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Por uma esquerda capaz de disputar a subjetividade

– 8 DE FEVEREIRO DE 2017

Neoliberais acenam com empreendedorismo e competição. Direita propõe


restaurar projetos autoritários e xenófobos. Que nos cabe: exaltar, nostálgicos,
a imagem do trabalhador?

Por Tatiana Roque, no Le Monde Diplomatique | Imagem: Edvard


Munch, Trabalhadores na Neve (1913)

Meritocracia e empreendedorismo são as palavras da moda, com todo o léxico


que as acompanha: capacitação, coaching, diferenciação, profiling e por aí vai.
Ideias e valores derivados dos princípios da concorrência que estruturam o
projeto neoliberal. Sabemos que o neoliberalismo não se reduz a um sistema
econômico. Em escala pouco visível, atuam mecanismos para instalar a
concorrência em todas as relações sociais e, por isso, as subjetividades viraram
alvos do governo neoliberal. Governar não significa apenas deter o poder
político, significa organizar, facilitar e estimular a concorrência nos mais
diversos âmbitos da vida social, como resume Foucault¹ .
Todo esse projeto, que parecia viver seu auge nos anos 1990, está em crise.
Ainda assim, o tipo subjetivo que o sustenta – o empreendedor de si – permanece
surpreendentemente sedutor. Além de bastante difundido, trata-se de um tipo
subjetivo que facilita a adesão às formas de sociabilidade contemporâneas,
fundadas na concorrência e no sucesso individual. No momento de crise em que
estamos vivendo, a solução neoliberal para manter a hegemonia é tentar um
passo adiante, explorando as fragilidades do estado de bem-estar social e
buscando submeter todas as suas instituições à lógica da concorrência. Pierre
Dardot e Christian Laval² sugerem que essa ofensiva visa os instrumentos que
tornavam possível – até aqui – alguma sobrevida livre de concorrência, como os
serviços públicos e a aposentadoria. O sucesso da empreitada depende da
capacidade das formas de governo neoliberais para continuar convencendo a
população que o empreendedor de si é atraente, bem como são suportáveis as
relações sociais que o sustentam. Nessa dimensão se dará a disputa de corações e
mentes. Por não estar sendo capaz de enfrentar essa disputa no terreno das
subjetividades, a esquerda não tem conseguido adesão às suas propostas. Logo, a
tarefa mais urgente para um novo projeto de esquerda será propor modos de vida
alternativos à subjetividade empreendedora fundada na concorrência. Precisamos
calibrar as lentes, focar nas subjetividades e buscar figuras capazes de substituir o
self empreendedor, elemento-chave da racionalidade neoliberal.

Empreendedorismo é um modo de gestão social que mobiliza desde os


empresários propriamente ditos até o setor de serviços e a economia informal, ou
seja, enseja modos de vida que tocam a maior parte dos trabalhadores
atualmente. Quando Jessé de Souza traça os perfis do novo “batalhador
brasileiro”, inclui o batalhador do microcrédito, a empreendedora que vende
doces e quitutes, as redes informais, o feirante, a família ampliada e a igreja
neopentecostal³. Uma grande parcela dos antigos assalariados, moradores de
periferias, dedica-se hoje a um pequeno negócio, como lanchonete, corte e
costura, salão de cabeleireiro ou oficina mecânica. A maior parte dessa
população empreendedora atribui qualquer melhoria de vida ao esforço pessoal e
quem ainda não tem seu próprio negócio, gostaria de ter4. Das grandes
corporações às igrejas neopentecostais, é a subjetivação empreendedora que
mobiliza o engajamento. A ética da empresa – a partir da qual as pessoas se
autogovernam no neoliberalismo – não envolve somente a competição, mas
também exalta a autoestima, o pensamento positivo, a luta pelo sucesso, as
habilidades pessoais, o vigor e a polivalência. Por isso, engloba todas as esferas
da vida, desde o casamento, os filhos e os amigos até a família ampliada das
igrejas – todos participam do networking necessário ao sucesso dos negócios.
Mas nem tudo são flores. A conta não tarda a chegar, pois o self empreendedor
sobrecarrega o indivíduo, que deve ser o único responsável por todos os riscos,
tendo que assumir sozinho a culpa quando não consegue garantir o básico para si
e seus próximos. O endividamento crescente só aumenta a culpabilização,
gerando uma insatisfação cada vez maior com os dispositivos de subjetivação
neoliberal. Os ideais de emancipação, mobilidade e liberdade, prometidos nos
anos 1990, foram desmascarados pela multiplicação de sujeitos endividados; e a
subjetivação neoliberal deu lugar à Fábrica do Homem Endividado 5.

