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R. BROWNING, V. VON FALKENHAUSEN, A.

GUILLOU
A. KAZHDAN, C. MANGO, M. McCORMICK
N. OIKONOMIDES, E. PATLAGEAN, P. SCHREINER
A.-M. TALBOT

O HOMEM BIZANTINO
Direcção de Guglielmo Cavallo

Tradução de
MARIA BRAGANÇA

EDITORIAL !fr> IPRESENCA


CAPÍTULO V

A MULHERj
de Alice-Mary Talbpt
Se exceptuarmos as · peratrizes, só nos últimos vinte anos a mulher bizantina
começou a ser objecto de uma séria atenção cientCfica, e o quadro ainda não está com-
pleto. A investigação é ificultada pelo facto de quase todos os Bizantinos que dei-
xaram de forma escrita d cumentos relativos à sua civilização (quer se tratasse de his:
toriógrafos, de juristas o de hagiógrafqs) serem do sexo masculino; os seus escritos
tendem, pois, a concentra -se nas actividades dos indivíduos do sexo masculino como
eles. As fontes históricas, insistindo rias intrigas políticas da corte, nos assuntos diplo-
máticos, nas controvérsia religiosas e nas confrontações militares - domínio primá-
rio dos homens -, só esp radicamente mencionam as mulheres, à excepção das que
fazem parte da famflia i perial. Nas Vidas dos santos do sexo masculino, as mulhe-
res têm um papel periféri o: mulheres ou irmãs dos ascetas, ou porventura peregrinas
junto de algum santuário u contempladas por algum milagre. As biografias das mulhe-
res bizantinas que alcanç ram a santidade (e trata-se de um número restrito) consti-
tuem uma preciosa fonte nformativa, precisamente porque raras. De igual forma, as
«regras» dos mosteiros f mininos que chegaram até nós são muito menos do que as
correlativas masculinas -e é provável que, proporcionalmente, tenham sido escritas
ainda menos, dado o sob abundante número de mosteiros masculinos relativamente
aos femininos no império bizantino. As compilações de direito civil e canónico, com
os respectivos comentári , a par das decisões dos tribunais eclesiásticos, constituem
uma fonte mais fértil rela vamente à condição legal da mulher: trata-se de um campo
que ainda aguarda ser ind gado sistematicamente. Os documentos monásticos forne-
cem alguns esclarecimen s relativamente às mulheres proprietárias de terras, espe-
cialmente tratando-se de oações aos mosteiros; o mesmo se poderá dizer dos poucos
testamentos escritos por ulheres que se conservaram. ·
A leitura atenta dos te tos que chegaram até nós sugere que a sociedade patriar-
cal de Bizâncio nutria u a atitude ambivalente face à mulher, a qual se exprime da
melhor forma na antítese ntre Eva e a Virgem Maria: incessantemente denegrida, a
primeira, por ter tentado 1persuadido Adão a comer da árvore proibida do conheci-
mento e, por conseguinte, causa do pecado original; venerada, a segunda, como pura,
imaculada Mãe de Deus, cujo filho desceu para purificar a Humanidade dos seus
pecados e ofereceu a pos ibilidade da salvação e da vida eterna. A poetisa Cássia
(século IX) enunciou com gudez e concisão a dupla natureza da mulher no pergunta-
-e-resposta que teria troca o com o imperador Teófilo; quando o primeiro quis atacar
Eva, dizendo: «A fonte e causa de todas as tribulações humanas foi uma mulher»,
Cássia imediatamente se rgueu em defesa do seu sexo, replicando: «E toda a rege-
neração humana partiu de uma mulher.»

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Reinou sempre em Bizâncio uma tensão entre o ideal ascético cristão da virgin-
dade e do celibato, por um lado, e a «promoção» do casamento, por outro; o casa-
mento constitufa uma solução legítima para as relações sexuais e a procriação dos
filhos, indispensável à perpetuação da população. O casamento era, afinal, um sacra-
mento da Igreja, e a família, a unidade de base da sociedade. A função primária da
mulher consistia em criar os filhos, e foi no seu papel de mãe que a mulher bizan-
tina se viu muitas vezes elogiada. Existem frequentes descrições de mães como
educadoras ternas e afectuosas, que zelavam não só pelo bem-estar físico dos filhos
mas também pelo seu crescimento espiritual: ensinavam os Salmos, contavam histó-
rias bíblicas ou narrações relativas a santos homens e santas mulheres. Nos roman-
ces bizantinos, a beleza feminina é apreciada ··e as relações amorosas são avaliadas
positivamente.
Por outro lado, as mulheres eram constantemente olhadas com desconfiança, como
possíveis elementos de tentação sexual; julgadas «impuras>> durante o período mens-
trual e nos quarenta dias após o parto; tidas como fracas e indignas de confiança. Por
conseguinte, eram vítimas de muitas formas de discriminação: por exemplo, em deter-
minados aspectos da sua condição legal, no acesso à instrução, na liberdade de movi-
mentos. Também na literatura eram representadas de forma negativa, quer aberta-
mente quer de modo inconsciente, recorrendo-se a determinadas escolhas linguísticas
ou a metáforas (pense-se na descrição dos pecados «no feminino»). Com poucas
excepções, as raras mulheres que alcançaram a santidade l:aaviam sido consagradas
como virgens e tinham, portanto, recusado a sexualidade; ou então eram viúvas cuja
vida conjugal estava acabada. O ideal da mulher santa implicava que renegasse a sua
feminilidade e emulasse o homem; e mulheres houve que, praticando uma vida ascé-
tica, chegaram ao ponto de comer tão pouco que ficaram com os seios mirrados e
quase sem mênstruo. É significativo que, estando normalmente reservadas aos homens
as funções de general, de médico ou de atleta, as abadessas fossem encorajadas a
comandar as suas tropas, a cuidar espiritualmente das freiras aflitas, a supervisionar
o rigoroso exercfcio do regime ascético por parte do. seu rebanho. Também as pou-
cas mulheres escritoras nem sempre evitavam apresentar um estereotipo negativo do
seu sexo. Assim, Teodora Sinadena, fundadora, no século XIV, do mosteiro da Virgem
da Sólida Esperança, exortou a abadessa a vencer a sua inata fraqueza feminina - a
«arregaçar as mangas» como um homém, diríamos nós hoje - e a assumir uma ati-
tude resoluta e masculina. Poucos anos antes, a imperatriz-mãe Teodora Paleologina
(fundadora do mosteiro de Lips) dissera que as mulheres são fracas por natureza e
exigem atenta protecção.
A legislação bizantina protegia alguns direitos da mulher;·por:exemplo de her-
dar e deixar em herança. Filhos e filhas tinham direito a "partes iguais das proprie-
dades de família. Era garantida à mulher a posse do dote oferecido pela sua famí-
lia ao marido, aquando do casamento. Este direito de herdar e transmitir em herança
os bens da famflia permitiu a muitas mulheres acumular riquezas consideráveis
que, depois, podiam usar para fins de mecenato artístico ou caritativos, para fun-
dar um mosteiro, para adquirir outros terrenos ou para investir em negócios. Mas
grande parte da legislação (por exemplo, as leis em matéria de divórcio ou adul-
tério) discriminava as mulheres, colocando-as em posição de desvantagem. As
mulheres compareciam nos processos de várias formas: recorrente, ré, testemu-

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nha, mas de modo geral o seu testemunho era consi~erado como sendo menos
digno de confiança do que o dos homens. Assim, um [ocumento si(\odal de 1400
declarou que a deposição de uma tal Ana Paleologina não era fided~gna, por tra-
tar-se de uma mulher e porque havia incorrido em co tradição. A Q.isposição do
Código Justin"iano, segundo a qual uma mulher não odia servir de testemunha
num testamento, foi reafirmada na legislação ulterior. A novella XLVDII de Leão VI
proibia as mulheres de assistirem como testemunhas à estipulação ~os contratos
de negócios: o motivo era que as mulheres não devirm frequentar! os tribunais,
onde estão presentes muitos homens, nem deviam i~iscuir-se em questões ati-
nentes apenas ao campo masculino. A mesma lei pe mitia, em to~o o caso, às
mulheres testemunhar em situações atinentes à esfera feminina: pori exemplo, no
tocante ao nascimento de uma criança. Acrescente-se; que, não obsfante as proi-
bições legais, um certo número de documentos apresenta assinatura~ de testemu-
nhas mulheres.

Menina, mulher c mãe, viúva


i
I ,
A vida da mulher bizantina mediana pode subdividir•se em três fases: a infância,
o período do casamento e da maternidade, e, finalment~ (se a mulher sobrevive ao
marido), a viuvez e a velhice.
A infância era breve e arriscada em Bizãncio, mais ainda para as n\eninas do que
para os meninos; estes últimos recebiam um tratament~ preferencial. ;Os pais reza-
vam para terem filhos varões e, se nascia um rapaz, tinh11m uma dupla ~legria: assim
lemos numa composição poética de Teodoro Prodromo.fEncontra-se documentado o
facto de recorrer-se ao infanticídio feminino (meninas srfocadas ou aliandonadas na
rua) para manter sob controlo o número dos membros d~ famnia - tal frática era, no
entanto, proibida pelo direito civil e canónico. Parece ~ue as meninas eram desma-
madas um pouco mais cedo que os seus irmãos, estando~pois mais exppstas às doen-
ças infecciosas na infância e na primeira meninice. Res ltado: a sua iortalidade era
necessariamente mais elevada que a dos rapazes.
As meninas tinham poucas possibilidades no campo a instrução. Provavelmente,
não frequentavam escolas regulares, mas, a partir do septto ou sétimo [ano de idade,
tinham lições em casa, dadas pelos pais ou por tutoresf A referência! de Psellos às
«condiscípulas» da sua filha Estiliana sugere que, por vpzes, um tutorlpudesse ensi-
nar um grupo de raparigas. Nos mosteiros eram dada~sições de tipo mais regular,
que contudo se limitavam habitualmente às pequenas ór ãs crescidas ~o mosteiro ou
às noviças mais novas, que pensavam em tomar votos. om poucas ex~epções, a ins-
trução das meninas bizantinas limitava-se a saberem ler escrever, decqrar os Salmos,
estudar as Escrituras. As pertencentes à aristocracia tin am a possibi\idade de con-
tinuar os estudos, e algumas delas desenvolveram um s rio interesse pela literatura.
E, no entanto, também uma mulher como Irene Cumna na - elogiada !por um histo-
riador da sua época tanto pela profundidade dos conhe imentos com~ pela devoção
ao estudo das Escrituras e da doutrina eclesiástica - es reveu cartas qeturpadas por
erros de ortografia e gramática. Só em circunstâncias e cepcionais (c~tamos a pen-
sar na princesa imperial Ana Comenena), uma jovem corseguia chega1 a ler uma boa

