas as coisas criadas fo-
ram por meio dele, o Logos de Deus Pai. Como centro de toda criação e de
todo o Universo, a noção de natureza muda de perspectiva à luz do Cristo.
Todo o universo está ligado à sua figura:

Assim, as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente
natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino
de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou

46 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 78).

Após as considerações a respeito da tradição judaico-cristã, faz-


se necessária uma análise das causas do problema ecológico.

2.3 As causas do problema ecológico

Para Francisco, a origem do problema ecológico é a visão de


mundo tecnicista que predomina na modernidade. Nos últimos dois sécu-
los o progresso científico legou importantes ganhos para a humanidade.
O homem necessitou adaptar-se na natureza a fim de perpetuar sua so-
brevivência, por isso, claramente, a técnica não pode ser criticada em si
mesmo. Por outro lado, a técnica moderna está associada ao poder. Uma
das grandes intuições da modernidade de Francis Bacon - “Saber é poder”
- está sendo explicitada nesse argumento. Tal saber está atrelado ao aspecto
econômico:

Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará
bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer. Basta lembrar as
bombas atómicas lançadas em pleno século XX, bem como a grande exibição de
tecnologia ostentada pelo nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que
serviu para o extermínio de milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra
dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos. Nas mãos de quem está e pode
chegar a estar tanto poder? É tremendamente arriscado que resida numa pequena
parte da humanidade. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 81).

A maneira como o homem tecnológico se posiciona ante a natu-


reza é como um sujeito que manipula e se apropria dos objetos exteriores a
ele. Assim, as coisas passam a noção de poderem estar disponíveis infinita-
mente. Tal paradigma proporciona a impressão de ser definitivo. Para Fran-
cisco, “É preciso reconhecer que os produtos da técnica não são neutros,
porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e
orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determinados
grupos de poder”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 84).
Nessa concepção em que a técnica está no centro da socieda-
de, sua relação com a política e com a economia são inevitáveis. Sobre
a Economia, Francisco afirma que ela “assume todo o desenvolvimento

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 47


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequ-


ências negativas para o ser humano”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 85).
Tal paradigma leva à crença de que todos os problemas da humanidade
serão resolvidos por meio do crescimento econômico, mas não levam em
consideração, necessariamente, a desigualdade social, o cuidado com o
meio ambiente e com as gerações futuras. A economia, a ciência e a técni-
ca buscam uma autossuficiência, sem se preocuparem com o diálogo com
outras áreas, isso leva à crença de que a solução para os problemas criados
por elas, sejam solucionados sem a necessidade de intervenção de outros
campos do saber ou paradigmas de vida: “A ciência e a tecnologia não são
neutrais, mas podem, desde o início até ao fim de um processo, envolver
diferentes intenções e possibilidades que se podem configurar de várias
maneiras”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 89).
Outro elemento que contribui para a crise ambiental é o antro-
pocentrismo. Para Francisco, a visão que coloca o homem no centro de
tudo não só provoca uma negligência com os demais seres do universo,
mas com o próprio gênero humano. Entretanto, a saída do antropocen-
trismo não é um “biocentrismo”, que, muitas vezes, chega a descuidar-se
da vida humana. Para o cristianismo, as peculiaridades do ser humano o
tornam distinto dos demais seres, sem que isso seja caracterizado como
antropocentrismo. Nesse ponto, Francisco se afasta de um certo modismo
ecológico ao afirmar que:

Quando o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima
das outras criaturas, suscita a valorização de cada pessoa humana e, assim, estimula o
reconhecimento do outro. A abertura a um « tu » capaz de conhecer, amar e dialogar
continua a ser a grande nobreza da pessoa humana. Por isso, para uma relação
adequada com o mundo criado, não é necessário diminuir a dimensão social do ser
humano nem a sua dimensão transcendente, a sua abertura ao « Tu » divino. Com
efeito, não se pode propor uma relação com o ambiente, prescindindo da relação
com as outras pessoas e com Deus. Seria um individualismo romântico disfarçado de
beleza ecológica e um confinamento asfixiante na imanência. (PAPA FRANCISCO,
2015, p. 93).

O antropocentrismo, ao colocar o homem como o âmago da cria-


ção, põe os interesses contingentes humanos como modelo. A consequên-
cia é o relativismo prático, que têm reflexos nas questões ambientais, pois
o meio ambiente será tratado de acordo com a conformidade de interesses

48 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

particulares. A partir desta reflexão, Francisco coloca a difícil questão mo-


ral relativa aos limites da ação humana. Sem um parâmetro exterior à lei e
à política, tais áreas são arbitrárias:

Se não há verdades objectivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das


aspirações próprias e das necessidades imediatas, que limites pode haver para o
tráfico de seres humanos, a criminalidade organizada, o narcotráfico, o comércio de
diamantes ensanguentados e de peles de animais em vias de extinção? [...] Portanto,
não podemos pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes
para evitar os comportamentos que afectam o meio ambiente, porque, quando é a
cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objectiva ou
quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender como
imposições arbitrárias e obstáculos a evitar. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 93).

