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A CONTRA-REFORMA AGRÁRIA EM RONDÔNIA: colonização

agrícola, expropriação e violência

Murilo Mendonça Oliveira de Souza1


Vera Lúcia Salazar Pessôa2

RESUMO

O avanço sobre a fronteira amazônica ocorreu inserido em contexto de


expropriação e violência. No território rondoniense, durante a década de 1970,
esse processo foi ainda mais intenso, atingindo ao mesmo tempo índios,
seringueiros, garimpeiros e posseiros. Ao mesmo tempo, padeceram os
colonos pobres, tangidos Centro-Sul pela também excludente modernização no
campo. Nesse sentido, o presente texto tem como objetivo geral compreender
o processo de expropriação promovido pela colonização agrícola em Rondônia,
durante a década de 1970 e primeiros anos da década de 1980. Busca-se, ao
mesmo tempo, entender o contexto sob o qual os projetos de colonização
foram implantados, assim como, as conseqüências resultantes de tal processo.
Para isso, faz-se, inicialmente, uma re-visita ao processo de avanço sobre a
fronteira amazônica, pelo governo militar. Sequencialmente analisa-se o
processo de colonização dirigida (espontânea) no estado de Rondônia e,
finalmente, procura-se estudar as características da ocupação do território
rondoniense na primeira metade da década de 1980.

Palavras-chave: Colonização Agrícola. Fronteira. Rondônia. Questão Agrária.

1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), membro do Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais (NEAT) e do
Laboratório de Geografia Agrária (LAGEA). Bolsista FAPEMG. E-mail:
murilosouza@hotmail.com.
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG/UFU/ membro do
Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais (NEAT) e do Laboratório de Geografia Agrária
(LAGEA). E-mail: vspessoa98@yahoo.com.br

Olhares sobre o processo investigativo


INTRODUÇÃO

A produção do espaço amazônico e, especificamente, do estado de


Rondônia, apresentou como características fundantes a expropriação e a
violência. Para o território rondoniense, em especial, a Marcha para Oeste foi
sinônimo de degradação do homem e do meio natural. Os grupos indígenas,
que já vinham sendo gradativamente exterminados, a partir da década de
1960, com a colonização agrícola, passam a sofrer um impacto potencializado
da relação com a civilização do capital. Os conflitos entre grileiros e índios não
foram exceção em Rondônia, foram regra. Grande parte dos grupos indígenas,
quando entravam em contato com a frente pioneira, migrava para o interior da
região amazônica, os que assim não fizeram foram exterminados.

Ao fim daquela viagem para caçar, pescar e tirar palha, os índios


Suruí, de Rondônia, encontraram a mata derrubada e a terra
ocupada pelo branco. Era a última viagem. Aquele povo estava
sendo cercado e confinado, suas terras invadidas para produzir
renda fundiária. (MARTINS, 1988, p. 9).

O trecho acima reflete claramente o que ocorreu não somente em


Rondônia, mas em todo o território amazônico. Martins (1988) cita também o
caso dos Nambikwara do Mato Grosso, que quase desapareceram durante a
construção da rodovia BR 364. Esta foi a estrada que, a partir de meados da
década de 1960, trouxe o grileiro, que trouxe o camponês expropriado no oeste
paranaense, mas que trouxe também um processo de desenvolvimento
desigual para todo o território rondoniense.
Os grupos indígenas, contudo, constituem apenas uma parte dos
expropriados pelo processo de colonização do governo militar na região
amazônica. Seringueiros que territorializaram-se historicamente na região,
assim como, garimpeiros e posseiros foram também cercados pelos arames do
latifúndio. As demarcações de vários projetos de colonização, em Rondônia,
sobrepuseram terras ocupadas por antigos seringueiros e posseiros que
produziam em um sistema de subsistência. Por isso, o conflito entre colonos e
seringueiros também foi recorrente durante o processo de colonização agrícola
no território rondoniense.

