Vous êtes sur la page 1sur 15

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

Cultura do empreendedorismo como modelo de autogestão: a busca


da felicidade na construção discursiva da série 3 Teresas1

Sílvia Dantas2
Universidade de São Paulo, USP

Resumo
A partir da pesquisa recém-iniciada, esse trabalho busca uma aproximação com a série 3
Teresas, exibida pelo canal por assinatura GNT desde 2013. Com abordagem qualitativa
amparada pela Análise de Discurso de linha francesa, trata-se de um estudo de caso que se
delineia a partir do discurso teledramatúrgico e tem por objeto privilegiado a enunciação
feminina, buscando analisar a produção de sentidos a partir da construção discursiva em que a
busca da felicidade é norteadora. O referencial teórico se lastreia principalmente em Bauman
(2005, 2008); Douglas e Isherwood (2004); Ehrenberg (2010); Freire Filho (2010, 2011);
Slater (2002) e Orlandi (2009).

Palavras-chave: Teleficção seriada; consumo; identidade; felicidade; 3 Teresas.

Identidade, felicidade e consumo: uma breve discussão


A questão da crise das identidades na contemporaneidade tem sido estudada
por diversos autores sob diferentes primas. Uma das obras mais relevantes a respeito
do tema é a de Hall (2006), em que ele apresenta três concepções de identidade:
sujeito do Iluminismo (autocentrado), sujeito sociológico (relacional) e sujeito pós-
moderno (fragmentado). A partir dessa última noção, ele salienta que:

1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 01: Comunicação e consumo: cultura empreendedora e
espaço biográfico, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de
2014.
2
Doutoranda em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, mestra em Comunicação e Práticas
de Consumo pelo PPGCOM-ESPM/SP. Bolsista CAPES. Pesquisadora do Centro de Estudos de
Telenovela (CETVN/ECA-USP) e do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (OBITEL).
E-mail: silviagdantas@gmail.com.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se


multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2006, p.13).
Dessa forma, a identidade deve ser vista como um processo, que vai mudando
ao longo do tempo. No mesmo sentido, Bauman (2008) reconhece que na atualidade a
identidade seria um trabalho contínuo, “uma pena perpétua de trabalhos forçados”,
vista como “uma atividade auto-propulsora e auto-estimulante” (BAUMAN, 2008,
p.142). Isso fica ainda mais evidente quando se observa o contexto de mudança
permanente marcante da sociedade de consumidores, que contrasta com a antecessora
sociedade de produtores (era sólido-moderna), em que a segurança, a solidez e a
durabilidade eram os principais valores. A sociedade de consumidores evoca o
desfrute imediato de prazeres e a urgência como motores de um movimento sem fim,
em que há a promoção da novidade e a desvalorização da rotina, como nos mostra
Bauman (2008). Para ele,
O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um
sentimento ambíguo. [...] Em nossa época líquido-moderna, em que o
indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o “herói popular, “estar fixo”
– ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez
mais malvisto. (BAUMAN, 2005, p. 35)
Na medida em que a ancoragem nas grandes instituições cede lugar ao poder
do mercado, o consumo emerge como atividade significativa que contribui para a
formação da identidade. Consumir e reinventar identidades a partir dos bens passa a
ser o imperativo desses novos tempos: “os indivíduos são obrigados a escolher,
construir, manter, interpretar, negociar, exibir quem eles devem ser ou parecer,
usando uma variedade fantástica de recursos materiais e simbólicos” (SLATER, 2002,
p.87). Nesse sentido, Birman (2010) aponta que, na nova ordem neoliberal, o Estado
perde posição de mediador e regulador do espaço social e o mercado se potencializa,
tendo na produção de consumidores o interesse principal do novo capitalismo.
Com a fragilização das instituições, cresce a busca por novas referências, de
forma que o cultivo da alma cede lugar ao cultivo do corpo e ao hedonismo: “a
articulação entre a autonomia concedida ao indivíduo e o cultivo da qualidade de vida
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