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variedade de escritores antigos e estudar várias disciplinas; mas também no seu caso,
corno refere Jorge Tornício, os pais não a encorajaram desde logo ao estudo da lite-
ratura profana.
As informações de que dispomos relativamente às actividades das jovens antes
do casamento são muito limitadas, mas a impressão é de que passavam a maior parte
do tempo fechadas em casa, protegidas do olhar dos estranhos e de qualquer ameaça
à sua virgindade. Quando os emissários do imperador chegaram a casa de Filareto,
o Misericordioso, em busca de uma digna esposa para Constantino VI, Filareto não
gostou do seu pedido para verem as suas netas: «se bem que sejamos pobres, as nos-
sas filhas nunca deixaram os seus quartos». Teodoro Estudita elogiou a sua mãe pelo
modo como protegeu a filha de todo o contacto com os homens; Cecaumeno reco-
mendou aos pais que mantivessem as suas filhas segregadas e invisíveis. Se as jovens
safam de casa, devia ser para fins socialmente aceitáveis, como, por exemplo, assis-
tir à missa: e eram estritamente vigiadas pelos pais, parentes ou criados. A Vida de
São Nic6nio menciona uma jovem mandada pela mãe buscar água ao poço: pertencia,
evidentemente, a uma família de classe inferior.
As raparigas, portanto, dedicavam a maior parte do seu tempo a aprender as acti-
vidades domésticas, preparando-se para a vida conjugal, quando fossem donas de
casa. Eram muito jovens quando aprendiam a fiar, tecer e bordar. Uma das poucas
descrições de uma meninice feminina que chegou até nós deve-se a Psello, no encó-
mio pela filha única Estiliana, morta provavelmente de varíola aos nove ou dez anos.
Psello elogia a sua religiosidade, o seu pudor, a sua habilidade com a agulha; na sua
qualidade de erudito, aprova que se dedicasse à aprendizagem. Estiliana frequentava
regularmente o serviço religioso, matutino e vespertino; gostava de cantar salmos e
hinos; era particularmente afeiçoada a um certos (cones. Já em tenra idade dedicava-
-se a obras de caridade, dando o seu contributo para a causa dos pobres e dos enfer-
mos. A menina era afeiçoada aos pais, beijava-os e abraçava-os e sentava-se nos seus
joelhos; a sua morte foi um rude golpe para Psello c sua mulher.
Uma das poucas formas de recriação possíveis para uma jovem era ir aos banhos
públicos, onde podia deter-se a falar com as amigas e a merendar com elas. Uma
jovem de boas famílias como Teófanes, depois mulher de Leão VI, não saía de casa
enquanto não chegava a hora do crepúsculo, reduzindo-se assim as possibilidades de
sobre ela pousarem olhos estranhos. Os seus criados escoltavam-na atentamente
durante o trajecto. Era também permitido às raparigas acompanhar os pais a ver uma·
igreja, visitar um santo homem, contemplar uma procissão. Tinham bonecas de cera
ou de argila; se jogavam à bola, era de couro macio; e jogavam às cinco pedrinhas
(pentalitha). Também gostavam de mascarar-se. Teodoreto de Ciro descreve meni-
nas vestidas de monges e de demónios. Mas o biógrafo do santo louco Simeão não
via com bons olhos as meninas que andavam na rua, observando que cresceriam para
exercer a prostituição.

Para a maior parte das raparigas bizantinas, a meninice chegava bruscamente ao


fim logo que começava a puberdade, que habitualmente depressa era seguida do noi-
vado e do casamento. Casar jovem e ter filhos o mais cedo possível era a norma em
Bizâncio; a única alternativa de que as adolescentes dispunham era entrar no mos-

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teiro. Originalmente, a I gislação bizantina permitia que uma menina ficasse noiva
aos sete anos de idade; ais tarde, o limite foi elevado para os doze anos. Mas as
leis eram muitas vezes ig oradas. de tal modo que se casavam meninas, com apenas
cinco anos. A idade mín ma permitida para o casamento era de doze anos para as
raparigas e catorze para s rapazes, mas a normal aproximava-se mais dos quinze e
dos vinte, respectivamen . Raras vezes podemos ler histórias de mulheres casadas
aos vinte anos ou mais: ense-se em Tomaide de Lesbos que só aos vinte e quatro
anos tomou marido. Um os motivos por que se preferiam os casamentos entre ado-
lescentes era a importânc a dada à virgindade da noiva. Outra ·razão, que permane-
ceu silenciada, terá consi tido na vontade de explorar ao máximo os anos de fertili-
dade. Dado o elevado (n ice de mortalidade infantil, uma mulher devia dar à luz
muitos filhos para que a guns sobrevivessem. Além disso, como muitas mulheres
morriam jovens (se passa am da infância, a sua expectativa média de vida· rÓndava'
os trinta e cinco anos), er necessário que casassem e começassem a produzir filhos
assim que tinham possibi idades físicas para isso.
Os casamentos eram c mbinados entre os pais, que davam a máxima importân-
cia às considerações de c rácter económico e aos laços familiares. A cerimónia do
noivado incluía a apresen ação da arra sponsalicitl, que era uma dádiva nupcial da
parte da família do noivo, tendo força de contrato formal, garantindo o compromisso
recíproco. Se a rapariga r mpia o noivado, a sua famCiia devia restituir ao prometido
a dádiva pré-nupcial mais uma quantia do mesmo valor em dinheiro. Se, pelo con-
trário, era o noivo quem ompia o noivado, a noiva podia conservar a arra. Regra
geral, as jovens aceitava o noivo escolhido pelas famCiias, mas podia haver resis-
tências: se, por exemplo, haviam decidido tomar votos e fazer-se freiras, vivendo
como virgens consagradas ou se tinham graves objecções contra o jovem escolhido
para elas. Consideremos o caso de uma menina de doze anos do Epiro, noiva havia
já cinco anos; ameaçava uicidar-se caso fosse coagida a casar, e a família conse-
guiu anular o noivado em tribunal. Os documentos dos tribunais eclesiásticos con-
servam a prova dos trágic s resultados de noivados e casamentos prematuros: por
exemplo, o caso da menin que tinha onze anos quando se consumou o casamento e
que ficou com os órgãos xuais lesados para sempre. Por volta de 1300, Simonis,
filha de Andrónico U, tinh apenas cinco anos quando foi desposada pelo soberano
do reino da Sérvia, home feito. Também Simonis ficou danificada em consequên-
cia de relações sexuais pr aturas que a impossibilitaram de ser mãe.
Um elemento essencial ao casamento era que a família da noiva apresentasse o
·dote ao noivo. A noiva er proprietária do dote durante toda a vida, o que signifi-
cava que participava da he ança familiar, sendo, porém, garantido ao marido o usu-
fruto do cantante ou da pro riedade, com direito de administração. Se o marido mor-
ria antes da mulher, ou se casamento redundava em divórcio, a mulher recuperava
o pleno controlo do dote. e, pelo contrário, ela morria primeiro e não tinha filhos,
o dote regressava à sua fa ília; havendo filhos, eram estes que herdayam, embora o
marido continuasse a admi istrar o dote durante toda a vida. O contrat~ de casamento
previa que também o mari o fizesse à mulher uma dádiva importante. O contributo
exigido ao marido chamavt,se originalmente donatio propter nuptias, sendo na época
justiniana de valor igual a dote; depois, com o passar dos anos, o seu valor dimi-
nuiu. A partir do século 1 esta dádiva passou a chamar-se hypolwlon. correspon-

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dendo geralmente a metade ou um terço do dote. Se o marido morria antes da mulher
e não havia filhos, a mulher recebia o hypobolon na sua totalidade; caso houvesse
filhos, repartia-o com eles. A partir do século x encontramos atestações ainda de uma
dádiva suplementar de casamento da parte do noivo, o lheôrêtron. Ascendia a um
doze avos do dote e estava sob o inteiro controlo da mulher, permanecendo sua pro-
priedade exclusiva, caso o casamento terminasse em divórcio ou se o marido mor-
resse.
Por norma, eram os pais que combinavam o casamento, o que não significa que
não se tivessem vivido em Bizâncio histórias sentimentais de tipo romântico. Podemos
recordar, nos níveis mais altos da sociedade, a paixão de Andrónico I por Filipa, filha
de Raimundo de Poitiers (os dois namoraram em Antioquia), ou a história que teve
com a sua prima Teodora Comnena, com quem fugiu para o Cáucaso. A Vida de
Irene de Chrysobalanton conta-nos a triste história de dois noivos da Capadócia.
A rapariga tinha decidido romper o noivado e tomar votos monásticos em
Constantinopla, mas depressa se apercebeu de que havia cometido um terrível erro,
pois consumia-se de desesperado amor pelo noivo, e em vão tentou fugir do mos-
teiro, chegando ao ponto de ameaçar suicidar-se, se não conseguisse vê-lo. Também
ele não conseguia esquecer a sua noiva; recorreu, pois, a um bruxo para que o aju-
dasse a recuperar o amor perdido. Finalmente, para libertar a freira da sua paixão
pelo antigo noivo, a abadessa Irene em pessoa viu-se obrigada a queimar as efígies
dos amantes. Na mesma Vida, lemos a história do vinhateiro Nicolau, que se enamorou
de uma freira do mosteiro onde cuidava das vinhas.
A simpatia de que gozou o amor romântico reflecte-se na persistente populari-
dade dos romances tardo-antigos, pelo menos em certos círculos; o género é recuperado
no século XII. Estes romances eram por vezes interpretados alegoricamente como
representações da luta da alma pela salvação e do seu .desejo de Deus - mas tam-
bém devem ter sido apreciados como obras de aventura e evasão. O poema épico
Digenis Akritas compreende numerosos episódios românticos,. em particular quando
Digenis se enamora de Eudóxia: o jovem vê-a abeirar-se da janela e fica tão impres-
sionado com a sua beleza que não consegue comer nem beber e regressa ao castelo
para levá-la consigo.
O casamento consistia no rito matrimonial com as cerimónias e as celebrações
que o acompanhavam. Após um banho ritual, a noiva vestia roupa branca e dirigia-
-se para a igreja, onde o par era abençoado por um sacerdote, que impunha sobre as
cabeças da mulher e do marido as coroas matrimoniais; noivo e noiva trocavam anéis
e bebiam vinho do mesmo cálice. Depois, o par era acompanhado até casa do noivo
por uma multidão festiva de amigos desejando felicidades e cantando canções de
núpcias especiais ditas epithalamia. Seguia-se a festa nupcial, no decurso da qual o
casal dos novéis esposos se retirava para o seu quarto. Aqui o esposo oferecia à
esposa o cinto nupcial; aqui se consumava a união dos dois cônjuges, enquanto os
hóspedes continuavam a divertir-se. No Digenis Akritas as festas duravam três meses.