Olhares sobre o processo investigativo


Não foram menos expropriados, no entanto, os colonos pobres que, sem
terra para plantar no Centro-Sul do país, especialmente no Paraná, foram
tangidos para as terras de Rondônia. De acordo com dados do IBGE (2000),
somente na década de 1970 a população rondoniense cresceu 16,03%,
enquanto o crescimento nacional cresceu apenas 2,48% no mesmo período.
Os lotes demarcados pelo governo militar, no entanto, não foram suficientes
para assentar nem mesmo metade da população migrante.
Essa grande quantidade de colonos sem terra, a negligência do Estado
com relação às populações indígenas, seringueiras, entre outros, produziram
um contexto de extrema violência na luta pela terra, onde os únicos que
ganharam foram os empresários e grileiros. Portanto, o processo de
colonização agrícola da década de 1970 promoveu uma verdadeira contra-
reforma agrária em Rondônia, expropriando ao mesmo tempo diferentes
grupos sociais em todo o estado e produzindo um grupo de produtores rurais
sem terra que, ainda hoje, lutam em busca de um pedaço de chão para
sobreviver e reproduzir-se.
Nesse sentido, o presente texto tem como objetivo geral compreender o
processo de expropriação promovido pela colonização agrícola em Rondônia,
durante a década de 1970, em especial. Busca-se, ao mesmo tempo, entender
o contexto sob o qual os projetos de colonização foram implantados, assim
como, as conseqüências resultantes de tal processo. Para isso, faz-se,
inicialmente, uma re-visita ao processo de avanço sobre a fronteira amazônica,
pelo governo militar. Sequencialmente, analisa-se o processo de colonização
dirigida no estado de Rondônia e, finalmente, procura-se estudar as
características da ocupação do território rondoniense na primeira metade da
década de 1980, com a análise do POLONOROESTE (Programa Integrado de
Desenvolvimento do Noroeste do Brasil) e dos PAR (Projetos de Assentamento
Rápido).

OPERAÇÃO AMAZÔNIA: a ocupação política da região amazônica

Em 1964, quando ocorreu o golpe militar, as estratégias para a


ocupação da fronteira amazônica já estavam traçadas e, relativamente, em
andamento. Cabia aos militares efetivar a ocupação econômica de toda a

Olhares sobre o processo investigativo


região. A intenção era, enfim, tirar algum proveito econômico da floresta
amazônica. Antes disso, contudo, nos dois primeiros anos do regime militar,
debateu-se a questão agrária e definiram-se as bases sobre as quais se daria o
avanço para a fronteira amazônica. Foram implementadas, por exemplo,
algumas mudanças no Estatuto da Terra, para que a posse da terra por
empresas capitalistas e pelo Estado fosse garantida. O objetivo primordial era a
abertura da Amazônia para os investimentos do capital nacional e
internacional, com a parceria do Estado. O ponto de partida para esse
empreendimento foi dado em reunião realizada no rio Amazonas já em 1966,
como mostra Ariovaldo Umbelino de Oliveira.

As intenções desenvolvimentistas dos governos militares com


relação à Amazônia foram iniciadas com a primeira “Reunião de
Investidores da Amazônia”, realizada através de um “cruzeiro” a
bordo do navio Rosa da Fonseca, em nove dias de viagem pelo rio
Amazonas (dezembro de 1966). Nesta reunião, definiram-se os
interesses dos empresários do Centro-Sul e os objetivos da adesão
empresarial ao projeto governamental: só investir se o lucro fosse
certo. (OLIVEIRA, 1988, p. 32).

Mesmo antes dessa reunião, as bases para a ocupação capitalista da


Amazônica já haviam sido preparadas. Os militares criaram uma série de
instrumentos econômicos que definiriam a incorporação da Amazônia à
economia brasileira. No inicio de 1965, foram estendidos para a região
amazônica os incentivos fiscais e creditícios concedidos ao nordeste. No mês
de setembro de 1966 autorizaram-se os incentivos fiscais para as empresas
florestais, assim como, foi criado o Banco da Amazônia. Um mês depois foi
criada a grande região da “Amazônia Legal” e, completando a estrutura de
ocupação econômica, em 27 de outubro de 1966 foi criada a SUDAM
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), em substituição à
SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia),
já em processo de decadência (SANTOS, 1993).
Nesse contexto é que foi estabelecida a Operação Amazônia. Essa
operação propunha uma nova perspectiva na ocupação da região amazônica,
ou seja, incentivar a imigração; criar condições para o capital privado;
desenvolver uma infra-estrutura na região e pesquisar o potencial dos recursos
naturais (MACIEL, 2004).

