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Taubaté - SP
2016
Augusto Caetano Rafael da Silva
Taubaté - SP
2016
Augusto Caetano Rafael da Silva
Resultado: ___________________
BANCA EXAMINADORA
Assinatura: ____________________________________
Assinatura: ____________________________________
Assinatura: ____________________________________
Dedico este trabalho a meus pais, amigos
sempre presentes nos momentos de maior
necessidade.
AGRADECIMENTOS
À profa. Dra. Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi, por todo apoio, paciência
e, principalmente, por todo conhecimento que pode me transmitir, e por tê-lo feito
magistralmente.
Por fim, mas mais importante, aos meus familiares, por terem sido a força da
qual precisei nos momentos mais difíceis, por serem minha base, por serem.
Por mais que isso nos entristeça ou irrite, é
preciso reconhecer que o preconceito
linguístico está aí, firme e forte. Não
podemos ter a ilusão de querer acabar com
ele de uma hora para a outra, porque isso só
será possível quando houver uma
transformação radical do tipo de sociedade
em que estamos inseridos, que é uma
sociedade que, para existir, precisa da
discriminação de tudo o que é diferente, da
exclusão da maioria em benefício de uma
pequena minoria, da existência de
mecanismos de controle, dominação e
marginalização.
MARCOS BAGNO
RESUMO
The theme of the present research is the usage of object pronouns in the
speech of people with a higher educational level, whom have, at least, graduation in
any knowledge field. What motivated this study was the verification that the linguistic
alterations operated in Brazilian Portuguese generated different kinds of linguistic
prejudices in Brazilian people; this scenario brings challenges to the Portuguese
teacher: against such linguistic diversity, which should be the linguistic variant taught
in the classroom? How to teach a student that utilizes a non-standard linguistic
variation a grammatical topic with which he had never had contact in his language
acquisition process and which may seem to him from another language? This
justifies the need to bring reflections about the linguistic analysis, which greatly
contributes to the academic education of the Portuguese language teacher; Also, this
research can assist graduated teachers who want to use the corpus of this research
for a differentiated approach of object pronouns in the classroom. The general aim of
this research is to contribute to the reflection about the real uses of the third person
object pronouns in contemporary Brazilian Portuguese, in comparison to what is
dictated by normative grammar and, from this, make comments on the performance
of the Portuguese language teacher, concerning to the teaching of such pronouns.
The specific objectives of this work are: 1) to make a survey of the linguistic variants
employed by people with a higher educational level, in radio and television programs,
in the syntactic contexts in which normative grammar prescribes the use of
unstressed oblique personal pronouns of third person (o, a, os, as); 2) from the data
collected, make suggestions about teaching possibilities of this grammatical topic. As
theoretical background, were used theories about the concepts of linguistic variation,
as well as the notions of linguistic norm and normative grammar. Were also studied
the visions of the normative grammar, the cultured norm expressed by the great
press and the linguistics for the analysis of the uses of object pronouns. The corpus
of the research was generated from news recordings broadcast on radio and TV
programs, which were transcribed considering the syntactic contexts in which the
normative grammar prescribes the use of unstressed object pronouns. This corpus
was later analyzed, the news were corrected according to the standard grammar
norm and a reflection was made regarding the teaching of this grammatical topic.
The results demonstrate that 86,4% of the data collected represent replacement
strategies for the object pronouns, whereas those pronouns represent only 13,6%,
evidencing a decrease in their use. It is concluded that these dada are directly
reflected in the work of the Portuguese language teacher who must consider the
linguistic changes and the large number of variants in his teaching practice.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1 CAPÍTULO 1: NORMA PADRÃO E VARIANTES LINGUÍSTICAS
1.1 A língua é um conjunto de variantes ................................................................. 12
1.2 A gramática normativa: percurso histórico e atuais posicionamentos............... 17
1.3 Diante da norma e das variantes linguísticas, que língua ensinar? .................. 19
2 CAPÍTULO 2: OS PRONOMES OBLÍQUOS NA GRAMÁTICA NORMATIVA E
NO USO DA LÍNGUA
2.1 Sob a ótica da gramática normativa: o pronome oblíquo, suas funções e seus
usos .................................................................................................................. 24
2.2 Sob a ótica da norma culta veiculada pela grande imprensa ............................ 30
2.3 Sob a ótica da linguística: o pronome oblíquo no português do Brasil .............. 31
3 CAPÍTULO 3: PRONOMES OBLÍQUOS ÁTONOS NA FALA DE PESSOAS
ESCOLARIZADAS
3.1 Os dados da pesquisa ...................................................................................... 34
3.2 Apresentação e análise dos dados ................................................................... 35
3.3 Reflexões sobre o ensino de pronomes oblíquos átonos ................................. 44
CONCLUSÃO............................................................................................................ 46
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 48
9
INTRODUÇÃO
desta pesquisa para uma abordagem diferenciada dos pronomes oblíquos em sala
de aula, uma vez que os livros didáticos e as gramáticas não abordam o tão
importante conceito de variação sociolinguística.
