Vous êtes sur la page 1sur 8

José de Almada Negreiros:

desenho em movimento
Exposição no Museu Nacional de Soares dos Reis, 30 de novembro de 2017 a 18 de março de 2018 . jornal 01

«A primeira vez que eu apareci em público,


foi com a leitura do texto de uma peça em um acto,
chamada O Moinho, dedicada ao Eduardo Viana,
em 1911. Aí toda a gente dizia:
– Caramba, isto parece cinema...
Naquele tempo!
Está a ver a persistência daquele que
segue pela vista as coisas?»
José de Almada Negreiros
entrevistado por
Manuel Varella, 1968
«Charlot é o único símbolo vivo de cada um de nós que eu conheço, com toda
a cinematografia. […] Ele faz exactamente o que cada um de nós faz,
é assim que se faz, mas ele faz o que todos fazem de uma maneira só,
inimitável. […] todas as nossas manias e atribulações, todas as nossas ambições
e desesperos, todos os nossos instantes de humanos estão assinalados por
Charlot em cinematografia.»
José de Almada Negreiros, «Charles Chaplin», Diário de Lisboa, 11 de Maio de 1921

José de Almada Negreiros (1893-1970) foi autor de uma obra polimorfa, produzida ao longo do século XX,
expressa ora na escrita ora nas artes plásticas e performativas. Foi actor num filme mudo, escreveu sobre
Charlot e esteve atento ao cinema desde a primeira hora, o qual marcou indelevelmente a sua obra plástica
e literária. Em alguns dos seus textos notam-se intersecções plásticas e cinematográficas, sobretudo nas
propostas futuristas dos seus primeiros contos e poemas, nos quais explorou a aceleração e interpenetração de
imagens, procurando a ilusão do movimento.
Na conferência proferida e publicada em 1938, Desenhos Animados Realidade Imaginada, com que assinalou
a estreia em Portugal de Branca de Neve e os Sete Anões de Walt Disney no cinema Tivoli em Lisboa, Almada
Negreiros exaltava como grande conquista do cinema a capacidade de pôr o desenho em movimento,
proclamando que era na animação que a sétima arte se cumpria em pleno. Escrevia então que o cinema,
desde o advento do sonoro, se limitara a copiar a realidade, mas com o desenho animado a cores haveria a
possibilidade de imaginação, e consequentemente, de criação artística. O desenho em movimento parecia‑lhe
responder ao desejo de invenção anti-naturalista que o animou e a tantos outros artistas na demanda
modernista pelo novo.
Encontramos essa conjugação entre cinema e desenho concretizada de forma ímpar na lanterna mágica La
Tragedia de Doña Ajada (1929) e no filme desenhado O Naufrágio da Ínsua (1934), espectáculos concebidos
para apresentações públicas em ecrã de cinema, real ou imaginado.
Na obra de Almada prevalece uma síntese gráfica do traço e da cor, que reinventa o real numa linguagem
rápida, próxima, comunicativa. Na sequencialidade de imagens e planos, e na ilusão de continuidade, acção
e deslocação, surge a possibilidade de imaginar uma história. Do desenho humorístico às tapeçarias, pinturas
murais ou vitrais, dos retratos de amigos às pinturas geométricas, Almada mantém a vontade de dar vida ao
desenho e de contar histórias com imagens, bem como de explorar o movimento da própria linha do desenho.
Nos seus autorretratos os olhos surgem desmesurados, expressando admiração e voracidade pela descoberta
– e chegam a ser projectados para fora do suporte quando se autorrepresenta em arame. Os autorretratos
prolongam-se nas figuras de Pierrot e Arlequim, seus alter-egos, nos quais é o corpo inteiro, acrobata e
performativo, que simboliza o papel do artista no mundo: pôr em cena um espectáculo destinado à visão.
Esta exposição propõe um olhar sobre o carácter cinematográfico da linguagem artística da modernidade
inequivocamente expresso na obra de Almada Negreiros, mostrando como o artista dialogou com o cinema
através do desenho, que considerava «mãe de todas as artes» e indestrinçável da pintura.