Olhares sobre o processo investigativo


A estratégia do Estado autoritário, para o desenvolvimento do Brasil e da
Amazônia, centrou-se no lema “integrar para não entregar”. A partir dessa
idéia, a ocupação da Amazônia, no contexto de desenvolvimento nacional,
deveria ser o espaço para amenizar os conflitos de luta pela terra no Nordeste
e aqueles promovidos pelo processo de modernização agrícola no Centro-Sul.
Com isso, seria pavimentado o caminho para o desenvolvimento do capitalismo
na Amazônia. A parceria Estado-Capital foi, via de regra, a base de ação dos
militares na colonização amazônica. Esse processo de colonização, de acordo
com Ianni (1979) foi estruturado pela política de colonização dirigida, por um
lado, e pela expansão da empresa agropecuária, por outro. Ou seja, o controle
sobre a terra era fator primordial para os planos de desenvolvimento
econômico do Governo Militar.
O então Território Federal de Rondônia constituiu-se, a partir de 1970,
em um verdadeiro laboratório dos projetos militares para a Amazônia. Entre
1970 e 1978 foram instalados sete projetos dirigidos de colonização em
Rondônia, com o assentamento de 23.210 famílias de colonos. Juntamente
com as famílias instaladas nos projetos do Estado Militar, veio para o estado
um imenso fluxo migratório espontâneo. Todo esse contexto promoveu em
Rondônia o crescimento dos conflitos pela terra. Esse processo de colonização
dirigida, que foi ao mesmo tempo espontâneo, é o que se analisa a seguir.

A COLONIZAÇÃO DIRIGIDA (ESPONTÂNEA) EM RONDÔNIA

O avanço para áreas de fronteira e, especificamente, para a fronteira


amazônica já vinha sendo ideologicamente arquitetado desde o Estado Novo.
O plano rodoviário nacional, em especial, refletia a estratégia de interiorização
da ocupação econômica brasileira, garantindo a segurança nacional e criando
um mercado interno para a indústria em gestação. A construção da Belém-
Brasília, o projeto da transamazônica e da BR 364 (Cuiabá-Porto Velho), entre
outras grandes obras, adiantava os objetivos do Estado brasileiro em ocupar a
região amazônica. No entanto, o avanço sobre essa fronteira, até a segunda
metade da década de 1960, ainda não havia se concretizado de fato. É,
basicamente, a partir do Golpe de 1964, que muitas das idéias gestadas nas
décadas anteriores serão colocadas em prática. E são, também, fatores que já

Olhares sobre o processo investigativo


vinham ocorrendo anteriormente que impulsionarão o Estado militar a avançar,
concretamente, sobre a fronteira amazônica.
Entre os fatores que impulsionaram a ocupação da Amazônia e,
especificamente, do território rondoniense, concorrem o fechamento da
fronteira no Paraná, o processo de modernização no campo e a tensão agrária
no nordeste. A fronteira do oeste paranaense recebeu na década de 1960,
principalmente, grande quantidade de agricultores vindos de várias regiões
brasileiras. O fechamento dessa fronteira, juntamente com o acelerado
processo de modernização agrícola, expulsou uma larga parcela dos
produtores paranaenses que, por sua vez, migraram para a Amazônia.
Migraram massivamente, contudo, para o território de Rondônia. O fluxo
migratório proveniente do Paraná compôs mais de 40% dos colonos
assentados em Rondônia na década de 1970. Os conflitos pela terra
deflagrados desde a década de 1950 no nordeste também concorreram para a
ocupação da Amazônia nos anos 1970. O fluxo nordestino, entretanto, foi
direcionado em especial para as margens da rodovia Transamazônica, tendo
poucos migrado para Rondônia.
Nesse contexto, o Estado assumiu a iniciativa de um novo e ordenado
ciclo de ocupação da região amazônica, consubstanciado em um amplo projeto
geopolítico para a modernização acelerada da sociedade e do território
nacional (BECKER, 2006). Finalmente, o Estado brasileiro havia visualizado a
possibilidade de tirar algum proveito econômico da Amazônia. Essa nova
perspectiva de ocupação se deu, claramente, inserida em um contexto no qual
a agricultura passava a se submeter fortemente às relações capitalistas de
produção e a conseqüente mecanização do campo excluía grande quantidade
de pequenos agricultores e trabalhadores rurais no Sul e Nordeste do país.

