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Além do higienismo: a atividade deliberada

Yves Clot

Trabalhadores passivos?

A imagem do trabalhador que se impõe quando examinamos a literatura atual


sobre os riscos psicossociais é aquela de um operador vítima das restrições de uma
organização do trabalho que teria conseguido torná-lo um objeto. O saber dos
especialistas deve servir para informá-lo, para protegê-lo e finalmente para ajudá-lo. A
crítica da organização do trabalho traz de volta esta para uma constelação de fatores de
risco. Soma de fatores que a organização reveste então, na maioria das vezes, os atributos
de uma potência tóxica que contamina a saúde dos funcionários. Os serviços de saúde no
trabalho teriam então por missão dar-lhes primeiros socorros restaurando, pela escuta a
princípio, o precário equilíbrio psicoafetivo indispensável para trabalhar. Este equilíbrio
assume cada vez mais a forma de padrões de bem-estar mensuráveis aos quais acredita-
se poder reduzir a saúde.
A expertise aqui domina duas vezes: a expertise crítica sobre os “riscos” se casa
àquela da reparação e do “suporte”. Nesta perspectiva dominante, essas duas abordagens
– crítica e de suporte – podem se emparelhar deixando a ação possível dos próprios
trabalhadores na sombra. A denúncia da organização do trabalho como causa externa dos
problemas de saúde muitas vezes resulta na organização de uma ajuda individual para
apoiar os esforços das “vítimas de acidente” de trabalho. Como observa D. Lhuilier
abaixo, vamos diretamente dos efeitos às causas sem ver o que fazem realmente os
trabalhadores daquilo que lhes é imposto ou aonde eles chegam. Agora, a atividade é esta
“variável intermediária” essencial que liga, religa e muitas vezes desliga o sujeito e sua
tarefa, a saúde e a situação de trabalho, e que lhes dá uma história e um tornar-se não-
escrito antecipadamente. Não há uma causalidade direta e destrutiva entre organização do
trabalho e saúde até que o sujeito pare de se sentir ativo. E mesmo nesse caso, mesmo
encarcerado nas formas diversificadas da psicopatologia do trabalho, esta atividade não
vai embora. Ela cai em alguns impasses, se danifica, se enfurece contra ela mesma, mas
sempre permanece a de uma mulher ou de um homem numa situação e não a de um objeto
da organização.
Os resultados de décadas de análises em ergonomia francófona (Wisner, 1995)
são encontrados em cada vez: o trabalho não pode ser confundido com a tarefa prescrita
a não ser por ingenuidade social. O que o sujeito realmente realiza nunca pode ser
confundido exatamente com aquilo que ele deveria executar: ele faz diferente do
esperado, ele redefine a tarefa que lhe é designada – mesmo paradoxalmente às vezes pelo
preço da saúde – para conseguir se reconhecer naquilo que faz. A atividade não é somente
a projeção da tarefa ou da organização. Elas a comandam, mas não a definem. Da mesma
forma, a atividade não é a simples projeção das propriedades pessoais do sujeito porque,
justamente, ela os transforma na situação abrindo sua história sobre uma outra história
que não a sua própria. Privado da possibilidade de metamorfosear seu meio profissional
em mundo habitável e de se transformar, aquele que trabalha corre então o maior dos
riscos. É esta atividade “exposta”, nunca completamente previsível, nunca garantia de
avanço, mas também nunca completamente anulada, que é a sede dos ligamentos e
desligamentos possíveis ou impossíveis entre saúde e trabalho. À maneira de Tosquelles
(2009), podemos dizer que cada vez que os assalariados conseguem introduzir qualquer
coisa deles próprios no ofício, as chances de desenvolver sua saúde aumentam. E nada –
qualquer expertise – poderia decidir completamente antes desse poder de agir. Isto é o
que provavelmente fez A. Laville duvidar das virtudes da epidemiologia para a ação: “A
epidemiologia é fraca na identificação dos riscos e na gestão desses riscos para os
operadores. Ela retém a noção de exposição, sugerindo que os operadores sejam passivos
num ambiente de riscos” (Laville, 1998, p. 154). Podemos compartilhar essa dúvida,
sobretudo quando se trata para a empresa, numa preocupação diferente da
epidemiológica, de organizar a gestão dos “frágeis”.

Polícia sanitária?

