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18 LOPES MACEDO

• 19

das interlocuções nas reuniões e debates regulares dos gmpos que


muito do que aqui apresentado foi escrito. A elas e aos nossos muitos
altmos, de vários espaços e tempos, dedicamos este livro.

Rio de Janeiro, abril de 2011


Alice Cnsimiro Lopes Capítulo 1
Elizabeth Macedo

Currículo

. '•

Embora simples, a pergtmta "o que é currículo?" não tem encon­


trado resposta fáciL Desde o início do século passado ou mesmo desde
um século antes, os estudos cuniculares têm definido cuniculo de formas

muito diversas e várias dessas definições permeiam o que tem sido


denominado currículo no cotidiano das escolas. Indo dos guias curricu­
lares propostos pelas redes de ensino àquilo que acontece em sala de
aula, currículo tem significado, entre outros, a grade curricular com
disciplinas/atividades e cargas horárias, o conjunto de ementas e os
programas das disciplinas/atividades, os planos de ensino dos profes­
sores, as experiências propostas e vividas pelos alunos. Há, certamente,
um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado currículo: a ideia
de organização, prévia ou não, de experiências/situações de aprendi­
zagem realizada por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo
um processo educativo. Sob tal "definição", no entanto, se esconde uma
série de outras questões que discutiremos ao longo deste e dos demais
capítulos, e que vêm sendo objeto de disputas na teoria cunicular.

Nossa premissa na construção deste livro é de que não é possível


responder "o que é currículo" apontando para algo que lhe é .intrinse­
camente característico, mas apenas para acordos sobre os sentidos de
tal termo, sempre parciais e localizados historicamente. Cada "nova
definição" não é apenas uma nova forma de descrever o objeto c_urrí­
culo, mas parte de um argumento mais amplo no qual a definição se
20
LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 21

insere. A "nova definição" se poskiona, seja radicalmente contra, seja experiências ou conteúdos e sua organização ao longo do tempo de
explicitando suas insuficiências, em 1·elação às definições anteriores, escolarização. Nem sempre, no entanto, essa ideia foi tão óbvia. Na
mantendo-se ou não no mesmo horizonte teórico delas. Esse movi­ segunda metade do século XIX, por exemplo, aceitava-se com tranqui­
mento de criação de novos sentidos para o termo currículo, sempre lidade que as disciplinas tinham conteúdos/atividades que lhes eram
remetendo a sentidos prévios para de alguma forma negá-los ou re­ próprios e que suas especificidades ditavam sua utilidade paTa o de­
configmá-los, permeará todos os capítulos e também este, no qual
senvolvimento de certas faculdades da mente. O ensino tradicional ou
destacaremos alguns sentidos que o termo vem assumindo ao longo
jesuítico operava com tais prinópios, defendendo que certas ctisciplinas
do tempo e que nos parecem mais relevantes.
facilltavam o raciocínio lógico ou mesmo ampliavam a memória. Ape­
Estudos históricos1 apontam que a primeira menção ao termo cur­ nas na virada para os anos 1900, com o início da industrialização ame­
riculo data de 1633, quando ele aparece nos registros da Universidade ricana, e nos anos 1920, com o movimento da Escola Nova no Brasil, a
de Glasgow referindo-se ao curso inteiro seguido pelos estudantes. Em­ concepção de que era preciso decidir sobre o que ensinar ganha força
bora essa menção ao termo não i.rnplique propriamente o sw·gi.rnento e, para muitos autores, ai se iniciam os estudos cmriculaTes.
de um campo de estudos de currículo, é importante observar que ela
Ntml momento marcado pelas demandas da indushialização, a
já embute uma associação entre currículo e prinópios de globalidade
escola ganha novas responsabilidades: ela precisa voltar-se para a re­
estrutural e de sequenciação da experiência educacional ou a ideia
solução dos problemas sociajs gerados pelas mudanças econômicas da
de um plano de aprendizagem. Já nesse momento, o currículo dizia
sociedade. Independentemente de corresponder ou não a campos ins­
respeito a organizar a experiência escolar de sujeitos agrupados, carac­
tittúdos do saber, os conteúdos aprendidos ou as expeúências vividas
terística presente em um dos mais consolidados sentidos de currículo.
na escola precisam ser úteis. Mas corno definir o que é útil? Útil paTa
quê? Quais as experiências ou os conteúdos mais úteis? Corno podem
ser ordenados temporalmente? Por onde começar? Não tem sido fácil
Currículo: seleção e organização do que responder a tais questões e as muitas perspectivas assumidas ao longo
vale a pena ensinar do tempo têm criado diferentes teorias curriculares. Em cornUD1 entre
elas, a definição do currículo como plano formal das atividades/exi?e­
O currículo é definido como as experiências de aprendiwgem planejarias e guiadas riêndas de ensino e de aprendizagem, a preocupação com a adminis­
e os resullados deaprendi:agem niio desejados formulados através ria reconstm­ tração, em algum nivel centralizada, do dia a dia da sala de aula.
çiio sistemática da conhecimento e da experiência sob os auspícios da escola pam Destacamos algumas das respostas oferecidas pelas teorias curriculares,
o crescilllento contínuo e ddiberndo da competência pessoal e social do al11no.1 começando pelos dois movimentos surgidos nos EUA no momento em
que as questões surgem no horizonte de preocupação: o eficientismo
Talvez hoje seja óbvio afirmar que o ensino precisa ser planejado
social e o progressivismo, este trazido para o Brasil pela Escola Nova.
e que esse planejamento envolve a seleção de determinadas atividades/
Nos anos 1910, na psicologia, o comportamentalismo, e na admi­
nistração, o taylorismo, g_anham destaque na sociedade americana que
l. HAMILTON, David. Sobre as origens dos termos classe e curriculum. Teorilll! Educ11çtio,
se industrializa. As demandas sobre a escolarização aumentam, como
Porto Alegre, n. 6, p. �3-52, 1992.
2. TANNER, Daniel; TANNER, Laurel. Curriculum det!Ciopmeu/. New York: Macmillam, 1975. forma de fazer face à rápida urbanização e às necessidades de tr�ba­
p.45. lhadores pru·a o setor produtivo. Smge, assim, a preocupação com a
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insere. A "nova definição" se poskiona, seja radicalmente contra, seja experiências ou conteúdos e sua organização ao longo do tempo de
explicitando suas insuficiências, em 1·elação às definições anteriores, escolarização. Nem sempre, no entanto, essa ideia foi tão óbvia. Na
mantendo-se ou não no mesmo horizonte teórico delas. Esse movi­ segunda metade do século XIX, por exemplo, aceitava-se com tranqui­
mento de criação de novos sentidos para o termo currículo, sempre lidade que as disciplinas tinham conteúdos/atividades que lhes eram
remetendo a sentidos prévios para de alguma forma negá-los ou re­ próprios e que suas especificidades ditavam sua utilidade paTa o de­
configmá-los, permeará todos os capítulos e também este, no qual
senvolvimento de certas faculdades da mente. O ensino tradicional ou
destacaremos alguns sentidos que o termo vem assumindo ao longo
jesuítico operava com tais prinópios, defendendo que certas ctisciplinas
do tempo e que nos parecem mais relevantes.
facilltavam o raciocínio lógico ou mesmo ampliavam a memória. Ape­
Estudos históricos1 apontam que a primeira menção ao termo cur­ nas na virada para os anos 1900, com o início da industrialização ame­
riculo data de 1633, quando ele aparece nos registros da Universidade ricana, e nos anos 1920, com o movimento da Escola Nova no Brasil, a
de Glasgow referindo-se ao curso inteiro seguido pelos estudantes. Em­ concepção de que era preciso decidir sobre o que ensinar ganha força
bora essa menção ao termo não i.rnplique propriamente o sw·gi.rnento e, para muitos autores, ai se iniciam os estudos cmriculaTes.
de um campo de estudos de currículo, é importante observar que ela
Ntml momento marcado pelas demandas da indushialização, a
já embute uma associação entre currículo e prinópios de globalidade
escola ganha novas responsabilidades: ela precisa voltar-se para a re­
estrutural e de sequenciação da experiência educacional ou a ideia
solução dos problemas sociajs gerados pelas mudanças econômicas da
de um plano de aprendizagem. Já nesse momento, o currículo dizia
sociedade. Independentemente de corresponder ou não a campos ins­
respeito a organizar a experiência escolar de sujeitos agrupados, carac­
tittúdos do saber, os conteúdos aprendidos ou as expeúências vividas
terística presente em um dos mais consolidados sentidos de currículo.
na escola precisam ser úteis. Mas corno definir o que é útil? Útil paTa
quê? Quais as experiências ou os conteúdos mais úteis? Corno podem
ser ordenados temporalmente? Por onde começar? Não tem sido fácil
Currículo: seleção e organização do que responder a tais questões e as muitas perspectivas assumidas ao longo
vale a pena ensinar do tempo têm criado diferentes teorias curriculares. Em cornUD1 entre
elas, a definição do currículo como plano formal das atividades/exi?e­
O currículo é definido como as experiências de aprendiwgem planejarias e guiadas riêndas de ensino e de aprendizagem, a preocupação com a adminis­
e os resullados deaprendi:agem niio desejados formulados através ria reconstm­ tração, em algum nivel centralizada, do dia a dia da sala de aula.
çiio sistemática da conhecimento e da experiência sob os auspícios da escola pam Destacamos algumas das respostas oferecidas pelas teorias curriculares,
o crescilllento contínuo e ddiberndo da competência pessoal e social do al11no.1 começando pelos dois movimentos surgidos nos EUA no momento em
que as questões surgem no horizonte de preocupação: o eficientismo
Talvez hoje seja óbvio afirmar que o ensino precisa ser planejado
social e o progressivismo, este trazido para o Brasil pela Escola Nova.
e que esse planejamento envolve a seleção de determinadas atividades/
Nos anos 1910, na psicologia, o comportamentalismo, e na admi­
nistração, o taylorismo, g_anham destaque na sociedade americana que
l. HAMILTON, David. Sobre as origens dos termos classe e curriculum. Teorilll! Educ11çtio,
se industrializa. As demandas sobre a escolarização aumentam, como
Porto Alegre, n. 6, p. �3-52, 1992.
2. TANNER, Daniel; TANNER, Laurel. Curriculum det!Ciopmeu/. New York: Macmillam, 1975. forma de fazer face à rápida urbanização e às necessidades de tr�ba­
p.45. lhadores pru·a o setor produtivo. Smge, assim, a preocupação com a
22 LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRicULO 23

eficiência da escola que tem como fLmção socializar o jovem norte-ame­ cenrrais e podem, posteriormente, ser agrupados dentro das disciplinas
ricano segundo os parâmetros da sociedade industrial em formação, que, neste momento, já compõem os currículos ..
permitindo sua participação na vida política e econômica. Pretende-se, Rivalizando com o eficientismo no controle da elaboração de
assim, que a industrialização da sociedade se dê sem rupturas e em currículos " aliciais", o progressivismo conta com mecanismos de con­
clima de cooperação. A escola e o currículo são, portanto, importantes trole social bem menos coercitivos. Mas, também para os progressivis­
instrumentos de controle social tas, a educaç�o se caracteriza como um meio de diminuir as desigual­
Ainda que o eficientismo seja um movimento com muitas nuanças, dades sociais geradas pela sociedade urbana industrial e tem por
pode-se resumi-lo pela defesa de um currículo científico, explicitamen­ objetivo a construção de uma sociedade harmônica e democrática.
te associado à administração escolar e baseado em conceitos como Reconhecem, no entanto, em túveis diferenciados, dependendo dos
eficácia, eficiência e economia. Em 1918, Bobbitfl defende wn currícu­ autores, que a distribuição desigual do poder n a sociedade não é um

lo cuja função é preparar o aluno para a vida adulta economicamente fenômeno natural, mas uma construção social passível de mudança
ativa a partir de dois conjuntos de atividades que devem ser igualmen­ pela ação humana. A educação pode1ia, portanto, ser um instrumento
te consideradas pela escola- o que chama currículo direto e as expe­ para formar indivíduos capazes de atuar na busca dessas mudanças.
riências indb:etas. O formulador de cmrículos deve, então, determinar
O nome mais conhecido do progressivismo é o de Jolm Dewey,
as grandes áreas da atividade humana encontradas na sociedade e
cujos princípios de elaboração curricular residem sobre os conceitos
subdividi-las em atividades menores- os objetivos do curso. Tarefa
de inteligência social e mudança. Ele advoga que o foco do currículo
certamente nada fácil, na medida em que se estaria frente a um
é a experiência direta da criança corno forma de superar o hiato que
sem-número de objetivos definindo comportamentos os mais diferen­
parece haver entre a escola e o interesse dos alunos. Nesse sentido, o
tes, desde simples habilidades até capacidades de julgamento bem
progressivismo se constitui corno uma teoria cmricular única que
mais elaboradas. Um conjunto de especialistas, reunidos num fórum
encara a aprendizagem como um processo contínuo e não como uma
democrático, é o responsável pela identificação das tarefas desejáveis
preparação para a vida adulta. O valor imediato das experiências
e por seu agrupamento em categorias. A transferência desses pressu­
cuniculares se apresenta como princípio de organização curricular em
postos para o ensino vocacional cria talvez o mais influente princípio
contraposição a uma possível utilização futura.
cmrkular da primeira metade do século passado, com fragmentos até
O foco central do currículo para Deweyt está na resolução de
hoje visíveis na prática curricular. A partir da identificação dos com­
problemas sociais. O ambiente escolar é organizado de modo a que a
ponentes particulares da atividade de bons profissionais, compõe-se
um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu criança se depare com urna série de problemas, também presentes na

valor funcional, sua capacidade de resolver problemas práticos. Como sociedade, criando oportunidade para ela agir de forma democrática

se p�de perceber, o eficientismo social não se refere, em nenhwn mo­ e cooperativa. As atividades curriculares e os problemas são apresen­

mento, a conteúdos, ou à sua seleção, deixando de lado mesmo a tados às crianças para que elas, em um mesmo processo, adquiram