O embasamento teórico da pesquisa centra-se nos conceitos de variação
linguística, componentes que formam a língua como um todo, bem como as noções
de norma linguística e de gramática normativa. Essas últimas são apresentadas para
embasar as reflexões que se seguem a respeito da atuação do professor em relação
ao seu posicionamento frente a qual variante da língua ensinar. No que diz respeito
ao objeto central dessa pesquisa mais especificamente, os pronomes oblíquos
átonos, o que embasa a pesquisa são as visões da gramática normativa, da norma
culta expressa pela grande imprensa e da linguística. São analisados seus pontos
de vista específicos para retratar de forma mais ampla o tópico gramatical sob
estudo.
Para a realização da pesquisa, foram gravadas notícias veiculadas em
programas de rádio e televisão. As notícias foram posteriormente ouvidas
novamente e foram transcritos os contextos sintáticos em que a gramática normativa
prescreve o uso de pronomes pessoais oblíquos átonos. Foram considerados tanto
os contextos em que o pronome oblíquo de terceira pessoa aparece de acordo com
a gramática normativa, quanto os contextos em que aparecem estratégias de
substituição desses pronomes. Esse corpus de pesquisa foi posteriormente
analisado, as notícias foram corrigidas de acordo com a norma padrão e foi feita
uma reflexão a respeito do ensino desse tópico gramatical.
Este trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo divide-se em
três frentes. A primeira apresenta o conceito de variante linguística, com o objetivo
de estabelecer a noção de que a língua é composta de diversas variantes sem que
uma seja superior à outra. A seguir, para melhor entender a chamada variante
padrão da língua, delimita-se o conceito de norma linguística e de gramática
normativa, traça-se o percurso histórico de constituição da gramática normativa,
principal ferramenta de manutenção da variante padrão. Por fim, tendo em mente as
variantes linguísticas e a gramática normativa, problematiza-se a atuação do
professor em relação a qual variante ensinar. Dessa forma, este capítulo apresenta
parte da fundamentação teórica desta pesquisa. O segundo capítulo, que
complementa a fundamentação teórica, apresenta as visões da gramática normativa,
da norma culta veiculada pela grande imprensa e da linguística em relação aos
11
CAPÍTULO 1
NORMA PADRÃO E VARIANTES LINGUÍSTICAS
Como será comentado com mais detalhes nos capítulos seguintes, para o
ensino de língua portuguesa parece mais produtivo considerar a norma culta. Para
compreendê-la melhor, no entanto, é preciso considerar a língua como um conjunto
de variantes linguísticas – norma padrão, norma culta e variantes populares – e isso
exige ter como ponto de referência a variante padrão da língua, estabelecida pela
gramática normativa. Para tanto, é preciso ter claro o que é gramática normativa.
17
que serão apresentadas a seguir, por meio das quais se podem alcançar as
melhoras necessárias para esse ensino. A primeira reflexão que se propõe é que,
tomando o ensino de gramática como uma ação política, a atuação do professor
nesse processo é essencial, sendo a base dessa atuação uma postura de respeito,
sem preconceitos, frente à variante natural dos alunos. Soma-se a isso uma
mudança de direção no que diz respeito aos conteúdos propriamente ditos, deve-se
deixar de dar tanta ênfase às exceções e tratar mais a fundo os casos chamados
típicos da linguagem usual. A reflexão seguinte, de acordo com a linguista, é de que
não se deve ensinar gramática normativa, nos anos iniciais, nesse momento da
educação os esforços devem se concentrar na produção e compreensão textual,
mais importante: de maneira prazerosa. Já nos anos seguintes, a gramática deve
ser introduzida, mas ainda de forma reduzida em relação à atual, sempre com a
preocupação de manter o aluno interessado. Uma terceira reflexão é a de que a
própria gramática normativa deve ser atualizada, novas pesquisas acerca da relação
fala x escrita devem ser postas em prática, para que melhor se entenda essa relação
e como serão seus reflexos em sala de aula.