Esta fraqueza “científica” na identificação dos riscos reais em situação comum é


portanto rapidamente esquecida assim que começa a “gestão” dos riscos psicossociais.
Em nome do conhecimento a priori dos “fatores de risco”, nos planos de ação que se
multiplicam, esta fraqueza é mascarada pela força falsa da figura. Para muitos líderes
empresariais que procuram prevenir a crítica da organização do trabalho antes do
surgimento de doenças do corpo e do espírito, o modelo toxicológico prevalece. E para
muitos assalariados ou sindicalistas, reivindicar uma medida do estresse parece ser um
passo importante mesmo que eles se ofereçam a mais uma avaliação.
F. Daniellou viu bem o problema: “falamos muito nesses tempos dos riscos
psicossociais como se eles se tratassem de uma nuvem tóxica pairando sobre a empresa
ou alguns de seus componentes, e que atinge alguns dos funcionários, em primeiro lugar
certamente aqueles cujas características pessoais os fragilizam. Segundo esse modelo, a
atmosfera está um pouco podre e os mais sensíveis vão ter os problemas. As medidas
resultantes são a imagem do modelo: podemos tirar amostras da atmosfera (mensurar o
ambiente psicossocial). Podemos fazer as dosagens sobre os assalariados (para avaliar os
riscos que eles correm). Podemos estabelecer um sistema de relatórios mútuos (alertar
quando um colega começa a não ir bem ou se o julgamos frágil). Podemos tentar
desintoxicar aqueles que já foram atingidos, por exemplo oferecendo-lhes um apoio
psicológico financiado pela empresa, como colocamos na câmara hiperbárica as vítimas
do monóxido de carbono. Por todos esses meios visamos evitar que a nuvem faça mais
vítimas, sobretudo aquelas cuja fragilidade intrínseca poderia empurrá-las para a tentativa
de suicídio, cujos efeitos são deletérios para a organização e a imagem da marca”
(Daniellou, 2009, p. 40).
Esse modelo de um mundo social reconvertido em perigo sanitário, típico do
higienismo, pode se impor como uma evidência para formar a base de um consenso
superficial. O perigo está então, no meio de trabalho, em observar o próprio psicossocial
como um risco tóxico. Daniellou prossegue: “esse modelo está a caminho de ser consenso
em muitos lugares: confrontado com dramas já ocorridos, as organizações sindicais estão
aliviadas de que alguma coisa esteja estabelecida pelas direções, com a garantia de
especialistas externos. Não é raro de encontrar nos folhetos sindicais desenvolvimentos
acadêmicos sobre a medida do stress, que retomam de boa fé os mesmos termos que
aqueles que aparecem sobre as apresentações da direção” (ibid., p. 41).
Triagem, taxas, dosagem, desintoxicação. Um certo modelo de prevenção dos
riscos psicossociais usado na maioria das vezes pelas consultorias em um mercado que
está “superaquecido” promete uma externalização da gestão desses riscos. Mas isso é uma
espécie de um clareamento de uma elaboração coletiva impossível que podemos ver como
um reprocessamento dos dejetos subjetivos do trabalho. Os dois reducionismos descritos
acima são então acumulados: o que é visado, é a readaptação estrita da pessoa ao trabalho
tal qual ele é. Uma vez reduzida a essas condições externas a atividade dos sujeitos é
reduzida uma segunda vez a essas condições internas. Falando nos termos do dilema
criticado por Tosquelles – como se a escolha dos homens fosse apenas entre se adaptar
ou perecer à maneira dos animais – poderíamos dizer: para não perecer ele deve se adaptar
permitindo readaptar-se à organização. A própria ideia que a atividade dos sujeitos e sua
vida subjetiva pudessem se desenvolver nas transformações que, ao contrário, adaptam a
tarefa e a organização às exigências vitais do trabalho não vem mais espontaneamente à
mente de alguns organizadores.
Mas é, portanto, assim, há adaptação e adaptação. Para ver que apenas uma, a
tentação, nutrida de boas intenções, de controlar a todo preço a urgência, nos
aproximamos perigosamente de um “despotismo compassional”. Tomamos um exemplo:
agora existem grandes empresas que desenvolveram “fichas de relatório” autorizando um
terceiro “testemunha” a relatar um “portador de riscos”. Pode-se então demandar a
instrução de um dossiê de tratamento de riscos psicossociais para um colega ou um
subordinado diante de uma comissão. O relator, emissor do relato, pode ser também a
“vítima” do risco. Mas esse terceiro é obrigado a relatar esta “vítima” para evitar uma
situação de não-assistência à pessoa em perigo. A comissão reclama então o máximo de
informações sobre a atitude do relatado visando a instrução de seu caso e aceitar um
acompanhamento. A pessoa relatada deve certamente acordar para que se engaje um
“procedimento”. Mas se ela não acorda, o documento de relato é arquivado pela comissão.
Supomos que está aí o meio encontrado para se “cobrir” sobre o plano jurídico. Não
podemos ainda obrigar os trabalhadores a um “dever de cuidado”. Mas quando o
beneficiário aceita o tratamento do risco que ele “apresenta”, ele deve contatar de
preferência uma rede de cuidadores – psiquiatras e psicólogos – proposta pela própria
empresa. Mesmo se o conjunto é evidentemente “confidencial”, podemos qualificar esse
higienismo consistindo de uma verdadeira polícia sanitária, mesmo se a OMS fale mais
prontamente de “democracia sanitária” para caracterizar ainda mais essas estratégias. Em
todo caso, uma tal “reciclagem” dos desgastes do trabalho é, como tal, um risco
psicossocial de um outro tipo e amplamente subestimado: o risco que corre essa marca de
vítimas não somente aos próprios trabalhadores, mas à toda vida social que ela contamina.