e da autoestima deste delineia o fundamento moral do projeto da produção da


felicidade na contemporaneidade” (BIRMAN, 2010, p.37). Como França (2010)
enfatiza, “a busca pela felicidade [...] não significa um movimento imanente, um
clamor interno dos indivíduos; ela é estimulada e é formatada pela sociedade”
(p.217). A autora ressalta que a partir do fim do século XX, a felicidade ganha novos
contornos, deixando de ser uma questão coletiva e passando a uma dimensão
individual:
Marcada pela urgência, ela se torna também um problema e uma construção
de cada um. [...] é resultado de um investimento pessoal. Esta é a privatização
da felicidade que alcançamos nas últimas décadas, significando o direito, mas
também um dever que nos impulsiona e atormenta. (FRANÇA, 2010, p.217)
Ao analisar o crescimento da corrente da psicologia positiva, tão em voga na
contemporaneidade, Freire Filho (2010) indica que, segundo esse discurso, a
felicidade exigiria dedicação, condicionamento mental e gestão emocional, sendo uma
construção unilateral do indivíduo, que precisa se esforçar para romper com a
“vitimologia” e assumir o papel de único responsável por sua própria felicidade.
Assim, na “era da felicidade compulsiva e compulsória” (FREIRE FILHO, 2010,
p.17), a ideia de gerenciamento passa a permear todas as esferas sociais, cabendo a
cada indivíduo administrar a própria vida rumo ao sucesso e à felicidade. Para isso,
seria preciso conduzi-la como um negócio, a fim de superar limitações e maximizar a
qualidade de vida para construir o sucesso, que passa a ser democratizado e definido –
única e exclusivamente – a partir da atitude pessoal, sendo possível a todos e não mais
restrito a alguns privilegiados. Trata-se, assim, de um imaginário que estimula a
automobilização a favor da realização e superação contínua, que constitui a era do
culto da performance (EHRENBERG, 2010; BIRMAN, 2010; FREIRE FILHO,
2011), que “aponta para um devir atlético e empresarial da sociedade, um processo de
conversão aos valores supremos da concorrência e da conquista” (FREIRE FILHO,
2011, p.40). Sobre a utilização do termo performance, este autor apresenta uma
retomada histórica, mostrando que, inicialmente voltada para o desempenho de
cavalos de corrida, o seu sentido foi se modificando: passou a designar máquinas,
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

depois se dirigiu à ideia de recorde, até que, enfim, passou a classificar os seres
humanos. Na atualidade, esse modelo de classificação se expandiu inclusive para os
atos de cuidado com o corpo, o gerenciamento da carreira e a procura da felicidade.
Ao que parece, tudo passa a ser pautado a partir do paradigma da eficácia,
pois “o empreendedor foi erigido como modelo da vida heroica” (EHRENBERG,
2010, p.13). Dessa forma, a cultura do empreendedorismo, voltada à maximização de
potencialidades e sucesso, passa a se configurar como modelo de autogestão, na
medida em que se percebe uma certa “naturalização” desses discursos dirigidos
anteriormente à lógica corporativa com o intuito de estimular a constante
autossuperação. A almejada “mitologia da autorrealização” (EHRENBERG, 2010,
p.11) parece reunir três grandes eixos: o espírito empresarial de concorrência, a busca
de superação contínua pelo esporte e a realização pelo consumo de bens.
O consumo, definido como processo social, conecta importantes questões das
nossas vidas cotidianas com questões centrais da nossa sociedade e época. Ele
relaciona-se com a forma pela qual devemos ou queremos viver, com
questões acerca de como a sociedade é ou deveria ser organizada, com a
estrutura material e simbólica dos lugares em que vivemos e a forma como
neles vivemos. (SLATER, 2002, p. 8)
A partir de um estudo antropológico do consumo, Douglas e Isherwood (2004)
enfatizam a sua significação social, trazendo visibilidade e também estabilidade às
categorias da cultura. Segundo eles, “as posses materiais fornecem comida e abrigo, e
isso deve ser entendido. Mas, ao mesmo tempo, é evidente que os bens têm outro uso
importante: também estabelecem e mantêm relações sociais” (DOUGLAS;
ISHERWOOD, 2004, p.105).
Importante marcador social, o consumo traz significação e contribui para a
classificação de pessoas, visto que aquilo que o consumidor compra pode fornecer
pistas sobre quem ele é ou deseja ser, de maneira que fica evidente o vínculo entre a
formação da identidade e o consumo.
A maior atração de uma vida de compras é a oferta abundante de novos
começos e ressurreições (chances de ‘renascer’). Embora essa oferta possa ser
ocasionalmente percebida como fraudulenta e, em última instância, frustrante,
a estratégia da atenção contínua à construção e reconstrução da auto-
identidade, com a ajuda dos kits identitários fornecidos pelo mercado,
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