· discussão sobre se haveria algwna disciplina importante para a for­ habilidade e estimulem sua criatividade. O cmrículo compreende três

mação dos alunos. Para os eficientistas, as tarefas ou os objetivos são núcleos: as ocupações sociais, os estudos naturais e a língua. Os con­
teúdos- asstmtos que se relacionam a problemas de saúde, cidadania

3. PINAR, Williari1 F.; REYNOLDS, William; SLATERRY, Patrick; TAUBMAN, Peter. Umlc>r­
standing Cltrriculum. New York: Peter Lang, 1996. -1. DEWEY, john. Dewey ou cducalion: selecto
i ns. New York: Teachers College Press, 1959.
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eficiência da escola que tem como fLmção socializar o jovem norte-ame­ cenrrais e podem, posteriormente, ser agrupados dentro das disciplinas
ricano segundo os parâmetros da sociedade industrial em formação, que, neste momento, já compõem os currículos ..
permitindo sua participação na vida política e econômica. Pretende-se, Rivalizando com o eficientismo no controle da elaboração de
assim, que a industrialização da sociedade se dê sem rupturas e em currículos " aliciais", o progressivismo conta com mecanismos de con­
clima de cooperação. A escola e o currículo são, portanto, importantes trole social bem menos coercitivos. Mas, também para os progressivis­
instrumentos de controle social tas, a educaç�o se caracteriza como um meio de diminuir as desigual­
Ainda que o eficientismo seja um movimento com muitas nuanças, dades sociais geradas pela sociedade urbana industrial e tem por
pode-se resumi-lo pela defesa de um currículo científico, explicitamen­ objetivo a construção de uma sociedade harmônica e democrática.
te associado à administração escolar e baseado em conceitos como Reconhecem, no entanto, em túveis diferenciados, dependendo dos
eficácia, eficiência e economia. Em 1918, Bobbitfl defende wn currícu­ autores, que a distribuição desigual do poder n a sociedade não é um

lo cuja função é preparar o aluno para a vida adulta economicamente fenômeno natural, mas uma construção social passível de mudança
ativa a partir de dois conjuntos de atividades que devem ser igualmen­ pela ação humana. A educação pode1ia, portanto, ser um instrumento
te consideradas pela escola- o que chama currículo direto e as expe­ para formar indivíduos capazes de atuar na busca dessas mudanças.
riências indb:etas. O formulador de cmrículos deve, então, determinar
O nome mais conhecido do progressivismo é o de Jolm Dewey,
as grandes áreas da atividade humana encontradas na sociedade e
cujos princípios de elaboração curricular residem sobre os conceitos
subdividi-las em atividades menores- os objetivos do curso. Tarefa
de inteligência social e mudança. Ele advoga que o foco do currículo
certamente nada fácil, na medida em que se estaria frente a um
é a experiência direta da criança corno forma de superar o hiato que
sem-número de objetivos definindo comportamentos os mais diferen­
parece haver entre a escola e o interesse dos alunos. Nesse sentido, o
tes, desde simples habilidades até capacidades de julgamento bem
progressivismo se constitui corno uma teoria cmricular única que
mais elaboradas. Um conjunto de especialistas, reunidos num fórum
encara a aprendizagem como um processo contínuo e não como uma
democrático, é o responsável pela identificação das tarefas desejáveis
preparação para a vida adulta. O valor imediato das experiências
e por seu agrupamento em categorias. A transferência desses pressu­
cuniculares se apresenta como princípio de organização curricular em
postos para o ensino vocacional cria talvez o mais influente princípio
contraposição a uma possível utilização futura.
cmrkular da primeira metade do século passado, com fragmentos até
O foco central do currículo para Deweyt está na resolução de
hoje visíveis na prática curricular. A partir da identificação dos com­
problemas sociais. O ambiente escolar é organizado de modo a que a
ponentes particulares da atividade de bons profissionais, compõe-se
um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu criança se depare com urna série de problemas, também presentes na

valor funcional, sua capacidade de resolver problemas práticos. Como sociedade, criando oportunidade para ela agir de forma democrática

se p�de perceber, o eficientismo social não se refere, em nenhwn mo­ e cooperativa. As atividades curriculares e os problemas são apresen­

mento, a conteúdos, ou à sua seleção, deixando de lado mesmo a tados às crianças para que elas, em um mesmo processo, adquiram

· discussão sobre se haveria algwna disciplina importante para a for­ habilidade e estimulem sua criatividade. O cmrículo compreende três

mação dos alunos. Para os eficientistas, as tarefas ou os objetivos são núcleos: as ocupações sociais, os estudos naturais e a língua. Os con­
teúdos- asstmtos que se relacionam a problemas de saúde, cidadania

3. PINAR, Williari1 F.; REYNOLDS, William; SLATERRY, Patrick; TAUBMAN, Peter. Umlc>r­
standing Cltrriculum. New York: Peter Lang, 1996. -1. DEWEY, john. Dewey ou cducalion: selecto
i ns. New York: Teachers College Press, 1959.
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e meios de comunicação- deixam de ser o foco da formulação curri­ Em 1949, a teoria cmricular produz a mais dmadoura resposta às

cular, tornando-se uma fonte ab·avés da qua I os alunos podem resolver questões sobre seleção e organização de experiências/conteúdos edu­

os problemas que o social lhes coloca. cativas/os. Com uma abordagem eclética, Ralph Tyler se propõe a

Em relação à organização temporal das diferentes atividades ao articular abordagens técnicas, corno as eficientistas, com o pensamen­
to progressivista. Ainda que sua apropriação do progressivismo tenha
longo do curso, Dewey defende que as experiências educacionais da
sido caracterizada como instrumental e que seu pensamento esteja
escola precisam se conectar com as levadas a cabo em outras institui­
multo mais próximo do eficientismo, sem dar conta da tensão entre
ções da próptia sociedade, como, por exemplo, a fantilia. Como é
importante que todas as experiências da criança tenham unidade, criança e mundo adulto que caracteriza o pensamento de Dewey, a
racionalidade proposta por Tyler se impõe, quase sem contestação, por
Dewey argumenta que elas devem ser organizadas a partir das mais
mais de 20 anos, no Brasil e nos EUA
contemporâneas. Os assw1tos escolares smgem de necessidades prá­
_ Os princípios de elaboração curricular de Tyler serão detaU1ados
ticas e apenas posteriormente devem assumir formas abstratas mais
avançadas. no capítul0 2. Por ora, interessa-nos apenas entender como ele respon­

Os princípios de Dewey estão na base das reformas educacionais de às questões sobre seleção e organização das experiências de apren­

ocorridas nos anos 1920, em alguns estados do Brasil, levadas a cabo dizagem. O modelo de Tyler6 é um procedimento linear e administra­

por educadores conhecidos como escolanovistas. Anisio Teixeira e tivo em quatro etapas: definição dos objetivos de ensino; seleção e

Fernando de Azevedo, por exemplo, foram responsáveis pelas reformas criação de experiências de aprendizagem apropriadas; organização

ocorridas na Bahia (1925) e no Distrito Federal (1927). Mais recente­ dessas experiências de modo a garantir maior eficiência ao processo

mente, a proposta pedagógica dos Cenb·os Integrados de Educação de ensino; e avaliação do cmrículo.

Pública (CIEPs) traz alguns elementos do progressivisrno de Oewey. Mas a racionalidade tyleriana faz mais do que responder às ques­

É importante ressaltat� no entanto, que o progressivismo é 0 nome tões até então centrais da teoria curricular. Estabelece um vínculo es­
treito enb·e cmrículo e avaliação, propondo que a eficiência da imple­
dado a um movimento com muitas divisões internas, indo de corren­
tes com uma forte preocupação social a teorias centradas na criança, mentação dos currículos seja inferida pela avaliação do rendimento
dos alunos. Ainda que sua abordagem processual - objetivos/pro­
mas que não possuem tal preocupação. Nesse segundo grupo, desta­
ca-se o trabalho de William Kilpab·ick, também muito presente nas cesso educativo/avaliação do atingimento dos objetivos- tenha uina

experiências brasileiras. Kilpatrick5 é o responsável pela sistematização matriz comportamental, tem sido utilizada na formulação de currícu­

de projetos, utilizados por Dewey em diferentes experiências educa­ los com diferentes aportes teóricos, como veremos no capítulo 2. Tyler

cionais, visando à construção de um método de ensino - o método define, assim, uma nova agenda para a teoria curricular, centrada na

de J?rojetos- que, de alguma forma, hibridiza as ideias de Dewey com formulação de objetivos, com repercussões que, ainda hoje, podem ser

princípios do comportamentalismo em voga. Ainda que definido ape­ vistas nos procedimentos de elaboração de currículos.

nas como método pelo autor, sua contribuição é inúmeras vezes toma­ Há alguns elementos comW1S a essas três tradições do campo do
da como uma teoria curricular progressivista, exacerbando um caráter cmrículo no que tange à definição de currículo. Em todas elas, é enfa­
técnico que o progressivismo possui, mas em rúveis menos acentuados. tizado o caráter prescritivo do currículo, visto como um planejamento

5. KlLPATRICK, WiiJiam. O método de projectos. Mangualde: Edições Pedago, 2008. 6. ll'LER, Ralph. Priucfpios bdsicos de currículo e eusiuo. Porto Alegre: Globo, 1977.
24 LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 25

e meios de comunicação- deixam de ser o foco da formulação curri­ Em 1949, a teoria cmricular produz a mais dmadoura resposta às

cular, tornando-se uma fonte ab·avés da qua I os alunos podem resolver questões sobre seleção e organização de experiências/conteúdos edu­

os problemas que o social lhes coloca. cativas/os. Com uma abordagem eclética, Ralph Tyler se propõe a

Em relação à organização temporal das diferentes atividades ao articular abordagens técnicas, corno as eficientistas, com o pensamen­
to progressivista. Ainda que sua apropriação do progressivismo tenha
longo do curso, Dewey defende que as experiências educacionais da
sido caracterizada como instrumental e que seu pensamento esteja
escola precisam se conectar com as levadas a cabo em outras institui­
multo mais próximo do eficientismo, sem dar conta da tensão entre
ções da próptia sociedade, como, por exemplo, a fantilia. Como é
importante que todas as experiências da criança tenham unidade, criança e mundo adulto que caracteriza o pensamento de Dewey, a
racionalidade proposta por Tyler se impõe, quase sem contestação, por
Dewey argumenta que elas devem ser organizadas a partir das mais
mais de 20 anos, no Brasil e nos EUA
contemporâneas. Os assw1tos escolares smgem de necessidades prá­
_ Os princípios de elaboração curricular de Tyler serão detaU1ados
ticas e apenas posteriormente devem assumir formas abstratas mais
avançadas. no capítul0 2. Por ora, interessa-nos apenas entender como ele respon­

Os princípios de Dewey estão na base das reformas educacionais de às questões sobre seleção e organização das experiências de apren­

ocorridas nos anos 1920, em alguns estados do Brasil, levadas a cabo dizagem. O modelo de Tyler6 é um procedimento linear e administra­

por educadores conhecidos como escolanovistas. Anisio Teixeira e tivo em quatro etapas: definição dos objetivos de ensino; seleção e

Fernando de Azevedo, por exemplo, foram responsáveis pelas reformas criação de experiências de aprendizagem apropriadas; organização

ocorridas na Bahia (1925) e no Distrito Federal (1927). Mais recente­ dessas experiências de modo a garantir maior eficiência ao processo

mente, a proposta pedagógica dos Cenb·os Integrados de Educação de ensino; e avaliação do cmrículo.