Duarte (2012) expõe sua opinião a respeito de porque, quando e como
ensinar gramática. A seu ver, a autora, baseada numa citação de Perini (1996),
esclarece que se deve ensinar gramática para que o aluno seja capaz de
compreender a estrutura da língua que utiliza, que lhe permite comunicar-se e que é
seu mais importante meio de inserção social. A autora acrescenta que o
conhecimento não deve limitar-se à estrutura contemporânea da língua, devem-se
conhecer, também, estruturas que já não se utilizam, para que o aluno possa
compreender textos que se valham de uma variante histórica.
Tratando de quando se deve ensinar gramática, Duarte (2012) aponta o
segundo segmento do Ensino Fundamental como o melhor momento para levar o
aluno a conhecer a estrutura da língua. Antes disso, devem-se priorizar as
modalidades oral e escrita da língua como forma de preparação do aluno para a
aquisição do conhecimento gramatical que virá a seguir.
Em conclusão ao seu artigo, Duarte (2012) reflete que o ensino de gramática
nas escolas deve considerar os conhecimentos desenvolvidos em relação à variação
da própria gramática, tanto na fala quanto na escrita, do português brasileiro. Assim,
a gramática que a autora considera importante que se ensine é a descritiva, não a
normativa, ao contrário do que se vê nas escolas de todo o país, uma vez que
23
CAPÍTULO 2
OS PRONOMES OBLÍQUOS NA GRAMÁTICA NORMATIVA E NO
USO DA LÍNGUA
Vieira (2016) cita alguns dos autores mais importantes, cujas gramáticas são
referência na atualidade do português brasileiro, apesar de suas gramáticas se
basearem no paradigma tradicional de gramatização, já mencionado no capítulo
anterior. Três deles serão a base desta seção, no que diz respeito aos pronomes
oblíquos, suas funções e colocações nas orações. Tais gramáticos são: Carlos
Henrique da Rocha Lima, Celso Ferreira da Cunha e Evanildo Bechara. As edições
de suas gramáticas aqui estudadas são, respectivamente, Lima (2011), Cunha
(1992) e Bechara (2006).
De início, é importante partir da definição do que é o pronome. Cunha (1992),
Lima (2011) e Bechara (2006) apresentam definições semelhantes, sendo
reproduzida a seguir a deste último autor:
[...] a classe de palavras categoremáticas que reúne unidades em
número limitado e que se refere a um significado léxico pela situação
ou por outras palavras do contexto. De modo geral, esta referência é
feita a um objeto substantivo considerando-o apenas como pessoa
localizada do discurso. (BECHARA, 2006, p.195).
do discurso determinadas são a 1ª, eu, que corresponde à pessoa que fala, e a 2ª,
tu, a pessoa com quem se fala. Já a indeterminada é a 3ª pessoa, que corresponde
à pessoa de quem se fala.
Em relação ao conteúdo semântico dos pronomes, Bechara (2006) utiliza o
conceito de dêixis, uma espécie de gesto verbal, que é o que torna o pronome capaz
de apontar para certos conteúdos dentro da situação comunicativa, sejam esses
conteúdos determinados ou indeterminados. Por meio do uso correto dos pronomes,
do ponto de vista da gramática normativa, pode-se fazer referência a um elemento já
presente no interior da frase, tratando-se de uma dêixis anafórica, ou então, pode-se
referir a um elemento ainda não proferido, sendo uma dêixis catafórica. O gramático
Lima (2011) complementa esse aspecto esclarecendo que os pronomes não
possuem conteúdo semântico, sendo assim, seu significado depende estritamente
do contexto em que são utilizados.
