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Abaixo de zero

Domingo, sete de janeiro. Não cedo à tentação de ficar na cama e levanto-me para ir
pedalar. Está um frio de rachar com um vento desagradável. Sei que o Sérgio vai tentar
um “trail” ao ponto mais alto de Portugal continental saindo da Guarda. Pretendo ir dar
força a este amigo e aproveitar para queimar o resto das filhoses e rabanadas. À hora a
que me levanto já eles estão a correr há duas horas. Deixo o carro no alto de Famalicão
e inicio de bicicleta a subida íngreme em terra que me levará à quinta do Fragusto. Não
se vê vivalma e no chão gelado não há marca da passagem dos meus amigos. Espero
que o vento abrande, pois o frio já estou a ver que não. Chegado ao Fragusto vislumbro
lá no alto um todo-o-terreno e umas silhuetas a pé. Serão eles? Tenho a resposta pouco
depois do alto da Asinha aos 1200 m de altitude quando o Pedro, fotógrafo oficial destas
maluquices, passa por mim. O “RealFeel” no Garmin indica 3,4 negativos. Grande festa
no alto do Sameiro quando os sete corredores aparecem da esquerda e se reúnem
comigo e com outros amigos nos veículos de apoio. Lá as bebidas quentes e a comida
energética renovam-lhes o ânimo. A região da Guarda é privilegiada pela natureza. Ter
a serra aqui à mão, poder usufruir dela com a maior facilidade e ser brindado com um
espetáculo de neve como aconteceu hoje, é fantástico – para quem aprecia estas coisas,
claro. Para muita gente isto de puxar pelo corpo só porque sim é coisa de gente insana.
Mas desconhecem que todo o exercício físico tem o objetivo de testar as capacidades
físicas e, acima de tudo, as capacidades de resistência psicológica, mas também é fonte
de bem-estar. Quando praticado em comunhão com a natureza tem o efeito de
religação com ela, ou seja, é uma forma de religião saudável.
Cumprimentados todos e trocadas umas palavras de ânimo resolvo tentar a subida ao
vale de Rossim. A temperatura continua negativa, mas o vento dá umas tréguas. Aquela
subida para a pousada de S. Lourenço é uma parede e tanto. Campo Romão, um planalto
cultivado próximo da Pousada de S. Lourenço é um patamar de descanso com vista
privilegiada para o maciço central. Ponho o pé no betuminoso na curva a 180 graus da
pousada. Dali às Penhas Douradas ainda se sobe mais de uma centena de metros até
aos 1400. O sol faz uma graça e desponta por entre as nuvens o tempo suficiente para
me arrancar às garras do gelo. Já estou perto do meu porto seguro, o comércio do Ti
Branquinho junto ao cruzamento para o vale do Rossim. A paisagem mudou e agora o
negro domina. As garras do cataclísmico incêndio de 15 de outubro também chegaram
ali. Por momentos questiono-me se não terão ardido também os comércios que ali se
encontram. Felizmente não. Os meus amigos Roberto e Judite, lá estão mais uma vez
para me animar com a sua companhia, o calor da sua salamandra a lenha e uma
fantástica sandes de queijo e presunto em pão do Sabugueiro acompanhada de um café.
É quase miraculoso ter um local assim nesta parte da serra esquecida. Aos anos que
lutam por lhes deixarem fazer umas instalações mais condignas, mas esbarram sempre
nos burocratas de Lisboa e no espartilho das regras do Parque Natural. Depois de secar
a roupa, reanimado pelo calor e pelas calorias despeço-me deles e enceto o regresso
sob flocos de neve puxados pelo vento. Uma experiência mágica. Eu, a máquina e um
massajar gelado de flocos que me envolvem e dissimulam na paisagem. Somos um só.
4,2 graus negativos mas eu estou bem quente. Os jornais dobrados que trago junto ao
peito isolam-me de todo este frio. Nos próximos 20 km vou estar só eu e a natureza,
numa paz que não consigo explicar, uma felicidade quase pueril. Às vezes é preciso tão
pouco.
Finalmente chego ao carro. Mudo urgentemente de roupa. Arrumo a bicicleta e
refastelo-me, no conforto do ar condicionado, ao volante de outra máquina, esta sim,
irá puxar por mim e levar-me ao conforto dum banho quente e do sofá lá de casa, nos
antípodas das temperaturas da minha jornada.

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