Pública (CIEPs) traz alguns elementos do progressivisrno de Oewey. Mas a racionalidade tyleriana faz mais do que responder às ques­

É importante ressaltat� no entanto, que o progressivismo é 0 nome tões até então centrais da teoria curricular. Estabelece um vínculo es­
treito enb·e cmrículo e avaliação, propondo que a eficiência da imple­
dado a um movimento com muitas divisões internas, indo de corren­
tes com uma forte preocupação social a teorias centradas na criança, mentação dos currículos seja inferida pela avaliação do rendimento
dos alunos. Ainda que sua abordagem processual - objetivos/pro­
mas que não possuem tal preocupação. Nesse segundo grupo, desta­
ca-se o trabalho de William Kilpab·ick, também muito presente nas cesso educativo/avaliação do atingimento dos objetivos- tenha uina

experiências brasileiras. Kilpatrick5 é o responsável pela sistematização matriz comportamental, tem sido utilizada na formulação de currícu­

de projetos, utilizados por Dewey em diferentes experiências educa­ los com diferentes aportes teóricos, como veremos no capítulo 2. Tyler

cionais, visando à construção de um método de ensino - o método define, assim, uma nova agenda para a teoria curricular, centrada na

de J?rojetos- que, de alguma forma, hibridiza as ideias de Dewey com formulação de objetivos, com repercussões que, ainda hoje, podem ser

princípios do comportamentalismo em voga. Ainda que definido ape­ vistas nos procedimentos de elaboração de currículos.

nas como método pelo autor, sua contribuição é inúmeras vezes toma­ Há alguns elementos comW1S a essas três tradições do campo do
da como uma teoria curricular progressivista, exacerbando um caráter cmrículo no que tange à definição de currículo. Em todas elas, é enfa­
técnico que o progressivismo possui, mas em rúveis menos acentuados. tizado o caráter prescritivo do currículo, visto como um planejamento

5. KlLPATRICK, WiiJiam. O método de projectos. Mangualde: Edições Pedago, 2008. 6. ll'LER, Ralph. Priucfpios bdsicos de currículo e eusiuo. Porto Alegre: Globo, 1977.
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das atividades da escola realizado segundo critérios objetivos e cientí­ deve agir em sociedade. Nessa perspectiva, a harmonia e o progresso
ficos. Todo o destaque é dado ao que veio a ser denominado mais tarde social são gestados também na escola.
currículo formal ou pré-ativo. É bem verdade que não se trata de de­
Uma das críticas mais incisivas da escola e do currículo como
fender que tudo pode ser previsto. Tanto para Dewey e Teixeira quan­
aparato de controle social parte do que se convencionou chamar de
to para Tyler, a construção curricular é um processo do qual professores,
teorias da correspondência ou da reprodução, produzidas, principal­
e mesmo alt.mos, podem ou devem participar em diferentes momentos.
mente, nos anos 1970. Trata-se de teorias marxistas que defendem a
Mas há um nível de decisão curricular anterior a tal participação que correspondência entre a base econômica e a superestrutura, indo de
já ocorre numa fase de implementação do currículo, quando o que é perspectivas mecanicistas, em que a correspondência é total e exata, a
prescrito passa a ser "usado" nas escolas. A dinâmica curricular envol­ concepções em que a dialética enb·e economia e cultura se faz mais
ve, então, dois momentos integrados, mas distintos: a produção e a visível. Incluem trabalhos variados do campo da sociologia, alguns
implementação do cw-rículo. Admitindo-se o caráter científico de sua dos quais problem.atizando mais espedficamente o currículo escolar.
elaboração, os insucessos são, com frequência, descritos como problemas Assim é q��' ancorados na concepção de aparelhos ideológicos de
de implementação e recaem sobre as escolas e os docentes. Estado, desenvolvida por Louis AlthusserS no livro Aparelhos ideológi­
cos de Estado, em 1971, Baudelot e Establet e Bowles e Gintis, por exem­
plo, analisam a atuação do sistema educativo na preparação dos sujei­
tos de cada classe social para assumir os papéis que lhes são destinados
O primeiro silêncio: sobre hegemonia, ideologia e poder
pelo sistema capitalista.

as escolas esliio orga11izadas 11iio apenas para ensinar o conhecimento referente Althusser não trata especificamente da escola, ou dos mecanismos
a qué, como e para quê, exigido pela nossa sociedade, mas estiio organizndas através dos quais ela atua como elemento de reprodução. Ao definir
também de uma formn tal que elas, afinnl das contas, auxiliam na produçiio do os mecanismos pelos quais o Estado conb·ibui para a reprodução da
conhecimento léCIIico/ administrativo necessário, entre oufrn..c; coisas, para ex­ estrutma de classes, o·ia o arcabouço básico de conceitos com os quais
pandir 1//ercados, controlar a produçiio, o traballw e as pessoas, produzir pes­ a teoria da reprodução opera. Aponta Althusser para o duplo caxáter
quisa básica e aplicada exigida pela indiÍstria e criar necessidades artificiais de atuação da escola na manutenção da esb·utura social: d)retamente,
generalizndns entre a populaçiio! atua como elemento auxiüar do modo de produção como formadora
de mão de obra, indiretamente contribui para difw1dir diferenciada­
Além de enfatizar o prescrito, separando concepção e implemen­
mente a ideologia, que funciona como mecanismo de cooptação das
tação, as abordagens científicas do currículo são criticadas por conce­
diferentes classes. É esse caráter de aparelho ideológico ressaltado por
berem a escola e o currículo como aparatos de controle social. A im­
Althusser que vai constituir o cerne da teorização crítica em currículo,
portânda da escola para o desenvolvimento econômico do país,
considerado enquanto mistificação ideológica.
ressàltada em múltiplos momentos, é uma das expressões dessa cren­
O trabalho de Baudelot e Establet'� (A escola capitalista na França,
ça, assim como o destaque que a ela se dá como espaço de sociaüzação
dos sujeitos. Aprende-se na escola não apenas o que é preciso saber
1971) assenta-se predominantemente sobre as ideias de Althusser,
para enb·ar no mundo produtivo, mas códigos a partir dos quais se
8. ALTI-IUSSER, Louis. Ap11relltos ideológicos de Estndo. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
9. BAUDELOT, Christian; ESfABLET, Roger. L'écult• Cll�>illlliste en Fmuce. Paris: P. Maspero,
7. APPLE, MichneJ. E.tucnção e pt�fer. Porto Alegre: Artes Médic.1s, 1989. p. 37.
1971.
26
LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 27

das atividades da escola realizado segundo critérios objetivos e cientí­ deve agir em sociedade. Nessa perspectiva, a harmonia e o progresso
ficos. Todo o destaque é dado ao que veio a ser denominado mais tarde social são gestados também na escola.
currículo formal ou pré-ativo. É bem verdade que não se trata de de­
Uma das críticas mais incisivas da escola e do currículo como
fender que tudo pode ser previsto. Tanto para Dewey e Teixeira quan­
aparato de controle social parte do que se convencionou chamar de
to para Tyler, a construção curricular é um processo do qual professores,
teorias da correspondência ou da reprodução, produzidas, principal­
e mesmo alt.mos, podem ou devem participar em diferentes momentos.
mente, nos anos 1970. Trata-se de teorias marxistas que defendem a
Mas há um nível de decisão curricular anterior a tal participação que correspondência entre a base econômica e a superestrutura, indo de
já ocorre numa fase de implementação do currículo, quando o que é perspectivas mecanicistas, em que a correspondência é total e exata, a
prescrito passa a ser "usado" nas escolas. A dinâmica curricular envol­ concepções em que a dialética enb·e economia e cultura se faz mais
ve, então, dois momentos integrados, mas distintos: a produção e a visível. Incluem trabalhos variados do campo da sociologia, alguns
implementação do cw-rículo. Admitindo-se o caráter científico de sua dos quais problem.atizando mais espedficamente o currículo escolar.
elaboração, os insucessos são, com frequência, descritos como problemas Assim é q��' ancorados na concepção de aparelhos ideológicos de
de implementação e recaem sobre as escolas e os docentes. Estado, desenvolvida por Louis AlthusserS no livro Aparelhos ideológi­
cos de Estado, em 1971, Baudelot e Establet e Bowles e Gintis, por exem­
plo, analisam a atuação do sistema educativo na preparação dos sujei­
tos de cada classe social para assumir os papéis que lhes são destinados
O primeiro silêncio: sobre hegemonia, ideologia e poder
pelo sistema capitalista.

as escolas esliio orga11izadas 11iio apenas para ensinar o conhecimento referente Althusser não trata especificamente da escola, ou dos mecanismos
a qué, como e para quê, exigido pela nossa sociedade, mas estiio organizndas através dos quais ela atua como elemento de reprodução. Ao definir
também de uma formn tal que elas, afinnl das contas, auxiliam na produçiio do os mecanismos pelos quais o Estado conb·ibui para a reprodução da
conhecimento léCIIico/ administrativo necessário, entre oufrn..c; coisas, para ex­ estrutma de classes, o·ia o arcabouço básico de conceitos com os quais
pandir 1//ercados, controlar a produçiio, o traballw e as pessoas, produzir pes­ a teoria da reprodução opera. Aponta Althusser para o duplo caxáter
quisa básica e aplicada exigida pela indiÍstria e criar necessidades artificiais de atuação da escola na manutenção da esb·utura social: d)retamente,
generalizndns entre a populaçiio! atua como elemento auxiüar do modo de produção como formadora
de mão de obra, indiretamente contribui para difw1dir diferenciada­
Além de enfatizar o prescrito, separando concepção e implemen­
mente a ideologia, que funciona como mecanismo de cooptação das
tação, as abordagens científicas do currículo são criticadas por conce­
diferentes classes. É esse caráter de aparelho ideológico ressaltado por
berem a escola e o currículo como aparatos de controle social. A im­
Althusser que vai constituir o cerne da teorização crítica em currículo,
portânda da escola para o desenvolvimento econômico do país,
considerado enquanto mistificação ideológica.
ressàltada em múltiplos momentos, é uma das expressões dessa cren­
O trabalho de Baudelot e Establet'� (A escola capitalista na França,
ça, assim como o destaque que a ela se dá como espaço de sociaüzação
dos sujeitos. Aprende-se na escola não apenas o que é preciso saber
1971) assenta-se predominantemente sobre as ideias de Althusser,
para enb·ar no mundo produtivo, mas códigos a partir dos quais se
8. ALTI-IUSSER, Louis. Ap11relltos ideológicos de Estndo. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
9. BAUDELOT, Christian; ESfABLET, Roger. L'écult• Cll�>illlliste en Fmuce. Paris: P. Maspero,
7. APPLE, MichneJ. E.tucnção e pt�fer. Porto Alegre: Artes Médic.1s, 1989. p. 37.
1971.
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LOPES • MACEDO TEOJJIAS DE CURRÍCULO 29