continuará sendo a única estratégia plausível ou ‘razoável’ que se pode seguir


num ambiente caleidoscopicamente instável no qual ‘projetos para toda a
vida’ e planos de longo prazo não são propostas realistas, além de serem
vistos como insensatos e desaconselháveis.(BAUMAN, 2008, p.66)
Ao divulgar o consumo como valor de pertencimento, a mídia também
contribui para reforçar a vinculação entre consumo e cultura, reforçando a relação
entre bens e identidade. “As capacidades requeridas para a construção de uma
identidade são elas próprias vendidas sob a forma de mercadorias” (SLATER, 2002,
p.89). Não podemos esquecer que na contemporaneidade, os meios de comunicação,
em especial a TV, contribuem para o modo como enxergamos e compreendemos o
mundo, como nos ensina Kellner.
Numa cultura da imagem dos meios de comunicação de massa, são as
representações que ajudam a construir a visão de mundo do indivíduo, o
senso de identidade e sexo, consumando estilos e modos de vida, bem como
pensamentos e ações sociopolíticas. A ideologia é, pois, tanto um processo de
representação, figuração, imagem e retórica quanto um processo de discursos
e idéias. (KELLNER, 2001, p.82).
Especificamente em relação à teleficção brasileira – que tem a telenovela
como principal formato da ficção televisiva brasileira – ao longo de mais de sessenta
anos de desenvolvimento, ela foi incorporando à sua trama temas e discussões sobre
questões sociais que circulam pelo país, tornando-se um “recurso comunicativo”
(LOPES, 2009).
Vejamos como a série 3 Teresas traz no seu bojo, de forma aparentemente
“natural”, a questão do empreendedorismo no que se refere à busca da felicidade e a
reinvenção da identidade com a contribuição do consumo.

Conhecendo as 3 Teresas: uma aproximação com a série


Exibida pelo canal por assinatura GNT a partir de 20133, a série 3 Teresas
apresenta questões do cotidiano feminino pelo prisma de três mulheres de gerações

3
Coprodução com a Bossa Nova Filmes, a primeira temporada da série teve 13 episódios semanais
(sendo exibida de 08/05 a 31/07/2013), com duração de cerca de 23 minutos cada. A estreia da segunda
temporada está programada para este ano, e as vinhetas da programação do GNT continuam trazendo
chamadas para a série sem, contudo, apresentar data de estreia da nova temporada.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

diferentes e mesmo nome, cujos apelidos a distinguem. Teresinha (Claudia Mello) é a


avó, aposentada e mãe de Teresa (Denise Fraga), a mãe, recém-separada do marido,
com quem tem uma filha, Tetê (Manoela Aliperti), adolescente às voltas com o
primeiro namorado e o início da vida sexual, dentre outros conflitos marcantes da
idade. A partir da separação de Teresa, mostrada no primeiro episódio da série, as três
passam a morar juntas em:
Uma série sobre a convivência, na mesma casa, de três gerações de mulheres,
apoiando e enlouquecendo umas às outras, dividindo o mesmo espaço e o
mesmo nome. Três visões muito particulares de mundo, três olhares
diferentes para problemas semelhantes, em um programa repleto de humor,
sentimentos e deliciosos conflitos. (GNT, 2013a)