Claramente, Francisco está inserido em uma longa tradição do


pensamento cristão que pretende superar o relativismo através de valores
absolutos. Para um cristão, Deus é a garantia da existência de tais parâme-
tros. Esta é a forma de superar o relativismo moral.
O homem, como ser capaz de interferir mais diretamente na cria-
ção, pode fazê-lo por meio do trabalho. O papa entende o trabalho como a
capacidade do homem de transformar a natureza. Nesse sentido, faz uma
remissão à tradição monástica, que tinha o trabalho como um dos pontos
centrais de suas diretrizes. São Bento resumiu a vida monástica em ora et
labora, ou seja, ore e trabalhe: “Esta maneira de viver o trabalho torna-nos
mais capazes de ter cuidado e respeito pelo meio ambiente, impregnando
de sadia sobriedade a nossa relação com o mundo”. (PAPA FRANCISCO,
2015, p. 98). O trabalho faz parte da condição humana, e não deveria ser
visto dentro de uma lógica calculista, na qual se visa a reduzir “custos” a
qualquer preço.
Um último ponto diz respeito à manipulação genética. A técnica
humana chegou a um nível que o homem é capaz de transformar a natu-
reza, os outros seres e a si próprio como nunca antes na história humana.
Mas não se deve usar a técnica sem levar em consideração aspectos éticos
e que não levem em consideração a dignidade humana. Nesse aspecto, uma
das áreas mais problemáticas é a genética. Os transgênicos, por exemplo,
apesar de não haver provas de que sejam prejudiciais à saúde, muitas vezes
estão nas mãos de grandes conglomerados, que concentram a produção
agrícola:

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 49


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Em vários países, nota-se uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios na


produção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo, e a dependência
agrava-se quando se pensa na produção de sementes estéreis, que acabam por obrigar
os agricultores a comprá-las às empresas produtoras”. (PAPA FRANCISCO, 2015,
p. 105).

Percebe-se que tanto um debate científico quanto um debate so-


cial estão implicados na questão genética.

2.4 Uma proposta ecológica

A próxima etapa da Encíclica de Francisco concentra-se em uma


sugestão ao pensamento ecológico. De acordo com as descobertas cientí-
ficas dos últimos dois séculos, há uma ligação entre os elementos naturais,
inclusive no nível subatômico e no nível genético. Os seres vivos têm uma
aproximação genética que tem espantado a comunidade científica. Meio
ambiente também pressupõe uma relação entre a natureza e a sociedade.
Hoje, não se podem ver estas duas esferas de maneira separadas, pois o so-
cial influencia na natureza e a natureza influencia no social: “É fundamen-
tal buscar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas
naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas:
uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioam-
biental”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 108).
Francisco afirma a necessidade de uma abordagem integral, isto
é, que leve em consideração os aspectos naturais e sociais. Há uma interde-
pendência entre os níveis mais elementares (subatômicos e genéticos) até
os níveis maiores (ecossistemas): “Convém recordar que os ecossistemas
intervêm na retenção do anidrido carbónico, na purificação da água, na
contraposição a doenças e pragas, na composição do solo, na decomposi-
ção dos resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou igno-
ramos”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 109).
A integração ocorre com a conscientização dessa relação e de-
pendência entre todos os níveis de realidade, gerando a percepção de que:
“a análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos
humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa consi-
go mesma, que gera um modo específico de se relacionar com os outros e
com o meio ambiente”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 110).
Para a implementação desta integração, Francisco propõe, de for-

50 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

ma pertinente, a necessidade de que as instituições sociais participem desta


execução. Nesse sentido, governo, sociedade civil e os próprios indivíduos
devem buscar agir conforme uma conscientização ambiental. Mais uma
vez, as leis são chamadas a contribuir nessas relações.
Devido a relação entre natureza e sociedade, o patrimônio histó-
rico, artístico e cultural deve também ser levado em consideração em uma
análise ambiental. A ecologia envolve o aspecto cultural. Um dos itens
mais dramáticos a respeito é a homogeneização cultural, que torna culturas
particulares reféns de uma suposta cultura universal. Assim, é um proble-
ma quando se quer “resolver todas as dificuldades através de normativas
uniformes ou por intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexida-
de das problemáticas locais, que requerem a participação activa dos habi-
tantes”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 112-113). Note-se que nem todas
as comunidades locais têm como base uma visão tecnicista ocidental, da
mesma forma que existem perspectivas de direitos locais que devem ser
levados em consideração nos problemas ambientais.
Em se tratando de grandes cidades, deve-se buscar um bem-estar
ecológico e social. Impossível adquiri-lo em situações sociais dramáticas,
que envolvam violência, superlotação e a falta de uma mínima estrutura,
como ocorre em partes de cidades na periferia. A ideia de integração tam-
bém é aplicada à cidade: “É importante que as diferentes partes de uma
cidade estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão
de conjunto em vez de se encerrarem num bairro, renunciando a viver a
cidade inteira como um espaço próprio partilhado com os outros”. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 117). A vida em guetos é uma consequência de
uma cidade nada integral, onde as pessoas dependem de um espaço mí-
nimo para se sentirem bem. A falta de moradia, a precariedade dos trans-
portes públicos e a exclusão das pessoas que vivem no campo também são
elementos que dificultam a vida na cidade.
Francisco busca no conceito de “bem comum” um elemento ca-
paz de ser guia para as relações sociais. De acordo com o Concílio Vatica-
no II, ela significa: “o conjunto das condições da vida social que permitem,
tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a
própria perfeição”. (Concílio Ecumênico Vaticano II, apud PAPA FRAN-
CISCO, 2015, p. 121). Pode-se sintetizar a ideia de bem comum em direi-
tos fundamentais; bem-estar e segurança social e a paz social.
O bem comum não se restringe às gerações atuais. Ele envolve
as gerações futuras, baseado em uma solidariedade intergeracional. Para

