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3 4 | d e ze mb ro 2017
Notas sobre o metamodernismo
Timotheus Vermeulen
Robin van den Akker
t e m á t i c a s | T i m o t h e u s V e r m e u l e n e R o b i n va n d e n A k k e r 233
A escolha nessa eleição não é entre regiões mais substituem suas plantas [blueprints] por
ou religiões, ou gêneros. Não diz respeito a ambientes e “greenprints” ambientais. E as novas
ricos x pobres, jovens x velhos. Nem a negros gerações de artistas cada vez mais abandonam os
x brancos. Essa eleição diz respeito a passado preceitos estéticos da desconstrução, da parataxia
x futuro. Diz respeito à opção pelas mesmas e do pastiche, em favor de noções est/éticas de
divisões e distrações e dramas que hoje reconstrução, mito e metáxia. Esses padrões
pretendem apresentar-se como política ou se e tendências não podem mais ser explicados
devemos buscar uma política de senso comum nos termos do pós-moderno. Eles expressam
e de inovação, uma política de sacrifício e de uma (frequentemente hesitante) esperança e
prosperidade compartilhados... Sim, podemos. (algumas vezes simulada) sinceridade que levam
Sim, podemos mudar. Sim, podemos. a outra estrutura do sentimento, invocando outro
discurso. A história, assim parece, move-se, célere,
Barack Obama1
para além de seu fim precocemente proclamado.
Tenho notado uma nova abordagem na Neste ensaio, procuraremos determinar os
produção artística em exposições recentes em contornos dessa nova estrutura do sentimento.
museus e galerias. ... uma atitude que afirma: Discutiremos, primeiramente, o debate a respeito
sei que a arte que estou criando pode parecer do alegado fim de “o” pós-moderno e o aparente
fútil, estúpida até, ou pode já ter sido feita, aparecimento de outro modernismo. Mostraremos
mas isso não quer dizer que não seja séria. que esse modernismo se caracteriza pela oscilação
Ao mesmo tempo autoconscientes sobre entre um comprometimento tipicamente moderno
arte, destemidos e audaciosos, esses jovens e um desinteresse marcadamente pós-moderno.
artistas não apenas percebem a diferença Batizamos essa estrutura de sentimento de
entre seriedade e descompromisso como algo metamodernismo.4 Segundo o dicionário inglês-
artificial; eles entendem que podem ser ao grego, o prefixo “meta” se refere a noções como
mesmo tempo irônicos e sinceros, que estão “com”, “entre”, e “para além de”. Usaremos
produzindo arte a partir desse estado de essas conotações de “meta” de maneira similar,
espírito composto/complexo. mas não indiscriminadamente − pois afirmamos
Jerry Saltz2 que o metamodernismo deveria situar-se
epistemologicamente com o (pós)modernismo,
ontologicamente entre o (pós)modernismo, e
O ecossistema está severamente desordenado, historicamente além do (pós)modernismo. E,
o sistema financeiro progressivamente fora de finalmente, examinaremos mais de perto algumas
controle, e a estrutura geopolítica começou, tendências que exemplificam a sensibilidade
recentemente, a parecer tão instável quanto tem dominante, em particular a reviravolta romântica
sido desigual. 3 na estética contemporânea.
Os executivos e os políticos expressam seu “desejo Algumas observações finais sobre nossa
de mudanças” em toda entrevista e manifestam, abordagem. Como sugerido por “Notas sobre
diante das câmeras, um emocionado “sim, nós o metamodernismo”, título deste ensaio, nossa
podemos”. Planejadores e arquitetos cada vez intenção é fornecer um conjunto de observações
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discurso contemporâneo é estruturada em torno Em nosso entendimento, Bourriaud resume a
dos avanços tecnológicos. O digimodernismo definição do altermodernismo como “uma síntese
de Kirby, por exemplo, “deve sua emergência entre o modernismo e o pós-colonialismo”.15 De
e primazia à digitalização do texto, que implica acordo com Bourriaud, essa síntese se manifesta
uma nova forma de textualidade, caracterizada, na heterocronicidade e na “arquipelografia”,
em suas instâncias mais puras, pela busca do que na “percepção globalizada”, assim como no
está por vir, pela arbitrariedade, pela evanescência nomadismo e em uma incorporação e/ou
e pela autoria múltipla, anônima e social”.9 E o afirmação da alteridade e na exploração de outros
automodernismo de Samuel pressupõe uma lugares, respectivamente.