Figura 1. Teresinha, Teresa e Tetê: as 3 Teresas4

A produção estreou no canal GNT no primeiro semestre de 2013 juntamente


com três outras séries brasileiras5 (Copa Hotel, As Canalhas e Surtadas na Yoga). A
grande quantidade de lançamentos brasileiros é fruto da exigência de veiculação de
conteúdo nacional a partir da Lei 12.485/2012 (“lei do cabo”). Nesse quadro, Lopes e
Mungioli (2013, p.29) indicam as transformações no panorama das produções
nacionais, como o “aumento no número de produtoras independentes; migração de
profissionais da publicidade e cinema para a TV; proporcionalidade de canais

4
Fonte: GNT. 3 Teresas. Sobre a série. Disponível em: <http://gnt.globo.com/_3teresas/sobre/>.
Acesso em: 23 ago. 2013a.
5
Em entrevista a Stycer (2013), a diretora do canal, Daniela Mignani, considera 3 Teresas a melhor das
quatro séries graças ao talento do diretor e à riqueza dos personagens.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

nacionais e independentes nos pacotes oferecidos pelas operadoras e aumento dos


recursos disponíveis para a produção televisiva”. Analisando a fase de sucesso das
séries – principalmente as norte-americanas – Silva (2014) também enfatiza a questão
da migração de profissionais do cinema para a televisão, o que acaba repercutindo,
dentre outros fatores, na qualidade do texto.

A questão do desenvolvimento das formas narrativas contemporâneas está


diretamente relacionada à emergência da televisão como espaço possível de
qualidade artística – e qualidade aqui entendida mais como discurso
valorativo que característica ontológica –, e isso não pela superação do
cinema como meio audiovisual artisticamente legitimado, mas pelo
investimento na singularidade estilística das séries no panorama audiovisual
de hoje. (SILVA, 2014, p.245)
Com direção de Luiz Villaça e bem recebida pela crítica, a série foi indicada
como uma cinco das finalistas da premiação anual da Associação Paulista de Críticos
de Arte (APCA) de 2013 na categoria televisão6. Em sites e blogs sobre teleficção, 3
Teresas foi considerada “um dos melhores lançamentos da temporada cheia de
novidades no canal” (KOGUT, 2013) com “texto espetacular e atuações sob medida”
(LAVIANO, 2013), apesar do pouco destaque publicitário: “Enquanto assistia fiquei
me perguntando: por que o canal não fez o mesmo estardalhaço com a série como fez
com Sessão de Terapia?” (MONTONE, 2013). O texto é, de fato, um ponto alto da
série, além do aprofundamento das personagens a partir das competentes
interpretações das protagonistas. De forma breve, podemos caracterizá-la como uma
dramédia – “a consciente e agridoce mistura de drama e comédia” (ANG, 2010, p.89)
– com alta carga dramática e humor refinado, que revela como as diferentes gerações
lidam com semelhantes questões do cotidiano feminino, tendo em vista o contexto
social brasileiro contemporâneo.
Tendo como foco de análise a construção discursiva, consideramos que o
ferramental teórico e metodológico da Análise do Discurso (AD) de origem francesa

6
Concorreram na categoria as séries Agora Sim (Sony/Mixer); A Menina Sem Qualidades (MTV
Brasil/Estudios Quanta); O Negócio (HBO/Mixer); 3 Teresas (GNT/Bossa Nova Films) e Latitudes
(TNT/Losbragas/House Entertainment), sendo esta última a vencedora, conforme informações do site
Meio e Mensagem, 2013.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

podem nos ajudar a compreender a construção identitária do feminino na série 3


Teresas. Nas palavras de Orlandi, “a Análise do Discurso visa fazer compreender
como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos
de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles
intervêm no real do sentido” (2009, p. 26). Sendo assim, a partir da enunciação das
protagonistas, buscamos perceber a produção de significados acerca do cotidiano
feminino por meio dos olhares das três diferentes gerações, conscientes de que “os
sentidos e os sujeitos se constituem em processos em que há transferências, jogos
simbólicos dos quais não temos o controle e nos quais o equívoco – o trabalho da
ideologia e do inconsciente – estão largamente presentes” (ORLANDI, 2009, p. 60).
Buscando desvelar as camadas de sentido dessa série, partimos para uma
análise a partir de nosso interesse em perceber as questões da felicidade; o modelo de
autogestão a partir do empreendedorismo; e o consumo.