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 51


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Francisco, a justificativa para levar em consideração as outras gerações


passa por um “dom gratuito, que recebemos e comunicamos. Se a terra
nos é dada, não podemos pensar apenas a partir de um critério utilitarista
de eficiência e produtividade para lucro individual. [...] pois a Terra que
recebemos pertence também àqueles que hão de vir”. (PAPA FRANCIS-
CO, 2015, p. 122). A reflexão ecológica está necessariamente associada à
questão das gerações futuras, pois as atitudes do presente terão reflexos no
futuro.

2.5 As ações individuais e da política internacional frente ao problema


debatido

Nesta etapa Francisco pretende verificar como é possível aplicar


as reflexões ecológicas na prática política através dos mecanismos oficiais.
Certamente, não é possível pensar soluções para a questão ambiental com
atitudes isoladas dos países, pois a falta de ação de um país tem reflexo no
Planeta. Mesmo que um país se preocupe com o meio ambiente, tal postu-
ra não é capaz de resolver os problemas ecológicos globais. A natureza da
solução passa por um diálogo internacional.

Para enfrentar os problemas de fundo, que não se podem resolver com acções de
países isolados, torna-se indispensável um consenso mundial que leve, por exemplo,
a programar uma agricultura sustentável e diversificada, desenvolver formas de
energia renováveis e pouco poluidoras, fomentar uma maior eficiência energética,
promover uma gestão mais adequada dos recursos florestais e marinhos, garantir a
todos o acesso à água potável. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 128).

A questão energética, por exemplo, está longe de um consenso


mundial. Os países não entram em um acordo de como passar para outras
fontes de energia menos poluentes. Os interesses são conflitantes. Enquan-
to alguns países dependem econômica e estrategicamente de energias po-
luentes, outros, não.
Francisco lembra que o debate já existe. Recorda o Rio 92 como
uma retomada de Estocolmo 72, mas verifica que “os acordos tiveram um
baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram adequados
mecanismos de controle, revisão periódica e sanção das violações”. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 130). Na prática, tais encontros estão-se mostrando
ineficazes, pois não cumprem todas as diretrizes acordadas.

52 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

A ineficácia dos encontros pode ser constatada também, por


exemplo, na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 2012, e que pro-
pôs a redução da emissão de gases que causam o efeito estufa. Os países
têm diferentes interesses políticos e econômicos pautando suas posições
distintas. Entretanto, mesmo que esteja havendo dificuldades em um senso
comum, nem todas as propostas são boas. Por exemplo, a internacionaliza-
ção dos custos ambientais corre o risco de impor pesados tributos a países
pobres, além de travar o crescimento de países subdesenvolvidos: “A im-
posição destas medidas penaliza os países mais necessitados de desenvol-
vimento. Assim, acrescenta-se uma nova injustiça sob a capa do cuidado
do meio ambiente”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 131-132). Francisco
pensa que os países já desenvolvidos têm uma responsabilidade maior nos
efeitos da industrialização. Isso não significa que os países pobres possam
desenvolver-se de qualquer forma, mas sim que os países ricos devem au-
xiliar os países ainda em processo de desenvolvimento.
Mesmo que os Estados se mantenham soberanos, as decisões am-
bientais devem levar em consideração os demais, já que os efeitos de suas
atitudes envolvem outros Estados. “São necessários padrões reguladores
globais que imponham obrigações e impeçam acções inaceitáveis, como o
facto de países poderosos descarregarem, sobre outros países, resíduos e
indústrias altamente poluentes”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 133-134).
Francisco é explícito em dizer que o direito tem um papel funda-
mental para garantir a efetivação da proteção ambiental em suas várias es-
feras: “Como pode a sociedade organizar e salvaguardar o seu futuro num
contexto de constantes inovações tecnológicas? Um factor que actua como
moderador efectivo é o direito, que estabelece as regras para as condutas
permitidas à luz do bem comum”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 136).
Mas ele não é suficiente, pois,

por vezes, se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política
sob pressão da população. A sociedade, através de organismos não-governamentais
e associações intermédias, deve forçar os governos a desenvolver normativas,
procedimentos e controles mais rigorosos. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 137-138).

