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Kiwonghi Bizawu
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2011).
Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2006).
Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara (BH).
Resumo
Abstract
INTRODUÇÃO
Especially in its Western form, Christianity is the most anthropocentric religion the
world has seen [...] Christianity, in absolute contrast to ancient paganism and Asia’s
26. Então Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele
domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e to-
dos os répteis que rastejam sobre a terra». 27. E Deus criou o homem à sua imagem;
à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher. 28. E Deus os abençoou e
lhes disse: «Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e submetam a terra; dominem
os peixes do mar, as aves do céu e todos os seres vivos que rastejam sobre a terra».
29. E Deus disse: «Vejam! Eu entrego a vocês todas as ervas que produzem semente
e estão sobre toda a terra, e todas as árvores em que há frutos que dão semente: tudo
isso será alimento para vocês. 30. E para todas as feras, para todas as aves do céu e
para todos os seres que rastejam sobre a terra e nos quais há respiração de vida, eu
dou a relva como alimento». E assim se fez. 31. E Deus viu tudo o que havia feito,
e tudo era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: foi o sexto dia. (GÊNESIS,
1, 26-31)
O único Deus Verdadeiro fez tudo o que há no universo; o mundo foi criado para a
glória de Deus e não para o benefício ou conveniência exclusivos de nenhuma espé-
cie; Deus ordena tudo com sabedoria e providências divinas; o mundo é o mundo de
Deus e partilha, enquanto criação, das boas dádivas do seu Criador, incluindo a dádi-
va da liberdade; e Deus outorga um pouco da criatividade divina aos seres humanos,
que são feitos à imagem de Deus, e chama-os a cooperar com os fins do criador, como
detentores responsáveis de domínio sobre a natureza. (ATTIFIELD, 2007, p. 106).
Não obstante, seria um exercício artificial a tentativa de classificar a Bíblia como bio-
cêntrica, ou como antropocêntrica ou ecocêntrica, por mais que a sua teoria do valor
possa apontar para uma tal classificação pelas suas atitudes para com as criaturas.
Para a Bíblia, todas as criaturas derivam de Deus a sua existência e, por consequên-
cia, a própria possibilidade de ter valor no mundo real. Se algum <<centrismo>> se
encontra na Bíblia é o teocentrismo, a crença de que o mundo existe para glória de
Deus. (ATTIFIELD, 2007, p. 106).
O papel da mística cristã, o que é importante conhecer e recorrer, revela-nos uma in-
teração de respeito grandioso para com todas as formas de vida. A compaixão: ‘sentir
profundamente com’, ‘sim-patia’ com as formas de vida que revelam a grandeza e
bondade do Criador; tudo isso é presente em, praticamente, todos os santos e místicos
cristãos. (PELIZZOLI, 2004, p. 755-756).
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente meu senhor o
irmão sol que, com luz, ilumina o dia e a nós.
Bem-aventurados aqueles que sustentam a paz porque por ti, Altíssimo, serão coro-
ados.
[...] uma tal elevada personalidade que mostrou ao mundo o que significa exercer
uma subjetividade integrada e solidária com os seres e suas fragilidades, sem res-
tringir o acolhimento a quem quer que seja, celebrando a profunda vibração da vida
em cada recôndito da existência. Acima das ideias e ideologias, medos e apegos,
estava ali a receptividade, simplicidade, equilíbrio dinâmico do humano no mundo.
(PELIZZOLI, 2004, p. 756).
2 A ENCÍCLICA LAUDATO SI
Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e
do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus pro-
prietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração
humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no
solo, na água, no ar e nos seres vivos. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 3).
Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que
tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não
podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo
actual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 34).
[...] hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados à imagem
de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre
as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma
justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a « cultivar e guardar » o jardim
do mundo (cf. Gn 2, 15). Enquanto « cultivar » quer dizer lavrar ou trabalhar um
Mas todas avançam, juntamente conosco e através de nós, para a meta comum,
que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e
ilumina. Com efeito, o ser humano, dotado de inteligência e amor e atraído pela
plenitude de Cristo, é chamado a reconduzir todas as criaturas ao seu Criador. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 65).
Assim, as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente
natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino
de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou
com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa. (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 78).
Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará
bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer. Basta lembrar as
bombas atómicas lançadas em pleno século XX, bem como a grande exibição de
tecnologia ostentada pelo nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que
serviu para o extermínio de milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra
dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos. Nas mãos de quem está e pode
chegar a estar tanto poder? É tremendamente arriscado que resida numa pequena
parte da humanidade. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 81).
Quando o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima
das outras criaturas, suscita a valorização de cada pessoa humana e, assim, estimula o
reconhecimento do outro. A abertura a um « tu » capaz de conhecer, amar e dialogar
continua a ser a grande nobreza da pessoa humana. Por isso, para uma relação
adequada com o mundo criado, não é necessário diminuir a dimensão social do ser
humano nem a sua dimensão transcendente, a sua abertura ao « Tu » divino. Com
efeito, não se pode propor uma relação com o ambiente, prescindindo da relação
com as outras pessoas e com Deus. Seria um individualismo romântico disfarçado de
beleza ecológica e um confinamento asfixiante na imanência. (PAPA FRANCISCO,
2015, p. 93).
Para enfrentar os problemas de fundo, que não se podem resolver com acções de
países isolados, torna-se indispensável um consenso mundial que leve, por exemplo,
a programar uma agricultura sustentável e diversificada, desenvolver formas de
energia renováveis e pouco poluidoras, fomentar uma maior eficiência energética,
promover uma gestão mais adequada dos recursos florestais e marinhos, garantir a
todos o acesso à água potável. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 128).
por vezes, se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política
sob pressão da população. A sociedade, através de organismos não-governamentais
e associações intermédias, deve forçar os governos a desenvolver normativas,
procedimentos e controles mais rigorosos. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 137-138).
Para Francisco, pode-se notar que a sociedade deve ter uma par-
ticipação ativa junto aos órgãos institucionais. Sociedades comunitárias
são boas formas para fiscalizar.
Cf. Preâmbulo da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).
CONCLUSÃO
o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos
bens que Deus nela colocou.”
Partindo da tradição judaico-cristã, passando por algumas refle-
xões filosóficas e pela cultura ecológica emanadas da Encíclica em tela,
este artigo objetivou fazer uma releitura do meio ambiente à luz do Direi-
to Internacional Ambiental, tendo em vista alguns princípios norteadores
do meio ambiente contidos nas Declarações de Estocolmo sobre o Meio
Ambiente Humano (1972) e do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente de
Desenvolvimento (1992), bem como um olhar sobre o Protocolo de Kyoto
e a Convenção sobre a Biodiversidade, para tecer e selar o diálogo entre os
temas abordados pelo Papa Francisco em sua encíclica e o Direito Interna-
cional do Meio ambiente, considerando a gravidade da crise ecológica.
Notou-se, ainda, que a exploração dos recursos naturais tem oca-
sionado o aumento da pobreza e da miséria e a exploração dos pobres em
detrimento do crescimento econômico e do lucro, colocando-os em situa-
ção de vulnerabilidade e descartabilidade, levando-os a migrações força-
das.
Diante dos danos ambientais e da realidade das mudanças cli-
máticas - cientificamente comprovadas, não há mais como os governos
ficarem indiferentes ao perigo que vem das ações humanas irresponsáveis
e destruidoras da biodiversidade do planeta. Salvar a humanidade é um de-
ver de todos os povos, e não apenas dos católicos, pois a Encíclica Laudato
Si é um grito profético, que aborda a questão ambiental com mais firmeza
e convicção para despertar a responsabilidade universal e a solidariedade
planetária como valores a serem resgatados em um mundo em transforma-
ção e em crise ecológica.
REFERÊNCIAS
AGENCE FRANCE PRESS (AFP). Obama lance um plan contre la “grande me-
nace” du changement climatique. Disponível em: <http://tempsreel.nouvelobs.
com/monde/20150803. AFP5612/obama-lance-un-plan-contre-la-grande-mena-
ce-du-changement-climatique.html> Acesso em: 15 jul. 2015.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela Terra. Petró-
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bre o cuidado da casa comum. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/
dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-
laudato-si_po.pdf> Acesso em: 17 jul. 2015.
SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Escritos de São Francisco. Trad. Fr. Armando Vaz
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WHITE, Jr. L. The historical roots of our ecologic crisis. Science, Philadelphia, PA
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