[...] tratava-se de tirar proveito econômico da utilização do espaço


brasileiro, associado à disponibilidade de recursos humanos, com a
aplicação de recursos do capital já assegurado às novas regiões.
Proveito para apoiar a manutenção do crescimento acelerado e para
a abertura de novas frentes na conquista de mercados externos.
(CALVENTE, 1980, p.10).

Esse processo se desenvolveu no âmbito do Programa de Integração


Nacional (PIN – 1970), tendo posteriormente se apoiado no primeiro e no

Olhares sobre o processo investigativo


segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND I – 1972/1974 e PND II -
1975/1979). Buscava-se com esses planos a integração de todas as regiões do
país. Juntamente com os programas desenvolvidos nas áreas de cerrado,
visualizava-se a região amazônica, a partir desse período, como área
estratégica para a definitiva integração do país ao mercado externo. Um
exemplo clássico dessa estratégia, a construção da Transamazônica, teve
como objetivo principal promover o acesso a terra para 100 mil famílias de
agricultores, absorvendo os excedentes demográficos do Nordeste e
integrando economicamente esta região brasileira que, até então estava
totalmente isolada (VALVERDE; FREITAS, 1980). É a partir daí que Rondônia
passa a ser vista como uma importante fronteira para a integração das diversas
regiões em um contexto de desenvolvimento nacional.

A partir de 1960 os reflexos das transformações econômicas e


sociais nas outras regiões do país, com a expansão do capital no
sudeste, passaram a influenciar o processo de ocupação e
exploração econômica de Rondônia. (CALVENTE, 1980, p. 17).

Entre os projetos estatais que tomaram parte na ocupação de Rondônia


é importante destacar, inicialmente, o PROTERRA3 (Programa de
Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste), que
teve como objetivo promover o acesso mais fácil do homem a terra. Os
recursos deste programa foram destinados à criação de uma linha de crédito
para formação, em cooperativas agrícolas e empresas, de projetos de
colonização ao longo das rodovias-tronco no norte do estado do Mato Grosso e
Rondônia. Os beneficiários atingidos pelo PROTERRA foram, no entanto,
majoritariamente produtores do sul que venderam suas terras para adquirir
áreas bem maiores nos projetos privados do programa (SOUSA FILHO, 1996).
Os projetos que estabeleceram a base para o avanço da fronteira
econômica e do capital sobre o estado de Rondônia foram os Projetos
Fundiários (Tabela 1), que tinham como objetivo resguardar a posse da terra
sob o domínio do Estado nacional e, ao mesmo tempo, disponibiliza-la para a
ação das empresas capitalistas que almejavam investir no estado.

3
Criado pelo Decreto-Lei número 1.179, de 6 de julho de 1971.

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Tabela 1 -Projetos Fundiários em Rondônia, 1970-1980.
Projetos Áreas Discriminadas (ha) Áreas a Discriminar (ha)
Alto Madeira 3.090.210 2.479.790
Corumbiara 5.859.000 131.500
Guajará-Mirim 5.835.464 1.209.536
Jarú – Ouro Preto 3.730.442 1.968.458
Total 18.515.116 5.789.284
Fonte: INCRA-CETR/CDA, 1981 apud Lopes, 1983.

As grandes áreas constituídas pelos Projetos Fundiários no estado de


Rondônia visavam estruturá-lo para o avanço da fronteira econômica e para a
ação do capital. As terras de cada projeto foram reservadas para diferentes
fins. Os principais fins para os quais foram direcionadas as terras dos projetos
fundiários foram: Concorrência Pública, Regularização Fundiária e
Colonização.
Aos Projetos Fundiários coube a discriminação de terras devolutas e a
incorporação ao patrimônio público de áreas desocupadas e daquelas que
estavam sendo ilegalmente ocupadas. Esses projetos deveriam, também,
promover a titulação das posses legitimáveis ou passíveis de regularização,
propondo o reconhecimento dos títulos de domínio existentes (LOPES, 1983).

Através desses Projetos Fundiários, foi assegurada aos seringalistas


a possibilidade de regularização de áreas para membros do conjunto
familiar de até 2.000 ha na faixa de fronteira e de até 3.000 ha fora
dela; aos seringueiros, desde que comprovem a posse efetiva da
área que ocupam, caracterizada por residência no local e exploração
agropecuária efetiva, dentro dos limites previstos na lei. (LOPES,
1983, p. 26).