Mariana Pinto dos Santos

Agradecimentos
Maria José Almada Negreiros, Rita Almada Negreiros, Catarina Almada Negreiros e a todos os emprestadores que gentilmente cederam as
suas obras para esta exposição.
E ainda Manuel Rosa, Simão Palmeirim Costa, Luis Manuel Gaspar, Fernando Cabral Martins, Sara Afonso Ferreira, Isabel Alves, Ricardo
Marques, Madalena Ferrão, Cátia Mourão, Carlos Azevedo, José Gouveia, José Vicente, Joana Cunha Leal, Rui Miguel Ribeiro..
Cronologia de
José de Almada Negreiros
1893 1932 1949
Nasce a 7 de abril em S. Tomé. Regressa a Portugal e ao longo da década Termina as pinturas da Gare Marítima da
tem forte intervenção pública, com Rocha do Conde de Óbidos.
1895
conferências, artigos e publicações.
Nasce o irmão António Sobral de Almada 1954
Negreiros. 1933 Faz o retrato de Fernando Pessoa para o
Faz os cartazes e o genérico para o filme A restaurante Irmãos Unidos no Rossio, em
1896
Canção de Lisboa, de Cottinelli Telmo. Lisboa.
A mãe morre e pouco depois é internado
com o irmão no colégio de jesuítas de 1934 1958
Campolide, em Lisboa. O pai vai viver para Casa com a pintora Sarah Affonso. Realiza Faz o argumento para um documentário
Paris. o filme desenhado O Naufrágio da Ínsua sobre Amadeo de Souza-Cardoso, nunca
durante o verão realizado.
1913
na praia de
Faz a primeira exposição individual. 1968
Moledo do
Segundo relata mais tarde, tenta fazer um Faz o painel Começar na Fundação Calouste
Minho. Nasce
filme animado com cartões desenhados. Gulbenkian.
o filho, José.
1915 1969
Publica os poemas «Frisos» em Orpheu Participa no programa de televisão Zip Zip,
1. Escreve para o malogrado Orpheu 3 o 1938 atingindo grande popularidade.
poema «A Cena do Ódio». Realiza no
1970
cinema
1916 Morre em Lisboa, a 15 de Junho,
Publica o Manifesto Anti-Dantas e por no Hospital de St. Louis.
extenso e o manifesto Exposição Amadeo de
Souza-Cardoso.
1917
Publica K4 O Quadrado Azul, A
Engomadeira, o manifesto Os
Bailados Russos em Lisboa. Realiza a
1.ª Conferência Futurista no Teatro
República lendo o Ultimatum Futurista
às Gerações Portuguesas do Século XX.
1918
Faz a coreografia e os figurinos dos
bailados A Princesa dos Sapatos de
Ferro e O Jardim da Pierrette.
1919
Vai para Paris, onde permanece ano e meio.
1921
É ator no filme O Condenado. Realiza e
publica a conferência A Invenção do Dia
Claro. Escreve sobre Charles Chaplin para o Tivoli
Diário de Lisboa. em
Lisboa a
1925 conferência
Escreve o romance Nome de Guerra. sobre Walt
Trabalha para o departamento de Disney
publicidade da Paramount Pictures, Desenhos
fazendo plaquetes e cartazes. Faz duas Animados
pinturas para o café A Brasileira do Chiado. Realidade
1927 Imaginada,
Vai viver para Madrid, onde participa no a propósito da
primeiro cineclube da Península Ibérica, o estreia de Branca de Neve e os Sete
Cineclub Español, fundado por Luis Buñuel Anões. Detratores interrompem-
e Ernesto Gimenez Caballero. no sistematicamente e recusa-se a
continuar a leitura.
1929
Realiza os painéis em baixo relevo para 1940
a fachada e para o interior do Cine San Nasce a filha, Ana Paula.
Carlos, em Madrid. Faz a lanterna mágica 1945
La Tragedia de Doña Ajada, apresentada no Termina as pinturas da Gare Marítima de
Palacio de la Música em Madrid. Alcântara.
La Tragedia de
Doña Ajada
(lanterna mágica
para música de
Salvador Bacarisse
com poemas de
Manuel Abril),
[1929]
Fotografias em placas de vidro coloridas à mão números 6 («Alma en pena»)
de La Tragedia de Doña Ajada, 1929.