Higienismo e positivismo
As “ciências do trabalho”, Psicologia ou Ergonomia e, além disso, a tradição
clínica não tem certamente nada a ganhar em responder a esse tipo de demanda social,
nem sobre o plano do reconhecimento de sua função social – o que não seria mais do que
falso – nem sobre o plano epistêmico (Clot, 2010b). Para se convencer é suficiente se
lembrar dos primórdios da Psicologia do trabalho, na metade do século XX. De fato, a
história da psicotécnica, evocada nesse mesmo número por D. Lhuilier, está aí para
mostrar como os riscos são grandes de um pernicioso movimento pendular do qual não
se emancipa facilmente. Parte do “bom sentimento” misturado com ingenuidade de que
a expertise pode permitir se libertar dos conflitos engendrados pelo trabalho no mundo
real, a psicotécnica tem assumido para ela dar uma solução à questão social (Huteau,
2002). Entre a Primeira Guerra mundial e os anos 1950, ela ganhou inicialmente uma
grande legitimidade enraizada num potente desenvolvimento prático de suas aplicações
industriais. Ela foi rapidamente reconhecida. Mas buscando indistintamente adaptar o
homem ao trabalho e o trabalho ao homem, ela acabou por se adaptar ela mesma ao
trabalho como ele era. Ela acreditava ser a fonte erudita de sua transformação. Ela se
dissolveu ali se tornando cada vez mais o instrumento de sua “racionalização”. Tais são
as armadilhas da profilaxia social. Não sem consequências. Suzane Pacaud, uma das suas
figuras mais marcantes, expressou bem os dilemas e as oscilações que finalmente
causaram a perda da corrente de pesquisa inovadora que constituiu no seu tempo a
psicotécnica.
Em 1954, enquanto a euforia inicial do período entre guerras chega ao fim, ela
formula o seguinte diagnóstico: “Estamos testemunhando hoje precisamente ao fato
inquietante de que a extensão extremamente rápida das aplicações psicotécnicas resultou
no abandono, por alguns “psicotécnicos”, da análise do trabalho... A maior parte dos
aplicadores se livrando dela, prejudicando, assim, o enriquecimento dos conhecimentos
no domínio da psicologia do trabalho bem como a eficácia das técnicas psicológicas, para
a indústria que as utilizam” (Pacaud, 1954, p. 580). Ela prognostica: “Se a experimentação
em Psicologia aplicada não pode ultrapassar a etapa de “testagem” automática, ela vai
assinar a chegada de seu fim, pela chegada de sua evolução” (ibid., p. 693). E, em uma
frase, ela condensa finalmente, talvez sem saber, o movimento pendular descontrolado
mencionado acima: “Como na família e na escola, no trabalho nós também somos
convidados a aconselhar, defender, arbitrar, reconciliar, acalmar, consolar [...] e para
cumprir as tarefas de uma responsabilidade e nobreza tão altas, somos solicitados a
depender de cada chefe ou cada empresa. Vamos, essa é uma piada! [...] Só queremos
depender da ciência” (Pacaud, 1953-1954, p. 195). Preso em uma prática comercial
sincera ou compatível, em busca de proteção urgente para os trabalhadores, a expertise
psicológica se transforma então em Ciência em letras maiúsculas que ela toma como
escudo.
É isso que o ativismo higienista no campo e o positivismo do laboratório sempre
fizeram bem. Nesta perspectiva, o território da atividade real dos trabalhadores com seus
imprevistos, suas irregularidades, seus eventos e, no todo, sua história possível, não é
nada mais que uma colônia para o saber da metrópole científica (Vygotsky, 1926/2010,
p. 225). Quando a colônia se afasta da ação higienista a metrópole sabe como recuperar
seus direitos ao Saber. Mas, infelizmente, é ao custo de sua própria esclerose. Nos dois
casos, o “catecismo” positivista é respeitado, mas é em detrimento da ação e do
conhecimento ao mesmo tempo. Como bem viu G. Canguilhem, a formula de A. Conte,
“saber para prever afim de poder é tão enganador quanto célebre” (Lecourt, 2008, p. 71).
Quando derrubamos a ação do saber, o fracasso da ação provoca inevitavelmente a
restauração do academicismo onde o saber é aniquilado.