Apesar da citação acima mostrar uma intenção estatal de garantir a


posse de seringalistas e de seringueiros, foram raros os casos em que a posse
desses últimos foi realmente garantida. Isso decorreu do fato de que as áreas a
serem garantidas aos dois grupos eram as mesmas e, via de regra, era
mantida a posse dos seringalistas, em detrimento de largo número de
seringueiros. Quando isto não ocorria, estas terras eram alvo de intenso
processo de grilagem, principalmente, por empresários do Centro-Sul.
Com as áreas arrecadadas pelo processo de Regularização Fundiária
foram estabelecidas, primeiramente, áreas de Concorrência Pública. As áreas

Olhares sobre o processo investigativo


constituídas nos processos de licitação pública foram destinadas a projetos de
desenvolvimento econômico, ligados ao grande capital. As áreas de licitação
variavam de 200 a 2.000 ha. São exemplos: Gleba Corumbiara (produção
pecuária de corte), Gleba Burareiro (produção de cacau) e a Gleba Garças
(produção pecuária de leite e corte) (LOPES, 1983; CUNHA, 1985). Sem
muitas alterações, essas áreas foram acessadas por grandes grupos
capitalistas.
É válido ressaltar que, enquanto as áreas de Regularização Fundiária e
Concorrência Pública abrangeram uma área de 9.504.320 ha, as reservadas
aos Projetos de Colonização compuseram apenas 4.128.636 ha (LOPES,
1983). Aprofundando um pouco mais, entende-se que o Estado militar fazia um
discurso de que promoveria a colonização com base em pequenas
propriedades, mas, na prática, o que acontecia era a distribuição de grandes
áreas para capitalistas nacionais e internacionais.
Os Projetos de Colonização foram instalados, majoritariamente, sob
duas formas: os PIC (Projetos Integrados de Colonização) e os PAD (Projetos
de Assentamento Dirigido) (Tabela 2).

Tabela 2- Projetos de Colonização Dirigida em Rondônia, 1971-1981.


Projetos Área Total (ha) Famílias Assentadas
PIC Ouro Preto 512.585 5.161
PIC Gy-Paraná 476.137 4.730
PIC Paulo de Assis Ribeiro 293.580 3.076
PIC Pe. Adolpho Rohl 413.552 3.462
PIC Sidney Girão 73.000 638
PAD Marechal Dutra 478.546 4.603
PAD Burareiro 304.925 1.540
Assentamento Rápido4 1.576.311 13.700
Total 4.128.636 36.910
Fonte: INCRA-CETR/CDA, 1981 apud Cunha, 1985.

Os PICs tiveram uma melhor programação, onde o INCRA fornecia,


além da demarcação das áreas, a infra-estrutura socioeconômica básica, o que
refletia, de certa forma, uma postura paternalista por parte do Estado. Os lotes
dos PICs foram estruturados em glebas de 100 ha por família colona e,

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Os principais projetos de Assentamento Rápido implantados foram os seguintes: Vale do Rio
Anari, Nazaré, Nova Vida, Santa Rosa, Cunha do Marechal, Castro Alves, Vida Nova e D’Jaru-
Uaru (SOUSA FILHO, 1996).

Olhares sobre o processo investigativo


verdadeiramente, tinha como objetivo prover mão-de-obra para os projetos
ligados ao grande capital.

O INCRA além de identificar e selecionar os beneficiários, designa-


lhes parcelas, fornece infra-estrutura e, por meios próprios ou de
outros órgãos, implantam atividades de assistência técnica, creditícia,
de comercialização, saúde, educação e até de associativismo.
(CUNHA, 1985, p. 62).