O objectivo primário do casamento era a procriação dos filhos: continuadores da


linha familiar, os filhos transmitiriam os bens familiares de geração em geração, assis-
tiriam os pais na velhice. e assegurar-lhes-iam sepultura condigna e póstuma come-
moração. Eis porque a falta de filhos causava grande amargura a marido e mulher:

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Digenis e Eudóxio sentiam-se dia após dia contristados m a «esterilidade, labareda
inextinguível e dolorosfssima». Um lugar-comum da ha iografia é a e~terilidade dos
pais do santo: na verdade, isto deve ter constituído um roblema parai muitos casais
na época medieval. Por exemplo, os pais de Teófanes, d pois santa im~eratriz (a pri-
meira mulher de Leão VI), lamentavam a sua incapaci ade de ter uT filho, consi-
derando o seu caso <<mais amargo que a morte,>. Conse uiram finallf\ente conceber
um herdeiro, depois de visitas quotidianas a uma igreja <$e Constantindpla, onde ora-
vam e suplicavam à Virgem para que os abençoasse co~ um filho. A~1 umas mulhe-
res recorriam a mistelas que se dizia favoreceram a fer~'lidade e que ram prepara-
das com sangue de coelho, gordura de pato, terebin 'na. Outros asais estéreis
dirigiam-se aos médicos; na Vida de António Menor, u proprietário de terras pro-
mete a um médico que lhe cederá um terço das suas terr s, se o ajudarf ter um filho.
O médico (que era, na realidade, o santo sob uma falsa a arência) pede que lhe pague
antes dez cavalos de combate, e o homem imediatame~te concorda om o pedido.
Outro instrumento popular para evitar a esterilidade eram1os amuletos rhágicos. Havia
mulheres tão desesperadas que chegavam ao ponto de simular a gravidez e o parto:
o. que depois mostravam aos maridos era um herdeiro !espúrio, adqurrido junto de
alguma mulher de ínfima condição que não podia criá-\o. Outros cas~is adoptavam
uma criança, como fez Miguel Psello após a morte da!sua filhinha Estiliana. Para
determinar o sexo do possível e esperado nascituro, durante a relação lsexual marido
e mulher podiam recorrer a não poucas práticas e <<remédios•• populares, fruto de
superstição. I
A maioria das mulheres ambicionava dar à luz um bo~ número de fi%hos, de modo
a assegurar a sobrevivência de, pelo menos, alguns; não raticavam, p r conseguinte,
o controlo dos nascimentos de forma alguma. A amame tação ao peit durava, nor-
malmente, dois a três anos e funcionava como forma de ontracepção natural, embora
pouco fiável; servia, pelo menos, para distanciar a vind dos filhos. ~contudo, nos
poucos casos em que dispomos de dados precisos rela vamente às atas de nasci-
mento dos filhos no seio de algumas famfiias, encontra os nasciment s a intervalos
quase anuais (não sabemos, porém, se as crianças eram amamentadas ao peito). Por
exemplo, a mãe de Gregório Palama teve cinco filhos o espaço de oito anos. No
século xv, análoga sor~e coube a Helena Sfranze, mui r do historiafor. O destino
dos filhos de Helena ilustra vivamente o elevado índic de mortalid11-de infantil da
época: só dois dos cinco filhos sobreviveram; quanto os outros, urlt morreu com
oito dias, outro com trinta, o terceiro pouco antes de c pletar os se~s anos.
Normalmente as mulheres davam à luz em casa, assi tidas por uma parteira, pelas
parentes c vizinhas; as ilustrações dos manuscritos mos ram-nos part rientes em pé,
sentadas, estendidas na cama; uma lista de instrumentos irúrgicos inc~i mesmo uma
cadeira de parto. Em circunstâncias especiais, as mulh es podiam d' igir-se a hos-
pitais especificamente reservados a parturientes: foi o c so das prófu s desampara-
das na Alexandria do século VIl. O patriarca João, o smoleiro, abdu em diversas
zonas da cidade sete maternidades, cada uma delas cont do quarenta-~1 amas. As par-
turientes podiam permanecer nestes hospitais até uma s mana após o parto; quando
tinham alta, recebiam uma quantia equivalente a um tefo de uma m eda em ouro.
Se as dores de parto levantavam problemas ou surgia complicações no momento
do parto, as mulheres podiam recorrer a vários tipos de ssistência: mrdica, mágica,

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espiritual. Assim, a mãe de Santa Teófanes - Ana - recebeu auxflio milagroso, durante
o parto, vindo do cinto que o marido lhe trouxe de uma igreja consagrada à Virgem.
Uma mulher teve dores de parto durante vinte dias e conseguiu, finalmente, dar à luz
depois que São Lucas Estilita lhe ofereceu um pouco de pão consagrado e de água
benta. A Vida de Santo Inácio narra a história de uma mulher que não conseguia
parir, porque o feto não estava em posição correcta. Os cirurgiões estavam prontos
a praticar a embriotomia - isto é, o corte e a extracção do feto - para a salvar. No
entanto, a vida da pequena criatura foi poupada: uma fímbria do manto do santo,
colocado sobre o ventre da mãe permitiu o decurso normal do parto. Efectivamente,
acontecia por' vezes que os médicos tivessem de usar esse último recurso que era a
embriotomia; uma lista de instrumentos cirúrgicos inclui os necessários ao desmem-
bramento do feto. Não há provas de que os cirurgiões bizantinos praticassem a cesa-
riana. Se, depois, a mortalidade feminina era mais elevada que a masculina, isso
devia-se de certo modo aos perigos inerentes à maternidade: abortos, complicações
durante o parto, infecções e hemorragias após o período do parto. Todo este processo
era considerado impuro e, se a puérpera não estava em perigo de vida, encontrava-
-se proibida de receber a comunhão durante os quarenta dias que se seguiam ao parto.
Procedia-se, em seguida, à lavagem do recém-nascido e ao seu enfaixamento.
A maioria das mulheres amamentava os filhos ao peito, mas podia servir-se de amas:
por exemplo, se a mãe deixava de ter leite ou morria de parto. Está documentado
que as mulheres das classes mais elevadas recorriam mais frequentemente às amas
por motivos óbvios de conveniência. O nascimento do filho era celebrado com uma·
festa; parentes, amigos, vizinhos vinham visitar os pais e desejar as melhores felici-
dades ao recém-nascido. · · ·
'se dois ou três filhos de um casal tinham conseguido sobreviver aos arriscados
anos da infância em Bizâncio, e se marido e mulher decidiam não ter mais, um dos
métodos de controlo dos nascimentos era a total abstinência das relações sexuais; os
esposos viviam então como irmão e irmã. Não temos m!Jitas informações relativa-
mente aos conhecimentos ou aos meios contraceptivos, mas parece que se serviam
deles sobretudo as prostitutas, as adúlteras ou as não casadas que viviam histórias
amorosas ilícitas. Estas mulheres podiam utilizar pomadas à base de ervas, suposi-
tórios com funções espermicidas ou outros impeditivos da fertilização do óvu~o; os
pessários vaginais eram habitualmente feitos de lã embebida em mel, alúmen, de
alvaiade ou azeite. As mulheres podiam recorrer ainda a métodos contraceptivos de
carácter mágico, como, por exemplo, os amuletos recomendados por Aécio de Amida:
tratava-se de um pedaço de fígado de gata ou (menos prático) um útero de leoa que
era usado num pequeno tubo de marfim amarrado ao pé esquerdo.
O aborto era severamente condenado pelo direito quer civil quer canónico e punido
com penas como o exílio, a fustigação, a excomunhão; era, contudo, inevitável que
muitas mulheres recorressem a ele para pôr fim a gravidezes indesejadas: tratava-se
sobretudo de prostitutas e outras mulheres não casadas.• por exemplo escravas que
temiam a ira do patrão e até freiras. De Teodora, a actriz/prostituta que depois foi
esposa do imperador Justiniano, lemos que abortou várias vezes - mas, num dos
casos, a gr.avidez ia tão avançada que o aborto foi mal sucedido e nasceu um menino.
O comentário de Procópio é que Teodora teria provavelmente matado este filho inde-
sejado, se o pai não tivesse tratado de salvá-lo. O documento sinodal do século XIV

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regista o caso de uma fr ira do mosteiro constantinopolitano de Santo André em
Krisei que teve relações s xuais com Ioasaf, frade do mosteiro tôn Hodêgôn. Quando
a freira apareceu grávida, Ioasaf encontrou um médico-bruxo que lhe. vendeu uma
poção abortiva ao elevad preço de cinco hipérperos de ouro, um manto, uma jarra
de vidro de Alexandria. medicamento produziu o efeito desejado, mas a trans-
gressão do frade foi desco erta e o sínodo castigou-o. Podia igualmente provocar-se
o aborto, colocando sobre o ventre objectos muito pesados.

Em Bizâncio, a gestão quotidiana das actividades domésticas era assunto muito


absorvente. Havia que en entar todo o trabalho de preparação da comida; produzir
cosméticos, unguentos e p madas; e era cm casa que decorria todo o ciclo da manu-
factura têxtil, da cardadur da lã à cosedura do tecido para obter as vestes desejadas.
Nas famflias mais pobres, a mulheres encarregavam-se sozinhas de todas estas incum-
bências: pense-se na criaçã dos filhos e na preparação da comida (por vezes incluin-
do a moagem do trigo). mulher de Filareto, o Misericordioso, cozia o pão no
forno, apanhava ervas dan nhas, assava a carne. Cabia também às mulheres manter
a casa limpa, lavar e coser a roupa. As mulheres das classes elevadas davam instru-
ções às criadas e supervisi navam a sua obra mas, quando à fiação e tecelagem, tam-
bém se encarregavam disso não obstante o seu estatuto social. Como observava Jorge
Tornício na sua oração fú bre em honra de Ana Comnena: «as mulheres nasceram
para fiar e tecer». Não obs ante a existência de tecelões masculinos de protissão, na
consciência popular roca e tear estavam inextricavelmente associados às mulheres, e
a ocupação considerada ma s apta para elas era fabricar tecidos. No século XI, Miguel
Psello criticou a imperatri Zoé por não se ocupar das actividades a que as mulhe-
res normalmente se dedica , por exemplo, a fiação e a tecelagem. As mulheres dos
artífices podiam servir de ssistentes aos maridos nas oficinas, geralmente situadas
no edifício onde habitava . No campo, o conceito de «Ocupações domésticas» era
ainda mais vasto: o domín o da mulher do campo ultrapassava as paredes de casa
para estender-se até ao po1ar e à vinha.
Dado que as mulheres izantinas deviam ter no pudor o seu ideal comum, ves-
tiam-se de maneira a escon er todo o corpo, excepto as mãos. Um trajo típico podia
ser urna túnica até aos pés e de mangas compridas, à qual se podiam acrescentar ulte-
riores camadas para se pro eger do frio. As mulheres das classes inferiores podiarn
vestir túnicas sem mangas. as mulheres de bem esperava-se que andassem sempre
com a cabeça coberta, qua o em público: punham então o maphorion, um véu que
descia até aos ombros, co um chapéu aderente para esconder o cabelo.
Resta que, apesar destas restrições, as mulheres que tinham meios para isso dedi-
cavam grande atenção ao s u aspecto físico e gastavam muito dinheiro em tecidos
finamente fabricados, por v zes bordados ou cravados de pedras preciosas. As suas
vestes eram ulteriormente mbelezadas com alfinetes e faixas ou cintas adornadas
com outras preciosidades; o seus chapéus eram elegantes. As cabeleirâs eram enfei-
tadas com ganchos, pequen s redes e flocos. Os numerosos exemplos de joalharia
que chegaram até nós - bri os, pulseiras, colares - revelam quer a perícia dos ouri-
ves de Bizãncio quer a riqu za das classes mais abastadas e também a popularidade
da bijutaria entre as mulher s mais pobres. Para consternação dos Padres da Igreja,