Sem poder tudo prever

A perspectiva em clínica do trabalho pode ser naturalmente de evitar ao mesmo


tempo o pragmatismo higienista e o cientificismo que o prepara e o segue. Isso torna
possível uma reversão essencial intercalando a atividade vital imprevisível – o que não
quer dizer inexplicável – entre o saber e seus “objetos”: agir sem poder tudo prever afim
de saber é certamente uma opção difícil de se tomar e de sustentar (Clot, 2009; Clot,
2010a). Portanto a psicopatologia do trabalho, amplamente definido no artigo de D.
Lhuilier aqui mesmo, pode ajudar a clínica do trabalho a fazê-lo. Nesse quadro a resposta
não pode preceder a questão. Ela deve se reconstruir a cada vez. “O médico, observa
Canguilhem, tem tendência a esquecer que são os pacientes que chamam o médico”
(2004, p. 139). Com ele podemos de fato lembrar que se não houvessem obstáculso
patológicos, não haveria Psicologia porque não haveria problemas psicológicos a se
resolver: “É o pathos que condiciona o logos porque ele que o chama” (Ibid., p, 139). A
linha é clara.
No entanto, também é preciso: o pathos também chama bem e verdadeiramente o
logos. Canguilhem não hesita: “Podemos também admitir que a vida desconserta a lógica,
sem crer portanto faremos melhor com ela renunciando à formação de conceitos” (1955,
p. 1). Também não hesitamos. Mas a ligação em questão deve ser entendida como um
logos que merece melhor do que o cientificismo. Além do “já dito” do conhecimento
constituído, da vocação monológica, o chamado ao conhecimento que está sendo
discutido aqui está virado para o lado do “ainda não dito”, dos problemas irresolutos, dos
conceitos em pousio. Do lado do que continua ser difícil de pensar – da vocação dialógica
– na história do saber. O que o pathos reclama nesta direção é finalmente, além do logos
como tal, o trabalho do logos: uma atividade de conhecimento cuja controvérsia seja a
fonte principal e a disputa o princípio do desenvolvimento. A prática em saúde do
trabalho, na sua vertente clínica de ampliação possível do poder de agir dos profissionais,
exige agora, diante da explosão das doenças, uma renovação científica. Ela necessita
então de verdadeiras confrontações teóricas.