Quanto às funções, Bechara (2006) esclarece que os pronomes podem ser
absolutos, funcionando como substantivos, sendo chamados mesmo de pronomes
substantivos; podem ainda ser adjuntos, funcionando como adjetivos, artigos ou
numerais, a que chama pronomes adjetivos. Cunha (1992) esclarece que, dentro
das frases, essas funções não se confundem, pois os pronomes substantivos
aparecem isolados, enquanto que os pronomes adjetivos sempre aparecem
acompanhados de um substantivo que modificam e com o qual concordam.
Os pronomes são divididos em seis grupos, a saber: pessoais, possessivos,
demonstrativos, relativos, interrogativos e indefinidos. A este trabalho interessam, no
entanto, apenas os pronomes pessoais. Esse grupo ainda é dividido em subjetivos
ou retos, que são aqueles que ocupam o lugar do sujeito da oração, e os pronomes
objetivos ou oblíquos, que, por sua vez, exercem a função de complemento do
verbo. Os pronomes oblíquos ainda apresentam duas formas, a átona e a tônica. Os
pronomes oblíquos átonos não são acentuados e são posicionados antes ou depois
do verbo como parte desse verbo, já os pronomes oblíquos tônicos são sempre
acompanhados de preposição (BECHARA, 2006; CUNHA, 1992; LIMA, 2011). O
quadro a seguir apresenta claramente os pronomes pessoais em suas diversas
subdivisões:
26
Apesar do que diz no item “e” acima, o próprio Bechara (2006) ressalta que a
“língua exemplar”, como ele chama aquela que segue os preceitos da norma
gramatical, aconselha, no caso descrito em tal item o uso dos pronomes oblíquos
tônicos.
Há também casos em que os pronomes oblíquos tônicos acompanhados de
preposição (a ele, a ela, a mim, a ti, a nós, a vós) podem ser empregados no lugar
dos átonos, nos casos a seguir como explica Bechara (2006): “a) quando anteposto
ao verbo […]; b) quando composto […]; c) quando reforçado […]; d) quando
pleonástico […]; e) quando complemento relativo […]; f) quando objeto direto
preposicionado”. (BECHARA, 2006, pp. 207-208).
Em casos em que se faz necessário reforçar o que foi dito, ou seja, em casos
de ênfase, Bechara (2006) informa que se costuma repetir: “a) o pronome átono pela
sua respectiva forma tônica, precedida de preposição […]; b) o complemento
expresso por um nome pelo pronome átono conveniente ou vice-versa”. (BECHARA,
2006, p.208). Neste último caso, o autor reforça que se utiliza o pronome o (os)
como neutralização em caso de gêneros diferentes dos nomes referidos. Esse ponto
de vista do autor encontra eco em Cunha (1992) e Lima (2011).
Outro aspecto dos pronomes oblíquos átonos que se deve observar, como
esclarecem os três gramáticos estudados, é a possibilidade de combinação entre
eles, como se observa a seguir:
mo = me + o; ma = me + a; mos = me + os; mas = me + as;
to = te + o; ta= te + a; tos = te + os; tas = te + as;
lho = lhe + o; lha = lhe + a; lhos = lhe + os; lhas = lhe + as;
no-lo = nos + (l)o; no-la = nos + (l)a; no-los = nos + (l)os; no-las = nos +
(l)as;
vo-lo = vos + (l)o; vo-la = vos + (l)a; vo-los = vos + (l)os; vo-las = vos +
(l)as.
Há ainda outras combinações dos pronomes oblíquos com a preposição com,
formando, a partir delas, novos termos. De acordo com Lima (2011), são eles:
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Por fim, após tantas restrições quanto à colocação dos pronomes átonos,
Cunha (1992) atenta para o fato de que há grandes diferenças de colocação desses
pronomes entre o português do Brasil e o de Portugal. Tal fato deve-se, de acordo
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com o autor, a questões de pronúncia, uma vez que os pronomes em questão são
muito átonos em Portugal, ao passo que, no Brasil, têm certa tonicidade permitindo a
estes falantes variar a colocação dos pronomes. O autor ainda critica alguns
gramáticos que não consideram essa distinção como parte da riqueza linguística que
difere os falares nesses países e determinam que se devem seguir as normas
portuguesas.
Apesar da observação, no entanto, esse gramático mantém as mesmas
regras de colocação pronominal do português europeu. Reconheceu a riqueza
linguística do português do Brasil, mas não a legitimou para uma norma padrão mais
atualizada. Reforça, assim, uma norma padrão declaradamente distanciada do uso
do português do Brasil.