Primeira Teresa em análise


Nesse artigo, analisamos o primeiro episódio da série, intitulado O amor não
tem vista pro mar, exibido na TV por assinatura em 08/05/2013 e que foi o mais
assistido on-line, conforme informações disponíveis no site GNT Play7.
Com abordagem qualitativa amparada pela teoria da Análise de Discurso de
linha francesa, nossa metodologia consistiu em transcrever todos os diálogos do
episódio com marcações de cenários, tempos e personagens para, a seguir,
selecionarmos os trechos mais expressivos para análise. Nesse momento, tomamos
como eixo o discurso de Teresa (Denise Fraga) e trazemos três cenas principais.
Em uma breve sinopse, nesse episódio, acontece a situação desestabilizadora
que dá início à narrativa e, assim, à trama. Com o fim do casamento, o marido
deixaria no fim do dia o apartamento em que o casal vivia com a filha, fazendo Teresa
sonhar com novas perspectivas. A personagem é vitrinista e está montando um

7
O episódio teve 2.377 visualizações. Fonte: < http://globosatplay.globo.com/gnt/tres-teresas/>.
Acesso em: 03 ago. 2014.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

cenário de praia para coleção Primavera-Verão quando seu quase ex-marido chega à
calçada e ela o chama para entrar. Assim, que entra na vitrine composta por vários
castelos de areia e referências ao mar, Ringo (Enrique Diaz) pisa em um castelo de
areia, desmanchando-o. Ele traz sacolas com itens que ela havia pedido para compor o
cenário e trocam palavras. Ele elogia o trabalho dela e fica emocionado, mas ela, de
postura firme e decidida, procura ser racional. No entanto, as lembranças emergem.
RINGO: A gente passou a lua de mel numa praia assim, ó, com a areia
sujinha assim ó, lembra?
TERESA: Humm... eu lembro é do bicho geográfico que eu peguei... você
coçando meu pé sem parar... (os dois dão risada). Depois disso eu nunca mais
pisei na areia descalça.
RINGO (puxando pela memória): Praia da Baleia.
TERESA: Praia Preta, Ringo!!
RINGO: Praia Preta... é?! Bom... o importante é que foi bom, né?
TERESA: É, foi, foi bom (fala com frieza). Um casamento que começa com
bicho geográfico só pode mesmo terminar numa vitrine sem vista pro mar.
RINGO: A gente podia ir um dia pruma praia, assim de novo, juntos. Um
dia...
TERESA: É, um dia, quem sabe... como amigos (levanta-se e Ringo se
estristece), já que é só isso que a gente tem sido nos últimos tempos.8

Figura 2. Ringo e Teresa na vitrine9

8
Transcrição do episódio disponível em: < http://globosatplay.globo.com/gnt/tres-teresas/>. Acesso
em: 03 ago. 2014.
9
Print screen de cena a partir do link: <http://globosatplay.globo.com/gnt/tres-teresas/>. Acesso em: 03
ago. 2014.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

