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Yves Clot
Trabalhadores passivos?
Polícia sanitária?
Higienismo e positivismo
As “ciências do trabalho”, Psicologia ou Ergonomia e, além disso, a tradição
clínica não tem certamente nada a ganhar em responder a esse tipo de demanda social,
nem sobre o plano do reconhecimento de sua função social – o que não seria mais do que
falso – nem sobre o plano epistêmico (Clot, 2010b). Para se convencer é suficiente se
lembrar dos primórdios da Psicologia do trabalho, na metade do século XX. De fato, a
história da psicotécnica, evocada nesse mesmo número por D. Lhuilier, está aí para
mostrar como os riscos são grandes de um pernicioso movimento pendular do qual não
se emancipa facilmente. Parte do “bom sentimento” misturado com ingenuidade de que
a expertise pode permitir se libertar dos conflitos engendrados pelo trabalho no mundo
real, a psicotécnica tem assumido para ela dar uma solução à questão social (Huteau,
2002). Entre a Primeira Guerra mundial e os anos 1950, ela ganhou inicialmente uma
grande legitimidade enraizada num potente desenvolvimento prático de suas aplicações
industriais. Ela foi rapidamente reconhecida. Mas buscando indistintamente adaptar o
homem ao trabalho e o trabalho ao homem, ela acabou por se adaptar ela mesma ao
trabalho como ele era. Ela acreditava ser a fonte erudita de sua transformação. Ela se
dissolveu ali se tornando cada vez mais o instrumento de sua “racionalização”. Tais são
as armadilhas da profilaxia social. Não sem consequências. Suzane Pacaud, uma das suas
figuras mais marcantes, expressou bem os dilemas e as oscilações que finalmente
causaram a perda da corrente de pesquisa inovadora que constituiu no seu tempo a
psicotécnica.
Em 1954, enquanto a euforia inicial do período entre guerras chega ao fim, ela
formula o seguinte diagnóstico: “Estamos testemunhando hoje precisamente ao fato
inquietante de que a extensão extremamente rápida das aplicações psicotécnicas resultou
no abandono, por alguns “psicotécnicos”, da análise do trabalho... A maior parte dos
aplicadores se livrando dela, prejudicando, assim, o enriquecimento dos conhecimentos
no domínio da psicologia do trabalho bem como a eficácia das técnicas psicológicas, para
a indústria que as utilizam” (Pacaud, 1954, p. 580). Ela prognostica: “Se a experimentação
em Psicologia aplicada não pode ultrapassar a etapa de “testagem” automática, ela vai
assinar a chegada de seu fim, pela chegada de sua evolução” (ibid., p. 693). E, em uma
frase, ela condensa finalmente, talvez sem saber, o movimento pendular descontrolado
mencionado acima: “Como na família e na escola, no trabalho nós também somos
convidados a aconselhar, defender, arbitrar, reconciliar, acalmar, consolar [...] e para
cumprir as tarefas de uma responsabilidade e nobreza tão altas, somos solicitados a
depender de cada chefe ou cada empresa. Vamos, essa é uma piada! [...] Só queremos
depender da ciência” (Pacaud, 1953-1954, p. 195). Preso em uma prática comercial
sincera ou compatível, em busca de proteção urgente para os trabalhadores, a expertise
psicológica se transforma então em Ciência em letras maiúsculas que ela toma como
escudo.
É isso que o ativismo higienista no campo e o positivismo do laboratório sempre
fizeram bem. Nesta perspectiva, o território da atividade real dos trabalhadores com seus
imprevistos, suas irregularidades, seus eventos e, no todo, sua história possível, não é
nada mais que uma colônia para o saber da metrópole científica (Vygotsky, 1926/2010,
p. 225). Quando a colônia se afasta da ação higienista a metrópole sabe como recuperar
seus direitos ao Saber. Mas, infelizmente, é ao custo de sua própria esclerose. Nos dois
casos, o “catecismo” positivista é respeitado, mas é em detrimento da ação e do
conhecimento ao mesmo tempo. Como bem viu G. Canguilhem, a formula de A. Conte,
“saber para prever afim de poder é tão enganador quanto célebre” (Lecourt, 2008, p. 71).
Quando derrubamos a ação do saber, o fracasso da ação provoca inevitavelmente a
restauração do academicismo onde o saber é aniquilado.