correlação entre “a automação tecnológica e a
Muitas das observações de Bourriaud parecem
autonomia humana”.10 Muitas dessas concepções
ser corretas. O mundo desenvolvido expandiu-se
– e as de Lipovetsky, Kirby e Samuel, embora
– e ainda se encontra em processo de expansão
possam ser úteis para a compreensão dos
– para muito além das fronteiras tradicionais do
desenvolvimentos recentes, são exemplares disso –
assim chamado Ocidente. Bourriaud argumenta
parecem, no entanto, radicalizar o pós-moderno,
que esse desenvolvimento resultou em um
e não reestruturá-lo. Elas costuram e descosturam
heterocronismo das sociedades globalizadas
o que seriam os efetivos excessos do capitalismo
tardio, da democracia liberal e das tecnologias da com diversos graus de modernidade e em um
informação e da comunicação, mais do que desvios arquipélago global desprovido de um centro; em
da condição pós-moderna: hibridismo cultural e temporalidades que se interceptam globalmente
(inter)textual, “coincidentalidade”, identidades e geografias historicamente inter-relacionadas.
(autorizadas) dos consumidores, hedonismo e, de Consequentemente, ele afirma com justeza,
um modo geral, um foco na espacialidade, mais do nossa modernidade corrente não pode mais
que na temporalidade.11 A sugestão de Nicholas se caracterizar nem pelo discurso moderno do
Bourriaud, o altermodernismo, é provavelmente olhar universal do homem ocidental, macho,
a concepção mais conhecida do discurso mais branco, nem por sua desconstrução por
recente. No entanto, ela também parece ser a linhas heterogêneas de raça, gênero, classe e
menos compreendida. Em resposta à exposição localidade. Ele sugere, alternativamente, que
de mesmo nome curada por Bourriaud para a nossa modernidade seja exemplificada por uma
Tate Britain em 2009, Adrian 12
Searle escreveu percepção globalizada, pelo nomadismo cultural
no The Guardian que “o pós-modernismo está e pela creolização. O (artista) altermoderno é um
morto... mas algo ainda mais estranho tomou homo viator, liberado de (obcecado com) suas
seu lugar”. 13
Similarmente, Rachel Campbell- origens, livre para viajar e explorar, percebendo
Johnston, crítica do The Times, afirmou que “o uma nova paisagem e a “terra incognita” da
pós-modernismo é artigo do ano passado, e sua história. A concepção do altermodernismo de
substituição está espalhada por toda a loja”. O 14 Bourriaud é ao mesmo tempo evocativa e evasiva;
ensaio de Bourriaud sobre a exposição provoca é tão precisa em suas observações quanto é
uma reação similar: o significado preciso de vaga em suas argumentações. Portanto, por
altermodernismo é tão escorregadio e evasivo mais provocadora que sua escrita possa ser, ela
quanto a estrutura do argumento é obscura. é também problemática. Por exemplo, sua noção
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sua concepção de altermodernismo – tal como às grandes narrativas, à razão, ao funcionalismo
demonstram a irregularidade da exposição e a e ao purismo formal etc. Essas posições podem
inconsistência do texto de acompanhamento ser mais apropriadamente sintetizadas, talvez,
– encontra-se “espalhada por toda a loja”, não pela distinção feita por Jos de Mul entre a ironia
chegando a ser de todo compreensível, menos pós-moderna (incluindo nihilismo, sarcasmo e
ainda convincente. Bourriaud pecebe, digamos, a descrença em, e a desconstrução das grandes
sete tipos de fogos de artifício, com sete tipos narrativas, o singular e a verdade) e o entusiasmo
de disfarces: um é vermelho, outro amarelo, moderno (incluindo tudo, do utopismo à crença
outro azul, este é circular, aquele é angular, e incondicional na razão.17
assim por diante. Ele, porém, não consegue ver
Não pretendemos sugerir que todas as tendências
que são todos produzidos pela mesma tensão:
pós-modernas já tenham sido assimiladas e
uma oscilação entre metais, nitratos de potássio,
chegado a um fim.18 Acreditamos, porém, que
sulfúricos. Chamaremos essa tensão, oscilando
muitas delas estão assumindo outra forma e, o
entre – e para além de – os nitratos eletropositivos
que é mais importante, um novo sentido, um novo
do moderno e os metais eletronegativos do pós-
significado e uma nova direção. Por um lado, as
moderno, de metamoderno.