��Lsc�do e�li�itar a forma corno o sistema escolar atua para garan­ Na trajetória das níticas ao papel reprodutivo da escola, a socio­
.
tu a düerenc1açao soCLal e denunciando a falsa propaganda da
escola logia britânica dos anos 1970 explícita um conjll!'to de preocupações
enquanto espaço que garante oportunid
ades a todos. Por sua vez, 0 que se direcionam mais fortemente para questões que podemos chamar
trabalho de Bo les e Gintisw (Escolariz
� ação na América capitalista, 1976) de curriculares. Em 1971, o livro Conhecimento e controle: novas direções

traba 1a a funçao reprodutora da esco
la, chamando a atenção para a para a Sociologia da Educação, organizado por Michael Young,l2 lança as
matenalid .
ade da ideologia, já presente, como adve
rtência, nos escri­ bases do movimento chamado Nova Sociologia da Educação (NSE).
tos de Althusser. Os autores estabelece
m uma correspondência entre Para entender como a diferenciação social é produzida por intermédio
a estrutura social e a estrutu1·a de prod
ução, identificando como as do currkulo, os autores da NSE propõem questões sobre a seleção e a
diferentes divisões e hierarquizações
necessárias à participação con­ organização do conhecimento escolar. Diferentemente das perspectivas
� � � �

ola a do trabalh o no mercado são
construidas a partir da orga­ térnicas, tais questões buscam entender os interesses envolvidos em
� zaç ao das expenenctas escolares, num
a correspondência bastante tais processos, compreendendo que a escola contribui para a legitima­
direta. Apesar de consistentes, ambas
as análises têm forte caráter ção de determinados conhecimentos e, mais especificamente, dos
determinista e não se detêm na anilise
mais aprofundada da escola e grupos que os detêm.A elaboração curricular passa a ser pensada como
do cmrículo. um processo social, preso a determinações de urna sociedade estrati­
Com uma abordagem menos determini ficada em classes, uma diferenciação social reproduzida por intermé­
. sta, centrada na importân­
Cia do processos culttuais na perpetua dio do currículo. Ao invés de método, o currículo torna-se um espaço
� ção das relações de classe,
Bourdte e Passeron,11 em A reproduçã de reprodução simbólica e/ ou material. Surgem na agenda dos estudos
� o, datada de 1970, explicitam a
compl
:�

da e dos ecanismos de reprodução socia
� l e cultural.A ação
curriculares questões como: por que esses e não outros conhecimentos
ped gogtca e descrita como llnla violê estão nos currículos; quem os define e em favor de quem são definidos;
� ncia simbólica que busca pro­
duztr uma formação dw·ável (habitus) que culturas são legitimadas com essa presença e que outras são des­
com efeito de inculcação ou
r produçao _ legitimadas por aí não estarem. Abre-se uma nova tradição nesses
: . Para os autores, a escola opera com códig
os de transmis­
sao cultmal familiares apenas às class estudos, qual seja, a de entender que o currículo não forma apenas os
es médias, dificultando a esco­
lariz�ção das crianças de classes populares alunos, mas o próprio conhecimento, a partir do momento em que
, mas, principalmente, na­
tmahzando essa cultura e escondendo seu seleciona de forma interessada aquilo que é objeto da éscolarização.
caráter de classe. Os sistemas
dos arbitrários culturais de uma dete No capítulo 3, abordaremos mais detidamente a relação entre conhe­
rminada formação social são

ass , definidos como legítimos e sua impo
sição é ocultada pela ideo �
cimento e currículo.
log1a. Nesse sentido, a reprodução cult É, no entanto, com a publicação de Ideologia e currículo, por Michael
ural opera de forma semelhan­
te à reprodução econômica: o capital cultu Apple13 em 1979, que as análises reprodutivistas passam a tratar espe­
ral das classes médias de­
sigualmente distribuído, favorece aque cificamente do currículo com enorme popularidade na área. No Brasil,
perpetua a desigualdade dessa distribuiç
les que o possuem e, com sso, � o h·abalho deApple garLha notoriedade nos anos 1980, tendo sido seus
ão.
livros traduzidos poucos anos depois de publicados. Vivfamos, então,
o processo de abertura política depois de 15 anos de ditadura militar,
· 10. BOWLES, Samuel; GINTIS, He.rbe.r
t. Schooliug ;, cnpilnlist Americ
n. Londres·. Routledge'
1976.

11. B_OURDlEU, Pierre; PASSERON, Jean


Claude. A reprodução. Rio de Janeiro
: Francisco 12. YOUNG, Michael. Kuowlrdge aurl cou/rol. London: MacmiUo.n, 1971.
Ah'es, 1 9 t5.
13. APPLE, Michael. ldcologin e wrrículo. São Põ�ulo: Brasiliense, 1982.
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LOPES • MACEDO TEOJJIAS DE CURRÍCULO 29

��Lsc�do e�li�itar a forma corno o sistema escolar atua para garan­ Na trajetória das níticas ao papel reprodutivo da escola, a socio­
.
tu a düerenc1açao soCLal e denunciando a falsa propaganda da
escola logia britânica dos anos 1970 explícita um conjll!'to de preocupações
enquanto espaço que garante oportunid
ades a todos. Por sua vez, 0 que se direcionam mais fortemente para questões que podemos chamar
trabalho de Bo les e Gintisw (Escolariz
� ação na América capitalista, 1976) de curriculares. Em 1971, o livro Conhecimento e controle: novas direções

traba 1a a funçao reprodutora da esco
la, chamando a atenção para a para a Sociologia da Educação, organizado por Michael Young,l2 lança as
matenalid .
ade da ideologia, já presente, como adve
rtência, nos escri­ bases do movimento chamado Nova Sociologia da Educação (NSE).
tos de Althusser. Os autores estabelece
m uma correspondência entre Para entender como a diferenciação social é produzida por intermédio
a estrutura social e a estrutu1·a de prod
ução, identificando como as do currkulo, os autores da NSE propõem questões sobre a seleção e a
diferentes divisões e hierarquizações
necessárias à participação con­ organização do conhecimento escolar. Diferentemente das perspectivas
� � � �

ola a do trabalh o no mercado são
construidas a partir da orga­ térnicas, tais questões buscam entender os interesses envolvidos em
� zaç ao das expenenctas escolares, num
a correspondência bastante tais processos, compreendendo que a escola contribui para a legitima­
direta. Apesar de consistentes, ambas
as análises têm forte caráter ção de determinados conhecimentos e, mais especificamente, dos
determinista e não se detêm na anilise
mais aprofundada da escola e grupos que os detêm.A elaboração curricular passa a ser pensada como
do cmrículo. um processo social, preso a determinações de urna sociedade estrati­
Com uma abordagem menos determini ficada em classes, uma diferenciação social reproduzida por intermé­
. sta, centrada na importân­
Cia do processos culttuais na perpetua dio do currículo. Ao invés de método, o currículo torna-se um espaço
� ção das relações de classe,
Bourdte e Passeron,11 em A reproduçã de reprodução simbólica e/ ou material. Surgem na agenda dos estudos
� o, datada de 1970, explicitam a
compl
:�

da e dos ecanismos de reprodução socia
� l e cultural.A ação
curriculares questões como: por que esses e não outros conhecimentos
ped gogtca e descrita como llnla violê estão nos currículos; quem os define e em favor de quem são definidos;
� ncia simbólica que busca pro­
duztr uma formação dw·ável (habitus) que culturas são legitimadas com essa presença e que outras são des­
com efeito de inculcação ou
r produçao _ legitimadas por aí não estarem. Abre-se uma nova tradição nesses
: . Para os autores, a escola opera com códig
os de transmis­
sao cultmal familiares apenas às class estudos, qual seja, a de entender que o currículo não forma apenas os
es médias, dificultando a esco­
lariz�ção das crianças de classes populares alunos, mas o próprio conhecimento, a partir do momento em que
, mas, principalmente, na­
tmahzando essa cultura e escondendo seu seleciona de forma interessada aquilo que é objeto da éscolarização.
caráter de classe. Os sistemas
dos arbitrários culturais de uma dete No capítulo 3, abordaremos mais detidamente a relação entre conhe­
rminada formação social são

ass , definidos como legítimos e sua impo
sição é ocultada pela ideo �
cimento e currículo.
log1a. Nesse sentido, a reprodução cult É, no entanto, com a publicação de Ideologia e currículo, por Michael
ural opera de forma semelhan­
te à reprodução econômica: o capital cultu Apple13 em 1979, que as análises reprodutivistas passam a tratar espe­
ral das classes médias de­
sigualmente distribuído, favorece aque cificamente do currículo com enorme popularidade na área. No Brasil,
perpetua a desigualdade dessa distribuiç
les que o possuem e, com sso, � o h·abalho deApple garLha notoriedade nos anos 1980, tendo sido seus
ão.
livros traduzidos poucos anos depois de publicados. Vivfamos, então,
o processo de abertura política depois de 15 anos de ditadura militar,
· 10. BOWLES, Samuel; GINTIS, He.rbe.r
t. Schooliug ;, cnpilnlist Americ
n. Londres·. Routledge'
1976.

11. B_OURDlEU, Pierre; PASSERON, Jean


Claude. A reprodução. Rio de Janeiro
: Francisco 12. YOUNG, Michael. Kuowlrdge aurl cou/rol. London: MacmiUo.n, 1971.
Ah'es, 1 9 t5.
13. APPLE, Michael. ldcologin e wrrículo. São Põ�ulo: Brasiliense, 1982.
30
LOPES • MACEDO TEOf!.JAS DE CURRÍCULO 31

marcada, no campo da educação, pela valor


ização do tecnicismo e I
tidos que são viYidos pelos sujeitos como uma espécie de senso comum.
no curnculo, por abordagens derivadas da
'

racionalidade tyleriana. Algo que satura todo o espaço social e mesmo nos�as consciências. Algo
A redemocratização trazia novos governos
estaduais e reincorpora­ total que passa a corresponder à realidade da experiência social viven­
va perspectivas marxistas aos discw·sos educa
cionais. Retornavam ciada e que se toma mais poderoso corno compreensão do mundo à
ao cenário as formulações de Paulo Freire
, ao mesmo tempo que medida que é vivenciado como sentido de realidade. Ideologia, na
Dermeval Saviani lançava as bases da Pedag
ogia Histórico-Critica tradição marxista de que parte o autor, pode ser resumida como uma
ou, na formulação de José Carlos Libâneo, da
pedagogia crítico-soda]
espécie de falsa consciência que obriga toda a sociedade a enxergar o
dos conteúdos, detalhadas no capítulo 3. Como
todos os teóricos da
mundo sob a óptica de Lun grupo determinado ou sob a óptica das
reprodução, Apple defende a correspondência
entre dominação eco­
classes dominantes. As ideologias são um sistema de Cl'enças partilha­
nômica e cultural. No entanto, em diálo
go, especialmente, com as
� �
ques ões presentadas pela NSE, o autor retom
a os conceitos de hege­
das que nos pemute dar sentido ao mLmdo, wna teia de argmnentação
que visa a legitimar determin.ada \'isão de mw1do. Nesse sentido,
morua e 1deologia como forma de entender
a ação da educação na
reprodução das desigualdades, rejeitando persp quando hegemônicas, ocultam as contradições sociais.
ectivas excessivamen­

t deterministas. De Bourdieu e Passeron,
traz a ideia de que nas so­
A partir desses conceitos, as preocupações de Apple podem ser
aedades capitalistas não apenas as propr reescritas: como os currículos escolares (re)criam a hegemonia ideo­
iedades econômicas, mas
também as simbólicas (o capital cultural) lógica de determinados grupos dentro da sociedade. Para entender
são distribuídas de for­
ma desigual. Defende que instituições corno como essa hegemonia é recriada, o autor advoga a necessidade de
as escolas contribuem
para a manutenção do controle sociaJ, na olhar mais detidamente para a escola, o que não era feito pela quase
medida em que ajudam a
manter a desigualdade dessa distribuição de totalidade dos reprodutivistas. Estudar as interações cotidianas nas
capitaJ simbólico. Apple

preocu a-se particularmente em entender
corno a educação age na salas de aula, o corpus formal do conhecimento escolar expresso no
econonua e, nesse sentido, articula reprodução currículo e a ação dos professores eram os elementos que permitiriam
com produção. A re­
produção econômica é, portanto, produzida identificar como as relações de classe são reproduzidas econômica e
também no interior da
escola pela forma como homens e mulheres culturalmente pela escola. Obviamente, tais preocupações são muito
vivem os mecanismos de
dominação no dia a dia de suas atividades. diferentes daquelas que deran1 origem às teorias curriculares cientí­
Isso não quer dizer que a
base da desigualdade deixe de ser econômica,
mas que as contradições ficas. A pergunta central não é "o que ou como ensinar", mas por q'ue
econômicas (sociais e políticas) são mediadas
nas situações de vida alguns aspectos da cultura social são ensinados como se representas­
concreta dos sujeitos da escola.
sem o todo social? Quais as consequências da legitimação desses
�o movimento de an1pliar a noção de reprodução, de modo que aspectos para o conjunto da sociedade? Ou, posto de outra forma,
ela de conta de questões cultmais, Apple lança quais as relações entre o "conhecimento oficial" e os interesses do­
mão de dois conceitos
funaamentais, e articulados, da teoria marx minantes da sociedade? Por conhecimento entenda-se não apenas os
ista: hegemonia e ideologia.
A hegemonia é tornada na leitura que Raym conteúdos de ensino, mas as normas e os valores que também cons­
ond Williams14 faz de
Gramsci, referindo-se a um conjunto organ tituem o currículo.
izado e dominante de sen-

No movimento de responder a tais questões, Apple reformula o


H. WILUAMS; Raymond. The loug n:t'Oiulicm. conceito de currículo oculto, definido por Philip Jackson, nos anos
london: Harmondsworth' Penguin Books
1961.
'