incompleta, subsistindo a versão que o compositor


fez para suite. Esta versão foi interpretada e gravada
pela Orquestra Gulbenkian no dia 23 de março
de 2017. Os originais de Almada para a lanterna
mágica foram feitos em papel recortado, num jogo
com silhuetas e desenho. Esses originais foram
fotografados em placas de vidro, posteriormente
coloridas. As placas eram projetadas através de
um aparelho de lanterna mágica que produzia um
ambiente de fantasmagoria acentuado pelas cores
dos vidros. O aparelho de lanterna mágica é um
dispositivo antepassado do cinema, que remonta
ao século XVII mas foi mais usado no século XIX.
Torna‑se assim particularmente relevante a sua
utilização no século XX por Almada, numa obra
com uma intenção humorística que se fingia infantil
Fotografia em placa de vidro colorida à mão número 4 («El Crimen de las Furias»)
de La Tragedia de Doña Ajada, 1929. mas era na verdade destinada a adultos, segundo
conta a imprensa madrilena da época. Os vidros da
La Tragedia de Doña Ajada foi uma obra múltipla, lanterna mágica foram recentemente descobertos
fruto da colaboração do músico Salvador Bacarisse, e são pela primeira vez mostrados nesta exposição.
do poeta Manuel Abril e do artista José de Almada Cada imagem correspondia a um episódio da
Negreiros (então residente em Madrid), que história e a um andamento da obra musical original.
concebeu 6 quadros de lanterna mágica para Os títulos de cada imagem/andamento eram:
projeção durante a peça musical. Foi representada I. «El tocado»; II. «Pasa el galan»; III. «Mañana de
uma única vez, a 29 de novembro de 1929 no Palacio bodas»; IV. «La luna rota»; V. «El crimen de las furias»;
de la Música, em Madrid, sala de concertos e de VI. «Alma en pena».
cinema. O libreto perdeu‑se, e com ele a história
narrada, e a partitura original chegou até hoje
O Naufrágio da Ínsua, 1934
Os sessenta e quatro desenhos que compõem esta obra foram feitos
de forma a serem mostrados em sequência, simulando uma projeção
de cinema. Os papéis eram presos em hastes de madeira e mostrados
um de cada vez, sucessivamente. Um candeeiro iluminava por trás
o papel semitransparente, fingindo o efeito da luz refletida num écrã.
O «filme» tinha sessão num arraial em Moledo do Minho, praia no
norte de Portugal onde Almada Negreiros e sua mulher, a pintora
Sarah Affonso, passaram férias em 1934 (bem como nos anos seguintes).
Contava uma história verídica tornada cómica, passada com alguns dos
veraneantes habituais, entre os quais o surrealista António Pedro. Para
este divertimento de Verão, Almada fez também um programa e inventou
uma companhia cinematográfica «Moledo Films, Ltda». O Naufrágio da
Ínsua era um filme mudo fingido, com entretítulos, chamado à época
de «lanterna mágica» por se tratar de uma sucessão de imagens fixas
que contavam uma história desenhada, à maneira dos dispositivos
pré‑cinema. Porém, dispensava o uso de qualquer aparelho ou
mecanismo, e a sua apresentação era um momento performativo do
próprio Almada Negreiros, que fazia suceder os desenhos um atrás do
outro num espectáculo de cinema inventado.

Cine San Carlos, Madrid, Anos 1930


painéis, conseguindo trazer intactos Greta Garbo é evocada no filme The
os do interior, que incluíam o que Kiss (e Almada também faz um desenho
representava o desenho animado Gato a grafite da atriz nesse mesmo filme),
Félix. Encontraram os do exterior em e nesta história do cinema contada
pedaços, guardados na cave do cinema. com imagens também se encontram
Pertencem hoje à Coleção Manuel de cowboys, acrobatas, polícias e ladrões,
Brito. detetives. A escolha do preto e branco
Na fachada exterior, Almada contava acentua a evocação da cinematografia
uma pequena história do cinema, da época. A remodelação da
com o gesso desenhando em placas decoração do cinema acompanhava
recortadas, cada uma trazendo nova a remodelação técnica necessária
Em 1929 José de Almada Negreiros, camada ao desenho que assim se para instalar o aparato sonoro. O som
então a residir em Madrid (1927-1932), definia em volumetrias diferentes. acabara de chegar ao cinema e era
trabalhou com o arquiteto Eduardo Os géneros do cinema mudo foram preciso dotar as salas de projeção
Lozano Lardet na remodelação do Cine representados em friso, numa com o equipamento necessário para
San Carlos, em Madrid, concebendo modernização dos baixos-relevos os novos filmes sonoros. Porém, nos
quatro painéis em baixo‑relevo a que habitavam os edifícios mais seus baixos‑relevos Almada escolheu
cores para o seu interior, e oito painéis importantes desde a antiguidade homenagear o pré‑sonoro. A figura de
a preto e branco para a fachada em que as figuras de poder e da Charlot é destacada enquanto herói do
do cinema. Em 1971, Ernesto de religião foram substituídas por heróis cinema mudo, referência para Almada
Sousa e Isabel Alves resgataram os modernos: as estrelas de cinema. desde os anos 1910.
«Almada Negreiros e o Cinema»
entrevista de J. Francisco Aranda, Diário de Notícias, 24 Setembro 1959