É inegável a influência que a grande imprensa exerce sobre uma língua; não
diferentemente, o português brasileiro apresenta tais influências. Dessa forma, faz-
se necessário verificar as regras da norma culta adotadas por um dos grandes
nomes da imprensa nacional, regras essas explicitadas no Manual de Estilo da
Editora Abril (1990).
De acordo com o Manual, no que concerne aos pronomes, há quatro regras
em relação à colocação destes, são elas:
1. Guie-se pelo ouvido. A regra básica para a colocação dos
pronomes oblíquos átonos (me, te, se, o, a, os, as, lhe, lhes, nos,
vos) é a eufonia, ou seja, a elegância e suavidade na pronúncia.
Assim, quando possível, procure usá-los antes do verbo: ele me
disse, você lhe contou.
2. Fuja da chamada mesóclise (pronome no meio do verbo). Embora
gramaticalmente correta, a forma é estilisticamente pedante:
encontrar-nos-emos, dir-te-ia, far-lhe-ia.
3. Nas locuções, deixe o pronome solto entre um verbo e outro: vou
lhe contar, ela está se arrumando. Em tal caso, não hifenize: vou-lhe
contar, ela está-se arrumando.
4. Jamais inicie qualquer oração com pronome oblíquo antes do
verbo, salvo em certas citações.
SIM: Disseram-me que…
NÃO: Me disseram que…
(MANUAL DE ESTILO DA EDITORA ABRIL, 1990).
Como visto, as regras apresentadas pelo Manual seguem as características
do português brasileiro que Cunha (1992) menciona, mas que não legitima em sua
gramática. Ressalta-se, também, que tais regras não são totalmente regras da
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língua falada, uma vez que essa norma culta proíbe começar orações com
pronomes oblíquos, prática amplamente encontrada nos usos linguísticos orais,
além de prescreverem, também, o uso dos pronomes, não aceitando vazios ou
quaisquer outras variantes populares. As regras da norma culta apresentadas por
esse manual parecem ser mais realistas e eficazes para o ensino.
Diante do acima exposto, entende-se que, na língua real, nos casos que
exigem “objeto direto correferente com um SN mencionado no discurso” (DUARTE,
1989, p. 19), ou simplesmente objeto direto, as variantes observadas foram:
uso do pronome do caso oblíquo. Exemplo: Conversei com Maria hoje.
Disse que vou visitá-la mais tarde;
uso do pronome do caso reto;
Exemplo: Conversei com Maria hoje. Disse que vou visitar ela mais
tarde.
repetição de sintagmas nominais, o que se dá de três formas: repetição
do próprio sintagma nominal já expresso anteriormente (SN lexical
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CAPÍTULO 3
PRONOMES OBLÍQUOS ÁTONOS NA FALA DE PESSOAS
ESCOLARIZADAS
Notícia 1:
A polícia militar recebeu uma informação de um jovem que teria sido
baleado com cinco tiros, aqui em Guará. O Samu foi até o local,
prestou socorro à vítima e encaminhou a vítima ao Pronto Socorro
da cidade, mas ela não resistiu aos ferimentos. A Polícia agora vai
investigar o caso. (Rádio Metropolitana de Taubaté, em 14/04/2016).
Notícia 2:
Um entregador de pizza, ele foi abordado por dois indivíduos, que
eles pediram uma pizza na pizzaria dele lá, né. Os dois indivíduos,
eles abordaram o entregador e levaram a pizza e também 76 reais
em dinheiro. A Polícia Militar foi acionada e conseguiu localizar os
dois indivíduos e eles foram encaminhados ao plantão policial.
(Rádio Metropolitana de Taubaté, em 14/04/2016).
Notícia 3:
De acordo com a DIG, o crime aconteceu por volta das oito e
meia da noite. O jovem estava na esquina da Rua... com a Rua...
quando foi atingido por três disparos que atingiram o peito da
vítima. (Rádio Metropolitana de Taubaté, em 14/04/2016).
Notícia 4:
O FBI desconfiou dele. E aí o FBI conseguiu rastrear esse
sujeito, prendeu [ ], descobriu que na casa dele tinha
documentos secretos. (Programa Em Pauta, Globo News, em
05/10/2016).