Diante da falência de perspectivas, qual a alternativa proposta pela esquerda? A


direita estilo-Trump acena com a restauração dos projetos nacionais autoritários,
cujos modos de subjetivação – centrados no macho-adulto-branco – são velhos
conhecidos. Enquanto isso, na esquerda, aprofunda-se a dicotomia entre as lutas
identitárias e classistas. A única figura subjetiva invocada sem hesitação nos
projetos de esquerda é a do trabalhador. Mas essa figura está em crise, devido às
transformações profundas do mundo do trabalho. O crescimento do setor de
serviços faz com que a figura do trabalhador se aproxime do empreendedor.
Além disso, o pacto do bem-estar social, que sustentava o mundo do trabalho,
está se dissolvendo em escala mundial. Seus termos fundadores dependiam da
separação entre as esferas da produção e da reprodução da força de trabalho: era
preciso garantir condições mínimas de existência ao trabalhador para que fosse
possível extrair valor de sua produção na fábrica. Como manter um pacto desse
tipo diante das configurações atuais do mundo do trabalho? Trabalho que vem
sendo expandido para diferentes âmbitos da existência, com um papel cada vez
mais preponderante de todas as esferas da vida nas relações de trabalho, como
mostram o setor de serviços e a economia do conhecimento. Em todos esses
casos, para continuarem produtivas, as pessoas precisam realizar um
investimento contínuo sobre si mesmas, precisam empreender-se. Só que esse
esforço já não traz o retorno necessário, levando à descrença e à depressão. Num
ambiente social degradado, são os valores reacionários que têm conseguido
suplantar a fragilização institucional generalizada. São justamente as mudanças
no mundo do trabalho que explicam o crescimento das religiões neopentecostais;
a cegueira das esquerdas para compreender o avanço dessas religiões só confirma
sua dificuldade em recolocar o problema do trabalho no mundo atual.

Insistir na figura do trabalhador não fornecerá o elã subjetivo necessário para que
novas pessoas possam aderir aos projetos da esquerda. Por isso, mesmo com
todos os riscos que implica, a figura do empreendedor segue tendo mais apelo,
mesmo nas classes populares. Que modos de vida, que suplantem a promessa
desgastada de um trabalho assalariado na fábrica, conseguirão mobilizar corações
e mentes? Que perspectivas de emancipação serão capazes de nos tirar do
impasse atual? Sem enfrentar essa disputa no terreno das subjetividades, a
esquerda continuará perdendo, mesmo reiterando a denúncia da dissolução dos
ideais de universalidade, igualdade e justiça. Calibrar as lentes e enxergar o
problema na escala das subjetividades é um passo incontornável para qualquer
projeto

Tatiana Roque é professora de filosofia na UFRJ

1 Nascimento da Biopolítica. Martins Fontes, 2008. Aulas de 14, 21 e 28 de


março de 1979.

2 A Nova Razão do Mundo. Boitempo, 2016.

3 Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe


trabalhadora? Editora UFMG, 2010.

4 Indicam pesquisas, como a citada em:

https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/11/01/Como-a-
substitui%C3%A7%C3%A3o-do-%E2%80%98trabalhador%E2%80%99-pelo-
%E2%80%98empreendedor%E2%80%99-afeta-a-esquerda

5 Título de um livro de Maurizio Lazzarato disponível em francês: La fabrique


de l’homme endetté: Essai sur la condition néolibérale. Éditions Amsterdam,
2011.
Žižek vê Europa perdida entre dois falsos opostos
– 27 DE JUNHO DE 2016

De um lado, a rendição ao capitalismo global; de outro, a sujeição a um


populismo anti-imigração. Que tipo de política poderá superar esse impasse?