Ser artista é aceitar o tempo presente com todas as suas cinema. Acedeu, por prazer, a
executar onze grandes baixo‑relevos
implicações: é exercer a função pública de vidente do futuro.
num cinema de Madrid, alusivos
Não é suficiente aprofundar uma técnica de expressão num à arte de filmar e aos seus
determinado círculo da actividade artística. Tomar uma tal protagonistas: Chaplin, Garbo, etc.,
atitude, como fazem hoje muitos artistas, é renunciar a tomar por volta de 1929. Durante dois anos
a vida a mãos cheias e transferindo-a para o mundo da trabalhou para o departamento de
publicidade da Paramount Pictures,
experiência artística; é ficar em mero artesão, quando não
fazendo plaquetes e cartazes.
em viciosa máquina. É preciso, para ser artista, compreender, Contribuiu com «cartoons» (anedotas
sentir todas as actividades contemporâneas com uma desenhadas, sem palavras), dentro
sensibilidade filosófica, intemporal até, mas, por isso mesmo, da sua ingente e valiosa colaboração
moderna, de vanguarda. Almada Negreiros, o artista no grande jornal madrileno El Sol;
participou no primeiro cineclube
português mais «moderno» do nosso século, não podia
da península, o Cineclub Español,
deixar de aceitar esta responsabilidade integral. Mesmo o fundado em 1927 por Luis Buñuel
cinema, arte por demais pouco compensadora, tinha de fazer e Ernesto Gimenez Caballero,
parte da experiência total das artes no cósmico Almada. director este da importante revista
«de vanguarda» La Estafeta Literária
Española e Iberoamericana, a qual
«Lembro-me ainda nitidamente do animado. Mas a sua actividade com
– não estará de mais mencioná-lo,
impacto estético que fizeram em este género de cinema remonta-se a
pois muitos portugueses o ignoram –
mim os extraordinários filmes de 25 anos antes.
rendeu homenagem a Almada no seu
Méliès, quando eu era ainda criança»
n.º 1. Finalmente, Almada escreveu
– disse‑nos um dia Almada. «Em 1913 já tentei fazer um filme
também alguns breves ensaios sobre
de cartões animados, parte do qual
cinema. Lembremos, sobretudo, o
Como não ia reconhecer a intuição conservei durante algum tempo,
publicado pelo Diário Popular, de
plástica de Almada a originalidade mas depois perdeu-se. Mais tarde,
Lisboa, sobre Chaplin.
do grande pioneiro do cinema? durante o período da Vanguarda,
Os complicadíssimos desenhos, projectei, com o pintor Francisco de
maquinismos e cenários movíveis «Também fui actor de cinema
Cossio, vários filmes experimentais de
do artista francês não preenchiam os uma vez – revelou-nos Almada
amador, que não chegámos a realizar.»
sonhos dos futuristas, esses sonhos outro dia. – Foi no filme português
antevistos por um Jules Verne e O Condenado. Eu era mesmamente o
Pancho Cossio sempre conseguiu condenado. Tive de morrer dezassete
graciosamente evocados hoje por
dar a sua contribuição ao cinema, vezes logo no começo do filme,
coreógrafos russos como Moisseiev?
principalmente com a sua causa dos numerosos ensaios que
Almada vislumbrou desde o primeiro
participação no mais importante filme tive de repetir. Foi trabalho árduo
momento as possibilidades que
surrealista, talvez um dos melhores morrer, creia-me, pois era preciso
se abriam à fantasia no cinema,
sobretudo nos desenhos animados. filmes da história do cinema, L’Age cair por uma encosta duns exteriores
Os meios intelectuais de Lisboa d’Or do seu compatriota espanhol em Leiria. Mas morri com gosto.
lembram ainda a surpresa que Luis Buñuel. Que extraordinárias O operador hospedou-se no mesmo
produziu quando da estreia do criações não nos teria dado Almada se hotel que eu e fizemos amizade: era
primeiro filme de desenhos animados o cinema da sua pátria tivesse sido um um francês bastante interessante. Ele
de longa metragem no Tivoli, para bocado menos estéril? cuidou muito a minha parte e saiu
a qual Almada se dignou escrever Se Almada Negreiros não chegou bem. Mas o filme era detestável.»
uma plaquete para distribuição na a completar os filmes projectados,
sala. Esta continha um verdadeiro contribuiu, todavia, com abundante Contudo, foi na sua função de
manifesto de exaltação do desenho obra desenhada ao serviço do espectador – «espectador» no
sentido orteguiano da palavra – que que a riqueza de harmonias e não façamos confusões. Estes são