Para Francisco, pode-se notar que a sociedade deve ter uma par-
ticipação ativa junto aos órgãos institucionais. Sociedades comunitárias
são boas formas para fiscalizar.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 53


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Como em todas as relações humanas, a corrupção é um dos gran-


des males para as decisões que envolvem problemas ambientais. Por exem-
plo, decisões sobre impactos ambientais estão, muitas vezes, permeadas de
interesses obscuros. Há fortes pressões econômicas e políticas nas deci-
sões. É necessária a participação dos vários setores interessados e envolvi-
dos, com ênfase nos moradores “aqueles mesmos que se interrogam sobre
o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração
as finalidades que transcendem o interesse económico imediato”. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 141).
Pode parecer utópico, mas Francisco propõe honestidade nas in-
formações levantadas por todas as áreas em casos ambientais. Caso haja
constatação de que os projetos ambientais apresentem risco, deve-se revê-
los ou mesmo suspendê-los. Jamais uma decisão deve ser tomada levan-
do-se em consideração exclusivamente o interesse econômico, político, o
progresso e a eficácia:

A participação requer que todos sejam adequadamente informados sobre os vários


aspectos e os diferentes riscos e possibilidades, e não se reduza à decisão inicial
sobre um projecto, mas implique também acções de controle ou monitoramento
constante. É necessário haver sinceridade e verdade nas discussões científicas e
políticas, sem se limitar a considerar o que é permitido ou não pela legislação. [...]
Se a informação objectiva leva a prever um dano grave e irreversível, mesmo que
não haja uma comprovação indiscutível, seja o projecto que for deverá suspender-se
ou modificar-se. Assim, inverte-se o ónus da prova, já que, nestes casos, é preciso
fornecer uma demonstração objectiva e contundente de que a actividade proposta
não vai gerar danos graves ao meio ambiente ou às pessoas que nele habitam. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 141; 143).

Francisco frisa, em vários momentos, que a questão ambiental


não deve jamais reduzir-se à questão financeira. Em sua visão, aquele que
mira somente o lucro não se preocupa com o ambiente e com os homens.
Sua sugestão, levando-se em conta que os problemas ambientais são glo-
bais, é a de que “chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo
nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer
de forma saudável noutras partes”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 148). O
progresso, por sua vez, necessita levar o bem-estar aos indivíduos: “Um
desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo me-
lhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode conside-

54 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

rar progresso”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 148).


No meio deste debate, as religiões desempenham um papel
fundamental ao servirem de base para reflexões e soluções às questões
ambientais. Nesse sentido, em um espaço democrático e de diálogo, suas
participações são legítimas: “A maior parte dos habitantes do planeta de-
clara-se crente, e isto deveria levar as religiões a estabelecerem diálogo
entre si, visando ao cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a construção
duma trama de respeito e de fraternidade”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p.
153-154).
Francisco sugere o diálogo inter-religioso e a legitimidade dos
discursos religiosos quanto à questão ambiental, principalmente em um
mundo plural como é o ocidente contemporâneo.

2.6 Educação ambiental à luz da espiritualidade ecológica cristã

Para Francisco, o consumismo é a marca maior da sociedade


contemporânea. O paradoxo é que grande parte da população mundial não
tem condições de exercer tal paradigma. O vazio de valores da vida atual
também é um catalisador para a necessidade de consumir infinitamente. A
degradação ambiental não se reduz à destruição da natureza, mas também
da sociedade. Entretanto, Francisco é otimista (esperançoso) quanto à ca-
pacidade do homem de superar o estilo de vida atual: “Não há sistemas
que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a
capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos
corações”. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 157). Isto significa a capacidade
de as pessoas modificarem o estilo de vida atual, que oprime a natureza e
a sociedade. A mudança de atitude passa pela capacidade de reconhecer o
outro. A alteridade está implícita em toda a problemática ambiental: “Sem
tal capacidade, não se reconhece às outras criaturas o seu valor, não se
sente interesse em cuidar de algo para os outros, não se consegue impor
limites para evitar o sofrimento ou a degradação do que nos rodeia”. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 158).
Propondo ir além das posições jurídica, econômica e política,
Francisco afirma a necessidade da educação ambiental como motor de mu-
dança. Mas não uma educação baseada em cientificismos, mas que abran-
ja:

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 55


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

uma crítica dos « mitos » da modernidade baseados na razão instrumental


(individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem
regras) e tende também a recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o
interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres
vivos, o espiritual com Deus. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 160).

A crítica ao paradigma moderno fica muito clara ante tal posição.