Embora lembre os detalhes da lua de mel sobre os quais Ringo se atrapalha,


Teresa se mostra decidida quanto à separação, com consciência da sua
responsabilidade com a sua felicidade e disposta a conquistar a “vista pro mar”,
intertexto que surge em várias cenas do episódio como uma metáfora para a felicidade
e a realização completa.
A recordação de lembranças da lua de mel de um casamento que chega ao fim
é apresentada em um cenário colorido, de praia e, emblematicamente, em uma vitrine,
lugar de visibilidade. O paradoxo é a exposição do fim do relacionamento em um
cenário bonito, que remete ao início do casamento, em meio à confusão do dia a dia,
em um bairro comercial, onde pessoas passam para lá e para cá alheios ao que se
passa ali. A visibilidade da vitrine contrasta com os dramas pessoais íntimos dos dois
personagens em cena.
Momentos depois, Teresa está no banheiro da loja onde montava a vitrine,
quando entra Márcia, sua colega, fumando.
TERESA: Márcia! Pode fumar aqui?
MÁRCIA: Se você não contar, eu também não conto. Aliás, Teresa, por que
você nunca me contou que o tal Ringo era assim?
TERESA: Folgado?
MÁRCIA: Charmosão, simpático... Separou por quê?
TERESA: Porque chega uma hora que isso não é suficiente.
MÁRCIA: O sexo piorou muito?
TERESA: Você tem que dar todas as respostas sozinha. Quando a felicidade
não existe mas está em outro lugar, sabe?
MÁRCIA: Eu sabia... sempre tem outro.
TERESA: Não tem nada de outro.
MÁRCIA: Ihhh... Tô te achando muito pra baixo para quem tá separando.
TERESA: Para, tô ótima. É que hoje ele vai embora de vez, sabe? Aí vem
aquela sensação...
MÁRCIA: de liberdade! Eu te invejo... vai começar a melhor fase da sua
vida. Separada é solteira com experiência.10
Aqui fica demonstrada de forma nítida o discurso da obrigatoriedade da
felicidade nos dias atuais. Ao ser questionada sobre o motivo da separação, Teresa
afirma que ter um marido charmoso e simpático não é suficiente, que quer algo mais.

10
Transcrição do episódio disponível em: < http://globosatplay.globo.com/gnt/tres-teresas/>. Acesso
em: 03 ago. 2014.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

E essa pergunta gera um monólogo, uma vez que ela continua falando sobre isso,
mesmo quando a amiga pergunta sobre sexo (“Você tem que dar todas as respostas
sozinha. Quando a felicidade existe mas está em outro lugar, sabe?”). Márcia então
diz: “Eu sabia... sempre tem outro.”
A conversa um tanto desconexa se assemelha a monólogo interior ou fluxo de
consciência, já que não há diálogo propriamente dito, mas sim frases soltas e
perguntas que não são respondidas. Teresa parece querer se convencer de que está
tomando a decisão certa, uma vez que a busca da felicidade e de construção da
identidade exige dela a decisão da separação. Ao dizer que “a felicidade existe mas
está em outro lugar”, a personagem evidencia a insatisfação com o atual momento e
se coloca no papel de responsável por buscar a sua felicidade, que se torna obrigatória
nos dias de hoje de tal forma que demonstrar tristeza ou sinal de infelicidade seria um
fracasso. É preciso renascer constantemente, como analisa Bauman (2008, p.128):
“Mudar de identidade, descartar o passado e procurar novos começos, lutando para
renascer – tudo isso é estimulado por essa cultura como um dever disfarçado de
privilégio”.
Nesse contexto, nem mesmo no momento em que se afasta de um
companheiro com o qual conviveu por 16 anos, ela teria “direito” a “ficar para baixo”,
já que a amiga exige dela uma atitude de alegria e comemoração: “Tô te achando
muito pra baixo para quem tá separando.” Ela tenta animar Teresa ao enunciar:
“Separada é solteira com experiência”. Esse enunciado é objeto de interdiscurso
quando Teresa, a seguir, ao comprar um novo colchão, conversa com o vendedor.
O consumo ganha aqui uma função social importante, como demarcador
simbólico de uma transformação, ou seja, seria um rito de passagem: do status de
casada para separada, ou “solteira com experiência”, intertexto que ela usa com
orgulho. Comprar um novo colchão é usar o “consumo para dizer alguma coisa sobre
si mesmo” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, 116), nesse caso, o novo estado civil.
Mais uma vez, a enunciação de Teresa na loja de colchões mais parece um
monólogo, pois enquanto o vendedor fala de questões práticas, como o número de
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

parcelas e as características técnicas do produto, o enunciado de Teresa deixa entrever