Almada resultou muito importante, contrastes de cinzentos nos grandes aspectos muito superficiais da
sobretudo em relação com as desenhos a lápis de Almada, ou condição cinematográfica. Ver em
possíveis influências desta actividade as suas realizações tipográficas, termos cinematográficos é uma
na sua formação estética, de devem qualquer coisa à atenção outra faculdade: a de jogar com o
romancista e pintor. que o artista deu à imagem do tempo, dar realidade equivalente
cinema clássico? Será ir longe de a passado, presente e futuro, dar
«O nosso grupo seguiu de perto o mais afirmar que muitas das suas «forma», exterior e visível, por meio
cinema desde as suas origens até ao figuras humanas estão surpreendidas da observação de pormenores
final do cinema mudo. Para todos em atitudes essencialmente reveladores do estado de espírito
nós os criadores de Orpheu e os dinâmicas, de transição, ou focadas interior duma personagem, dar o seu
futuristas, teve o cinema daquela sob ângulos típicos da imagem «décor» mental. Neste sentido Eça
época decidida importância. Depois, cinematográfica? Bastaria folhear foi bem mais cinematográfico que
com a chegada do sonoro, nos as revistas com colaboração de Camilo e esta obra-prima de Almada
desinteressámos. O cinema teve uma Almada, até ao final dos anos trinta, também possui a mesma capacidade
infância lúcida, com consciência para surpreendermos pinturas que de visualização integral dos
de propósitos, e caminhou parecem lembrar uma composição sentimentos, da expressão narrativa
vertiginosamente para a maturidade. e enquadramento cinematográfico. dos objectos. Lendo Nome de Guerra
Todavia, o desenvolvimento técnico Quanto à continuidade narrativa, vê-se que Almada é dos que podem
foi, infelizmente, ainda mais rápido, os cortes, ligações de sequências, exclamar, com o poeta Alberti: «Eu
adiantou-se, interrompendo a montagem paralela de cenas por nasci com o cinema: respeitai-me!»
maturidade duma arte empolgante. analogia ou contraste, próprias do
À chegada do som, o cinema não processo cinematográfico, vemo-las Não é a apreensão duma nova técnica
retrocedeu a uma infância, mas utilizados de maneira sistemática, mas a compreensão das mesmas
sim a uns balbuceios aflitivos, dir-se-ia quase didáctica, nos verdades de sempre através duma
pré‑humanos. Agora, o cinema romances de Almada A Engomadeira nova linguagem o que ocupa a
está novamente na infância. Ainda e Nome de Guerra. Nesta segunda Almada, o que interessa ao artista.
terá que experimentar os embates obra Almada não tentou, certamente, «Todas as técnicas – disse-nos – mas,
da terceira dimensão e outras fazer um romance cinematográfico, sobretudo, a do cinema, são fáceis
consequências da técnica, mas confio nem utilizar uma técnica derivada de aprender. A fácil aquisição dos
em que um dia chegará em que do filme. A própria elaboração do processos técnicos do cinema pelo
alcance a maturidade.» argumento testemunha que Almada espectador impede hoje a muitos
não pretendia tal coisa. E, contudo, deles integrar-se nele, contemplá‑lo
«Quanto à cor, considero que está Nome de Guerra parece‑nos o com a autenticidade necessária.
também num estado primitivo. romance mais «cinema» de toda a A mim interessa-me exclusivamente
Ainda não matizou, nem literatura portuguesa, ser espectador, deixar-me levar
de longe, como o fez na mesma medida pelo que estou vendo… Ver cinema
o cinema a preto e em que a obra de analiticamente é não ver cinema.»
branco. Filmes como James Joyce é a «O fim da arte é atingir sempre novas
O Circo, de Charlot, mais «cinema» expressões da realidade, mudar de
ou Variedades, de da inglesa. plano; não é um progresso. É por isso
Dupont, tinham uma Retrocedendo mesmo que a visão da arte é sempre
gama de gradações um século inesgotável, que a sua interpretação
de cinzentos muito mais encontramos, é certo, a é infinita. Se visasse alcançar um
variada e “colorida” do que obra de Camilo, rápida objectivo, se tivesse um fim, a arte
o cinema actual.» dinâmica, cheia de não seria infinita, teria uma medida,
Desenho do autor para a contracapa acção e mudança esgotava-se. O cinema, enquanto
de Desenhos Animados Realidade
Será aventurado pensar Imaginada, Ática, 1938. de cenários. Mas arte, o evidencia mais uma vez.»
Sobre a programação
complementar
Acompanhando a excelência das
obras apresentadas na Exposição