125
as mulheres procuravam tornar-se mais belas do que eram naturalmente recorrendo
aos cosméticos: usavam farinha de legumes para lavar o rosto; punham pó-de-arroz
para terem uma carnação mais clara; pintavam de vermelho as faces e os lábios, de
negro as sobrancelhas; tingiam os cabelos e pintavam os olhos.
Como noutras sociedades, onde os pais decidem o casamento, os casais bizanti-
nos não esperavam que a sua união conjugal fosse marcada pelo amor romântico.
Consideravam-na, antes de mais, como um sacramento ordenado por Deus para per-
petuação da família e, depois, como uma espécie de b~cia colectora dos bens das
duas famílias, de origem. Da mulher esperava-se que fosse obediente e condescen-
dente com o marido, que lhe desse herdeiros e tomasse conta da casa. Em princípio,
parece que o casamento combinado funcionava bem; desenvolveu-se, muitas vezes,
entre marido e mulher um sincero afecto e talvez mesmo amor. Mas houve casos em
que o casal era incompatível: por vezes, os dissabores conjugais levaram ao adulté-
rio, ao divórcio, à fuga do mosteiro. Um documento sinodal regista o triste resultado
de um casamento prematuro: a jovem, que tinha casado com apenas oito anos, aca-
bou por detestar o marido ao fim de cinco anos a tal ponto que o sínodo concordou
em anular o casamento originário, considerando-o estipulado em contradição com o
direito canónico. Muitas vezes os maridos batiam nas mulheres: umas vezes porque
bêbedos, outras vezes porque o comportamento delas os encolerizava ou porque gas-
tavam o património familiar com demasiada desenvoltura. Algumas destas mulheres
maltratadas suportaram com estoicismo a sua desventura, outras refugiaram-se na
vida monástica. A situação oposta também não era desconhecida: pense-se na des-
crição do marido maltratado pela mulher tal como a traça Teodoro Prodromo. Existiam
também as concubinas, mantidas por homens insatisfeitos com o casamento ou ape-
nas casados com mulheres que não podiam ter filhos. Habitualmente- mas nem sem-
pre - as concubinas vinham dos estratos mais baixos da sociedade e eram, por vezes,
criadas.
Uniões conjugais infelizes podiam igualmente conduzir homens e mulheres à expe-
riência do adultério, que contudo era severamente condenado pelo direito quer civil
quer eclesiástico. Nos primeiros séculos do Império, a pena prevista pelo direito civil
por adultério era a pena capital; depois a legislação limitou-se à mutilação: devia cor-
tar-se o nariz às duas partes culpadas. Por vezes, a mulher julgada culpada de adul-
tério era enviada para um mosteiro como castigo, o marido então tinha direito ao seu
dote. Para o adultério, o direito civil usava dois pesos e duas medidas, no sentido em
que o homem casado era castigado apenas se mantinha relações sexuais com uma
mulher casada. O direito canónico punia o adultério com excomunhão e penitência.
Se bem que direito civil e direito canónico insistissem na indissolubilidade do
casamento, houve casais infelizes que decidiram enfrentar o processo formal de divór-
cio. As causas que justificavam o divórcio eram limitadas pela lei: no tempo de
Justiniano, o marido só podia pedir o divórcio se a mulher era culpada de adultério
ou se tinha um comportamento inconveniente (se, por exemplo, comia ou tomava
banho com estranhos, se assistia aos jogos circenses ou frequentava espectáculos sem
o seu consentimento). Outras circunstâncias de divórcio eram a loucura ou a impo-
tência do marido. Uma alternativa para o divórcio era a separação do casal a fim de
abraçar a vida monástica, frequentemente com base num acordo amigável, por vezes
para resolver situações conjugais que já não eram toleráveis.

126
Embora em Bizãncio as mulheres tivessem uma espe ança de vidalinferior aos
homens, a viuvez era um fenómeno comum: geralmente os maridos eram mais velhos
que as mulheres e tinham, portanto, maiores probabilidade de morrer prjmeiro; além
disso, muitos homens morriam em combate. A lei permiti as segundas núpcias, mas
havia rigoristas morais que as condenavam. A imagem tr dicional da vi~va era a de
uma mulher desgraçada e desarmada, que a sensibilid~ e popular a~sociava aos
órfãos e aos pobres. Os Cristãos deviam mostrar-se soht:itos para com as viúvas,
que eram particularmente contempladas em ocasiões erpeciais de bpneficência.
Fundaram-se instituições de carácter filantrópico, chamtdas chêrotropheia, desti-
nadas principalmente a alojar as viúvas indigentes. Algu~as das mulheres que fica-

físico quer psicológico. ! l


ram sem marido abraçaram, certamente, a vida monástic~ em busca d~ apoio quer

Por outro lado, em Bizãncio- como, de resto, noutras!sociedades -, a viuvez era


o estádio da vida em que muitas mulheres podiam atingir o máximo d. sua reputa-
ção e do seu poder. Dado que, por norma, as viúvas eram pelo menos de meia-idade,
já não eram vistas como um veículo de tentação sexual, mas como pessoas maduras,
dignas de confiança e respeito. Na Igreja das origens foi instituída uma1 ordem ecle-
siástica especial, constitufda por viúvas que prestavam ser~iços caritativps. Voltando
à plena posse do seu dote, numerosas viúvas conseguiram ~ma grande abastança eco-
nómica: de facto, algumas das mais generosas padroeiras ~e Bizâncio, que fundaram
igrejas ou mosteiros ou ainda encomendaram obras de arte, eram viúv,·s. Temos no
século IX um exemplo de viúva rica em Danilis, grand~ proprietária de terras no
Peloponeso. Muitas viúvas tornaram-se verdadeiros chefes Ide família, m~smo vivendo
com filhos adultos: os dados relativos a algumas aldeias ~acedónias dp começo do
século XIV indicam que cerca de 20% dos chefes de famnia eram viúvàs.

Para além da família: as mulheres. para lá das paredll, dom"""'


.
iI
Tem-se discutido muito acerca do problema da «reei são» das mulheres bizanti-
nas, para saber até que grau estariam confinadas em ca a. Como já s+ disse, eram
mantidas sob estreita vigilância sobretudo as jovens de oas famflias para proteger
a sua virgindade e reputação. Quanto às mulheres casad s, havia grancilesI
variações
na prática segundo a classe social, o local de residência ( idade ou cam!Po) e, talvez,
a época em que viviam. Como é óbvio, as camponesas eviam passar muito tempo
fora de casa: trabalhavam no pomar, davam de comer a s animais de capoeira. As
citadinas de condição mais miserável, privadas de auxili res doméstic •s, tinham de
ir às lojas, se queriam fazer compras; por vezes també trabalhavam fora de casa.
Dado que as habitações em que viviam eram pequenas, estas mulher não tinham
um quarto só para si, onde pudessem retirar-se. As mulhe es da camada média e alta,
por outro lado, eram, em princfpio, obrigadas ainda mais permanecer suas casas,
e é possível que passassem a maior parte do tempo em s las reservada.i às suas acti-
vidades. O historiador Agatia observou que, depois do erramoto dei57, a ordem
social em Constantinopla subverteu-se: nas ruas confundam-se mulher s da nobreza
e homens. De igual modo, referindo-se à revolta pop lar de 1042 ue derrubou
Miguel V e levou Zoé ao trono, Psellos notou, admirado, ue algumas ulheres «que
I
i 127
ninguém, até então, havia visto fora dos aposentos femininos, apareceram em público
erguendo a voz, batendo no peito e proferindo lamentações piedosas sobre a desgraça
da imperatriz». Observou ainda a presença de rapariguinhas que se uniram à multi-
dão que atacou e destruiu edifícios pertencentes à famflia de Miguel V. Descrevendo
o terramoto que atingiu Constantinopla em 1068, o historiador Ataliata observou que
as mulheres perderam o seu natural pudor e safram à rua. Em meados do século XIV,
quando outro terramoto causou o desabamento parcial da grande cúpula de Santa
Sofia, as mulheres nobres de Constantinopla acorreram à igreja para ajudar a remo-
ver os escombrps.
Em tempo de guerra - sobretudo durante os assaltos -, as mulheres saíam de
casa e contribuíam para a defesa da cidade; transportavam pedras que serviam para
reparar as muralhas ou como armas para fundas e catapultas; levavam água e vinho
às tropas sedentas; acudiam aos feridos. Por vezes algumas mulheres chegaram a
assumir comandos militares, como quando Irene, mulher de João VI Cantacuzeno,
no decurso da guerra civil de 1341-47, foi colocada à frente da guarnição de
Didymoteichon, e em 1348, estando ausente o marido, foi responsável pela defesa
de Constantinopla. E, mes.mo em circunstâncias comuns, não faltavam ocasiões de
encontrar mulheres fora de casa: a trabalhar, por motivos religiosos, por distracção
ou para enterrar os mortos.