1960, para dar conta das relações de poder que permeiam o curríéulo.
30
LOPES • MACEDO TEOf!.JAS DE CURRÍCULO 31

marcada, no campo da educação, pela valor


ização do tecnicismo e I
tidos que são viYidos pelos sujeitos como uma espécie de senso comum.
no curnculo, por abordagens derivadas da
'

racionalidade tyleriana. Algo que satura todo o espaço social e mesmo nos�as consciências. Algo
A redemocratização trazia novos governos
estaduais e reincorpora­ total que passa a corresponder à realidade da experiência social viven­
va perspectivas marxistas aos discw·sos educa
cionais. Retornavam ciada e que se toma mais poderoso corno compreensão do mundo à
ao cenário as formulações de Paulo Freire
, ao mesmo tempo que medida que é vivenciado como sentido de realidade. Ideologia, na
Dermeval Saviani lançava as bases da Pedag
ogia Histórico-Critica tradição marxista de que parte o autor, pode ser resumida como uma
ou, na formulação de José Carlos Libâneo, da
pedagogia crítico-soda]
espécie de falsa consciência que obriga toda a sociedade a enxergar o
dos conteúdos, detalhadas no capítulo 3. Como
todos os teóricos da
mundo sob a óptica de Lun grupo determinado ou sob a óptica das
reprodução, Apple defende a correspondência
entre dominação eco­
classes dominantes. As ideologias são um sistema de Cl'enças partilha­
nômica e cultural. No entanto, em diálo
go, especialmente, com as
� �
ques ões presentadas pela NSE, o autor retom
a os conceitos de hege­
das que nos pemute dar sentido ao mLmdo, wna teia de argmnentação
que visa a legitimar determin.ada \'isão de mw1do. Nesse sentido,
morua e 1deologia como forma de entender
a ação da educação na
reprodução das desigualdades, rejeitando persp quando hegemônicas, ocultam as contradições sociais.
ectivas excessivamen­

t deterministas. De Bourdieu e Passeron,
traz a ideia de que nas so­
A partir desses conceitos, as preocupações de Apple podem ser
aedades capitalistas não apenas as propr reescritas: como os currículos escolares (re)criam a hegemonia ideo­
iedades econômicas, mas
também as simbólicas (o capital cultural) lógica de determinados grupos dentro da sociedade. Para entender
são distribuídas de for­
ma desigual. Defende que instituições corno como essa hegemonia é recriada, o autor advoga a necessidade de
as escolas contribuem
para a manutenção do controle sociaJ, na olhar mais detidamente para a escola, o que não era feito pela quase
medida em que ajudam a
manter a desigualdade dessa distribuição de totalidade dos reprodutivistas. Estudar as interações cotidianas nas
capitaJ simbólico. Apple

preocu a-se particularmente em entender
corno a educação age na salas de aula, o corpus formal do conhecimento escolar expresso no
econonua e, nesse sentido, articula reprodução currículo e a ação dos professores eram os elementos que permitiriam
com produção. A re­
produção econômica é, portanto, produzida identificar como as relações de classe são reproduzidas econômica e
também no interior da
escola pela forma como homens e mulheres culturalmente pela escola. Obviamente, tais preocupações são muito
vivem os mecanismos de
dominação no dia a dia de suas atividades. diferentes daquelas que deran1 origem às teorias curriculares cientí­
Isso não quer dizer que a
base da desigualdade deixe de ser econômica,
mas que as contradições ficas. A pergunta central não é "o que ou como ensinar", mas por q'ue
econômicas (sociais e políticas) são mediadas
nas situações de vida alguns aspectos da cultura social são ensinados como se representas­
concreta dos sujeitos da escola.
sem o todo social? Quais as consequências da legitimação desses
�o movimento de an1pliar a noção de reprodução, de modo que aspectos para o conjunto da sociedade? Ou, posto de outra forma,
ela de conta de questões cultmais, Apple lança quais as relações entre o "conhecimento oficial" e os interesses do­
mão de dois conceitos
funaamentais, e articulados, da teoria marx minantes da sociedade? Por conhecimento entenda-se não apenas os
ista: hegemonia e ideologia.
A hegemonia é tornada na leitura que Raym conteúdos de ensino, mas as normas e os valores que também cons­
ond Williams14 faz de
Gramsci, referindo-se a um conjunto organ tituem o currículo.
izado e dominante de sen-

No movimento de responder a tais questões, Apple reformula o


H. WILUAMS; Raymond. The loug n:t'Oiulicm. conceito de currículo oculto, definido por Philip Jackson, nos anos
london: Harmondsworth' Penguin Books
1961.
'

1960, para dar conta das relações de poder que permeiam o curríéulo.
33
32 LOPES • MACEDO TEOJl iAS DE CURRÍCULO

. Tal movimento será


Defende que subjaz ao currículo formal. e ao que acontece na escola, tória inviabilizada pelas teorias da reprodução
um currículo oculto, em que se escondem as relações de poder que enfocado no capítulo 8.
estão na base das supostas escolhas curriculares, sejam elas em relação
ao conhecimento (capítulo 3), sejam no que diz respeito aos procedi­
mentos que cotidianamente são reforçados pelas ações curriculares. O segundo excluído: o que acontece nas escolas
O currículo oculto subjaz a muitas manifestações curriculares.
Na perspectiva técnica do fazer curricular que descrevemos no início De_fe11do q11e 11iio se pode, co111 seutido, dese11llar uma experiêucia educacioual

deste capítulo, há um ótimo exemplo de currículo oculto inscrito na [. . ]. Quais siio minllas objeções a essa ideia? Uma é que não se pode predizer,
.

própria forma como os currículos são organizados e pensados. Ao com algwua certeza, a resposta daquele que uos eswta. A fala, e estou pensan­

optarem por modelos sistêmicos para a definição do que e do como do 11os professores aqui, não é eswtada ape11as no contexto 110 qual é falada
(ainda que isso iis vc=es ocorra), mas também nos contextos em que é ouvida.
ensina1� tais perspectivas assumem o fazer curricular como questão
Estes rUtimos siio os contextos das vidas individ11ais dos ouvintes. Eles siio
técnica, científica, ocultando a dimensão ideológica presente nessa
muito, aiuda que 11ão totalruc11te, dijere11tes daqueles dos professores. Até refle­
seleção. É como se qualquer decisão sobre o que e o como ensinar não
xões mome11tfi11eas revelam esse fato, o fato da individrmlidadc.15
envolvesse disputas ideológicas. A hegemonia dessa visão de currí­
culo elimina um importante aspecto do social: a contradição. A cren­
Não são apenas as perspectivas marxistas das teorias da reprodu­
ça na harmonia social daí advinda é um importante princípio que
ção que criticam as abordagens técnicas de currículo. Poder-se-ia
oculta as relações de poder e as desigualdades sociais. Em outras
mesmo dizer que os questionamentos a tais abordagens são, em gran­
palavras, pode-se dizer que há mn currículo oculto a todo currículo
de medida, função de um novo contexto social. Em fins dos anos 1960,
organizado segundo os moldes sistêmicos das perspectivas técni­
o mw1do explode numa série de questionamentos ao stntus quo. Na
cas. O mesmo movimento de ocultação da contradição é reiterado
Europa e nos Estados Unidos, surgem os movimentos de contracultu­
em muitas outras manifestações curriculares vividas nos currículos
de muitas disciplinas. ra que também ganham força no Brasil ao longo da década de 1970,
ainda no contexto da ditadura militar. Há, no entanto, 'fragilidad� s
Antes de passarmos a outro grande silêncio da teoria curricular
próprias das abordagens téaúcas. Ainda que maxcadas por preocupa­
que, como acabamos de ver, produz sentidos ocultos, é importante
ções de natureza eminentemente prática - como fazer-, elas não
destacar que as temias da reprodução e, especialmente, as formulações
conseguem dar conta da realidade vivida nas escolas. A implementa­
de Michael Apple foram revistas nessas últimas décadas. Mesmo de­
ção dos currículos continua a ser um problema para o qual essas·abor­
fendendo a escola como espaço de produção (e não apenas de repro­
dagens não fornecem solução. Mesmo que desde Dewey se saliente
dução), trata-se de uma produção que somente se podia fazer no
sentido de atender às necessidades do capital. Com a enh·ada em cena que as experiêndas curriculares transcendem às atividades planejadas

das teorias da resistência, denunciando o aprisionamento da consciên­ e planificadas nos documentos escritos, mantém-se o lúato entre os

cia da classe trabalhadora que está na base do pensamento reproduti­ planos cmriculares e sua _aplicação.

vi.sta e das categorias hegemonia e ideologia tal como utilizadas, o


caxáter contraçiitório da própria reprodução é acentuado. A resistência . New York: Petcr Lang, 199-l. p, 12-l­
15. PLNAR, William. Alllol>iogmp/1,1/, polilia; nud se.nmlily
devolve ao sujeito a possibilidade, difícil e laboriosa, de mudar a hls- -125. Texto original de 1979.
33
32 LOPES • MACEDO TEOJl iAS DE CURRÍCULO

. Tal movimento será


Defende que subjaz ao currículo formal. e ao que acontece na escola, tória inviabilizada pelas teorias da reprodução
um currículo oculto, em que se escondem as relações de poder que enfocado no capítulo 8.
estão na base das supostas escolhas curriculares, sejam elas em relação
ao conhecimento (capítulo 3), sejam no que diz respeito aos procedi­
mentos que cotidianamente são reforçados pelas ações curriculares. O segundo excluído: o que acontece nas escolas
O currículo oculto subjaz a muitas manifestações curriculares.
Na perspectiva técnica do fazer curricular que descrevemos no início De_fe11do q11e 11iio se pode, co111 seutido, dese11llar uma experiêucia educacioual

deste capítulo, há um ótimo exemplo de currículo oculto inscrito na [. . ]. Quais siio minllas objeções a essa ideia? Uma é que não se pode predizer,
.

própria forma como os currículos são organizados e pensados. Ao com algwua certeza, a resposta daquele que uos eswta. A fala, e estou pensan­

optarem por modelos sistêmicos para a definição do que e do como do 11os professores aqui, não é eswtada ape11as no contexto 110 qual é falada
(ainda que isso iis vc=es ocorra), mas também nos contextos em que é ouvida.
ensina1� tais perspectivas assumem o fazer curricular como questão
Estes rUtimos siio os contextos das vidas individ11ais dos ouvintes. Eles siio
técnica, científica, ocultando a dimensão ideológica presente nessa
muito, aiuda que 11ão totalruc11te, dijere11tes daqueles dos professores. Até refle­
seleção. É como se qualquer decisão sobre o que e o como ensinar não
xões mome11tfi11eas revelam esse fato, o fato da individrmlidadc.15
envolvesse disputas ideológicas. A hegemonia dessa visão de currí­
culo elimina um importante aspecto do social: a contradição. A cren­
Não são apenas as perspectivas marxistas das teorias da reprodu­
ça na harmonia social daí advinda é um importante princípio que
ção que criticam as abordagens técnicas de currículo. Poder-se-ia
oculta as relações de poder e as desigualdades sociais. Em outras
mesmo dizer que os questionamentos a tais abordagens são, em gran­
palavras, pode-se dizer que há mn currículo oculto a todo currículo
de medida, função de um novo contexto social. Em fins dos anos 1960,
organizado segundo os moldes sistêmicos das perspectivas técni­
o mw1do explode numa série de questionamentos ao stntus quo. Na
cas. O mesmo movimento de ocultação da contradição é reiterado
Europa e nos Estados Unidos, surgem os movimentos de contracultu­
em muitas outras manifestações curriculares vividas nos currículos
de muitas disciplinas. ra que também ganham força no Brasil ao longo da década de 1970,
ainda no contexto da ditadura militar. Há, no entanto, 'fragilidad� s
Antes de passarmos a outro grande silêncio da teoria curricular
próprias das abordagens téaúcas. Ainda que maxcadas por preocupa­
que, como acabamos de ver, produz sentidos ocultos, é importante
ções de natureza eminentemente prática - como fazer-, elas não
destacar que as temias da reprodução e, especialmente, as formulações
conseguem dar conta da realidade vivida nas escolas. A implementa­
de Michael Apple foram revistas nessas últimas décadas. Mesmo de­
ção dos currículos continua a ser um problema para o qual essas·abor­
fendendo a escola como espaço de produção (e não apenas de repro­
dagens não fornecem solução. Mesmo que desde Dewey se saliente
dução), trata-se de uma produção que somente se podia fazer no
sentido de atender às necessidades do capital. Com a enh·ada em cena que as experiêndas curriculares transcendem às atividades planejadas

das teorias da resistência, denunciando o aprisionamento da consciên­ e planificadas nos documentos escritos, mantém-se o lúato entre os

cia da classe trabalhadora que está na base do pensamento reproduti­ planos cmriculares e sua _aplicação.

vi.sta e das categorias hegemonia e ideologia tal como utilizadas, o


caxáter contraçiitório da própria reprodução é acentuado. A resistência . New York: Petcr Lang, 199-l. p, 12-l­
15. PLNAR, William. Alllol>iogmp/1,1/, polilia; nud se.nmlily
devolve ao sujeito a possibilidade, difícil e laboriosa, de mudar a hls- -125. Texto original de 1979.
34 LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 35