Notícia 5:
Tem uma quadra que fica ao lado do antigo Posto de Saúde. As
pessoas usam ela. Ela foi reformada. (Rádio Metropolitana, em
03/11/2016).
Na notícia acima, o repórter não utiliza o pronome oblíquo, mas faz uso de
outra estratégia de substituição, o emprego do pronome reto no lugar do oblíquo. A
correção de acordo com a norma padrão do português brasileiro é:
Notícia 5 corrigida:
Tem uma quadra que fica ao lado do antigo Posto de Saúde. As
pessoas a usam. Ela foi reformada.
Notícia 6:
E falando dessa quadrilha presa em Ubatuba, nessa joalheria lá
conseguiram prender, né, esses indivíduos. (Rádio
Metropolitana, em 03/11/2016).
Notícia 7:
Os policiais conseguiram chegar até eles e conseguiram prender
os indivíduos. (Rádio Metropolitana, em 03/11/2016).
Notícia 7 corrigida:
Os policiais conseguiram chegar até eles e conseguiram prendê-
los.
Notícia 8:
E aí ele cita uma passagem emocionante, eu nunca tive visto ele
falar sobre essa entrevista. (Em Pauta; Globo News, 02/11/2016).
Notícia 9:
Mas eu nunca tinha visto ele comentar isso. (Em Pauta; Globo
News, 02/11/2016).
Notícia 10:
Essas caveiras de açúcar e de chocolate, cada uma tem o nome
de uma pessoa morta da família, e aí as pessoas comem a
caveira de chocolate e de açúcar. (Em Pauta; Globo News,
02/11/2016).
Notícia 10 corrigida:
Essas caveiras de açúcar e de chocolate, cada uma tem o nome
de uma pessoa morta da família, e aí as pessoas as comem.
Notícia 11:
Quando você diz das iniciativas do legislativo que estão em curso
para tentar coibir e enquadrar a investigação, e é um conjunto
delas, eu até tenho chamado [ ] informalmente de o Império
Contra-ataca. (Painel, Globo News, 18/09/2016).
Notícia 12:
Em Cunha, um homem acusado de participar de homicídio foi
preso […]. A polícia localizou o suspeito na região do Bairro ...
(Rádio Metropolitana, em 24/11/2016).
Notícia 13:
Foi identificado [...] um rapaz de 17 anos com atitudes bem
suspeitas. A polícia, de imediato, abordou esse rapaz, que não
conseguiu fugir. (Rádio Metropolitana, em 24/11/2016).
Notícia 14:
Um homem de 62 anos foi sepultado no último dia 5 de novembro
e foi desenterrado duas vezes em São José do Barreiro. [...]
Segundo os coveiros, eles encontraram o amigo do morto, que
teria contado que desenterrou [ ] por uma promessa. (Rádio
Metropolitana, em 23/11/2016).
Notícia 15:
Eles aproveitam que durante a madrugada a cidade tem pouco
movimento e saem pichando a cidade. (Rádio Metropolitana, em
24/11/2016).
Notícia 16:
Uma mulher de 44 anos que estava fazendo um saque em sua
conta no banco Itaú [...]. Ao realizar este saque no caixa
eletrônico, um homem, entre 25 anos [...], chamou a vítima para
conversar. (Rádio Metropolitana, em 25/11/16).
Notícia 17:
A vítima levou seis tiros, alguns deles acertaram o punho, o braço
e também as costas. (Rádio Metropolitana, em 24/11/16).
41
Notícia 18:
O indivíduo começou a correr, despertando assim a atenção dos
policiais, que foram atrás desse rapaz e ao alcançá-lo foi feita a
abordagem. (Rádio Metropolitana, em 03/11/2016).
Notícia 19:
Isso significa que o plano de saúde implantado pelo Obama está
na linha de tiro porque Trump terá o apoio do Congresso para
desmontá-lo. (Jornal das 10; Globo News, 02/11/2016).
Notícia 20:
A polícia estipulou a fiança de mil reais, paga pelos amigos do
médico, que o levaram embora. (Rádio Metropolitana, em
23/11/2016).
usam ela.
Segundo os coveiros, eles encontraram
Vazio 3 13,6 o amigo do morto, que teria contado que
desenterrou [ ] por uma promessa.