crises financeiras, as instabilidades geopolíticas e
as incertezas climatológicas têm demandado uma
DO PÓS-MODERNO PARA O METAMODERNO
reforma do sistema econômico (“um nouveau
O que queremos dizer quando afirmamos que monde, un nouveau capitalisme”, mas também a
“o” pós-moderno foi abandonado para dar transição de uma economia de colarinho branco
lugar ao metamoderno? Tornou-se uma espécie para uma economia de colarinho verde. Por
de lugar-comum começar uma discussão sobre outro, a desintegração do centro político, tanto
o pós-moderno afirmando que não existe algo no plano geopolítico (resultante do aumento da
como “o” pós-moderno. Afinal, “o” pós-moderno proeminência das economias orientais) quanto no
é meramente um “slogan” a serviço de uma plano nacional (devido ao fracasso da “terceira
multiplicidade de tendências contraditórias, o via”, a polarização das diferentes localidades,
“jargão” para uma pluralidade de sensibilidades etnias, classes, e a influência da blogosfera da
incoerentes. De fato, entre os primeiros arautos da Internet), tem demandado uma reestruturação
pós-modernidade, tais como Charles Jenks, Jean- do discurso político. Similarmente, a necessidade
François Lyotard, Fredric Jameson e Ihab Hassan, de uma produção descentralizada de energia
cada um deles analisou um fenômeno cultural alternativa; de uma solução para o desperdício
diferente – uma transformação em nossa paisagem de tempo, espaço e energia causado pelas
material; um descrédito e a consequente deserção expansões suburbanas; e de um futuro urbano
das metanarrativas; a emergência do capitalismo sustentável tem demandado uma transformação
tardio; um declínio do historicismo e o arrefecimento de nossa paisagem material. E, o que talvez
do afeto, respectivamente; e um novo regime para seja mais significativo, a indústria cultural tem
as artes.16 No entanto, o que esses diferentes dado respostas do mesmo tipo, cada vez mais
fenômenos têm em comum é uma oposição a “o” abandonando táticas tais como o pastiche e a
moderno – ao utopismo, ao progresso (linear), parataxia para adotar estratégias como o mito e
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movimento, de modo a progredir tanto moral mesmo tempo não o são. Essa dinâmica talvez
quanto politicamente. O metamodernismo se possa ser mais apropriadamente descrita por
move em prol do movimento, ou tenta, apesar de uma metáfora da metáxia. Literalmente, o termo
seu inevitável fracasso; busca permanentemente metataxia (motajy) se traduz como “entre”. No
uma verdade que nunca espera encontrar. Se entanto, com Platão e posteriormente com o
nos perdoam uma breve metáfora banal, o filósofo alemão Eric Voegelin, ele vem associado
metamoderno adota, de bom grado, uma opção à experiência da existência e da consciência.
do tipo burro-e-cenoura. Como um burro, corre Voegelin assim descreve metáxia:
atrás de uma cenoura que nunca conseguirá
A existência tem a estrutura do in-between
comer porque a cenoura estará sempre fora
[no meio], da metáxia platônica, e, se há algo
de alcance. Precisamente porque ele nunca
constante na história da humanidade, seria
conseguirá comer a cenoura, sua perseguição
a linguagem da tensão entre vida e morte,
jamais termina; penetrando um domínio moral
imortalidade e mortalidade, perfeição e
que o burro moderno (logrando comer a cenoura
imperfeição, tempo e atemporalidade, entre
em algum outro lugar), jamais encontrará,
ordem e desordem, verdade e mentira, sentido
penetrando um domínio político que o burro pós-
e falta de sentido da existência; entre amor Dei
moderno jamais encontrará.
e amor sui, l’âme ouverte e l’âme close...23
Ontologicamente, o metamodernismo oscila
Assim, para Voegelin, metáxia visa à extensão em
entre o moderno e o pós-moderno. Oscila entre
relação à qual estamos ao mesmo tempo aqui e
um entusiasmo moderno e uma ironia pós-
lá e em nenhum lugar. Como colocado por um
moderna, entre a esperança e a melancolia, entre
crítico, a metáxia se constitui pela tensão, melhor
ingenuidade e conhecimento, empatia e apatia,
dizendo, pela irreconciliabilidade da existência
unidade e pluralidade, totalidade e fragmentação,
participatória do homem, entre processos finitos
pureza e ambiguidade. Na verdade, oscilando
por um lado e, por outro, por uma ilimitada,
de lá para cá ou de cá para lá, o metamoderno
intracósmica ou transmundana realidade.24
negocia com o moderno e com o pós-moderno.