Nos PADs o Estado apenas investia na locação e abertura de estradas,


desde que os assentados tinham uma melhor situação econômica e os lotes
recebidos eram maiores (250 ha). Esses projetos contemplavam agricultores
com maior experiência agrícola e capacidade de acesso a recursos financeiros
no sistema bancário. A responsabilidade do INCRA se restringia à seleção dos
beneficiários e titulação dos lotes. (CUNHA, 1985; PERDIGÃO; BASSEGIO,
1992; MESQUITA, 2001). Esses projetos foram focados, basicamente, na
produção de cacau e na pecuária.
Os PICs e os PADs não foram suficientes para assentar a massa de
migrantes que chegava, ininterruptamente, ao estado de Rondônia. A chegada
espontânea de grande quantidade de migrantes nesse período levou o INCRA
a assentar grande quantidade de famílias nos PAR (Projeto de Assentamento
Rápido). Os conflitos pela terra aumentaram de forma muito rápida durante a
década de 1970, mas somente a partir de 1980 o Estado passa a implementar
os projetos rápidos. O objetivo dos militares não era, contudo, somente o de
resolver os conflitos agrários em Rondônia, mas, também, de implantar novas
estruturas para o desenvolvimento do capitalismo. Nesse contexto, os PARs
foram desenvolvidos de forma concomitante com o POLONOROESTE. Este
programa e os projetos de assentamento rápido são discutidos abaixo.

O POLONOROESTE E OS PROJETOS DE ASSENTAMENTO RÁPIDO

É certo que os projetos de colonização implantados entre 1970 e 1978


em Rondônia trabalharam na contramão da democratização do acesso a terra.
O elevado fluxo migratório direcionado para o estado e a proposta
conservadora do governo militar levaram a uma intensa desestruturação na
posse da terra. Índios e seringueiros foram expropriados, garimpeiros e colonos

Olhares sobre o processo investigativo


sem terra foram completamente esquecidos. Os projetos integrados e dirigidos
de colonização não resolveram e ainda intensificaram os conflitos pela terra no
território rondoniense. Em 1981, com a suposta intenção de amenizar o conflito
agrário em Mato Grosso e Rondônia, promovendo ao mesmo tempo o
desenvolvimento econômico da região, foi estabelecido o POLONOROESTE.
Com recursos financeiros de 1,5 bilhões de dólares (34% proveniente do Banco
Mundial), o programa tinha como principais objetivos, os seguintes:

- Asfaltamento de 1.400 km da rodovia BR 364, ligando Cuiabá e Porto Velho;


- O estabelecimento de cerca de 20.000 camponeses em novos projetos de
colonização, dos quais 15.000 se estabelecerão em Rondônia (24% dos meios
financeiros do programa);
- O desenvolvimento rural integrado nas áreas de influência da estrada BR 364
no Mato Grosso e em Rondônia (23%);
- O combate à malária em Rondônia (2%);
- A proteção das populações indígenas na zona de influência da BR 364 (3%);
- A proteção do meio ambiente na região-programa (1%) (COY, 1987).

Contudo, os objetivos estabelecidos mostraram, posteriormente, um


caráter apenas demagógico, desde que, os recursos do programa foram
concentrados basicamente no estabelecimento de infra-estrutura produtiva
para a região atendida. Somente o projeto de asfaltamento da BR 364 foi
responsável pelo consumo de 42% de todos os recursos destinados ao
programa nos dois estados (COY, 1987). Carvalho (2004, p. 44) confirma esse
fato dizendo que “[...] o POLONOROESTE tinha como principal objetivo o
asfaltamento dos 1.400 km da BR 364 entre Cuiabá e Porto Velho”. Mesmo os
recursos que estavam destinados ao fortalecimento de políticas
socioambientais foram re-alocados para a criação de infra-estrutura,
especialmente, viária. O recurso destinado ao assentamento de famílias
colonas em projetos de assentamento, não foi totalmente utilizado, sendo que
apenas três projetos foram efetivamente implementados (Tabela 3).

Olhares sobre o processo investigativo


Tabela 3- Projetos de assentamento implantados com recursos do
POLONOROESTE em Rondônia (1981-1984).
Projeto Ano Município Número de Área por
Famílias família (ha)
PA Urupá 1981 Urupá e Alvorada 1266 48,0
do Oeste
PA Machadinho 1982 Machadinho do 2934* 73,0
Oeste e Vale do
Anary
PA Cujubim 1984 Cujubim 507 83,0
Fonte: adaptado de Maciel (2004).
* Este projeto foi estruturado, inicialmente, para o assentamento de 5.520 famílias.