Padrão
Diante dos resultados obtidos por meio dessa pesquisa e diante da teoria
apresentada na seção 1.3 acerca do ensino de língua portuguesa, cumpre que
sejam refletidas, nesse ponto, as questões apresentadas anteriormente que
incentivaram a realização desse trabalho. Como o professor de língua portuguesa
deve proceder diante da atual situação do português brasileiro, na qual se tem, de
um lado, a gramática normativa que exige os usos linguísticos que menos ocorrem
na língua real e, do outro, a realidade linguística dos alunos que, por se dar num
contexto de maior oralidade, caracteriza-se pela informalidade, e que raramente
reflete o que dita a norma gramatical?
De início, deve-se deixar claro: o ensino de gramática deve ser aplicado, dada
a sua importância em relação à formação de habilidades intelectuais que é capaz de
proporcionar. Porém, diferentemente do que ocorre normalmente nas escolas hoje, o
ensino de língua materna deve considerar a questão das variantes linguísticas. Os
alunos devem ser expostos às mais diversas variantes, sua importância deve ser
explicitada, principalmente a da variante da qual eles próprios se valem em seu dia a
dia. Nessa perspectiva, o ensino de língua portuguesa deve ser encarado com um
ato político, no qual deve haver respeito mutuo entre professor e aluno, e respeito
frente às variantes linguísticas de ambos. Desse modo, a língua é tratada como o
que ela realmente é: o principal meio de inserção social de que o ser humano
dispõe.
Tratando mais especificamente dos pronomes oblíquos, os dados dessa
pesquisa demonstram que esses pronomes, de acordo com a norma padrão, são
muito raros na língua falada. Sendo assim, o ensino desse tópico gramatical
apresenta uma série de desafios ao professor de língua portuguesa, uma vez que os
alunos têm pouco, ou nenhum, contato com essa construção. Os dados da pesquisa
45
CONCLUSÃO
Esse trabalho teve como objetivo contribuir para a reflexão acerca dos usos
reais dos pronomes oblíquos de terceira pessoa no português brasileiro
contemporâneo, em comparação com o que dita a gramática normativa e, a partir
disso, tecer comentários sobre a atuação do professor de língua portuguesa, no que
diz respeito ao ensino de tais pronomes. Atuou-se por meio de um levantamento das
variantes linguísticas empregadas por pessoas com nível superior de escolaridade,
em programas de rádio e televisão, nos contextos sintáticos em que a gramática
normativa prescreve o uso de pronomes pessoais oblíquos átonos de terceira
pessoa e, a partir dos dados coletados, fizeram-se sugestões sobre possibilidades
de ensino desse tópico gramatical.
Dessa maneira, esse estudo pôde demonstrar que na língua falada a
ocorrência dos pronomes oblíquos é muito baixa, sendo que para comunicarem-se,
as pessoas lançam mão de diferentes estratégias de substituição a esses pronomes,
e essas estratégias superam e muito o uso dos pronomes de acordo com norma
padrão. Essas estratégias, na presente pesquisa, equivalem a 86,4% do total dos
dados coletados, restando apenas 13,6% para as ocorrências dos pronomes
oblíquos.
As estratégias substitutivas constatadas na pesquisa foram cinco, a repetição
modificada (27,3%), a repetição simples (27,3%), o uso do pronome reto pelo
oblíquo (13,6%), o vazio (13,6%) e o contexto alternativo (4,6%). Entre as utilizações
do pronome oblíquo, todas em conformidade com as regras de colocação
pronominal da gramática normativa, 66,7% delas correspondem a pronomes em
posição de ênclise, ao passo que 33,3% correspondem à posição de próclise.
Todos esses dados encontram eco direto na atuação do professor em sala de
aula ao ensinar não apenas esse tópico gramatical, mas ao ensinar a língua materna
com um todo. Os dados demonstram que a maior parte da língua falada não
corresponde às normas gramaticais, sendo inviável que se exija dos alunos o
domínio de uma variante com a qual eles nunca tiveram contato.
Para se garantir a eficácia do ensino de língua materna, como indicam as
teorias apresentadas anteriormente, devem ser levadas em consideração as
diversas variantes linguísticas, com as quais os alunos devem ter contato, e não
47
REFERÊNCIAS
CUNHA, Celso F. Gramática da língua portuguesa. 12. ed. Rio de Janeiro: FAE,
1992.