Agora, o debate acerca do significado de metáxia
No entanto, é preciso tomar cuidado para não
é um dos mais duradouros e mais intrigantes na
pensarmos essa oscilação como um equilíbrio;
história da filosofia e merece (e requer) muito
ao contrário, trata-se de um pêndulo oscilando
mais atenção do que podemos oferecer aqui.
entre 2, 3, 5, 10, incontáveis polos. Cada vez
O entendimento que fornecemos é, portanto,
que o entusiasmo metamoderno se inclina para
inevitavelmente redutivo, os argumentos que
o fanatismo, a gravidade o traz de volta para a
apresentamos inexoravelmente precipitados. Para
ironia; no momento em que sua ironia se inclina
nossos propósitos, pensamos o conceito não
para a apatia, a gravidade o atrai de volta para o
como metáfora de uma experiência existencial
entusiasmo.
generalizável para a condição humana, mas
Ambas a epistemologia metamoderna (como se) como metáfora para uma sensibilidade cultural
e sua ontologia (entre) deveriam ser concebidas particular com relação ao discurso metamoderno.
como uma dinâmica do tipo “ambas-nenhuma”. O metamoderno é constituído pela tensão, ou
São, ambas, modernas e pós-modernas, e ao melhor, pela dupla escolha, entre um desejo
Kaye Donachie, Early Morning Hours of the Night (2003). Óleo sobre tela. Cortesia Maureen Paley
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você é praticamente forçado a se identificar com Recentemente, o prestigioso Bak Institute na Holanda
algo improvável ou inacreditável dentro desse inaugurou uma exposição coletiva intitulada Vectors
esquema – acreditar, a sua revelia –, mas, por of the Possible [Vetores do Possível]. A mostra,
outro lado, você ainda sente a força coercitiva segundo seu curador, Simon Sheikh,
causadora dessa identificação se manifestando
Examina a noção de horizonte na arte e na
e, intelectualmente, você continua a perceber a
política, explorando de que modos trabalhos
particularidade do argumento a seu alcance. A
de arte podem determinar certos horizontes
ironia e o ceticismo metafísico não são eliminados,
de possibilidade e impossibilidade, como a
mas são postos em xeque pelo esquema.26
arte lida com imaginários específicos e como
O influente crítico de arte Jerry Saltz também pode produzir novos imaginários, sugerindo
observou o surgimento de outro tipo de sensibilidade assim outros modos de imaginar o mundo.
oscilando entre crenças, suposições e atitudes: Em oposição ao sentimento de resignação
pós-1989, a exposição sugere que, no
Tenho notado uma nova abordagem na
campo da arte, é o horizonte – como um
produção artística em exposições recentes
“significado vazio”, um ideal para se perseguir
em museus e galerias. Essa abordagem ficou
e um vetor de possibilidade – que unifica
evidente na exposição Younger than Jesus
... e abre ... caminhos. Os trabalhos nessa
[Mais jovem que Jesus] no New Museum no
exposição podem ser vistos como vetores,
ano passado, e na Bienal do Whitney, e a
tratando possibilidade e impossibilidade em
vejo desabrochar e gerar frutos em Greater
medidas (des)iguais, mas sempre detectando e
New York [New York Maior]), a extravagente
indicando modos de ver e de ser no mundo.28
mostra que acontece duas vezes por década
no MoMA P.S.1, apresentando talentos E a tão celebrada Galeria Tanja Wagner apresentou
emergentes e locais. Trata-se de uma atitude sua exposição inaugural com palavras especialmente
que afirma: sei que a arte que estou criando análogas:
pode parecer fútil, estúpida até, ou pode já ter Os trabalhos na exposição expressam entusiasmo
sido feita, mas isso não quer dizer que não seja e também ironia. Lidam com a esperança e a
séria. Ao mesmo tempo autoconscientes sobre melancolia, oscilam entre o conhecimento e
arte, destemidos e audaciosos, esses jovens a ingenuidade, empatia e apatia, inteireza e
artistas não apenas percebem a diferença fragmentação, pureza e ambiguidade, ... em
entre seriedade e descompromisso como algo busca de uma verdade sem esperar encontrá-la.29
artificial; eles entendem que podem ser ao
Em outro contexto, o crítico da cultura Jorg
mesmo tempo irônicos e sinceros, que estão
Heiser percebeu a emergência do que ele chama
produzindo arte a partir desse estado de
de “conceitualismo romântico”.30 Ele argumenta
espírito composto/complexo – que Emerson
que a arte racional calculadamente conceitual de
chamou de majestade alienada.27
Jeff Koons, Thomas Demand e Cindy Sherman
Saltz fala exclusivamente sobre tendências na vem cada vez mais dando lugar às abstrações
arte norte-americana, mas é possível observar afetivas e frequentemente sentimentais de Tacita
sentimentos similares em todo o continente europeu. Dean, Didier Courbot e Mona Hatoum. Ao passo
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Essencialmente, no entanto, a atitude romântica pastiche de Jeff Koons, Jake and Dinos Chapman
pode ser definida precisamente por sua oscilação e Damien Hirst, a desconstrução irônica de Cindy
entre esses polos opostos.36 O romantismo visa Sherman e Sarah Lucas e a destruição nihilista de
à tentativa de tornar infinito o finito, ainda que Paul McCarthy estão finalmente fora do lugar,
reconheça que isso jamais possa ser realizado. como sempre pretenderam – mas onde, em
Como colocado por Schlegel, “ele deve ser para tempos de “anything goes” [vale tudo], de fato
sempre aperfeiçoado e nunca atingir a perfeição”. 37 nunca estiveram.