Como vimos, os deveres primários das mulheres bizantinas em casa eram: criar
os filhos, preparar a comida, confeccionar a roupa. Muitos dos trabalhos executados
pelas mulheres fora de casa constituíam um prolongamento destas ocupações domés-
ticas fundamentais. As mulheres empregadas como cozinheiras, oleiras e lavadeiras
executavam os trabalhos femininos tradicionais, mas eram pagas para os realizar para
outras famnias ou instituições. Sabemos que havia mulheres que confeccionavam
roupa não só para as suas famílias mas também a uma maior escala, em oficinas da
cidade. Um opúsculo de Miguel Psello (século XI) descreve a festa constantinopoli-
tana de Agathê (li de Maio), celebrada por mulheres que se ocupavam de cardar e
fiar a lã, além da produção dos tecidos. A festa incluía serviços religiosos na igreja,
mas também danças; a uma certa altura da cerimónia, as participantes deviam reu-
nir-se em torno de uma representação (um fresco?) de mulheres dedicadas a traba-
lhos de cardadura e tecelagem, algumas pior que outras; as trabalhadoras incompe-
tentes eram punidas com o chicote. Estas mulheres deviam fazer parte de uma
corporação de tecelões. Conhecemos ainda melhor o facto de as mulheres fazerem
parte da corporação dos fabricantes de seda.
Escassíssimas são as informações relativas ao emprego feminino noutros campos
de actividade artesanal, embora seja provável que assistissem os maridos e filhos,
como sugere o painel de um cofre ebúrneo em Darmstadt, representando uma oficina
onde Eva trabalha com o fole e Adão está na forja.
As mulheres eram também activas no comércio a retalho, especialmente na qua-
lidade de vendedoras de produtos alimentares; lemos acerca de mulheres fornecedo-
ras de pão, verdura, peixe, leite. Não há dúvida de que esta ocupação era conside-
rada como adaptada às mulheres, até porque a maior parte dos negócios se fazia com
outras mulheres (ou com criadas) que andavam nas compras. As vendedoras a reta-
lho ofereciam, por vezes, os seus produtos porta a porta, evitando assim aos seus

128
clientes o distúrbio de saíre~ dê casa. Nem o comércio a retalho nem a confecção
de vestuário se limitavam, e todo o caso, às mulheres: as fontes descrevem tecelões
do sexo masculino, bem con o droguistas, talhantes, peixeiros.
No comércio a retalho, s mulheres não trabalhavam apenas na qualidade de
dependentes assalariadas: era , por vezes, proprietárias das lojas ou oticinas. Existem
fontes que mencionam mulh res proprietárias ou co-proprietárias de perfumarias e
leitarias; estavam também à rente de repartições de câmbio, trabalhavam no comér-
cio, investiam em actividade mineiras, possuíam moinhos.
Outra categoria profissio ai era aquela que, implicando contactos mais íntimos
com mulheres e/ou crianças, era necessariamente exercida por mulheres; os exem-
plos podem compreender a i termediária matrimonial, a ginecologista, a enfermeira
da secção feminina dos hosp tais, a parteira, a ama, a criada de meninos, a criada, a
diaconisa, a cabeleireira, a en arregada da ala feminina dos banhos públicos. As fon-
tes mencionam com alguma frequência médicas que serviam não apenas de obste-
tras e ginecologistas mas qu bem podiam encarregar-se de mulheres afectadas por
vários distúrbios. Entre os m dicos que trabalhavam na secção feminina do hospital
monástico do Pantokratôr e Constantinopla, havia uma médica, e eram mulheres
as enfermeiras e suas ajudant s. Estas enfermeiras recebiam um salál'io igual ao dos
colegas do sexo masculino, nde por razões ainda pouco claras o salário das médi-
cas não chegava a mais de m tade do dos médicos (três nomismata em vez de seis);
até a ração de trigo era reduz da (26 modioi em vez de 36). No hospital do mosteiro
de Lips, que tinha doze cam s reservadas às mulheres, curiosamente o pessoal era
todo masculino, à excepção a lavadeira. Médica e parteira eram, por vezes, cha-
madas a testemunhar em pro ssos na qualidade de especialistas: podiam, por exem-
plo, pronunciar-se quanto à v rgindade de uma noiva, verificar se uma mulher estava
grávida, atestar o nascimento de uma criança.
Seria oportuno reagrupar ambém as chamadas ocupações infamantes, por exem-
plo, as de prostituta ou dona e estalagem ou tabernas (muitas vezes estas exerciam
a prostituição a latere) ou esmo as que agiam no espectáculo na qualidade de
actrizes ou bailarinas.
As informações disponfve s quanto ao trabalho das camponesas são falhas. Além
de cultivar o pomar próxim de casa e de cuidar dos animais da capoeira, traba-
lhavam esporadicamente ,;as vinhas ora como vinhateiras ora tão-somente na época
das vindimas; podiam contri uir também para as operações de ceifa do trigo, como
sugere o painel de uma pfxi e ebúrnea do século X (agora em Nova Iorque) com
a figura de Adão ceifando a espigas com uma foice, ao mesmo tempo que Eva
carrega as paveias às costas. Um texto do século xm afirma, por outro lado, que
as mulheres participavam n s colheitas apenas em circunstâncias anormais, por
exemplo em tempo de guerr . O biógrafo de Cirilo Fileota refere que a mulher do
santo amanhava a terra ajud da pelos filhos, ao mesmo tempo que Cirilo se reti-
rava, em reclusão, dentro da paredes domésticas. Havia mulheres e raparigas que
trabalhavam como pastoras: um caso inabitual é o das valáquias que ·~;e vestiram
de homens para apascentar o· seus rebanhos no monte Athos, povoado por comu-
nidades monásticas e eremit , e proibido às mulheres. Foi considerado um grande
escândalo, sobretudo quando se descobriu que levavam queijo e leite directamente
aos mosteiros.

129
Tal como as suas filhas, mais jovens que elas, as mulheres casadas passavam a
maior parte do seu tempo em casa, antes de mais na companhia de parentes e cria-
das. Por vezes tinham animais domésticos: pássaros e cãezinhos. Como é óbvio, a
família tomava habitualmente as refeições em comum, mas, havendo hóspedes do
sexo masculino, as mulheres bem nascidas ficavam nos seus quartos. Restavam, em
todo o caso, numerosas ocasiões para sair de casa: os banhos públicos, o serviço reli-
gioso, os santuários onde se guardavam relíquias, as visitas aos santos homens, as
procissões religiosas em que podiam participar, os funerais, as festas de carácter fami-
liar: nascimentos e bodas. Era considerado pouco decoroso que as mulheres assis-
tissem às corridas de carros e outros espectáculos do Hipódromo; a legislação justi-
niana estabelecia que o marido podia intentar causa de divórcio, se a mulher se
comportava de modo tão inconveniente. Só raras vezes mulheres nobres ou impera-
trizes participavam em caçadas a cavalo.
Analogamente ao que se constata noutras sociedades onde a existência feminina é
marcada por um certo grau de reclusão, também em Bizâncio os cultos religiosos tive-
ram um papel vital na vida das mulheres. Para as laicas, assistir ao serviço religioso,
participar em procissões, visitar santuários eram as únicas possibilidades socialmente
aprovadas de sair de casa. Constituíam ainda uma maneira de satisfazer exigências psi-
cológicas e espirituais. Mulheres pertencentes às classes elevadas podiam participar no
serviço religioso. As mulheres que pertenciam às classes elevadas podiam assistir ao
serviço religioso nas capelas privadas anexas às suas casas, mas a maior parte das
mulheres frequentava igrejas que ficavam perto de casa ou mesmo a alguma distância.
Eis, pois, a devota Santa Maria de Bizye que se dirige à igreja a pé, duas vezes por
dia, sejam quais forem as condições meteorológicas e ainda que tenha de atravessar
uma torrente para lá chegar. O biógrafo conta-nos, por outro lado, que Maria ficava a
rezar na parte mais escura da igreja e que, quando se transferiu para uma cidade maior,
rezava em casa, de modo a evitar a multidão nos locais de culto público. No interior
do edifício eclesiástico as mulheres ficavam separadas dos homens: segundo as dimen-
sões da igreja e a sua estrutura interna, podiam ser relegadas para uma galeria sobran-
ceira ou para uma nave lateral. No começo do século XIV, o patriarca Atanásio I suge-
riu uma justificação lógica para esta segregação entre os sexos: foi quando criticou as
mulheres nobres que vinham a Santa Sofia, não por espírito religioso, mas para mos-
trarem como estavam elegantes, cobertas de jóias, pintadas. Mais tarde, sempre no
século XIV, um peregrino russa escreveu que, em Santa Sofia, as mulheres ficavam em
galerias por detrás de cortinas de seda transparentes, de modo a poderem observar o
serviço religioso sem serem vistas pelos homens presentes na congregação.
Uma das actividades preferidas das mulheres era a visita aos santuários onde iam
rezar pela saúde e a salvação das suas pessoas e das suas famílias ou pedir milagrosos
remédios contra doenças ou injustiças. Tomaide de Lesbos foi santa, apesar de ser
casada e ter filhos; lemos a seu respeito que costumava rezar em igrejas situadas em
vários locais de Constantinopla, chegando ao ponto de permanecer no santuário da
Virgem nas Blaquemas mesmo para as vigílias nocturnas. Durante os primeiros séculos
do Império, houve mulheres - sobretudo damas da famflia imperial ou da aristocracia
- que empreenderam a longa peregrinação à Terra Santa; depois das conquistas árabes
do século VII, porém, as mulheres só raramente se lançaram nesta perigosa aventura e
limitaram as suas viagens a santuários no interior da área sob controlo bizantino.

130
Excluídas na sua grande maioria da participação na vjda poHtica, m;uitas mulhe-
res deixaram-se arrastar apaixonadamente nas controvérsias religiosas ~a sua época.
Nos séculos Vlll e IX, por exemplo - isto é, quando os i~peradores adoptaram posi-
ções iconoclásticas, proibindo a veneração das imagens • as mulheres rstiveram na
primeira linha dos opositores. Eram ardentes devotas dos ícones, que veperavam nas
igrejas e tinham em casa como o mais precioso dos seu~ bens. Migu~ Psello des-
creve vivamente como a imperatriz Zoé era afeiçoada ao ;seu ícone de 1risto, embe-
lezado por metais preciosos. Zoé acreditava que o ícone er~ capaz de pre izer o futuro
e, nos momentos de angústia, apertava entre as mãos a s~rada imagem, falando-lhe
como se estivesse viva. Segundo lemos, precisamente no início do pefíodo icono-
clástico, enviou-se um soldado a destruir a imagem de c{isto que enci~a a porta da
Chalkê no Palácio de Constantinopla; mas um grupo de frfiras encabeçaao por Santa
Teodósia puxou a escada onde estava o soldado. Estas n!flheres foram Jas primeiras
mártires iconodulias, porquanto Leão III as condenou t?das à pena Cfpital. Outra
freira iconodulia- Santa Antusa.de Mantineia- foi subm<1tida a uma tor~ura que con-
sistia em espalhar-lhe sobre a pele as brasas ardentes dei ícones queimados. Muitas
mulheres da família imperial opuseram-se à política dos inaridos e dos 1pais e conti-
nuaram a venerar os ícones na privacidade dos seus ap~sentos. Mais finda: foram
duas imperatrizes que restauraram o culto das imagens dj:pois da mort~ dos respec-
tivos maridos: em 787, Irene convocou o Segundo Concílio de Niceia, que reabilitou
o ícone, embora por pouco tempo; em 843, Teodora, viúva de Teófil?, imperador
iconoclasta, encabeçou a restauração permanente do cul~o das imagens como dou-
trina oficial da Igreja ortodoxa. Na viragem do século Xlf.I, as mulhere~ tiveram um
papel proeminente na oposição a Miguel VIII pela sua p9lítica de reunipcação entre
a Igreja de Constantinopla e a de Roma; chegou-se ao t.onto de algumas das suas
parentes serem exiladas por terem condenado a União san ionada em L~on em 1274.