um devaneio a partir das suas angústias, uma produção de sentido voltado ao
merecimento de alegria, à busca da felicidade, da “vista para o mar” que ela tanto
almeja.
VENDEDOR: Sinta o encaixe perfeito do seu corpo no colchão. Não é isso
que todo mundo quer? Eu digo, merece.
TERESA: Isso, isso, merece. Merece. Eu mereço! (se deita com os braços
abertos)
VENDEDOR: Esse colchão não é um sonho distante como muita gente
pensa.
TERESA: Muita gente esquece que merece.
VENDEDOR: É! É pra você?
TERESA: Só. Inteiro, todinho pra mim. Pra mim... (se vira na cama de um
lado para outro e de repente se senta). Mas também pode não ser, não sei.
VENDEDOR: Você é solteira?
TERESA: Eu pareço solteira?
VENDEDOR: Não, não, desculpa.
TERESA: Sou. Com experiência.
VENDEDOR: E essa experiência pode ser sua em 10 vezes sem juros.
TERESA: Não, não, a prazo não, não quero deixar nada pra depois.

Figura 3. Teresa na loja de colchões11

A mudança de identidade de Teresa traz a incerteza característica dos novos


tempos – o colchão é todo para ela “ou também pode não ser”, como ela diz, deixando
clara a possibilidade de um novo amor que traga a felicidade tão desejada. De toda

11
Print screen de cena a partir do link: <http://globosatplay.globo.com/gnt/tres-teresas/>. Acesso em:
03 ago. 2014.
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

forma, o consumo representa um ritual, que ajuda a conferir sentido, marcar um


tempo e iniciar uma nova fase na vida da personagem:
Os rituais são convenções que constituem definições públicas visíveis. [...]
Viver sem rituais é viver sem significados claro e, possivelmente, sem
memórias. [...] Os bens, nessa perspectiva, são acessórios rituais; o consumo
é um processo ritual cuja função primária é dar sentido ao fluxo incompleto
dos acontecimentos. (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p.112)
A substituição do colchão é bastante representativa da nova fase da sua vida.
O colchão do casal seria a materialidade da vida em comum que agora cede lugar a
um novo colchão de casal, sem história, “todinho” para Teresa, simbolizando a sua
nova vida de separada, ou “solteira com experiência”, enunciação da sua colega que
ela repete ao vendedor como interdiscurso.
O interdiscurso significa justamente a relação do discurso com uma
multiplicidade de discursos, ou seja, ele é um conjunto não discernível, ao
representável de discursos que sustentam a possibilidade mesma do dizer, sua
memória. Representa assim a alteridade por excelência (o Outro), a
historicidade. (ORLANDI, 2009, p. 80)
O Outro surge na fala de Teresa de diversas formas: além desse caso explícito,
que poderia ser classificado como intertexto, o marido também está presente por meio
da experiência a que ela se refere a todo tempo.
A personagem também deixa clara a sua urgência em buscar a felicidade:
“nada mais a prazo” evidencia a sua necessidade de gozar o bem-estar de forma
imediata, como é comum na sociedade de consumidores, em que a espera por
realizações a longo prazo foi substituída pela satisfação imediata dos desejos, como
acontece pelo consumo de bens. Podemos interpretar que a compra à vista do colchão
representaria o início imediato de uma nova identidade, deixando para trás o
casamento insatisfatório e inaugurando uma etapa distinta, na qual ela pretende
encontrar a sua “vista para o mar”.

Considerações finais
Na contemporaneidade, a felicidade foi alçada à condição de dever ao qual
todos devem empreender esforços, tal qual um projeto pessoal a ser gerenciado como
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

uma empresa. Para isso, o consumo fornece subsídios para uma reconfiguração de
identidade, a partir das variadas fases da vida ou simplesmente de acordo com o
desejo do sujeito da sociedade de consumidores (BAUMAN, 2008).
Nas campanhas publicitárias, nas ficções televisivas – dentre as quais
tomamos como objeto a série 3 Teresas –, e na mídia em geral, ecoa o discurso da
felicidade como responsabilidade individual, dependente apenas da performance de
cada um para obter o seu “lugar ao sol” ou sua “vista para o mar”, como o discurso de
Teresa reitera, e do consumo como significante social que contribui para a formação
de identidades. Essa produção nos indica como a enunciação da personagem traz a
intrínseca relação entre os eixos da formação da identidade, da busca da felicidade e
do consumo.