Almada no
“José de Almada Negreiros – desenho
em movimento”, comissariada por
Mariana Pinto dos Santos, o Museu

Museu Nacional de Nacional Soares dos Reis propõe uma


programação complementar, a realizar
a partir de Janeiro de 2018, e até Março.

Soares dos Reis Sublinhe-se a evidência feliz de Almada


Negreiros ter sido Autor de vasta obra
escrita, que integra textos e artigos de
teor filosófico, poético e estético, de
Retomando uma antiga colaboração com o Museu Nacional de crítica e de intervenção. Nessa escrita
Soares dos Reis, a Fundação Calouste Gulbenkian traz ao Porto plural há a incluir a produção literária
ficcional, dramatúrgica e de poesia
uma exposição de Almada Negreiros em que destaca a relação que conciliou propósitos e intenções,
extrovertendo-se, sob formato de
da sua obra com o cinema e a animação.
manifestos e proclamações, nos textos
É com muito entusiasmo que terminamos o ano de 2017 com superiormente especulativos e/ou
argumentativos.
“José de Almada Negreiros.
Eis como, numa carreira de quase seis
Desenho em movimento”. décadas, aquele “que não é um génio
– manifesta-se em não se manifestar”
O nosso agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian e (Fernando Pessoa dixit – 1913),
à Mariana Pinto dos Santos que entendeu o sentido de olhar consolidou uma produção multimorfa
e heterogénea, digna máxima
para o “Desenho em movimento” nesta terra que tantas ligações de “pessoa humana individual”,
tem ao cinema. Também à Manuela Fernandes por mais este pois articulada, de forma lúcida e
quase indomável, à sua produção
excelente projeto de arquitetura, à Teresa Serôdio que inventou viso‑plástica. Conciliando os seus
este jornal, à Fátima Lambert que mais uma vez programa para palcos e desempenhos, constrói-se
uma programação complementar à
o museu com toda a sua capacidade de ligar as artes entre si e a Exposição que projete José de Almada
todos os que emprestaram obras ou trabalharam de qualquer Negreiros, sempre para além do início
deste séc. XXI, plasmando-lhe a certeza
forma para concretizar este projeto, o Museu Soares dos Reis absoluta de sua descoberta.
O ginasta dos exercícios mais exímios
deve um especial agradecimento.
do corpo e intelecto sendo 1+1=1,
Da mesma forma, queremos reconhecer o apoio de todos os aquele para quem ser moderno,
se traduziu em consequências e
mecenas e patrocinadores que nos permitiu fazer esta exposição. implicações de exercício autónomo,
estéticas e socio-antropológicas, será
Maria João Vasconcelos celebrado enquanto potenciador da
(Museu Nacional de Soares dos Reis) maior valência cultural – performática,
onde repercute o presente, do seu
passado e futuro.

Maria Fátima Lambert

Ficha Técnica Coordenação Nuno Vassallo e Silva – Fundação Calouste Gulbenkian, Maria João Vasconcelos – Museu Nacional de Soares dos Reis. Curadoria
Mariana Pinto dos Santos com colaboração de Ana Vasconcelos. Apoio Begoña Gomez, Margarida Correia. Projeto de arquitectura Manuela Fernandes. Design
gráfico Teresa Serôdio – incomun. Programadora Maria de Fátima Lambert. Execução gráfica da exposição Paulo Jorge Vilaça Martins. Execução gráfica do
jornal Gráfica Firmeza. Construção Lápis Radical, Lda. Montagem Jaime Guimarães, Jorge Coutinho, Paula Lobo, Carlos Gonçalinho. Conservação Ana Paula
Machado, Salomé Carvalho, Susana Pimentel. Comunicação Ana Cristina Macedo (MNSR), Elisabete Caramelo (diretora Comunicação, FCG), Nuno Prego
(diretor Marketing e Transformação Digital, FCG), Fictionary Road. Transportes Feirexpo. Seguros Lusitânia,Companhia de Seguros, S.A.

Apoio Mecenas Mecenas


principal

Vous aimerez peut-être aussi