As mulheres estavam excluídas do clero, exceptuando se a ordem da~ diaconisas,


que sobreviveu até ao século XII. Originalmente, quando era habitual baptizar-se na
idade adulta, as diaconisas ministravam o baptismo às mulperes; a evolu~ão da ordem
implicou uma sua tra11sformação num grupo de mulherc1 que exercerap obras pie-
dosas, na qualidade de as-sistentes sociais ou enfermeiras ap domicílio. A~ laicas dedi-
cavam-se ao ensino religioso privado: transmitiam aos ftlhos a sua pr?pria fé reli-
giosa, ensinavam os Salmos, contavam as histórias do~ santos de oufros tempos.
Outras organizavam grupos de leitura e de estudo, como sabfmos pela Vid1 de Atanásia
de Egina, que ao domingo e nos dias de festas reunia a~ vizinhas e lif·lhes passa-
gens das Escrituras: «inculcando nelas o temor e o amor e Deus». Mui~o mais raros
são os casos como o de Santa Antusa de Mantineia (ens nava os monges no duplo
mosteiro que chefiava) ou de Irene, abadessa do moste ro constantinppolitano de
Chrysobalanton: Irene pregava a verdadeiras multidões de h mens e mulhe~es, incluindo
damas e raparigas de famflias eminentes, mesmo com ca gos no scnad~.
Havia uma activid.ade importante e socialmente admiti a que as mul~eres podiam
exercer fora de casa: as obras piedosas. As mulheres m is abastadas ~odiam ir ao
encontro dos necessitados de forma indirecta, por exemp com dádiva~ de fundos a
instituições que, depois, forneciam serviços sociais: orfa atos, casas de 1recuperação
e hospícios para pobres e velhos, hospitais e mosteiros.,utras preferiar1 um envol-

l ' 131
vimento mais pessoal, de modo a prestar socorro directo aos irmãos mais desafortu-
nados: entravam, pois, em contacto directo com os pobres e os doentes. Algumas
prestavam serviço voluntário nos hospitais, ajudando u dar de comer aos pacientes e
a lavá-los; havia quem visitasse as prisões e consolasse os reclusos; outras percor-
riam os caminhos, em busca de mendigos e fugitivos a quem pudessem dar roupa,
comida e dinheiro. Este espírito filantrópico, inspirado na piedade cristã, era consi-
derado como um modo muito respeitável de servir a Cristo. Nos séculos IX ex, houve
mulheres como Maria de Bizye e Tomaide de Lesbo, que chegaram a alcançar a san-
tidade pelo seu ,empenho na causa dos pobres.
As mulheres eram as figuras mais importantes quando nasciam as crianças: eram
mães, parteiras, amas. O seu papel era igualmente importante quando morria algum
membro da famílja. Antes de mais, ajudavam a preparar o corpo para o rito de sepul-
tura: lavavam-no, aspergiam-no de óleos perfumados e de especiarias, vestiam-no.
Depois, durante a vigília fúnebre, eram as mulheres que encabeçavam as lamenta-
ções: demonstravam a sua dor gemendo, arrancando o cabelo, lacerando o rosto com
as unhas, batendo no peito, rasgando a roupa. Não eram só as parentes do defunto
mas também carpideiras profissionais pagas que cantavam lengalengas fl1nebres, elo-
giavam as virtudes do «querido desaparecido» e choravam a sua morte. Continuavam
a gemer e lamentar-se enquanto o cadáver era transportado para o cemitério. Esta
prática inspirara as críticas dos Padres da Igreja, os quais estigmatizavam o facto de
as carpideiras, nos seus paroxismos de dor, se assemelharem a bacantes no frenesim
de um rito báquico, incitando a um comportamento que nada tinha de decoroso: des-
cobriam a cabeça e rasgavam a roupa, pondo o corpo à mostra ... A Igreja permite
que as procissões fúnebres se façam de modo mais digno e solene, facultando coros
de cantores provectos, homens 'e mulheres, que cantavam salmos e hinos fúnebres.
Os parentes do defunto, do sexo masculino ou feminino, visitavam o cemitério no
terceiro, nono e quadragésimo dia após o falecimento, levando oferendas para a sepul-
tura. Além disso, as mulheres comemoravam, assiduamente, a memória dos paren-
tes defuntos; preparavam os kollyba (mistura de bagos de trigo cozido e fruta seca),
e participavam nas funções comemorativas. aquando do aniversário da morte.

O papel cultural da mulher

À parte a produção de requintadas obras de tecelagem e bordado, a documenta-


ção relativa a mulheres envolvidas em actividades artísticas é muito falha. Encontra-
-se atestado o caso de uma mulher que dava lições de desenho na Síria (século VI!).
De igual modo, são muito poucas as mulheres acerca das quais sabemos que trans-
creveram manuscritos: uma delas, pelo menos, Irene, era filha de um calígrafo (Teodoro
Agiopetrita, que viveu na viragem do século Xll!). Teodora Raulena, neta de Miguel
VIII Paleólogo, copiou um manuscrito -de Hélio Aristides, conservado actualmente
no Vaticano.
As mulheres pertencentes às famfiias imperiais e aristocráticas desempenharam,
em todo o'caso, um importante papel na vida cultural de Bizâncio, sobretudo como
protectoras das artes. Não se limitaram a encomendar manuscritos de luxo e adornos
litúrgicos, mas fundaram igrejas e mosteiros, de que alguma coisa resta ainda..

132
No começo do século VI foi e inente protectora Anicia Juliana, filha de Olíbrio, impe-
rador do Ocidente por pouco tempo (em 472). Filha única, foi herdeira de grandes
riquezas e mandou erigir ou e belezar um certo número de igrejas em Constantinopla,
entre as quais Santa Eufémia en tois Olybriou e a grande basflica de São Polieuto,
recentemente escavada em I ambul. Anicia Juliana encomendou também a reali-
zação desse manuscrito de s mptuosas ilustrações que é chamado «Dioscóride de
Viena», um herbário que é hoj um dos tesouros da Õsten·eichische Nationalbibliothek.
Foram mulheres nobres e i peratrizes que fundaram muitos dos complexos monás-
ticos constantinopolitanos qu conhecemos quer porque se conservaram por acaso os
seus typika quer porque os e iffcios eclesiásticos sobreviveram. Alguns mosteiros
masculinos foram também fu dados por mulheres, mas era mais comum que estas
instituíssem mosteiros femini os, concebidos habitualmente como residência futura
para si ou para as suas filhas. ssim, no século XII, a imperatriz Irene Ducas, mulher
de Aleixo I Comneno, fundo o mosteiro de Kecharitômenê e estabeleceu um por-
menorizado regulamento a q e deviam observância as freiras que viessem a habitá-
-lo. Passemos ao período d s Paleólogos: o mosteiro de Lips foi restaurado por
Teodora Paleologina, viúva e Miguel VIII; conhecemo-lo quer graças ao typikon,
que se conservou, quer pela greja que Teodora mandou acrescentar do lado sul da
igreja preexistente; esta últi construção era concebida como mausoléu da família
dos Paleólogos (Fenari ·lsa C mi). Teodora Raulena restaurou o mosteiro de Santo
André em Krisei e construi um pequeno mosteiro em Aristine para alojar o pa-
triarca Gregório II de Chipre após a sua abdicação do patriarcado em 1289. Irene
Cumnaina, jovem viúva.do dé pota João Paleólogo, empregou grande parte da riqueza
que tinha herdado para funda o duplo mosteiro do Cristo Filantropo e tornar-se aba-
dessa. Outra magnífica igreja ue ainda hoje adorna Istambul, o parekklêsion da igreja
da Virgem Pammakaristos ( etiyeh Cami), foi erigida por Maria Marta, viúva de
Miguel Tarcaniota Glaba, co o mausoléu para o marido. Igualmente atípico foi o
mosteiro do «Arrependimen o», fundado por Teodora, mulher de Justiniano para
alojar antigas prostitutas.
Além do «Dioscóride de iena» podemos citar exemplos de manuscritos de luxo
encomendados por mulheres; recordemos o typikon do mosteiro da Virgem da Sólida
Esperança (século XIV), ir)lr uzido por uma série de retratos a corpo inteiro (typi-
kon do Lincoln College), alé do grupo dos dezasseis códigos atribuídos a scripto-
ria cuja padroeira era uma c ta «Paleologina» que devemos, talvez, identificar com
Teodora Raulena ou com T odora Paleologina, respectivamente neta e mulher de
Miguel VIII.
No campo da produção li erária, encontramos um pequeno número de mulheres
com uma profunda cultum, q e eram elas próprias escritoras, e outras que sustenta-
vam os literatos por via episto ar ou com directo sustento económico, ou ainda empres-
tando-lhes livros e admitind -os nos seus salões literários. Está fora de dúvida que
a obra mais importante da li eratura bizantina no feminino seja a Alexlada de Ana
Comnena, filha de Aleixo I omneno. Trata-se de uma obra histórica vasta e de teor
muito subjectivo; não apenas constitui a mais importante fonte para o período do rei-
nado de Aleixo e da Primeira Cruzada mas fornece informações pormenorizadas rela-
tivamente a três gerações de «mulheres imperiais» de grande pulso: Ana Dalassena,
mãe de Aleixo, Irene Ducas, sua mulher e a própria Ana. Houve também mulheres

133
que se aventuraram na poesia e na hinografia: o maior sucesso favoreceu a Cássia,
poetiza do século IX que não conseguiu obter a mão de Teófilo, herdeiro designado
do trono; entrou depois num convento. De igual modo encontram-se atestadas ape-
nas duas ou três autoras de obras de hagiografia: a abadessa Sérgia, que, no século Vll,
escreveu um breve relato da transladação das relfquias de Santa Olímpia, madre fun-
dadora do seu mosteiro; muitos séculos depois, a versátil Teodora Raulena, que
compôs uma longa Vida dos frades iconódulios Teodoro e Teófanes Grapti. Rica de
alusões clássicas que documentam o gosto literário da autora, a Vida foi interpretada
como alusão.,velada aos sofrimentos padecidos pelos irmãos de Teodora, que se
opuseram à política unionista de Miguel VIII relativamente à Igreja de Roma.
Um certo número de mulheres com interesses literários marcados tornaram-se
protectoras de escritores e filólogos. Parece que a sebastokratorissa Irene, mulher de
Andrónico Comneno e cunhada de Manuel I, teve um fraco especial pela poesia,
encorajando a obra dos poetas Teodoro Prodromo e «Manganeios Prodromos», além
de João Tzetze, autor de comentários a Homero e de glosas em verso à sua colecção
epistolar. Constantino Manasse, outro protegido de Irene, dedicou a sua história uni-
versal (em verso decapenlassilábico) à sua protectora, a quem chamou «filha adop-
tiva das letras». Irene Cumnaina possuía uma enorme biblioteca de obras tanto pro-
fanas como religiosas; dava e recebia emprestados livros ao seu pai espiritual;
encomendava cópias de manuscritos; manteve provavelmente uma espécie de salão
literário no seu mosteiro. Quanto a Teodora Raulena, foi uma biblióflla erudita que
chegou a possuir um importante manuscrito tucididiano; a sua cultura valeu-lhe os
louvores dos seus contemporâneos; manteve correspondência epistolar com Nicéforo
Cumno e com o patriarca Gregório II de Chipre.