Referências
ANG, Ien. A ficção televisiva no mundo: melodrama e ironia em perspectiva global. São
Paulo, MATRIZes, ano. 4, n. 1, 2010. p.83-99.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio
de Janeiro: J. Zahar, 2008.
BIRMAN, Joel. Muitas felicidades?! O imperativo de ser feliz na contemporaneidade. In:
FREIRE FILHO, João. Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 27-47.
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do
consumo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2004.
EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão
nervosa. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2010.
FRANÇA, Vera. “A felicidade ao seu alcance”: que felicidade, e ao alcance de quem, afinal?
In: FREIRE FILHO, João. Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 213-226.
FREIRE FILHO, João. A felicidade na era de sua reprodutibilidade científica: construindo
pessoas “cronicamente felizes”. In: ______ (Org). Ser feliz hoje: reflexões sobre o
imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 49-82.
FREIRE FILHO, João. Sonhos de grandeza: o gerenciamento da vida em busca da alta
performance. In: _______ ; COELHO, Maria das Graças Pinto (orgs.). A promoção do
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)

capital humano: mídia, subjetividade e o novo espírito do capitalismo. Porto Alegre: Sulina,
2011. p. 27-50.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
LOPES, Maria Immacolata V. de. Telenovela como recurso comunicativo. MATRIZes, São
Paulo, ano 3, n.1, ago./dez. 2009, p.22.
LOPES, Maria Immacolata V. de; MUNGIOLI, Maria Cristina P. Brasil: a telenovela como
fenômeno midiático. In: LOPES, Maria Immacolata V. de; OROZCO GÓMEZ, Guillermo
(coord.). Memória social e ficção televisiva em países ibero-americanos: Anuário Obitel
2013. Porto Alegre: Sulina, 2013. p.130-167.
ORLANDI, Eni. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed., Campinas, SP:
Pontes, 2009.
SILVA, Marcel Vieira Barreto Silva. Cultura das séries: forma, contexto e consumo de ficção
seriada na contemporaneidade. Galáxia (São Paulo, Online), n. 27, p. 241-252, jun. 2014.
Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/15810/14556>.
Acesso em: 01 ago. 2014.
SLATER, Don. Cultura do consumo & modernidade. São Paulo: Nobel, 2002.

Outras fontes
GNT. 3 Teresas. Sobre a série. Disponível em: <http://gnt.globo.com/_3teresas/sobre/>.
Acesso em: 23 ago. 2013.
KOGUT, Patrícia. “3 Teresas”, do GNT: ótimas atuações em crônica do cotidiano. O Globo,
09 maio 2013. Disponível em: <http://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-
tv/critica/noticia/2013/05/3-teresas-do-gnt-otimas-atuacoes-em-cronica-do-cotidiano.html>.
Acesso em: 10 set. 2013.
LAVIANO, Eduardo. 3 Teresas: Triplamente relevante. Box de série. 10 maio 2013.
Disponível em: <http://www.boxdeseries.com.br/site/3-teresas-triplamente-relevante/>.
Acesso em: 10 set. 2013.
MEIO E MENSAGEM. APCA elege os melhores de TV, rádio e cinema. 10 dez. 2013.
Disponível em:
<http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2013/12/10/APCA-elege-os-
melhores-de-TV-radio-e-cinema.html>. Acesso em: 10 jan.2014.
MONTONE, Mônica. Crítica: nova série 3 teresas do canal gnt. Moniquices. 16 maio 2013.
Disponível em: <http://www.monicamontone-blog.com/2013/05/critica-nova-serie-3-teresas-
do-canal.html>. Acesso em: 10 set. 2013.
STYCER, M. GNT reconhece problemas em séries brasileiras, mas vai continuar investindo.
Uol Entretenimento. São Paulo, 17 maio 2013. Disponível em:
<http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2013/05/17/gnt-reconhece-problemas-em-series-
brasileiras-mas-vai-continuar-investindo.htm>. Acesso em: 23 set. 2013.

Vous aimerez peut-être aussi