Se foi a razão tecnicista (cientificista e econômica) a causadora da crise
ambiental, a sua saída não passa por esta mesma razão.
Ao incutir a educação ambiental nas escolas, na família, na im-
prensa e na Igreja, por exemplo, as normas jurídicas podem, efetivamente,
vir a serem respeitadas, além de fixarem práticas que, em comunidade,
podem fazer diferença na sociedade.
Francisco caminha para o final de sua Encíclica propondo para
os cristãos uma espiritualidade ambiental baseada em XX séculos de tra-
dição. Falará sobre uma conversão ecológica. Nesse sentido, modelo para
ele é São Francisco, que, mesmo sabendo-se pecador, busca uma relação
completa com toda a criação:

Em primeiro lugar, implica gratidão e gratuidade, ou seja, um reconhecimento


do mundo como dom recebido do amor do Pai, que consequentemente provoca
disposições gratuitas de renúncia e gestos generosos, mesmo que ninguém os veja
nem agradeça [...] Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares
capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade
e entusiasmo para resolver os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus « como
sacrifício vivo, santo e agradável » (Rm 12, 1). [...] Ajudam a enriquecer o sentido de
tal conversão várias convicções da nossa fé, desenvolvidas ao início desta encíclica,
como, por exemplo, a consciência de que cada criatura reflecte algo de Deus e tem
uma mensagem para nos transmitir, ou a certeza de que Cristo assumiu em Si mesmo
este mundo material e agora, ressuscitado, habita no íntimo de cada ser, envolvendo-
o com o seu carinho e penetrando-o com a sua luz; e ainda o reconhecimento de
que Deus criou o mundo, inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser
humano não tem o direito de ignorar. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 167-168).

Se em um espírito de São Francisco, o Papa prega uma frater-


nidade universal, isto é, um amor a todas as criaturas, baseado em Santa
Tereza de Lisieux, ele sugere a prática do caminho do amor no dia a dia:
“Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pe-

56 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

los quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo”.


(PAPA FRANCISCO, 2015, p. 173). São Boaventura, São João da Cruz,
os Sacramentos, a Eucaristia, a Trindade e Maria também servirão de ins-
piração para Francisco sugerir o cuidado com o ambiente através de uma
inspiração cristã. Mas a análise fica para outro contexto.
A mensagem final de Papa é que “Na expectativa da vida eterna,
unimo-nos para tomar a nosso cargo esta casa que nos foi confiada, saben-
do que aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu” ((PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 183). Em suma, Francisco e a tradição cristã aguar-
dam, com a expectativa de que todas as coisas retornem a Deus, que os
homens, como peregrinos neste mundo, caminhem e cuidem da criação,
dom gratuito de Deus.

3 A LAUDATO SI E O DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL

A Encíclica do Papa Francisco reafirma a importância de relançar


os debates sobre a necessidade de os Estados desenvolvidos adotarem uma
Agenda Comum contra a “grande ameaça” das mudanças climáticas. Sal-
var a humanidade, além de ser uma imperatividade, torna-se também uma
urgência para agir imediatamente com medidas mais efetivas e concretas
no tocante às mudanças climáticas, tais quais a adoção de um plano para
uma energia limpa, pondo-se fim às centrais elétricas, fontes de poluição
causada pelo excesso de dióxido de carbono, a utilização de energias re-
nováveis.
É importante salientar que as preocupações manifestas do Papa
Francisco coadunam-se com os temas tratados no Direito Internacional do
Meio Ambiente, um ramo de Direito cuja matéria é abundante, complexa
e em constante evolução.
A Laudato Si é um verdadeiro curso de Direito Ambiental em
que se destacam os objetivos e as fontes desse ramo de Direito, apesar de
o Papa abster-se mais da fonte divina no tocante aos fundamentos da eco-
logia em seu processo integratório da criação, ou seja, dentro do espírito
que marcara a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e a Conferência
do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 3 a 14 de
junho de 1992. Esses eventos congregaram “os Estados, os setores-chaves
da sociedade e os indivíduos” em vista de “acordos internacionais que res-
peitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 57


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e


interdependente da Terra, nosso lar [...]” (ONU, 1992)
O apelo urgente do Papa Francisco refere-se à urgência de prote-
ger a casa comum, incluindo “a preocupação de unir toda a família humana
na busca de um desenvolvimento sustentável e integral [...]” Tal clamor
coaduna-se com os princípios do Direito Internacional Ambiental, precisa-
mente, o primeiro que estipula que “Os seres humanos estão no centro das
preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida
saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.”
Não se pode olvidar que a mesma preocupação orientou o legis-
lador pátrio em destacar, no art. 225 da Constituição da República Fede-
rativa do Brasil de 1988, que “Todos têm direito ao meio ambiente eco-
logicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRA-
SIL, 1988)
Observa-se, sem dúvida, que o Papa preza pela preservação da
casa comum, da “nossa casa comum”, o planeta Terra, justificando, para
tanto o sentido de ecologia, enaltecendo “aqueles que lutam com vigor por
resolver as dramáticas consequências da degradação ambiental na vida dos
mais pobres do mundo.” (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 13)
Segundo o Papa, não há como construir um futuro melhor sem
pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos. A De-
claração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), além de
ressaltar que o homem é, ao mesmo tempo, criatura e criador do meio
ambiente, faz questão de destacar que o mesmo meio ambiente é “essen-
cial para o bem-estar e para gozo dos direitos humanos fundamentais, até
mesmo o direito à própria vida.” (ESTOCOLMO, 1972)
Para isso, urge salientar o compromisso internacional, ou seja, a
visão global para guiar os povos do mundo na preservação e na melhoria
do meio ambiente, como faz jus a Declaração de Estocolmo ao observar
que
A proteção e a melhoria do meio ambiente humano constituem desejo premente
dos povos do globo e dever de todos os Governos, por constituírem o aspecto mais
relevante que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento do mundo inteiro.”
(ESTOCOLMO, 1972).