Crescem, assim, as críticas ao conceito restrito de currículo como o mW1do-da-vida dos sujeitos às decisões curriculares. No capíhllo 2,
a prescrição seja do que deveria ser ensinado, seja de comportamentos abordaremos tais procedimentos.
esperados dos altmos. Teóricos de matriz fenomenológica argumentam
No campo da teoria curricular em âmbito internacional, o concei­
em favor de um currículo aberto à experiência dos sujeitos e defendem
to de cw-rere, proposto por William Pinar17 em 1975, é a mais relevante
uma definição de cmrículo para além do saber socialmente prescrito
contribuição da fenomenologia para a ampliação do conceito de cm­
a ser dominado pelos estudantes. Propõem que a ideia de um docu­
rículo. O cmrículo como wrrere é defirddo, pelo autor, como Lun pro­
mento preestabelecido seja substituída por uma concepção que englo­ sentido
cesso mais do que como uma coisa, como tuna ação, como um
be atividades capazes de permitir ao alw10 compreender seu próprio
particular e wna esperança pública. O currículo é uma conve1·sa com­
mW1do-da-vida. Em certa medida, essas preocupações também se
plicada de cada indivíduo com o mLmdo e consigo mesmo. Conside­
fazem presentes no pensamento crítico, no qual, no entanto, a ênfase
rando que a experiência educacional dos sujeitos é parte de sua situa­
no social despreza o indhridual. Para os teóricos de matriz fenomeno­
ção biográfica, o cmrículo deve proporcionar ao sujeito entender a
lógica, essa ênfase torna o pensamento crítico desmobilizante, na
natureza d'essa experiência. É através dela, e não apenas dela, que o
medida em que enreda o indivíduo numa estruhtra social da qual ele
sujeito se move biograficamente de forma multidimensional. Trata-se
não pode sair.
de um método constihlÍdo de quatro momentos - regressivo, pro­
Paulo Freire é, sem dúvida, uma das importantes influências para gressivo, analítico e sintético - pelo qual se busca explorar a relação
as concepções de currículo facadas na compreensão do mundo-da- i­ entre o temporal e o conceitual.A experiência dos sujei tos é a fonte dos
da dos indivíduos que convivem no espaço da escola. Ainda que in­ dados, gerados por associação livre, com os quais a situação educacio­
fluenciado pelo marxismo, Freire constrói uma temia eclética para a nal deve lidar.
qual muito colaboram a fenomenologia e o existencialismo. Na Pedn­
O momento regressivo é um retorno ao passado, não um passado
gogin do oprimido, seu principal livro, datado de 1970, Freire1b parte da
concreto ou literal, mas abstrato, conceitual, subjetivo. No que respei­
contraposição clássica do marxismo entre opressores e oprimidos para
ta ao cu.rrículo, implica regredir às experiências escolares com o obje­
analisar a educação como bancária e antidialógica em raciocínio que
tivo de reviver o passado sem a preocupação em ser lógi�o ou crítico.
o aproxima dos teóricos da 1·eprodução. Propõe uma pedagogia basea­ Basta escrever as experiências, tornando-as presentes e conceptuaJi­
da no diálogo e, nesse sentido, vai além da análise das formas de
zando-as. O momento progressivo é aquele destinado ao que ainda
funcionamento da ideologia e da hegemonia, defendendo a possibili­ não está presente, um momento em que o sujeito lida com o futuro,
dade de a educação se contrapôr à reprodução. Para tanto, é preciso associando livremente seus interesses intelectuais. No terceiro momen­
repensá-la para além da transmissão hierárquica e organizada de co­ to, o analítico, é feita a descrição do presente que inclui a resposta do
nhecimentos: como interação entre sujeitos que se dá no mtmdo. Essa sujeito ao passado e ao fuhuo. Trata-se de tuna fotografia do presente
interação começa na própria decisão dos conteúdos em tomo dos quais que, jw1tamente com a foto do passado e do futuro, permite a inter­
o diálogo se estabelece. Poder-se-ia dizer que, nessa obra, Freire apre­ pretação do presente vivido. Essa interpretação não pode ser feita de
senta uma alternativa às concepções técnicas do cwTículo, propondo forma racional, seguindo um esquema analítico hierárquico ou tem­
procedimentos para a elaboração curricular capazes de tentar integrar poral, mas visa a perceber as inter-relações complexas entre presente,

16. FRErRE, Paulo. l'rdngogia do oprimidt•. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987. 17. PINAR, \\li!liam. AuiL•ltio,oçmplly, �>tJ/itics t!llll s..·xrlfllill(. New Yllrk: Peler Lang, 199-1.
34 LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 35

Crescem, assim, as críticas ao conceito restrito de currículo como o mW1do-da-vida dos sujeitos às decisões curriculares. No capíhllo 2,
a prescrição seja do que deveria ser ensinado, seja de comportamentos abordaremos tais procedimentos.
esperados dos altmos. Teóricos de matriz fenomenológica argumentam
No campo da teoria curricular em âmbito internacional, o concei­
em favor de um currículo aberto à experiência dos sujeitos e defendem
to de cw-rere, proposto por William Pinar17 em 1975, é a mais relevante
uma definição de cmrículo para além do saber socialmente prescrito
contribuição da fenomenologia para a ampliação do conceito de cm­
a ser dominado pelos estudantes. Propõem que a ideia de um docu­
rículo. O cmrículo como wrrere é defirddo, pelo autor, como Lun pro­
mento preestabelecido seja substituída por uma concepção que englo­ sentido
cesso mais do que como uma coisa, como tuna ação, como um
be atividades capazes de permitir ao alw10 compreender seu próprio
particular e wna esperança pública. O currículo é uma conve1·sa com­
mW1do-da-vida. Em certa medida, essas preocupações também se
plicada de cada indivíduo com o mLmdo e consigo mesmo. Conside­
fazem presentes no pensamento crítico, no qual, no entanto, a ênfase
rando que a experiência educacional dos sujeitos é parte de sua situa­
no social despreza o indhridual. Para os teóricos de matriz fenomeno­
ção biográfica, o cmrículo deve proporcionar ao sujeito entender a
lógica, essa ênfase torna o pensamento crítico desmobilizante, na
natureza d'essa experiência. É através dela, e não apenas dela, que o
medida em que enreda o indivíduo numa estruhtra social da qual ele
sujeito se move biograficamente de forma multidimensional. Trata-se
não pode sair.
de um método constihlÍdo de quatro momentos - regressivo, pro­
Paulo Freire é, sem dúvida, uma das importantes influências para gressivo, analítico e sintético - pelo qual se busca explorar a relação
as concepções de currículo facadas na compreensão do mundo-da- i­ entre o temporal e o conceitual.A experiência dos sujei tos é a fonte dos
da dos indivíduos que convivem no espaço da escola. Ainda que in­ dados, gerados por associação livre, com os quais a situação educacio­
fluenciado pelo marxismo, Freire constrói uma temia eclética para a nal deve lidar.
qual muito colaboram a fenomenologia e o existencialismo. Na Pedn­
O momento regressivo é um retorno ao passado, não um passado
gogin do oprimido, seu principal livro, datado de 1970, Freire1b parte da
concreto ou literal, mas abstrato, conceitual, subjetivo. No que respei­
contraposição clássica do marxismo entre opressores e oprimidos para
ta ao cu.rrículo, implica regredir às experiências escolares com o obje­
analisar a educação como bancária e antidialógica em raciocínio que
tivo de reviver o passado sem a preocupação em ser lógi�o ou crítico.
o aproxima dos teóricos da 1·eprodução. Propõe uma pedagogia basea­ Basta escrever as experiências, tornando-as presentes e conceptuaJi­
da no diálogo e, nesse sentido, vai além da análise das formas de
zando-as. O momento progressivo é aquele destinado ao que ainda
funcionamento da ideologia e da hegemonia, defendendo a possibili­ não está presente, um momento em que o sujeito lida com o futuro,
dade de a educação se contrapôr à reprodução. Para tanto, é preciso associando livremente seus interesses intelectuais. No terceiro momen­
repensá-la para além da transmissão hierárquica e organizada de co­ to, o analítico, é feita a descrição do presente que inclui a resposta do
nhecimentos: como interação entre sujeitos que se dá no mtmdo. Essa sujeito ao passado e ao fuhuo. Trata-se de tuna fotografia do presente
interação começa na própria decisão dos conteúdos em tomo dos quais que, jw1tamente com a foto do passado e do futuro, permite a inter­
o diálogo se estabelece. Poder-se-ia dizer que, nessa obra, Freire apre­ pretação do presente vivido. Essa interpretação não pode ser feita de
senta uma alternativa às concepções técnicas do cwTículo, propondo forma racional, seguindo um esquema analítico hierárquico ou tem­
procedimentos para a elaboração curricular capazes de tentar integrar poral, mas visa a perceber as inter-relações complexas entre presente,

16. FRErRE, Paulo. l'rdngogia do oprimidt•. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987. 17. PINAR, \\li!liam. AuiL•ltio,oçmplly, �>tJ/itics t!llll s..·xrlfllill(. New Yllrk: Peler Lang, 199-1.
36 LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 37

passado e futuro. Por fim, o momento sintético, no qual o sujeito deve Currículo: simplesmente um texto
ser capaz de responder qual o sentido do presente para si, qual, por
exemplo, a contribuição da atividade escolar no seu presente como A 110r111a para o curríwlo, porta11to, 11iio é o COIISCIISO, a estabilidade e o acordo,
sujeito (intelectual e fisicamente falando). Do regressivo ao sintético, mas o c01�{1ito, a i11slabilidade o desacordo, porque o processo é de co11struçiio
o sujeito desenvolve sua capacidade de arriscar, abrindo-se ao desco­ seguida de desconstruçiio seguida pela construção.•�
nhecido. O conhecimento altera o sujeito ao mesmo tempo que é por
ele alterado, significado. O caminho que optamos por seguir neste primeiro capítulo nos

Do ponto de vista do currículo, praticamente não se pode falar leva a um conceito multifacetado de currículo, mas, mais do que isso,

de uma matriz fenomenológica no Brasil, embora a obra de ]oel Mar­ à sensação de que para descrever o currículo é preciso falar do formal,

tins possua algumas reflexões que podem ser apropriadas pelo cam­ do octdto e do vivido. Se tivéssemos feito referência a outras defini­

po. O fato de tal matriz ter tido pouca peneh·ação nos estudos curri­ ções como, por exemplo, currículo nulo, a tarefa ficaria ainda mais

culares no Brasil não significa, no entanto, que a cultura produzida complicada. O que pretendemos agora, para finalizar este capítulo e

na escola ou aquelas trazidas por ahmos e professores para o seu in­ ajudar na leitura do restante do livro, é tentar recuperar a preocupa-

terior como parte importante do currículo não sejam objeto de atenção. ção posta por Freire, assim como pelo que denominamos matriz fe­