Claro que isso também é especificamente sobre o
Essa sensibilidade romântica tem sido expressa
Bildung, sobre autorrealização, sobre Zaïs e Isis,
por uma grande variedade de formas e uma
mas, para nossos propósitos, essa ideia geral do
ampla diversidade de estilos, em diferentes meios
romântico oscilando entre a tentativa e o fracasso,
e suportes. É visível nas negociações de Herzog &
ou como escreveu Schlegel, entre “entusiasmo
de Meuron entre o permanente e o temporário;
e ironia”, ou, nas palavras de Mul, entre “um
no questionamento da razão pelo irracional em
entusiasmo moderno e uma ironia pós-moderna”,
Bas Jan Ader; na reapropriação da cultura pela
é suficiente.38 É também dessa hesitação que
natureza em Peter Doig; e na adaptação da
resulta a inclinação do romântico para o trágico, civilização pelo primitivo em Gregory Crewdon
o sublime, o estranho, as categorias estéticas e David Lynch. Pode ser percebida em Olafur
oscilando entre projeção e percepção, forma e Eliasson, Glen Rubsamen, Dan Attoe, e nas
informe, coerência e caos, corrupção e inocência. obsessões de Armin Boehm com o etéreo de
É de certo modo surpreendente que pareçamos senso comum, na fixação de Catherine Opie
estar entre os primeiros acadêmicos a discernir, pelo sublime cotidiano. Pode ser observada em
na arte contemporânea, uma sensibilidade afim Justine Kurland, Kaye Donachie, na fascinação de
com o romantismo. Pois, nas artes, o retorno do David Thorpe por seitas fictícias, ou no interesse
romântico, seja como estilo, filosofia ou atitude, de Darren Almond e Charles Avery em lugares
foi amplamente praticado. Em 2007, Jörg Heiser, fictícios. E pode-se percebê-la em uma pletora
coeditor da Frieze, curou em Viena e Nuremberg de trabalhos de artistas tentando mais uma vez
a exposição Conceitualismo Romântico. Apenas chegar a bons termos com sua inconsciência
dois anos antes, o Schirnhalle de Frankfurt (pense, por exemplo, nas tentativas grotescas e ao
recebera Mundos Ideais: Novo Romantismo na mesmo tempo sinceras de Ragnar Kjartansson de
Arte Contemporânea. Além disso, a Tate Britain (re)criar suas “fantasias eróticas de morte, duração
recentemente fez uma retrospectiva de Peter e eternidade”39 e na Weltschmerz [depressão] que
Doig, e o MoMA reviu o trabalho e a vida de resulta do fracasso de realizá-las integralmente,
Bas Jan Ader. E nem sequer mencionamos as ou nas tentativas de Selja Kameric de resgatar
tantas galerias expondo pinturas e fotografias um passado irrevogavelmente irresgatável, ou
frequentemente figurativas, de crepúsculos e nas tentativas de Michel Gondry, Spike Jonze
luas cheias, etéreas cenas urbanas e sublimes e Wes Anderson de regenerar a inocência e a
paisagens, seitas e sociedades secretas, homens e ingenuidade de suas infâncias).
mulheres desiludidos, rapazes e moças estranhos. O que essas estratégias e estilos têm em comum é
Parece que, após todos esses anos, a paródia e o o uso que fazem de temas ligados ao misticismo,
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Gregory Crewdson, Untitled (2004). Fotografia. Cortesia Luhring Augustine e White Cube
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trama lentamente, para logo então interrompê- uma “floresta escura e encantada” quando vista de
la, abruptamente. Cada aparição significa uma perto, e um gigantesco ninho de pássaros quando
mudança inexplicável na narrativa (mas, e eis aí visto a distância;41 o arranha-céu residencial na
a questão, incrivelmente fértil, seja ela temporal, Rua Leonard, 560 (Nova York, em construção)
de afinação, de tonalidade; alternando entre o lembra uma rocha erodida; o Miami Art Museum
cômico e o trágico, do romântico para o terrível e (Flórida, em construção) contém jardins suspensos
vice-versa; fazendo do lugar-comum um lugar de babilônicos; o Elbe Philarmonic Hall (Hamburgo,
ambiguidade, mistério, não familiar, tanto para em construção) parece um gigantesco iceberg à
nós quanto para os personagens. deriva; e o Project Triangle (Paris, em construção)
é uma imensa pirâmide de vidro flutuando sobre a
Nas práticas arquitetônicas, essa distinção entre
cidade sem projetar sombras.