Questões a serem tomadas

Existe, na matéria, uma tradição de discussão, uma experiência de trocas


autênticas na história da psicopatologia do trabalho. Entre aqueles que podemos
considerar como fundadores desta disciplina, as questões foram abertas, os afrontamentos
teórico-clínicos ocorreram. Eles não estão tão longe de nossas preocupações hoje no
centro da ação que é a nossa (Lhuilier e Litim, 2009). Tomemos um exemplo que evocará
talvez as questões do coletivo como operador clínico na psicologia do trabalho
contemporânea. Em 1951 ocorreu em Bonneval pela iniciativa de H. Ey um simpósio
sobre a psicoterapia coletiva consagrada ao trabalho nos hospitais psiquiátricos como
meio terapêutico (1952). Foi uma oportunidade para uma troca animada entre L. Le
Guillant e F. Tosquelles. Le Guillant criticava algumas práticas de ergoterapia e de
trabalho de grupo no interior do hospital. Ele sustentava que elas estavam desviando da
ação sobre as condições reais de alienação: “Essas transformações, no interior em algum
tipo de dispositivo material do asilo e do espírito que o inspira, nos distancia dos
verdadeiros problemas psiquiátricos que são, na minha opinião, o estudo das situações
patógenas que alienam os homens, de seu modo de ação e de sua transformação” (p. 571).
Tosquelles, do qual conhecemos a contribuição oblíqua, mas forte à nossa disciplina,
respondeu sem rodeios que seu pensamento teve o resultado infeliz de “escotomizar” a
questão: “Os grupos no hospital são mistificações, que os pacientes vão trabalhar na
fábrica e que eles se juntem aos seus pais! É verdade, mas Le Guillant é muito inteligente
para não perceber que é da fábrica ou da família precisamente que os pacientes foram
trazidos voluntariamente ou forçados para o hospital” (p. 573). Além da questão do
trabalho em psiquiatria, esta “disputa profissional” fica no centro da questão difícil que
nos retém aqui: a relação entre o estudo dos riscos, a crítica das alienações, e os meios de
agira para a transformação real das situações em que, certamente, ninguém quer se
distanciar. Isso não é mais que um exemplo. Mas vamos concordar que ao tocar a função
psíquica do grupo na história dos sujeitos, continua a ser muito atual. Concordamos
também da utilidade de um diálogo também vivo.
Tomemos um outro exemplo mais atual. Até hoje o higienismo que progride tem
necessidade, para se assegurar um semblante de legitimidade ou de reassegurar a
tranquilidade, de uma construção imaginária: aquela de um sujeito “passivo” encarcerado
no sofrimento e a quem se resgatar. Agora, como bem observou uma psicanalista como
N. Zaltzman: “Uma certa cultura analítica do íntimo associado a uma concepção triste da
existência humana, à fragilidade suposta do psíquico, à sua reatividade traumática, pode
colaborar com o seu conhecimento e emprestar perigosamente uma ajuda a uma
colonização do sujeito pelo Estado. Em nome das fragilidades a proteger, a ordem sócio-
política exigiria de cada sujeito na sua relação com o Estado, uma transparência cada vez
maior” (2000, p. 123). Eu creio verdadeiramente que a entrada desse gênero “cultura
analítica” no mundo do trabalho é efetivamente um cavalo de Troia do “bom poder”, para
falar como E. Enriquez (2009, p. 87). O bom poder transparente do higienismo se vira
portanto contra uma certa psicanálise e interroga de repente sobre seus fundamentos. Para
considerar apenas ele, o trabalho de N. Zaltzman retomou, depois dos outros, no interior
da psicanálise, a questão do lugar do coletivo no destino individual, portanto
irredutivelmente singular.
A clínica do trabalho, afim de apresentar uma alternativa crível à gestão pela alta
dos riscos psicossociais, não pode evitar de participar dessa discussão que é finalmente
uma discussão sobre a função psíquica do social. Basta dizer claramente que eu partilho
o ponto de vista de N. Zaltzman procurando tirar todas as consequências: “Algumas
concepções latentes ou manifestas da psicanálise como processo de individuação, como
um viés do trabalho de reforço identitário de um sujeito, quer seja do lado do self ou do
lado do eu, creditam a ideia de singularidade subjetiva, centrada sobre a autodefesa de
sua intimidade. Elas participam assim na ideia de um antagonismo entre o indivíduo e a
sociedade” (2000, p. 126). Para ela, a intimidade tem um pré-requisito: “Um sentimento
de comunidade interior, o sentimento de existência de um investimento comum possível
(Ibid., p. 128). Como Vygotsky, poderíamos dizer então: “O individual no homem não é
o contrário do social, mas sua forma superior” (2004, p. 136). Se seguimos esta pista, ela
vai certamente na concepção do sujeito, da clínica e da intervenção no meio profissional.
O quadro desta clínica é o assento de uma ação onde o psicossocial não tem
somente um risco, mas também um verdadeiro recurso possível. Uma clínica em que o
psicossocial não é somente um “fator” mais ou menos favorável para a saúde dos
trabalhadores, mas o terreno de predileção e o meio de reencontrar uma iniciativa perdida.
É talvez uma clínica da “atividade deliberada” para retomar a fórmula de C. Castoriadis
(2002, p. 111-157). Alimentada por uma outra tradição que não aquela da psicanálise, é
provável que ela evite esta “colonização do sujeito pelo Estado” em nome do bem-estar
que definiu tão bem o higienismo? Podemos, como é meu caso, pensar assim. Mas
também podemos discuti-lo. Esperemos. Porque a ação para acabar com os riscos
psicossociais depende também das discussões que poderemos conduzir.

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