Noviciado e vida monástica

Os mosteiros ofereciam às mulheres bizantinas várias possibilidades e formas de


assistência. As fontes descrevem muitas vezes o mosteiro como um porto de abrigo
seguro e tranquilo; tratava-se, efectivamente, de um lugar onde as mulheres tinham
as vantagens de uma existência calma e ordenada na companhia das suas irmãs; a
vida era diariamente orientada em função do serviço religioso e das orações pela sal-
vação da Humanidade. Para as jovens, os mosteiros constituíam a principal alterna-
tiva ao casamento; para as mulheres afligidas por problemas familiares, de doença
ou velhice, os mosteiros constituíam um refúgio: às pobres ofereciam alimento e ves-
tuário e, por vezes, mesmo cuidados médicos. Além disso, os mosteiros constituíam
uma instituição que permitia às mulheres atingir um certo nível de instrução e ter
posições de responsabilidade.
Analogamente ao que acontecia no Ocidente medieval, as jovens mulheres entra-
vam nos mosteiros bizantinos por muitas razões. Muito novas, atraídas pela vida reli-
giosa desde a infância, preferiam ser esposas de Cristo, esposo celeste, a contrair
matrimónio na terra. Muitos pais apoiavam esta decisão das filhas de renunciar ao
mundo; mas houve ·casos em que os pais combinaram o casamento contra os dese-
jos da filha e opuseram-se à sua decisão de tomar o hábito monástico. Podia também
suceder que a jovem abraçasse a vida religiosa mais por necessidade do que por voca-

134
ção; por exemplo, era considerada inapta para o casamen~. porque tinhf ficado mar-
cada pela varíola ou porque não era sã de espfrito. A maio~a dos regulamfntos monás-
ticos conservados declara que não eram necessários contri[utos financeirfs para entrar
num convento, mas o hábito exigia que a família da jov m fizesse umr sólida doa-
ção à comunidade monacal: podia tratar-se de uma quant a em dinheir9 ou dos bens
que depois. constituiriam o dote. Os votos monásticos e m tomados ao fim de um
período de noviciado que durava três anos. l : .
Era desaconselhável que as jovens entrassem no mosteiro antes dos de anos: con-
siderava-se que a sua presença poderia causar distúrbio no feio da comun~eade. Apesar
disso, foram por vezes admitidas raparigas muito joven~. Houve casof em que os
pais levaram as filhas para o convento em idade muito lfnra em sinaljde agradeci-
mento oferecido a Cristo ou à Virgem: isto acontecia sobfetudo se a fil~a havia sido
concebida ao fim de anos de esterilidade ou se sobreviver11 milagrosame te enquanto
irmãos e irmãs tinham morrido (é o caso da filha de TeodoGa de Tessalóni a). Também
as ór!as podiam ser criadas num mosteiro. Aprendiam a leqe escrever, a c~ntar durante
o ofício, a fazer trabalhos manuais. Uma vez atingida a maioridade, podiam decidir
se queriam ficar permanentemente na comunidade moná,stica e tomar rormalmente
os votos: o regulamento do mosteiro de Lips estabelecia ~ue as jovens çriadas pelas
freiras durante a infância e a juventude deviam esperar perfazer os dezasseis anos
até tomar o hábito religioso.
Muitas freiras, porém, haviam-no tomado mais tarde:~quando chegaivam à meia-
-idade ou eram já velhas. Era muito comum uma mulherjentrar no conyento depois
de enviuvar: no contexto monástico podia encontrar con~olação espirilual; compa-
nhia e apoio durante a velhice. Muitos documentos des~revem-nos as transacções
financeiras praticadas nestas ocasiões: a viúva ofereci~'ao mosteiro uma doação
elevadíssima, em dinheiro ou outros bens; em contrapar ida, era tonsutada, tinha a
certeza de que seria sustentada para o resto da vida, qu ndo morress' seria devi-
damente sepultada e anualmente comemorada no serviço teligioso. Em ~ertos casos,
a viúva não tomava o hábito monástico, mas vivia na clmunidade coro <<pensio-
nista» laica ou permanecia fora dos muros do convento, mas recebia cpmida regu-
larmente. Não eram só as viúvas que optavam pelo ábito religiosp em idade
avançada; não era raro que, uma vez adultos os filhos, m rido e mulhe~, de comum
acordo, pusessem fim à sua vida conjugal e se retiras em cada qual para o seu
mosteiro.
Podia haver muitos outros motivos para levar as mul~eres às portas1de um con-
vento. Mulheres infelizes ou batidas pelos maridos, mui eres que havirm tido que
fugir de invasões inimigas, mulheres com perturbações entais: para f?das elas o
mosteiro era um verdadeiro refúgio. Para outras, constitu a, antes de mqis, uma pri-
são ou um exfiio: pense-se nas consortes dos imperadores epostos, nas jplgadas cul-
padas de adultério, nas bruxas, nas heréticas condenadas elo sínodo aiomar votos
monásticos para expiar o seu precedente comportamento ecaminoso. .
A extracção social das freiras era, em princípio, médi e alta, mas n ·, s mosteiros
viviam e trabalhavam também mulheres das classes inferi res, na qualiJde quer de
criadas quer de mulheres de limpezas e outros serviços hu ildes. Apesar e as comu-
nidades monásticas serem fundadas segundo um ideal ig alitário, muit s mulheres
nobres que havia~!' abraçado a vida religiosa em idade vançada ach varn difícil

135
renunciar ao estilo de vida mais cómodo a que estavam habituadas, sendo-lhes, pois,
permitido viver em aposentos separados, manter o seu séquito, tomar as suas refei-
ções à parte.
Os membros do coro e funcionárias do mosteiro deviam saber ler e escrever. Eram
muitas vezes mulheres de grande instrução que encontravam no ambiente monástico
uma saída para os seus talentos. A madre superiora não se limitava a ser a guia espi-
ritual da comunidade, superintendia também, sendo por isso responsável, à manu-
tenção «física» do complexo monástico e ainda à administração e ao emprego dos
seus recursos financeiros; devia ser uma hábil mulher de negócios, capaz de unir à
vontade inflexÍvel e ao severo sentido da disciplina um espírito penetrado do mais
profundo afecto pelas freiras que lhe eram confiadas; além disso, não devia faltar-
-lhe a aguda percepção psicológica dos problemas que podiam surgir num grupo de
mulheres em tão estreito contacto recíproco.
Pelas suas exigências administrativas, os mosteiros necessitavam dos serviços de
um certo número de funcionárias. As dimensões do stafferam variáveis, dependendo
do número das freiras da instituição; tanto podiam ser uma dezena como mais de um
cento. Num convento pequeno, uma única freira podia cumular funções que, de outro
modo, estavam repartidas por duas ou mais pessoas. Uma das funcionárias mais
importantes devia ter predisposição para a música e conhecer bem as complicações
da liturgia: tratava-se da ekklêsiarchissa. A sua tarefa consistia na supervisão do san-
tuário eclesiástico e do serviço religioso, incluindo o facto de as coristas cantarem
apropriadamente o ofício. A sacristã (skeuophylakissa) era responsável pela conser-
vação dos sagrados objectos litúrgicos; a tesoureira (docheiaria) devia ocupar-se das
finanças e do abastecimento (alimentos para o refeitório, vestuário para as freiras).
À arquivista {chartopltylakissa) ·cabia conservar os arquivos do mosteiro, a começar
pelos documentos atinentes à concessão de privilégios imperiais, às doações e aqui-
sições de terras, às isenções fiscais. Este grupo de funcionárias devia ter excelentes
qualidades de organização, ser válido no registo, hábil na contabilidade. Entre as
outras funções exercidas pelas freiras são de assinalar as de guardiã e de hospita-
leira. Quanto ao oikonomos, o economista encarregado de administrar e supervisio-
nar as propriedades monásticas, era por vezes um laico que vivia fora da comuni-
dade. Nalguns mosteiros, o papel era desempenhado por uma freira madura e rica
em experiência prática. Entre as suas incumbências contava-se: sair do recinto monás-
tico, sempre que necessário, para visitar as propriedades mais distantes, controlar o
andamento das colheitas e os preparativos para a venda do produto da ceifa.
O mosteiro constituía, pois, um meio onde as mulheres podiam assumir maiores
responsabilidades para fazerem funcionar um organismo complexo. Persistiam, no
entanto, não poucas limitações à sua independência relativamente à autoridade dos
homens. As mulheres não podiam dizer missa como os sacerdotes; era, pois, neces-
sário que at1ufsse do exterior clero masculino para celebrar a liturgia. De igual modo,
devia ser do sexo masculino o confessor, como também o médico que visitava o mos-
teiro a intervalos regulares. Acontecia ainda, frequentemente, que o próprio mosteiro
fosse colocado sob a autoridade de um supervisor do sexo masculino, o ephoros; se
isso. lhe parecesse necessário, podia desautorizar a abadessa.
A rotina diária das freiras mudava de acordo com as suas tarefas específicas, mas
baseava-se no canto do ofício, na oração solitária, no estudo das Escrituras e no tra-