Por Slavoj Žižek, no Blog da Boitempo | Tradução: Artur Renzo

Quando perguntaram ao camarada Stalin no final dos anos 1920 o que ele achava
pior, a direita ou a esquerda, ele imediatamente rebateu: “Os dois são piores!” E
essa é minha primeira reação ao Brexit. A Europa está presa agora em um
círculo vicioso, oscilando entre dois falsos opostos: de um lado, a rendição ao
capitalismo global, e de outro, a sujeição a um populismo anti-imigração. É
preciso colocar a pergunta: qual é o tipo de política capaz de nos tirar desse
impasse?

O capitalismo global tem se caracterizado cada vez mais por acordos comerciais
negociados a portas fechadas como o TISA ou o TTIP (Parceria Transatlântica de
Comércio e Investimento). Discuti a dimensão e o significado do TISA aqui, e
também não há dúvida sobre o impacto social do TTIP: ele representa nada
menos do que um ataque brutal à democracia. Talvez o exemplo mais explícito
seja o caso dos ISDSs (Mecanismos de Resolução de Litígios entre Investidores e
o Estado), que basicamente permitem que empresas processem governos se suas
políticas ferirem sua margem de lucro. Para resumir, isso significa que
corporações transnacionais (que não foram eleitas) podem simplesmente ditar as
políticas de governos democraticamente eleitos.

Então como avaliar o Brexit nesse contexto? É preciso entender em primeiro


lugar que de uma certa perspectiva de esquerda há até justificativas para ter
apoiado o referendo: afinal, um forte Estado-nação, livre do controle dos
tecnocratas de Bruxelas pode estar numa situação melhor para proteger o Estado
de bem-estar social e reverter políticas de austeridade. No entanto, o que é
perturbador é o pano de fundo ideológico e político dessa posição. Da Grécia à
França, uma nova tendência está surgindo a partir do que sobrou da “esquerda
radical”: a redescoberta do nacionalismo. De uma hora para outra, deixou-se de
falar em universalismo – ideia que passou a ser descartada como uma simples
contraparte política e cultural (“superestrutural”, se quiser) do capital global
“desenraizado”.

A razão que explica esse movimento dessa esquerda parece evidente: o fenômeno
da ascensão do populismo nacionalista de direita na Europa Ocidental. Por
incrível que pareça, é o populismo nacionalista de direita que aparece agora
como a mais expressiva força política a reivindicar a proteção dos interesses da
classe trabalhadora, e ao mesmo tempo, a mais forte força política capaz de
mobilizar verdadeiras paixões políticas. Então, a lógica é a seguinte: por que a
esquerda deve deixar esse campo de paixões nacionalistas à direita radical? Por
que ela não poderia disputar com o Front National de Le Pen a reivindicação da
“pátria amada” [la patrie]?

Nessa vertente de populismo de esquerda, a lógica do “Nós” contra “Eles”


permanece, mas aqui o “Eles” não aparece na forma de pobres refugiados ou
imigrantes, mas na figura do capital financeiro e da burocracia tecnocrática do
estado. Esse populismo também vai além do velho anticapitalismo da classe
trabalhadora; ele visa reunir uma multiplicidade de lutas, da ecologia ao
feminismo, do direito ao emprego à saúde e à educação gratuitas.

A tragédia recorrente da esquerda contemporânea é a velha história do líder ou


partido que é eleito com entusiasmo universal junto à promessa de um “novo
mundo” (o caso de Mandela e de Lula são emblemáticos aqui), mas que uma
hora ou outra (geralmente depois de alguns dois anos), se vê diante do dilema
fundamental: será que me atrevo a mexer com os mecanismos capitalistas, ou
opto por “jogar de acordo com as regras do jogo”? E, claro, quando ousa-se
perturbar os mecanismos do capital, logo vem o rebote das perturbações do
mercado, o caos econômico e por aí vai… Então como pensar uma verdadeira
radicalização passado o primeiro estágio de promessa e entusiasmo?

Estou convicto de que nossa única esperança é agir em nível transnacional – só


assim teremos a chance de fazer frente ao capitalismo global. O Estado-nação
não é o verdadeiro instrumento para confrontar a crise dos refugiados, o
aquecimento global e outras questões urgentes que se colocam. Então ao invés de
se opor aos eurocratas em nome de interesses nacionais, por que não começar
tentando formar uma esquerda europeia? Não vamos competir com os populistas
de direita. Não vamos permitir que eles definam os termos da luta. O
nacionalismo socialista não é a forma certa de combater o nacional socialismo.

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