 Cf. Preâmbulo da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).

58 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

O direito à uma vida saudável e produtiva de todos os povos


exige a proteção dos recursos naturais para as gerações presentes e as fu-
turas, segundo a lógica da sustentabilidade, pois o Princípio 2, contido na
Declaração de Estocolmo, expressa a convicção comum dos Estados e a
sociedade civil, de que

Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e,


especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser
preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso
planejamento ou administração adequada.” (ESTOCOLMO, 1972).

Nesse mesmo sentido, faz-se ressoar a proclamação do Princípio


3 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento (1992), nesses termos:

Princípio 3: O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir


que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio
ambiente das gerações presentes e futuras. (ONU, 1992).

Nesse caso, o alcance do desenvolvimento sustentável está vin-


culado à proteção ambiental e à “tarefa essencial de erradicar a pobreza, a
fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às ne-
cessidades da maioria da população do mundo”, como consta no Princípio
4 da Declaração supramencionada.
A pobreza aparece aos olhos do Papa Francisco, parafraseando os
bispos sul africanos, um dano causado pelos humanos sobre a criação de
Deus e que deve ser reparado mediante a solidariedade universal. Trata-se
do esforço de cada um para cuidar da criação, da casa comum. O teólogo
Leonardo Boff, diante da crise materialista e ecológica, fala em dimensões
e ressonâncias do cuidado. Segundo Boff,

O cuidado como modo-de-ser perpassa toda existência humana e possui ressonâncias


em diversas atitudes importantes. Através dele as dimensões de céu (transcendência)
e as dimensões de terra (imanência) buscam seu equilíbrio e co-existência. Realiza-se
também no reino dos seres vivos, pois toda a vida precisa de cuidado, caso contrário
adoece e morre. (BOFF, 1999, p. 109).

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 59


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Em outro turno, Boff ressalta a necessidade da responsabilidade


universal, visto que, em seu entendimento,

Para realizar estas aspirações devemos decidir viver com um sentido de


responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre, bem
como com nossa comunidade local. Somos ao mesmo tempo cidadãos de nações
diferentes e de um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um
comparte responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família
humana e do grande mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de
parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério
da existência, com gratidão pelo presente da vida e com humildade considerando o
lugar que ocupa o ser humano na natureza. (BOFF, 2012, p. 169).

A Encíclica do Papa Francisco aborda temas relevantes e bas-


tantes discutidas no âmbito do Direito Internacional e que, frequentemen-
te, constituem a pauta das agendas dos chefes de Estados e de governos
quando se trata, sobretudo, do desenvolvimento econômico, que exige, de
um lado, a exploração do meio ambiente, e do outro, a necessidade de sua
preservação e conservação para as gerações presentes e as futuras.
Ao abordar a problemática da poluição e as mudanças climáticas,
o Papa Francisco situa-se, na visão da Declaração do Rio de Janeiro sobre
Meio Ambiente de Desenvolvimento (1992), em seu Princípio 13, segundo
o qual

Os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à


indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão
também cooperar de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento
do direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização por
efeitos adversos dos danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por
atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle. (ONU, 1992).

Cabe ressaltar, portanto, os dois grandes princípios que norteiam


o direito ambiental pautados na preocupação do Papa Francisco, quanto à
poluição, aos resíduos e à cultura do descarte, elencados na sua Encíclica
Laudato Si, a saber, os princípios da precaução e do poluidor-pagador. Para
o Papa Francisco (2015, p. 19), “A terra, nossa casa, parece transformar-se
cada vez mais num imenso depósito de lixo”.
Com tal preocupação papal, lança-se um olhar para o Protoco-

60 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

lo de Kyoto como compromisso internacional para os Estados poluido-


res reduzirem a emissão dos gases que causam o efeito estufa, provoca
o aquecimento global e, consequentemente, as mudanças climáticas que,
segundo o Papa Francisco, “são um problema global com graves implica-
ções ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas, constituin-
do, actualmente, um dos principais desafios para a humanidade.” (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 22).
Nota-se, en passant, que o Presidente dos Estados da América,
Barack Obama, acaba de lançar um plano contra a “grande ameaça” de mu-
dança climática. Com efeito, ele sugeriu às centrais elétricas a redução de
emissão de carbono a 32% até 2030, considerando as mudanças climáticas
um grande desafio e uma grande ameaça para o futuro dos Estados Unidos
e para as gerações futuras.
Justifica-se a preocupação do Papa Francisco em sua Encíclica,
uma vez que a emissão de dióxido de carbono é uma ameaça aos ecossis-
temas, e
a poluição produzida pelo dióxido de carbono aumenta a acidez dos oceanos e
compromete a cadeia alimentar marinha. Se a tendência actual se mantiver, este
século poderá ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição
sem precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós.”
(PAPA FRANCISCO, 2015, p. 25).