Além da obra de Freire, já destacada, as pesquisas sobre a escola de­ nomenológica, no sentido de pensar o currículo para além das dis­

senvolvidas em diferentes perspectivas, das etnografias da sala de tinções entre os níveis formal, oculto e vivido. Não se trata apenas

aula e das instituições aos estudos no cotidiano, exemplificam a força de integrar esses 1úveis, mas de pensar sem eles. Faremos isso a par­
da dimensão ativa do currículo no Brasil. Tais pesquisas serão h·atadas tir de aportes teóricos, trazidos pelo pós-esh·uturalismo para os es­
no capítulo 7. tudos curriculares, que apontam para outra definição de currículo
que cumpre destacar.
Ainda que mtúto diferente em suas concepções teóricas, o con­
junto de abordagens que destacamos aqui explícita o quanto a noção Os primeiros estudos pós-estruturais do currículo datam de fins
de curriculo formal é insuficiente para dar conta da multiplicidade de dos anos 1970, no entanto, apenas na década seguinte eles se tornaram
experiências - internas e externas aos sujeitos, individuais e coletivas mais numerosos. No Brasil, até meados de 1990, não havia praticamen­
- que compõem o currículo. Em realidade, os autores que destacamos te nenhuma menção ao pós-estruturalismo nos estudos curriculares,
buscan1 reconceptualizar o currículo, abandonar, portanto, as perspec­ o que viria a se intensificar fortemente no início deste século, especial­
tivas técnicas para criar uma nova forma de pensar o currículo. Pre­ mente com os textos e traduções produzidos por Tomaz Tadeu da
tendem superar a ideia de que o currículo é algo formal ou escrito a Silva. Talvez mais radicalmente do que em outras mah· izes te�ricas,
ser implementado numa realidade escolar. Por diversas razões, no não se pode falar em um único pós-estruturalismo. Isso toma a menção
ertanto, ao invés de uma reconceptualização do currículo, a advertên­ a abordagens pós-estruturais do currículo uma ficção facilitadora de
cia de que não há lugar no currículo para o mundo-da-vida dos sujei­ nosso diálogo, mas que precisa ser entendida como tal. Nesse sentido,
tos dá lugar a uma concepção dupla de currículo: o currículo é o não daremos destaque aqui à obra de nenhum autor em particular,
proposto no nível formal, mas também o vivido no cotidiano. Embora como viemos fazendo ao longo do capítulo, mas nos deteremos nos
tigeiramente diferentes entre si, muitos nomes foram sendo propostos
para o nível vivido: em ação, informal, interativo, como prática, ativo, 18. CI-JERRYHOLMES, Cleo. Power nml crilicism: poststructural investigations in educ:ation.
experencial. New York: Te<Jchers College Press, 1988. p. 1-19.
36 LOPES • MACEDO TEORIAS DE CURRÍCULO 37

passado e futuro. Por fim, o momento sintético, no qual o sujeito deve Currículo: simplesmente um texto
ser capaz de responder qual o sentido do presente para si, qual, por
exemplo, a contribuição da atividade escolar no seu presente como A 110r111a para o curríwlo, porta11to, 11iio é o COIISCIISO, a estabilidade e o acordo,
sujeito (intelectual e fisicamente falando). Do regressivo ao sintético, mas o c01�{1ito, a i11slabilidade o desacordo, porque o processo é de co11struçiio
o sujeito desenvolve sua capacidade de arriscar, abrindo-se ao desco­ seguida de desconstruçiio seguida pela construção.•�
nhecido. O conhecimento altera o sujeito ao mesmo tempo que é por
ele alterado, significado. O caminho que optamos por seguir neste primeiro capítulo nos

Do ponto de vista do currículo, praticamente não se pode falar leva a um conceito multifacetado de currículo, mas, mais do que isso,

de uma matriz fenomenológica no Brasil, embora a obra de ]oel Mar­ à sensação de que para descrever o currículo é preciso falar do formal,

tins possua algumas reflexões que podem ser apropriadas pelo cam­ do octdto e do vivido. Se tivéssemos feito referência a outras defini­

po. O fato de tal matriz ter tido pouca peneh·ação nos estudos curri­ ções como, por exemplo, currículo nulo, a tarefa ficaria ainda mais

culares no Brasil não significa, no entanto, que a cultura produzida complicada. O que pretendemos agora, para finalizar este capítulo e

na escola ou aquelas trazidas por ahmos e professores para o seu in­ ajudar na leitura do restante do livro, é tentar recuperar a preocupa-

terior como parte importante do currículo não sejam objeto de atenção. ção posta por Freire, assim como pelo que denominamos matriz fe­

Além da obra de Freire, já destacada, as pesquisas sobre a escola de­ nomenológica, no sentido de pensar o currículo para além das dis­

senvolvidas em diferentes perspectivas, das etnografias da sala de tinções entre os níveis formal, oculto e vivido. Não se trata apenas

aula e das instituições aos estudos no cotidiano, exemplificam a força de integrar esses 1úveis, mas de pensar sem eles. Faremos isso a par­
da dimensão ativa do currículo no Brasil. Tais pesquisas serão h·atadas tir de aportes teóricos, trazidos pelo pós-esh·uturalismo para os es­
no capítulo 7. tudos curriculares, que apontam para outra definição de currículo
que cumpre destacar.
Ainda que mtúto diferente em suas concepções teóricas, o con­
junto de abordagens que destacamos aqui explícita o quanto a noção Os primeiros estudos pós-estruturais do currículo datam de fins
de curriculo formal é insuficiente para dar conta da multiplicidade de dos anos 1970, no entanto, apenas na década seguinte eles se tornaram
experiências - internas e externas aos sujeitos, individuais e coletivas mais numerosos. No Brasil, até meados de 1990, não havia praticamen­
- que compõem o currículo. Em realidade, os autores que destacamos te nenhuma menção ao pós-estruturalismo nos estudos curriculares,
buscan1 reconceptualizar o currículo, abandonar, portanto, as perspec­ o que viria a se intensificar fortemente no início deste século, especial­
tivas técnicas para criar uma nova forma de pensar o currículo. Pre­ mente com os textos e traduções produzidos por Tomaz Tadeu da
tendem superar a ideia de que o currículo é algo formal ou escrito a Silva. Talvez mais radicalmente do que em outras mah· izes te�ricas,
ser implementado numa realidade escolar. Por diversas razões, no não se pode falar em um único pós-estruturalismo. Isso toma a menção
ertanto, ao invés de uma reconceptualização do currículo, a advertên­ a abordagens pós-estruturais do currículo uma ficção facilitadora de
cia de que não há lugar no currículo para o mundo-da-vida dos sujei­ nosso diálogo, mas que precisa ser entendida como tal. Nesse sentido,
tos dá lugar a uma concepção dupla de currículo: o currículo é o não daremos destaque aqui à obra de nenhum autor em particular,
proposto no nível formal, mas também o vivido no cotidiano. Embora como viemos fazendo ao longo do capítulo, mas nos deteremos nos
tigeiramente diferentes entre si, muitos nomes foram sendo propostos
para o nível vivido: em ação, informal, interativo, como prática, ativo, 18. CI-JERRYHOLMES, Cleo. Power nml crilicism: poststructural investigations in educ:ation.
experencial. New York: Te<Jchers College Press, 1988. p. 1-19.
38 TEQRJAS DE CURRÍCULO 39
LOPES • MACEDO

prinápios do pós-estruturalismo capazes de nos ajudar a reapresentar o estruturalismo elimina o sujeito como até então postulava a Moder­

o que é curriculo em termos pós-estruturais. nidade, seja porque os sentidos estão na estrutura, seja porque a próp1ia
"consciência humana'' é também ela produzida por estruttuas inva­
Embora por vezes confundido com pós-modernidade, o pós-es­
riantes. Entender o mundo passa a ser entender as estruttu·as que o
truturalismo engloba autores que dialogam especialmente com o es­
constituem, o que pode ser feito por intermédio da análise estruhu·al
truturalismo, assumindo alguns de seus pressupostos e questionando
da linguagem (da esh·utura cognitiva, dos sistemas de parentesco).
outros. Na medida em que esse diálogo implica o questionamento de
Essa é urna análise que privilegia o sincrônico (termos localizados em
aspectos fundamentais da Modernidade, por vezes ele se aproxima do
urna situação, sem histótia), sem atenção ao diacrônico (sucessão dos
que é denominado pensamento pós-moderno.
termos ao longo do tempo).
O pós-estruturalismo partilha com o estruturalismo uma série de
Contrapondo-se ao estruhlralismo, o pós-estruturalismo critica o
pressupostos, dentre os quais o mais relevante para a desconstrução dos
fato de ele não perceber que a própria ideia de esb"Utura estaria ela
conceitos de currículo que apresentamos até agora diz respeito ao lugar
mesma m21rcada pela linguagem. Nesse sentido, ela não pode ser en­
da linguagem na constituição do social. Ambos adotam uma postura
tendjda como realidade, como o ftmdamento que subjaz aos fenôme­
antirrealista, advogando que, ao invés de representar o mundo, a l in­
nos, sob pena de retomar a ingenuidade criticada nas poshu-as realis­
guagem o constrói. Invertendo a lógica representacional, estrutma.listas
tas. Além disso, o estruturalismo deixaria de levar em conta a
e pós-estruturalistas defendem que a l inguagem cria aquilo de que
consh·ução sócio-histórica das estruturas, ao negligenciar o diacrônico,
fala ao invés de simplesmente nomear o que existe no mw1do. Como
e teria dificuldade de entender a passagem de um sistema de relações
consequência, não se pode pensar em conhecimento sobre o mtmdo
(estrutura) a outro. A estrutma invariável, no tempo e através dele,
nem em um sujeito que conhece, modificando-se a próplia natmeza
ftmcionaria, portanto, como uma natureza imutável do mw1do, algo
da relação sujeito-objeto estruturante do projeto Moderno, central nas
que poderia ser comparado à ideia de natureza hmnana.
diferentes concepções de currículo que viemos apresentando.
O abandono proposto pelo pós-estruhtralismo da noção de estru­
Se há aproximações entre estruturalismo e pós-esb·utw·alismo no
tura obriga a releitura da linguagem. Para o estrutmalismo, a lingua­
que concerne às críticas à Modernidade, há também m uitos afastamen­
tos. O esbuturalismo tem uma pretensão científica de se constituir em gem é um sistema de signos, compostos por significant� (som ou pa­
lavra) e significado (seu conceito) que guardam, entre si, uma relação
método para as ciências sociais e isso impacta fortemente sua capaci­
dade de lidar com a linguagem. Desenvohrido por autores como Saus­ arbitrária. Na medida em que a linguagem não representa a realidade,

sure, no campo da linguística, Lévi-Sb·auss, na antropologia ou Piaget, qualquer significado pode ser atribuído a um significante e isso é u m

na psicologia da educação, o estruturalismo advoga a existência de processo culttu·al . O que nos permite atribuir um significado a um

Ulfla estrutura ou sistema ou conjunto de relações que subja.z aos fe­ significante é a sua diferença em relação a ouh·os significantes que

nômenos. É por isso que dizemos que a realidade é constituída pela constituem o sistema lingtústico. Assim, o termo alW1o não tem cor­

linguagem, entendida, em sentido amplo, como um sistema abstrato respondência necessária com algo que existe na realidade; a ideia de

de relações diferenciais entre as suas várias partes. Qualquer sentido que ele está associado a L�·dado conteúdo seria uma ilusão. Alw1o só

é" dado por tal sistema, por uma estrutma invariante que constitui ela pode ser entendido em relação a professor ou à alwca ou à pessoa não

mesma a realidade. A criação de sentidos só é possível tendo em vista escolarizada, ou seja, em relação a sua diferença. Em cada uma d �ssas

a estrutura do texto ou a estrutura cognitiva do leitor. Nesse sentido, relações, cria-se um significado para al Lmo.
38 TEQRJAS DE CURRÍCULO 39
LOPES • MACEDO

prinápios do pós-estruturalismo capazes de nos ajudar a reapresentar o estruturalismo elimina o sujeito como até então postulava a Moder­

o que é curriculo em termos pós-estruturais. nidade, seja porque os sentidos estão na estrutura, seja porque a próp1ia
"consciência humana'' é também ela produzida por estruttuas inva­
Embora por vezes confundido com pós-modernidade, o pós-es­
riantes. Entender o mundo passa a ser entender as estruttu·as que o
truturalismo engloba autores que dialogam especialmente com o es­
constituem, o que pode ser feito por intermédio da análise estruhu·al
truturalismo, assumindo alguns de seus pressupostos e questionando
da linguagem (da esh·utura cognitiva, dos sistemas de parentesco).
outros. Na medida em que esse diálogo implica o questionamento de
Essa é urna análise que privilegia o sincrônico (termos localizados em
aspectos fundamentais da Modernidade, por vezes ele se aproxima do
urna situação, sem histótia), sem atenção ao diacrônico (sucessão dos
que é denominado pensamento pós-moderno.
termos ao longo do tempo).
O pós-estruturalismo partilha com o estruturalismo uma série de
Contrapondo-se ao estruhlralismo, o pós-estruturalismo critica o
pressupostos, dentre os quais o mais relevante para a desconstrução dos
fato de ele não perceber que a própria ideia de esb"Utura estaria ela
conceitos de currículo que apresentamos até agora diz respeito ao lugar
mesma m21rcada pela linguagem. Nesse sentido, ela não pode ser en­
da linguagem na constituição do social. Ambos adotam uma postura
tendjda como realidade, como o ftmdamento que subjaz aos fenôme­
antirrealista, advogando que, ao invés de representar o mundo, a l in­
nos, sob pena de retomar a ingenuidade criticada nas poshu-as realis­
guagem o constrói. Invertendo a lógica representacional, estrutma.listas
tas. Além disso, o estruturalismo deixaria de levar em conta a
e pós-estruturalistas defendem que a l inguagem cria aquilo de que
consh·ução sócio-histórica das estruturas, ao negligenciar o diacrônico,
fala ao invés de simplesmente nomear o que existe no mw1do. Como
e teria dificuldade de entender a passagem de um sistema de relações
consequência, não se pode pensar em conhecimento sobre o mtmdo
(estrutura) a outro. A estrutma invariável, no tempo e através dele,
nem em um sujeito que conhece, modificando-se a próplia natmeza
ftmcionaria, portanto, como uma natureza imutável do mw1do, algo
da relação sujeito-objeto estruturante do projeto Moderno, central nas
que poderia ser comparado à ideia de natureza hmnana.
diferentes concepções de currículo que viemos apresentando.
O abandono proposto pelo pós-estruhtralismo da noção de estru­
Se há aproximações entre estruturalismo e pós-esb·utw·alismo no
tura obriga a releitura da linguagem. Para o estrutmalismo, a lingua­
que concerne às críticas à Modernidade, há também m uitos afastamen­
tos. O esbuturalismo tem uma pretensão científica de se constituir em gem é um sistema de signos, compostos por significant� (som ou pa­
lavra) e significado (seu conceito) que guardam, entre si, uma relação
método para as ciências sociais e isso impacta fortemente sua capaci­
dade de lidar com a linguagem. Desenvohrido por autores como Saus­ arbitrária. Na medida em que a linguagem não representa a realidade,

sure, no campo da linguística, Lévi-Sb·auss, na antropologia ou Piaget, qualquer significado pode ser atribuído a um significante e isso é u m

na psicologia da educação, o estruturalismo advoga a existência de processo culttu·al . O que nos permite atribuir um significado a um