Essa característica do programa possibilitou o aumento das


desigualdades sociais e da degradação do meio natural (principalmente, nas
margens da BR 364), pois possibilitava o desenvolvimento das grandes
propriedades em detrimento do fortalecimento e legitimação de posseiros e
colonos. Tal perspectiva agravou ainda mais o quadro agrário no estado de
Rondônia. Esse programa foi responsável por intensificar a exclusão de
posseiros, índios e camponeses. Na fase de implementação do programa,
entretanto, intensificou-se a organização dos movimentos de luta pela terra no
estado. Isto ocasionou a aceleração dos Projetos de Assentamento Rápido
(PAR), já mencionados, e que foram instalados, no sentido de prevenir conflitos
mais graves na luta pela terra.

O Projeto de Assentamento Rápido foi criado, em 1980, como meio


de solucionar o excedente de 23 mil famílias localizadas em lotes de
outros ou núcleos urbanos, e tiveram uma diferença marcante:
Reduziram pela metade a área dos lotes, que passou a ser de 50
hectares, e não possuem linhas que possibilitem seu acesso
(CUNHA, 1985, p. 62).

Esses projetos eram compostos por lotes de 50 ha e não foram


beneficiados com nenhum tipo de estrutura física, apenas um picada para
chegar à gleba de terra recebida. De acordo com o Estado, estava-se
buscando apenas controlar os conflitos pela terra, mas, durante o processo de
distribuição de terras nos PARs, foram legitimados diversos latifúndios em todo
o estado de Rondônia. Ou seja, assentaram algumas famílias de colonos, mas
intensificaram ainda mais os conflitos pela terra no território rondoniense.

Olhares sobre o processo investigativo


Nesse último período aumentou os movimentos e intensificou-se a luta
pela terra em Rondônia. O POLONOROESTE, focado na criação de infra-
estrutura negligenciou a questão fundiária Com isso, os trabalhadores rurais
sem-terra no estado somam nesse período mais de 20 mil famílias. Entende-se
que os grupos organizados em movimentos de luta pela terra, atualmente, são
de forma geral, “[...] pessoas que sobraram dos projetos de colonização do
governo e estão redesenhando o mapa de Rondônia” (MESQUITA, 2001, p.
26). Nessa massa de trabalhadores sem terra estão incluídos: indígenas
expulsos de suas terras pelas frentes de expansão e pioneira; antigos
seringueiros que vieram para o estado nos dois ciclos da borracha; antigos
garimpeiros que ficaram na região após a privatização da extração de
cassiterita no estado; posseiros de várias origens, que já sobreviviam da terra
antes do processo de colonização dirigida; colonos que migraram
espontaneamente para Rondônia a partir da década de 1970; entre outros.
Resumidamente, a história da fronteira amazônica de forma geral e, em
especial, no estado de Rondônia, foi uma história de degradação, do homem e
da natureza. Mas nas últimas décadas tem sido também uma história de
resistência camponesa, de protesto e de esperança. E é no sentido de iniciar
uma discussão sobre esse processo de degradação humana na fronteira
rondoniense, que situamos este texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ocupação da fronteira amazônica foi sinônimo de expropriação e de


violência. No território rondoniense, durante a década de 1970, mais
concretamente, este processo exterminou diversos grupos indígenas,
desterritorializou seringueiros, garimpeiros e posseiros. A colonização agrícola
no estado foi resposta, também, para os problemas agrários do Centro-Sul do
país, principalmente, do oeste paranaense, onde a fronteira se fechava. Os
produtores excluídos no sul foram tangidos para Rondônia. A maioria não
conseguiu acessar a terra de trabalho. Foram assentadas na década de 1970 e
início de 1980, aproximadamente, 25 mil famílias no estado, fato que é
ressaltado como uma efetiva reforma agrária. No entanto, ainda hoje, lutam
pela terra, no estado, mais de 20 mil famílias, de acordo com dados da CPT

Olhares sobre o processo investigativo


(Comissão Pastoral da Terra). Se somado àqueles que não estão inseridos nos
movimentos de luta pela terra, esse número certamente passa de 30 mil
famílias. Portanto, foram expropriadas mais famílias do que foram assentadas,
o que nos permite assegurar que o que ocorreu em Rondônia foi uma contra-
reforma agrária. Isso explica, sem dúvida, o persistente conflito pela terra no
território rondoniense. Espera-se, contudo, que a luta dos trabalhadores rurais
sem terra possa transformar não somente o desenho agrário do estado, mas
também a compreensão que se tem da reforma agrária no país.

REFERÊNCIAS

BECKER, B. K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. 2. ed. Rio de


Janeiro: Garamond, 2006.

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