Não se trata de uma visão apocalítica, mas de uma argumentação


abarcada nas investigações científicas sérias e rigorosas a respeito de mu-
danças climáticas. É o caso da questão da água, já ressaltada na Declaração
do Milênio como uma das 8 metas, especificamente a 7ª Meta, garantindo
a sustentabilidade ambiental, promovendo o acesso à agua potável e ao
saneamento básico como fatores chaves para a qualidade de vida, o que
exige a adoção de políticas públicas responsáveis para garantir uma quali-
dade de vida sadia e digna a todos os povos, sobretudo aos pobres. Nada de
privatização de água por grandes empresas mundiais.
O Papa destaca também a perda da biodiversidade pelo imedia-
tismo que caracteriza a economia e atividade comercial e produtiva, as-
sunto que é tratado internacionalmente na Convenção sobre Diversidade
 Vide Obama lance um plan contre la “grande menace” du changement climatique. Disponível
em: < http://tempsreel.nouvelobs.com/monde/20150803.AFP5612/obama-lance-un-plan-contre-la-
grande-menace-du-changement-climatique.html> Acesso em: 15 jul. 2015.
 A Declaração do Milênio é um compromisso assinado por 191 países, em 08 de setembro de 2000,
para melhorar o destino da humanidade e garantir sua sustentabilidade.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 61


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Biológica (1992), sendo a conservação dessa diversidade uma preocupa-


ção para a humanidade, pois, além de os Estados terem direitos soberanos
sobre os seus recursos, igualmente são responsáveis pela conservação de
sua diversidade biológica e pela utilização sustentáveis de seus recursos
biológicos. (ONU, 1992).
Daí a necessidade de “conservar e utilizar, de forma sustentável,
a diversidade biológica para benefício das gerações presentes e futuras”,
evitando, para tanto, o imediatismo e a busca de lucro ou ganho econômico
rápido, nos dizeres do Papa, “quando se pretende obter benefícios signifi-
cativos, fazendo pagar ao resto da humanidade, presente e futura, os altíssi-
mos custos da degradação ambiental.” (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 30)
À luz do Direito Internacional do Meio Ambiente, a encíclica
do Papa Francisco é um grande passo dado na luta para a preservação e
a conservação do meio ambiente e para a promoção do desenvolvimento
sustentável, pois trata-se de um grito urgente para os governos, sobretudo
os dos Estados desenvolvidos, maiores poluidores, agir rapidamente para
salvar a casa comum, o planeta Terra, ameaçado de destruição pelas mu-
danças climáticas que causam o aquecimento global e pelo consumismo,
fator de degradação ambiental que favorece o egoísmo e a indiferença dos
mais ricos.

CONCLUSÃO

Procurou-se analisar sistematicamente, neste artigo, a Encíclica


do Papa Francisco, Laudato Si (Louvado Sejas), consagrada ao Meio Am-
biente e que veio reforçar a luta para a preservação e a conservação do
Meio Ambiente diante da indiferença dos Estados desenvolvidos e, que
são, consequentemente, grandes poluidores com a emissão de gases do
efeito estufa e violadores das convenções, dos tratados e atos internacio-
nais sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Lutar para salvar a humanidade das mudanças climáticas torna-se
uma imperatividade, além de ser um desafio para o futuro da humanidade e
das gerações futuras. Sabe-se, contudo, que a redução de emissão de carbo-
no é um assunto sensível, porque depende das centrais elétricas a atividade
econômica de muitos países desenvolvidos, mas diante da urgência que
se impõe com relação ao aquecimento global, devem-se tomar medidas
salutares, pois, como sublinha o Papa Francisco, a mãe Terra “clama contra
 Vide Preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica (1992).