Ulfla estrutura ou sistema ou conjunto de relações que subja.z aos fe­ significante é a sua diferença em relação a ouh·os significantes que

nômenos. É por isso que dizemos que a realidade é constituída pela constituem o sistema lingtústico. Assim, o termo alW1o não tem cor­

linguagem, entendida, em sentido amplo, como um sistema abstrato respondência necessária com algo que existe na realidade; a ideia de

de relações diferenciais entre as suas várias partes. Qualquer sentido que ele está associado a L�·dado conteúdo seria uma ilusão. Alw1o só

é" dado por tal sistema, por uma estrutma invariante que constitui ela pode ser entendido em relação a professor ou à alwca ou à pessoa não

mesma a realidade. A criação de sentidos só é possível tendo em vista escolarizada, ou seja, em relação a sua diferença. Em cada uma d �ssas

a estrutura do texto ou a estrutura cognitiva do leitor. Nesse sentido, relações, cria-se um significado para al Lmo.
40 LOPES MACEDO

TEORIAS DE CURRicULO 41

Com a crítica à estrutura, o pós-estruturalismo é obrigado a des­ que essas tradições definem o ser do currículo não implica assumi-las
conectar totalmente a ideia de significado do significante. Não há re­
como metanarrativas ou como produtoras da verdade sobre o currí­
lações estruturais entre dois significantes, não há relações diferenciais
culo. Ao contrário, a postura pós-estrutural nos impele a perguntar
fixas entre eles e, portanto, não há significados a eles associados. Cada
como esses discmsos se impuseram e a vê-los como algo que pode e
significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo im­
deve ser desconstruido.
possível determinar-lhe um significado; este é sempre adiado. Todo
A rejeição ao realismo e a aceitação do cará ter discursivo da rea­
significante é, portanto, flutuante e seu sentido somente pode ser de­
lidade impõem sentidos para termos centrais da discussão curricular,
finido dentro de uma formação discursiva histórica e socialmente
como conhecimento e cultura, que serão discutidos respectivamente
contingente. A questão fundamental se torna: como e em que condições
nos capítulos 3 e 9, entre outros. Nos conceitos de currículo que viemos
um determinado discLU·so é capaz de constitui!' a realidade? No que
abordando até agora, tais termos foram sempre mencionados: uma
se refere ao termo aluno, por exemplo, o que interessa é como a ideia
de aluno é construida na n
i terseção entTe vários discursos e como esses boa teoria curricular deveria criar mecanismos que permitissem esco­

discursos se inserem em uma sociedade específica. É isso que o toma lhe!� na cÜltura Lmiversal, o que ensinar; deveria se preocupar com as

real. Para entender esse processo, o pós-estruturalismo recupera a relações de poder subjacentes a tal escoUm; deveria perceber que os

dimensão diacrônica eliminada da discussão estruturalista. conhecimentos (parte das culturas) não são externos ao aluno, intera­
gem com ele; deveria dar conta do processo educativo envolvido no
Tal questão explicita uma imbricada relação entre discurso - e
que acontece nas escolas, além da transmissão de conhecimentos se­
conhecimento como parte do discurso - e poder. Não se trata da
máxima moderna de que deter conhecimento confere poder, mas de lecionados de Lm1a cultura Wliversal. Se, no entanto, a realidade é

compreender o poder corno função do discurso. A capacidade de uni­ constituída pela linguagem, nem cultma nem conhecimento podem

ficar um discurso é em si um ato de pode1� de modo que as rnetanar­ ser tornados como espelho da realidade material. Ao contrário, eles

rativas modernas precisam ser vistas como tal e não como expressão também precisam ser vistos como sistemas simbólicos e lingtústicos

da realidade. De forma semelhante, pode-se entender os discmsos contingentes. Não são um repertório de sentidos dos quais algw1s

pedagógicos e cmriculares como atos de poder, o poder de significar, serão selecionados para compor o cmrículo. São a próp ria produção
de criar sentidos e hegemonizá-los. de sentidos que se dá em múltiplos momentos e espaços, um dos qt�ais

Assumindo as preocupações pós-estruturais, muitos questiona­ denominamos currículo.

mentos poderiam ser postos às tradições curriculares que viemos Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currí­
abordando. Por ora, vamos nos fixar naquilo que se vincula central­ culo é, ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que el� é uma
mente à pergunta o que é currículo ? Numa perspectiva antirrealista, o prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribui­
c �rículo não é coisa alguma. Como já se anw1ciava ao longo deste ção de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa, consh·ange
capítulo, cada uma das tradições cwTiculares é um discurso que se nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo
hegemonizou e que, nesse sentido, constituiu o objeto cmrículo, em­ sentidos. Trata-se, portanto, de LLrn discurso produzido na interseção
prestando-lhe um sentido próprio. Tais tradições não captam, de dife­ entre diferentes discw·sos sociais e culturais que, ao mesmo tempo,
rentes maneiras, um sentido para o termo. Elas o constroem, a-iam um reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. Claro que, corno
sentido sobre o ser do currículo. São um ato de poder, na medida em essa recriação está envolta em relações de poder, na inteTseção em que
que esse sentido passa a ser partilhado e aceito. Aceitat� como o fizemos,
ela se torna possível, nem tudo pode ser dito.
40 LOPES MACEDO

TEORIAS DE CURRicULO 41

Com a crítica à estrutura, o pós-estruturalismo é obrigado a des­ que essas tradições definem o ser do currículo não implica assumi-las
conectar totalmente a ideia de significado do significante. Não há re­
como metanarrativas ou como produtoras da verdade sobre o currí­
lações estruturais entre dois significantes, não há relações diferenciais
culo. Ao contrário, a postura pós-estrutural nos impele a perguntar
fixas entre eles e, portanto, não há significados a eles associados. Cada
como esses discmsos se impuseram e a vê-los como algo que pode e
significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo im­
deve ser desconstruido.
possível determinar-lhe um significado; este é sempre adiado. Todo
A rejeição ao realismo e a aceitação do cará ter discursivo da rea­
significante é, portanto, flutuante e seu sentido somente pode ser de­
lidade impõem sentidos para termos centrais da discussão curricular,
finido dentro de uma formação discursiva histórica e socialmente
como conhecimento e cultura, que serão discutidos respectivamente
contingente. A questão fundamental se torna: como e em que condições
nos capítulos 3 e 9, entre outros. Nos conceitos de currículo que viemos
um determinado discLU·so é capaz de constitui!' a realidade? No que
abordando até agora, tais termos foram sempre mencionados: uma
se refere ao termo aluno, por exemplo, o que interessa é como a ideia
de aluno é construida na n
i terseção entTe vários discursos e como esses boa teoria curricular deveria criar mecanismos que permitissem esco­

discursos se inserem em uma sociedade específica. É isso que o toma lhe!� na cÜltura Lmiversal, o que ensinar; deveria se preocupar com as

real. Para entender esse processo, o pós-estruturalismo recupera a relações de poder subjacentes a tal escoUm; deveria perceber que os

dimensão diacrônica eliminada da discussão estruturalista. conhecimentos (parte das culturas) não são externos ao aluno, intera­
gem com ele; deveria dar conta do processo educativo envolvido no
Tal questão explicita uma imbricada relação entre discurso - e
que acontece nas escolas, além da transmissão de conhecimentos se­
conhecimento como parte do discurso - e poder. Não se trata da
máxima moderna de que deter conhecimento confere poder, mas de lecionados de Lm1a cultura Wliversal. Se, no entanto, a realidade é

compreender o poder corno função do discurso. A capacidade de uni­ constituída pela linguagem, nem cultma nem conhecimento podem

ficar um discurso é em si um ato de pode1� de modo que as rnetanar­ ser tornados como espelho da realidade material. Ao contrário, eles

rativas modernas precisam ser vistas como tal e não como expressão também precisam ser vistos como sistemas simbólicos e lingtústicos

da realidade. De forma semelhante, pode-se entender os discmsos contingentes. Não são um repertório de sentidos dos quais algw1s

pedagógicos e cmriculares como atos de poder, o poder de significar, serão selecionados para compor o cmrículo. São a próp ria produção
de criar sentidos e hegemonizá-los. de sentidos que se dá em múltiplos momentos e espaços, um dos qt�ais

Assumindo as preocupações pós-estruturais, muitos questiona­ denominamos currículo.

mentos poderiam ser postos às tradições curriculares que viemos Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currí­
abordando. Por ora, vamos nos fixar naquilo que se vincula central­ culo é, ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que el� é uma
mente à pergunta o que é currículo ? Numa perspectiva antirrealista, o prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribui­
c �rículo não é coisa alguma. Como já se anw1ciava ao longo deste ção de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa, consh·ange
capítulo, cada uma das tradições cwTiculares é um discurso que se nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo
hegemonizou e que, nesse sentido, constituiu o objeto cmrículo, em­ sentidos. Trata-se, portanto, de LLrn discurso produzido na interseção
prestando-lhe um sentido próprio. Tais tradições não captam, de dife­ entre diferentes discw·sos sociais e culturais que, ao mesmo tempo,
rentes maneiras, um sentido para o termo. Elas o constroem, a-iam um reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. Claro que, corno
sentido sobre o ser do currículo. São um ato de poder, na medida em essa recriação está envolta em relações de poder, na inteTseção em que
que esse sentido passa a ser partilhado e aceito. Aceitat� como o fizemos,
ela se torna possível, nem tudo pode ser dito.
42
LOPES • MACEDO 43

. ? entendimento do currículo com


cnaçao ou enu ncia ção de sentidos
o prática de sign ificação, como
' 1'J toma m· o' qua dis ti. nçoes como
, -

cmnculo form al, vivido, ocul to.


Qua lque r man ifestação do curr
� �
q alqu episódio curricu lar, é a
mes ma cois a: a produção de sent
ícu lo

�� �
s a �scr to, falad o, velado, o cmr
ículo é um texto que tenta direcion
idos
ar
o leito r , mas que o faz apen as
parcialmente.
Capít u lo 2

Pla nejamento

'•

Coniorme explicitado no capítulo anterim� a ação de planejar o


currículo se confundiu, por muitos anos, com a própria noção de cw·­
rículo. A teoria do cmrículo se dedicava à proposição dos melhores
modelos ou métodos de planejamento curricular. O eshtdo do currí­
culo era o estudo das formas de planejá-lo. Trata-se de urna tradição
que inaugura os estudos curriculares, mas que é bastante forte até hoje.
Neste capítulo, vamos abordar a lguns modelos ou métodos de plane­
jamento curricular. Para escolhê-los, levamos em considerações sua
importância histórica, especialmente tendo em conta o p lanejamento
de currículo no Brasil.

Trata-se de urna seleção marcada pela racionalidade tyleriana,


sem dúvida, a mais pregnante no que concerne ao planejamento cur­
ricular. No Brasil, a té meados dos anos 1980, praticamente todas as
propostas curriculares são elaboradas segundo o modelo de elaboração
curricular de Tyler. Também as publicações sobre (planejamento de)
currículo trazem essa marca, sendo adaptações de textos norte-ameri­
canos ligados a essa tradição. Iniciamos o capítulo expLorando em
detalhes, devido a sua relevância, o próprio modelo de elaboração
_
curricular de Tyler. Complementamos essa discussão exploraJ1do a
19. MACEOO· E· CL
• me tecnologia de construção de objetivos (que se desenvolveu a par!ir de
· • u Io como espaço-tempo de fronteira cultural. Revista Bmsíf
Educnçn eirn de
_o, São Paulo, v. 11, n. 32, p. 285-296, 2006.
Tyler) e atualizando-a com uma discussão sobre cw-rículo centrado em

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