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Na entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, Silva ainda explica que esse
negligenciamento não é gratuito. “Dizem os especialistas na questão que, a partir da
predominância de uma lógica econômica, explicita-se a emergência de uma ‘nova
ordem moral’ para orientar as instituições educativas”, explica. Assim, a escola se
transforma numa empresa, o aprendizado vira índice e o aluno é forjado numa
lógica de empreendedorismo de si, primando pela eficiência. Mas como fugir a essa
lógica? “Seria possível, em linhas gerais, através de movimentos de diversificação
curricular, com uma ênfase na noção de qualidade social e com uma aposta em
modelos cooperativos”, responde. E ainda sugere, em tom de desafio: “a longo
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Confira a entrevista.
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Ao longo dos últimos anos, foram vários os conceitos utilizados para organizar e
regular a seleção dos conhecimentos. Noções como “expectativas de aprendizagem”,
“currículo mínimo”, “direitos de aprendizagem”, “competências cognitivas e
socioemocionais”, dentre outras, foram utilizadas no decorrer deste processo de
longos embates políticos. Na última versão do documento conseguimos ter uma
visão mais abrangente e definitiva dos conceitos orientadores. Ao apresentar os
fundamentos pedagógicos da BNCC, o documento indica como primeiro aspecto
que os conteúdos curriculares devem estar “a serviço do desenvolvimento de
competências”.
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eventuais impactos da BNCC nos variados níveis de ensino, penso que vale a pena
destacar um aspecto que talvez seja uma das principais lacunas no processo de
construção desta política. O processo de construção da Base negligencia um debate
acerca dos propósitos ou finalidades públicas da escolarização. No mesmo espírito
das políticas contemporâneas, a proposta curricular analisada deixa de lado uma
reflexão acerca do “como” e do “porquê” da educação, bem como de suas
potencialidades para a vida democrática. Ao optar por priorizar uma “cultura de
medição”, as atuais políticas desviam desta questão imprescindível. O filósofo Gert
Biesta tem insistido que “existe uma falta de atenção geral e de clareza conceitual a
respeito da pergunta do propósito da educação”. Em outras palavras, existe uma
intensa preocupação com os métodos, com as didáticas e, mais recentemente, com o
design pedagógico, e a consequência, de acordo com o filósofo, seria um
esvaziamento do debate crítico sobre as finalidades da escola.
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curricular que o atual direcionamento que a BNCC tem recebido associa-se aos
pressupostos de uma racionalidade neoliberal. Todavia, isso não começou agora,
nem mesmo a Base é seu principal constructo político. A definição de um currículo
padronizado está articulada com a predominância das avaliações externas, com os
critérios utilitaristas para selecionar os conteúdos, com o estímulo à
competitividade entre profissionais e entre estabelecimentos de ensino ou mesmo
com as novas figuras subjetivas emergentes deste cenário. A BNCC, com maior ou
menor intensidade, apresenta-se como um instrumento para a autorregulação
docente e para a performatividade, construindo aquilo que Ball nomeou como um
“sistema de terror”.
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Ainda acerca das conexões entre crise e neoliberalismo, importa enaltecer que nesta
conjuntura “a prática empresarial converteu-se no sentido comum da vida da
organização”, tal como argumenta Stephen Ball. Ao tomar a empresa como modelo
organizacional, privilegiam-se novas lógicas de competição e de exploração, bem
como novos procedimentos explicativos são demandados. A linguagem empresarial
explica o mundo educacional, o mundo profissional e até mesmo o componente
emocional. Mais uma vez recorrendo a Ball, “o neoliberalismo se plasma em um
‘novo tipo de indivíduo’, um indivíduo formado na lógica da competição: um
‘homem empresarial’, calculador, solipsista e instrumentalmente dirigido”.
Nas políticas curriculares, as reformas permanentes podem ser lidas a partir dessa
grade explicativa. Um grande conjunto de reformas deriva-se do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos - Pisa , fortalecido internacionalmente por
meio de um conjunto de atores e instituições e promovido intensamente pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Os exames
derivados do Pisa criam seus próprios padrões de qualidade educativa e, mais que
isso, estimulam determinadas formas de competitividade e de indução a reformas.
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Todavia, importa sinalizar que noções como justiça e democracia, em minha leitura,
não apresentam sentidos últimos ou definitivos, mas são redimensionadas ou
reposicionadas no agonístico território das lutas coletivas. Para pensar o currículo
sob outros enquadramentos, três desafios emergem de minhas investigações, quais
sejam: a) a necessidade de manter aberto o debate acerca dos conhecimentos
escolares, visando à ampliação do repertório cultural dos estudantes de nosso país;
b) a importância da promoção e da valorização das diferenças culturais, em
justaposição ao questionamento das desigualdades sociais; c) o fortalecimento da
cooperação, do diálogo, das formas de reconhecimento, da alteridade e de todas as
possibilidades que contestem as lógicas da performatividade e do desempenho
individual.
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