62 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos
bens que Deus nela colocou.”
Partindo da tradição judaico-cristã, passando por algumas refle-
xões filosóficas e pela cultura ecológica emanadas da Encíclica em tela,
este artigo objetivou fazer uma releitura do meio ambiente à luz do Direi-
to Internacional Ambiental, tendo em vista alguns princípios norteadores
do meio ambiente contidos nas Declarações de Estocolmo sobre o Meio
Ambiente Humano (1972) e do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente de
Desenvolvimento (1992), bem como um olhar sobre o Protocolo de Kyoto
e a Convenção sobre a Biodiversidade, para tecer e selar o diálogo entre os
temas abordados pelo Papa Francisco em sua encíclica e o Direito Interna-
cional do Meio ambiente, considerando a gravidade da crise ecológica.
Notou-se, ainda, que a exploração dos recursos naturais tem oca-
sionado o aumento da pobreza e da miséria e a exploração dos pobres em
detrimento do crescimento econômico e do lucro, colocando-os em situa-
ção de vulnerabilidade e descartabilidade, levando-os a migrações força-
das.
Diante dos danos ambientais e da realidade das mudanças cli-
máticas - cientificamente comprovadas, não há mais como os governos
ficarem indiferentes ao perigo que vem das ações humanas irresponsáveis
e destruidoras da biodiversidade do planeta. Salvar a humanidade é um de-
ver de todos os povos, e não apenas dos católicos, pois a Encíclica Laudato
Si é um grito profético, que aborda a questão ambiental com mais firmeza
e convicção para despertar a responsabilidade universal e a solidariedade
planetária como valores a serem resgatados em um mundo em transforma-
ção e em crise ecológica.
REFERÊNCIAS

AGENCE FRANCE PRESS (AFP). Obama lance um plan contre la “grande me-
nace” du changement climatique. Disponível em: <http://tempsreel.nouvelobs.
com/monde/20150803. AFP5612/obama-lance-un-plan-contre-la-grande-mena-
ce-du-changement-climatique.html> Acesso em: 15 jul. 2015.

ATTFIELD, Robin. Christian Attitudes to Nature. Journal of the History of Ideas,


Philadelphia, PA, v. 44, n. 3, p. 369-386, jul-set. 1983.

ATTFIELD, Robin. Cristandade. In: JAMIELSON, Dale (coord.). Manual de Fi-


losofia Ambiental. Trad. João C. Duarte. Lisboa: Piaget, 2007, p.105-119.
 Vide Encíclica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, sobre o cuidado da casa comum, 2015, § 2.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 63


A ENCÍCLICA LAUDATO SI À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

BERNEX, Nicole. A percepção ambiental de Santo Agostinho. Santo Agostinho e


uma proto-ecoteologia. In: OLIVEIRA, Nair de Assis (org.). Ecoteologia Agosti-
niana. São Paulo: Paulus, 1996, p. 82-101.

BÍBLIA SAGRADA - Edição Pastoral Disponível em: <http://www.paulus.com.


br/biblia-pastoral/_INDEX.HTM> Acesso em: 15 jul. 2015.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela Terra. Petró-
polis, RJ: Vozes, 1999.

BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é: o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes,


2012.

BRADLEY, Ian. Dios es <<verde>>: cristianismo y medio ambiente. Traducido


por Pedro J. Rivas. Maliaño (Cantabria): Sal Terrae, 1993.

KISS, M. Alexandre-Cherles; SICAULT, Jean-Didier. La Conférence des Nations


Unies sur l´environnement (Stockholm, 5/16 jun. 1972). Annuaire français de
droit international, volume 18, 1972, p. 603-628.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração De Estocolmo


Sobre Meio Ambiente Humano (1972). Disponível em: <www.mma.gov.br/estru-
turas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc > Acesso em: 15 jul. 2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração do Rio de Janei-


ro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992). Disponível em: <http://www.
mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pdf> Acesso em: 15 jul.
2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção sobre Diversi-


dade Biológica (1992). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_
dpg/_arquivos/cdbport.pdf> Acesso em: 15 jul. 2015.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica ‘Laudato si’ do santo padre Francisco - So-
bre o cuidado da casa comum. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/
dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-
laudato-si_po.pdf> Acesso em: 17 jul. 2015.

PELIZZOLI, Marcelo. Da transformação da idéia medieval de natureza com a


revolução científica. In: COSTA, Marcos Roberto N. Costa e DE BONI, Luis Al-
berto (Orgs.). A ética medieval face aos desafios da ética contemporânea. Porto
Alegre: EDIPUCRS e UNICAP, 2004, p. 751-767.

64 Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015


Émilien Vilas Boas Reis & Kiwonghi Bizawu

SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio


de Pina, S.J. São Paulo: Nova Cultural (Col. Os pensadores), 2000.

SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Escritos de São Francisco. Trad. Fr. Armando Vaz
de Costa. Braga, Fr. José Antônio Correia Pereira e Irmã Maria Victória Triviño:
Franciscana, 2001.

SANTO TOMAS DE AQUINO. Suma de Teología – Parte I. Traducción y refe-


rencias del texto José Martorell Capó. (Edición dirigida por los Regentes de Estu-
dios de las Provincias Dominicanas en España). Presentación por Damián Byrne,
O.P. maestro general de la orden de predicadores. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 2001.

WHITE, Jr. L. The historical roots of our ecologic crisis. Science, Philadelphia, PA
v. 155, n° 3767, p. 1203-1207, mar. 1967.

Artigo recebido em: 20/08/2015.


Artigo aceito em: 15/09/2015.

Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.12 ž n.23 ž p.29-65 ž Janeiro/Junho de 2015 65

Vous aimerez peut-être aussi