uma oscilação metamoderna e uma posição em/
entre [in-betweeness] pós-moderna é ainda Esses edifícios procuram negociar entre polos
mais pronunciada – talvez porque ainda seja opostos, tais como cultura e natureza, finito e
necessário distinguir um estilo metamoderno infinito, o lugar-comum e o etéreo, uma estrutura
emergente do discurso pós-moderno dominante 40 formal e uma desestruturação formalista (em
ou talvez especialmente porque a arquitetura oposição à desconstrução). Importante dizer que
não pode deixar de ser concreta. Os trabalhos essas tentativas são malsucedidas, uma vez que
dos “starchitects” [arquitetos-estrelas] Herzog os edifícios nunca parecem equilibrar esses polos
& de Meuron são bons exemplos disso. Seus distintos tanto quanto parecem oscilar entre eles.
projetos mais recentes expressam uma atitude Fenômenos naturais frágeis (ninho de pássaros),
metamoderna adotando um estilo que só pode evanescentes (iceberg), ou perecíveis (rocha
ser chamado de neorromântico. Algumas poucas erodida), questionam a solidez de estruturas feitas
e breves descrições seriam suficientes como pistas para permanecer; e um edifício mítico (castelo)
de tempos remotos parece ressurgir do passado
para visualizar sua aparência e textura. O exterior
ou, misteriosamente, não sofrer os efeitos da
do De Young Museum (San Francisco, 2005)
passagem do tempo. Alguns edifícios parecem ter
é coberto por placas de cobre que adquirem
sido deixados à mercê dos elementos (oxidação
coloração esverdeada resultante da oxidação; o
do cobre, ferrugem) ou naturalmente integrados
interior do Walker Art Center (Minneapolis, 2005)
à natureza (muros altos, jardins suspensos);
exibe elementos naturais como candelabros de
outros, ainda, parecem desafiar as leis básicas da
pedra e metal; e a fachada da Caixa Forum (Madri,
geometria e da gravidade por meio de torsões.
2008) parece estar em parte enferrujada e em
Superfícies lúcidas, irradiando a luz, dão a lugares
parte tomada pela vegetação. Se esses exemplos
ordinários uma aparência misteriosa; e símbolos
são apropriações ou expansões de construções
antigos (pirâmide) voltam-se para culturas
existentes, seus projetos mais recentes de estruturas
transitórias e para a infinitude do cosmo.
inteiramente novas são ainda mais reveladores.
A biblioteca da Brandenburg Technical University As negociações malsucedidas de Ader, Thorpe,
(Cottbus, 2004) é um castelo gótico de fachada Lynch e Herzog & de Meuron – a dupla relação do
translúcida com letreiros brancos superpostos; nem isto, nem aquilo – expõem uma tensão que
o estádio nacional chinês (Pequim, 2008) parece não pode ser descrita nos termos do moderno
ou do pós-moderno, que deve ser concebida deveria ser interpretado, de fato, como escreveu
como metamoderna, expressa por meio de um Novalis, como a abertura de novas terras no lugar
neorromantismo.42 Se esses artistas se voltam para da velha terra.
o romântico, não é porque queiram simplesmente
zombar dessa atitude (paródia) nem porque CONCLUSÃO: METÁXIA ATÓPICA
desejem chorar por ela (nostalgia). Em vez disso, Poderia parecer anacrônico e fora de contexto
voltam-se para o antes a fim de perceber um futuro conceituar o metamoderno no final de uma década
que estava fora de alcance. O neorromantismo em que praticamente todo filósofo, teórico da
metamoderno não deveria ser compreendido cultura ou crítico de arte já tentou equacionar o
como mera apropriação; deveria ser interpretado futuro do pós-moderno; e – se alguém, sentindo a
como ressignificação: trata-se de ressignificação necessidade de tentar ainda mais uma vez, apesar
do “lugar-comum com significado, do ordinário das múltiplas tentativas – a iniciativa poderia
com mistério, do familiar com a distinção do não soar pretenciosa. É, portanto, irônico que nossas
familiar, do finito com a aparência de infinito”. Ele pesquisas sobre a discursividade por meio da qual
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as tendências geopolíticas podem ser explicadas Notas
e a sensibilidade por meio da qual as artes se 1 Obama, Barack. ‘‘Yes, we can change’’, discurso
manifestam tenham nos conduzido precisamente na Assembleia Democrática, 28 jan. 2008.