136
balho manual: fiar, tecer, b rdar, para não falar dos trabalhos domésticos. Algumas
freiras tratavam também d vinha e do pomar. Ao contrário do que acontecia nos
mosteiros masculinos, onde os frades se dedicavam, por vezes, a actividades de tipo
intelectual ou artístico (cali rafia, hinografia, composição musical, redacção de cró-
nicas e de Vidas de santos), os mosteiros femininos ofereciam poucas possibilidades
de expressão artística. Hou e freiras empenhadas em actividades tais como a cópia
de manuscritos, freiras hinó rafas e hagiógrafas, mas foram casos isolados.
Também noutros aspec os os mosteiros femininos diferiam dos masculinos.
Tendencialmente, eram mai~ pequenos; os subsídios de que gozavam eram inferio-
res e situavam-se mais na !idade do que no campo. As freiras prezavam muito o
requisito da estabilidade m nástica, ou seja, de permanecerem toda a vida no mos-
teiro onde tomavam os vot s. Ao contrário dos frades, que tendiam a andar cons-
tantemente de convento par convento ou a alternar um modo de vida cenobita com
a incómoda existência do e mita, as freiras mantinham-se quase sempre no mesmo
mosteiro até à morte. Vivia , também, quase exclusivamente em instituições ceno-
bitas; depois dos séculos IX X, as fontes deixam de mencionar mulheres dedicadas à
vida eremítica.
Acrescente-se que a mai ria das freiras respeitava escrupulosamente as regras da
clausura monástica, raramen e deixando o mosteiro. Houve, no entanto, alguns l)•pika,
sobretudo no último períod bizantino, que concediam algo à fragilidade humana,
permitindo às freiras visitar as suas famHias em determinadas ocasiões. As freiras
mais jovens que safam do c nvento deviam ir acompanhadas por freiras maduras e
com experiência; de igual m do, se as freiras recebiam visitantes do sexo masculino
à porta do mosteiro, devia tar presente também uma freira mais velha para vigiar
a visita. Sucedia ainda que s freiras com funções oficiais no mosteiro tivessem de
deixar o claustro por questõ s de ordem vária: apresentar petições ao sfnodo, teste-
munhar num processo, rece er rendas, visitar propriedades monásticas, acompanhar
a abadessa ao patriarca aqua do da tomada de posse. As freiras comuns podiam sair
para acompanhar o funeral d um parente, visitar um confessor espiritual ou um san-
tuário, praticar obras de cari ade.

Mulheres da família impe

Nas páginas precedentes apareceram, por vezes, imperatrizes e outras mulheres


pertencentes à família impe ial, sobretudo na qualidade de protectoras das artes ou
porque envolvidas em cont •ovérsias religiosas. Sob muitos aspectos, as vidas de
mulheres, mães, irmãs e filh s dos imperadores assemelhava'fn-se às de outras mulhe-
res: passavam a maior part do tempo nos seus aposentos privados; eram geral-
mente devotas e assíduas fre uentadoras da igreja; para muitas delas constitufa uma
prioridade a actividade filan: rópicajunto dos mais infortunados membros da socie-
dade; além disso, faziam dá ivas generosas para mandar construir, reslaurar ou em
todo o caso gerir os edifício eclesiásticos, os mosteiros, as instituições de caridade;
ou então financiavam a pro ução de manuscritos e outras obras de arte. E, con-
tudo, por riqueza, nascimen o, posição institucional, estas mulheres afastavam-se
da norma.

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O elemento que melhor caracteriza as imperatrizes - e, por vezes, as princesas -
bizantinas é que se tratava das únicas mulheres envolvidas, de alguma forma, na polí-
tica; tinham, por vezes, um papel essencial na perpetuação da dinastia; outras vezes
exerciam, de facto, a autoridade imperial, na qualidade de regentes ou com sobera-
nia para todos os efeitos; não era raro que influenciassem maridos, filhos ou irmãos.
Caso não houvesse herdeiros do trono do sexo masculino, as imperatrizes ou as prin-
cesas podiam transmitir o poder imperial por via matrimonial. Assim, Ariadne, filha
de Leão I, desposou em primeiras núpcias o comandante isáurico Zenão, que reinou
de 474 a 491; quando Zenão morreu sem deixar filhos, Ariadne desposou Anastásio (I),
que foi imperador de 491 a 518. De igual modo a princesa Zoé, filha de Constantino
VIII, prolongou a dinastia macedónica com a série dos seus casamentos com três
homens que foram feitos imperadores: Romano lil Argiro (1028-34), Miguel IV
Patlagónio (1034-41), Constantino IX Monomaco (1042-55); acrescente-se que adop-
tou Miguel V Calafato (1041-42). Imperatrizes que ficaram viúvas (por exemplo,
Irene,. durante o século VIII, e Teodora, durante o século IX) exerceram funções de
regência durante a menoridade dos seus filhos; quanto a Ana Dalassena, foi-lhe con-
fiada a regência por parte do filho maior Aleixo I Comneno, quando este deixou
Constantinopla para uma longa campanha militar. Houve casos em que a imperatriz
recusava afastar-se quando o filho atingia a maioridade, ou então a imperatriz não
queria tomar marido e detinha o poder sozinha, durante curtos períodos de tempo.
Foi assim que, ao cabo de uma regência de dez anos, Irene se mostrou relutante em
ceder as rédeas do comando ao seu filho Constantino VI; a luta pelo poder levou-a,
finalmente, a mandar prender e cegar o seu filho em 797. Irene reinou plenamente
durante os cinco anos seguintes, após o que foi destituída do trono. Em 1042, a impe-
ratriz Zoé, aviltada pelo tratamento recebido dos dois maridos- primeiro Miguel IV,
que a relegou para o gineceu, depois Miguel V, que a fechou num mosteiro -, rei-
nou durante poucos meses com a sua irmã Teodora, depois que uma rebelião popu-
lar derrubou Miguel V: Zoé foi depois persuadida a contrair um ulterior casamento,
desta vez com Constantino Monomaco. Após a morte, primeiro de Zoé, depois de
Constantino, Teodora - terceira filha de Constantino VIII - subiu ao trono em 1055
e reinou sozinha durante dezanove meses. Antes de morrer, transmitiu o poder impe-
rial desposando Miguel (VI) Estratiótico, que lhe sobreviveu apenas um ano. Chegou
assim à sua total extinção a dinastia macedónia, mas as irmãs Zoé e Teodora tinham
conseguido prolongar a sua vida cerca "de trinta anos: de 1028 a 1056.
Era legal que uma mulher pudesse sentar-se no trono, mas que reinasse sozinha
parecia coisa irregular e inoportuna. A posição de uma imperatriz reinante era ambí-
gua; Irene assinava os seus documentos na qualidade de «imperador dos Romanos»
e era elogiada pelo seu temperamento masculino; quanto à moedagem, reconhecia-
-lhe, no entanto, o título de «imperatriz». Miguel Psello criticou severamente Zoé e
Teodora pela sua incompetência, afirmando que «nenhuma tinha carácter apto para
o governo» e que o Império «necessitava do controlo de um homem». Psellos obser-
vou que, durante o reinado de Teodora, «não havia quem não concordasse com o
facto de não convir ao Império dos Romanos ver-se governado por uma mulher e
não por um homem». Outro historiador, Ducas, atacou a regência de Ana de Sabóia,
assimilando o Império confiado às mãos de uma mulher à «lançadeira de um tece-
lão que fia ao acaso e altera o fio das vestes purpúreas». Ducas usou a imagem do

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tecelão, porque quis recordar aos seus leitores que o ca~po próprio da,: mulheres é
o dos trabalhos manuais, não o dos assuntos imperiais. I
Apenas três mulheres se sentaram sozinhas no tronf imperial bizfntino; mais
numerosas foram as regentes, que ocupavam tendencialm nte o poder dfante perío-
dos mais longos. As regentes tiveram, por vezes, um pa el decisivo, i7fluenciando
o curso dos acontecimentos futuros. Não esqueçamos que tanto Irene capto Teodora,
no século IX, eram regentes por conta dos filhos menores, f.uando subver1eram a polí-
tica iconoclástica dos maridos defuntos, restaurando a v neração das ir,agens, que
era tradicional.
Outras imperatrizes tiveram uma influência indirecta mas, em todo o caso, sig-
nificativa sobre os acontecimentos, persuadindo os ma~idos ou impordo-se-lhes.
Procópio descreve vivamente um dramático episódio no ~alácio no temlo da revolta
dita «Nika» (532): Teodora convenceu Justiniano I a nao fugir, a nã abdicar do
trono, mas persistir e vergar a rebelião popular. Conseguiu, assim, man er o trono e
governar mais trinta e três anos. As imperatrizes viam-se também enj,rolvidas nas
negociações relativas ao casamento dos filhos; interessavam-se apaixonadamente pelas
questões religiosas, recomendavam as promoções ou sugeriam as des,ituições dos
cortesãos que lhes agradavam ou desagradavam e, por vezes, chegavam a acompa-
nhar os maridos em campanha militar.

À laia de conclusão j I
A atitude dos Bizantinos perante a mulher era ambiv lente. Influen~iados como
eram por duas imagens femininas estereotipadas - a Vi1gem Maria, qlle religiosa-
mente uniu virgindade e maternidade, e Eva, a tentadora sexual -, os Bizantinos
a
osciiavam entre reverência devida às mulheres enquarto mães e a prítica à sua
debilidade e falta de confiança. Isto pode explicar, em!parte, a grancJe variedade
das santas bizantinas, que ia desde as virgens consagrl·as às prostit4tas arrepen-
didas e às matronas caridosas. Embora os Bizantinos i ealizassem a r.irgindade e
a considerassem superior ao casamento, a família contin 1ava a ser a u~idade-chave
da sociedade. As mulheçes desempenhavam um papel i dispensável ra perpetua-
ção da linha familiar e para transmitir bens e proprieda s de geração em geração.
Eram particularmente importantes nos momentos crítico1da vida: à nasfença, como
mães, parteiras e amas; no casamento, como esposas; à-~ora da morte nas lamen-
tações fúnebres. ~
Dada a insistência nos temas da castidade para as j vens e da fid !idade para
as esposas, as mulheres tendiam a viver uma vida apar ada dentro da paredes de
casa. Neste âmbito doméstico, porém, a sua posição era bem determi~ada: as suas
tarefas consistiam em criar os filhos e tratar da casa. S , depois, as "lulheres dei-
xavam as suas famílias para fazerem-se freiras, passav m, de facto, fazer parte
doutra família: a «irmandade» espiritual do convento, ob a orientnç o da madre
superiora. Ao tomar os votos religiosos, uma mulher to nava-se espo. a de Cristo;
embora mantendo a sua virgindade, era num casamen o (espiritual) que embar-
cava. Assim, fosse em casa ou num convento, a mulh r estava sem re ligada a
uma família.

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