para aquelas três preocupações: um deliberado
2 Saltz, Jerry. Sincerity and irony hug it out. New
estar fora do tempo, um intencional estar fora
Yorker, 27 maio 2010.
do lugar e a pretensão de que esses almejados
atemporalidade e deslocamento sejam de fato 3 Os autores agradecem a Jos de Mul, Gry
possíveis, ainda que não sejam. Rustad, Jonathan Bignell e nossos colegas de
departamento seus inestimáveis comentários
Se o moderno assim se manifesta, por meio de uma
sobre versões anteriores deste ensaio.
sintaxe utópica, e o pós-moderno por meio de uma
parataxia distópica, o metamoderno, nos parece, se 4 Apesar de parecer que seríamos os primeiros
expõe por meio de uma atópica metáxia. O dicionário a usar o termo metamodernismo para descrever
grego-inglês traduz atopos (atopow) como estranho, a atual estrutura do sentimento, não somos
extraordinário e paradoxal, respectivamente. A os primeiros a usar o termo em si. Ele tem sido
maioria dos teóricos e críticos, no entanto, tem usado com alguma frequência em estudos
insistido neste significado literal: um lugar (topos) literários, com o fim de descrever uma alternativa
que é (um) não lugar. Poderíamos dizer então que para o pós-modernismo, conforme observado em
atopos é ao mesmo tempo – uma impossibilidade – trabalhos de autores tão diversos como, entre
um lugar e um não lugar, um território sem limites, outros, Blake e Guy Davenport. Gostaríamos, no
uma posição sem parâmetros. Já tentamos descrever entanto, de afirmar que nossa concepção do
metáxia como sendo simultaneamente aqui, lá e metamodernismo não é de modo algum alinhada
nem num ou noutro. Além disso, taxis significa às desses autores, nem delas deriva. Ela se
ordenamento. Assim, se o moderno sugere um relaciona com essas noções uma vez que também
ordenamento temporal, e o pós-moderno implica um propõe uma negociação entre o moderno e o
desordenamento espacial, o metamoderno deveria pós-moderno; mas a função, a estrutura e a
ser então compreendido como um espaço-tempo natureza dessa negociação que propomos são
que é as duas coisas – não ordenado e desordenado. integralmente nossas e, até onde podemos
O metamodernismo desloca os parâmetros do perceber, de nenhum modo relacionadas com
presente em função de uma presença futura sem percepções anteriores.
futuro; e desloca os limites de nosso lugar em função
de um lugar surreal sem lugar. Porque, de fato, esse é 5 Para uma excelente consideração a respeito
Tara (Ed.). Digital youth, innovation, and the 19 Considerem, por exemplo, a imediata
unexpected. Cambridge: The MIT Press, 2008: 219. diferenciação entre nós (os assim chamados
11 Ainda que deva ser lembrado aqui que Kirby ocidentais) e eles (assim chamados eixos do mal), o
toma o cuidado de indicar que contempla amplamente compartilhado sentido de urgência –
igualmente a temporalidade e a espacialidade. notável na retórica de Bush e Blair, entre outros – de
“defender os valores ocidentais”, o uso geral e aceito
12 Equivocadamente os autores identificam o
do esquema “o prêmio da democracia”, usado no
crítico do jornal como Andrew. [NT].
planejamento da invasão do Iraque, o amplo suporte
13 Searle, Adrian. The richest and most generous Tate inicial de guerra no Afganistão, etc. Isso não quer
triennial yet. The Guardian, March 2, 2009. Disponível dizer que não tem havido críticas desses reflexos,
em http://www.guardian.co.uk/artanddesign/2009/ mas apenas recentemente tais críticas têm sido mais
feb/02/alter modern-tate-triennial. amplamente levadas em conta, senão aceitas.
14 Campbell-Johnston, Rachel. Altermodern: Tate 20 Fukuyama, Francis. The end of history and the
Triennal 2009 at Tate Britain. The Times, March 2, last man. New York: New York Free Press, 1992: 3.
2009, T2: 20-21.
21 Peters, Curtis. Kant’s philosophy of hope. New
15 N. Bourriaud (Ed.). Altermodern. Tate Triennal York: Peter Lang, 1993: 117. Grifos nossos.
2009, London: Tate Publishing, 2009, 12.
22 Kant, Immanuel. Idea for a universal history
16 Jencks, Charles. The language of post- from a cosmopolitan point of view. In: Kant,
modern architecture. London: Academy Editions, Immanuel. On History. Lewis. White Beck (ed.).
1991; Lyotard, Jean-François. The postmodern Upper Saddle River: Prentice Hall, 2001: 11-12.
condition: a report on knowledge. Manchester:
23 E. Voegelin. ‘Equivalences of Experience and
Manchester University Press, 1984; Jameson,
Sym-bolization in History’. Ed. E. Sandoz, vol. 12
Fredric. Postmodernism, or, the cultural logic of
of The Collected Works of Eric Voegelin. Baton
late capitalism. Durham: Duke University Press,
Rouge: Louisiana State University Press, 1989:
1991; Hassan, Ihab. The postmodern turn: essays
119-20.
on postmodernism and culture. Columbus: Ohio
State University Press, 1987: 84-96. 24 Avramenko, Richard. Bedeviled by boredom:
a Voegelinian reading of Dostoevsky’s Possessed,
17 Mul, Jos de. Romantic desire in (post)modern
Humanitas, 17, n. 1 & 2, 2004: 116.
art & philosophy. Albany: State University of New
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25 Eshelman, Raoul. Performatism, or what comes da cenoura: o burro kantiano nunca consegue
after postmodernism: new architecture in Berlin. comer a cenoura que persegue porque a cenoura
Art-Margins, April 2002. Disponível em: http:// é virtual; o burro dos primeiros românticos nunca
www.artmargins.com/index.php/archive/322- consegue comer a cenoura simplesmente porque
performatism-or-what-comes-after-postmodernism- ela, apesar de real, está excessivamente distante.
new-architecture-in-berlin.
34 Lovejoy, Arthur. On the discrimination of
26 Eshelman, Raoul. Performatism, or the end of romanticisms. PMLA, 39, n 2, June 1924.
postmodernism. Aurora: Davies Group, 2008: 3.
35 Berlin, Isaiah. The roots of romanticism.
27 Saltz, Jerry. Sincerity and irony hug it out. New Princeton: Princeton University Press, 2001: 18.
York Magazine, May 27, 2010. Disponível em:
36 Id., ibid.: 101-105.
http://nymag.com/arts/art/reviews/66277/.
37 Schlegel, Friedrich von. Atheneum Fragments.
28 Bak. Press Statement Vectors of the Possible.
In: Firchow, Peter (Ed.). Friedrich Schlegel’s Lucinde
August 2010. Disponível em: http://www.bak-
and the Fragments. Minneapolis: University of
utrecht.nl/?click [pressrelease].
Minnesota Press, 1975: 175.
29 Galerie Tanja Wagner. Press Statement The
38 Jos de Mul, op. cit.: 25.
Door Opens Inwards. September 2010. Disponível
em: http://www.tan jawagner.com. 39 Coulson, Amanda. Ragnar Kjartansson. Frieze,
102, October 2006. Disponível em: http://www.
30 Heiser, Jorg (Ed.). Romantic conceptualism.
frieze.com/issue/review/ragnar_kjartansson/.
Bielefeld: Kerber, 2008.
40 Gostaríamos de afirmar mais uma vez que
31 MacDowell, James. Notes on quirky. Movie:
não pretendemos dizer que o metamodernismo
A Journal of Film Criticism, 1:1, 2010. Disponível
se manifesta exclusivamente por meio do
em: http://www2.warwick. ac.uk/fac/arts/film/
neorromantismo. A arquitetura contemporânea,
movie/contents/notes_on_quirky. Pdf. por exemplo, não tem sido muito associada ao
32 Novalis. Fragmente und Studien. (1797-1798). romantismo. Além disso, o único crítico que
In: Schulz, Gerhard (Ed.). Novalis Werke. Munchen: associou as práticas arquitetônicas modernas mais
C.H. Beck, 2001: 384-385. Tradução nossa. recentes a um espírito romântico, Reed Kroloff,
erroneamente reduziu aquele espírito romântico a
33 Ainda que argumentemos que o idealismo
algum tipo de confortadora sensualidade em tons
negativo de Kant inspirou o romantismo alemão
pastéis. Poderia ser argumentado que essa falta de
inicial, não é nossa intenção dizer que sejam
destinação seria explicável pela difícil associação da
idênticos ou mesmo comparáveis. Para Kant,
arquitetura ao romantismo. A arquitetura, afinal, é a
a história e a natureza não têm um propósito, arte do “permanente”; o romantismo é a atitude do
mas ele imagina que haja algum, de modo a transitório. Ou se poderia sugerir que a arquitetura,
que progridam. Para os primeiros românticos como a arte aplicada mais afetada pelas flutuações
alemães, a natureza tem um propósito; que eles dos mercados industrial e financeiro e pelas mutantes
simplesmente jamais compreendem. Explicando prioridades das decisões políticas, simplesmente
essa diferença por meio da parábola do burro e requer, mais do que outras artes, tempo, dinheiro
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