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Por que, hein?

Se você não quiser ser compreendido, fale sempre através de parábolas. As pessoas, em
geral, adoram não compreender. Isso não quer dizer que vão ler teu livro se ele for
incompreensível. Mas hão de comprá-lo. É bonito ter em casa alguma coisa que não se
compreenda. Experimente. Dê uma de Deleuze, Guattari e Michaux. Mande fazer a tal mesa
esquizofrênica. Uma mesa onde ninguém possa escrever nem colocar coisa alguma sobre ela,
feita de tal jeito que tudo escorregue ou se quebre. Pode ter certeza que todos vão adorar! Você
entendeu, por acaso, por que Cristo secou aquela pobre figueira sem figos?

Na verdade era inverno e a coitadinha não podia dar figos ainda que quisesse. Ah!, mas
é tão bonito não compreender! Aparecem mil e uma interpretações desse único ato. Mil e uma
interpretações frutuosas e frutíferas... E a vida pode ser um tédio de tão nojosa. Você entende,
por exemplo, por que crianças e adolescentes adoram filmes de terror e de violência? Sangue,
vampiros, estacas, garras, matanças, putrefação, uivos... E você sorri e diz que é assim mesmo
com teu filhinho criança ou adolescente... que é brincadeirinha, que é natural nessa fase da vida
gostar de sentir medo... E depois os psicólogos dizem que etc. etc. Ah, é? Por isso é que os de
antes adolescentes (agora adultos) andam comendo literalmente tanta gente! Aquela russa que
um dia desses comeu o coração (achou saboroso) e o fígado (achou amargo) do marido, viu
filme de terror da revolução (quando criança ou adolescente) e deve ter achado “um barato”,
“legal” mãe. E aquele americano que comeu as partes pudendas (como diria o abade) de tantos
rapazitos, desde criancinha que ele vê a América e mora ali. O que eu escrevo nestas crônicas
lhes parece incompreensível e nojento? Os buracos negros também são incompreensíveis e
nojentos, pois engolem tudo (a consciência talvez não, segundo Hawking, e isso me parece
obsceno de tão nojento!) e todo mundo agora fala deles. Essa modesta articulista que sou eu,
escreveu textos e poemas belíssimos e compreensíveis, e tão pouco leram ou compraram meus
livros... Mas agora com essas crônicas... que diferença! Como telefonam indignados para o por
isso eufórico editor deste caderno, dizendo que sou nojenta! Obrigada, leitor; por me fazer sentir
mais viva e ainda por cima nojenta! Isso é tão mais, tão mais do que nada! Como disse
Schucking: “Os artistas são sensíveis e vivem, como os deuses, do incenso. Sem incenso não
há deuses. A estima dá asas a seus talentos”. Permitam-me terminar com uma parábola-
pergunta: por que os dentes caem quando estamos velhos, mas ainda vivos, e permanecem
eternos nas nossas límpidas e luzidias caveiras?

(segunda-feira, 21 de dezembro de 1992)


CRONISTA: FILHO DE CRONOS COM ISHTAR

Uma das coisas que eu mais admiro em alguém é o humor. Nada a ver com a boçalidade.
Alguns me pedem crônicas sérias. Gente... o que eu fui de séria nos meus textos nestes quarenta
e três anos de escritora! Tão séria que o meu querido amigo, jornalista e crítico, José Castello,
escreveu que eu provoco a fuga insana, isto é, o cara começa a me ler e sai correndo pro funil
do infinito. Tão séria que provoco o pânico... Já pensaram, a cada segunda – feira, os leitores
atirando o jornal pelos ares e ensandecendo? Já pensaram o que é isso, meu chapa, nós vamos
todos morrer e apodrecer (ainda bem que não é apodrecer e depois morrer, o lá de cima foi
bonzinho nesse pedaço), tu não é ninguém, meu chapa, tudo é transitório, a casa que cê pensa
que é sua vai ser logo mais de alguém, tu é hóspede do tempo, negão, já pensou como vai ser
o não-ser? Tá chateado por quÊ? Tu também vai envelhecer; ficar gling-glang e morrer... (há
belas exceções, como Bertrand Russel fazendo comício aos noventa, mas tu não é o Bertrand
Russel). Até o Sartre, gente, inteligentíssimo, ficou na velhice se mijando nas alças e fazendo
papelão... Se todo mundo pensasse seriamente no absurdo que é tudo isso de ser feito de carne,
mas também olhar as estrelas, de ter um rosto, mas também ter aquele buraco fétido, se todo
mundo tivesse o hábito de pensar, haveria mais piedade, mais solidariedade, mais compaixão e
amor.

Mas quem é que vocês conhecem que pensa? As mães que nos colocaram no planeta
pensaram? Na hora de revirá os óinho ninguém pensa. Só seria justificável parir se o teu
pimpolho fosse imortal e vivesse à mão direita Daquele. Mas o teu pimpolho também vai morrer
e apodrecer não sem antes passar por todos os horrores do planeta. Tá jogando fora o jornal,
benzinho? Então vamos brincar de inventar uma nova semântica:

Semântica - Antologia do sêmen

Solipsismo – Psiquismo solitário

Hipérbole – Bola grande

Xenofobia – Fobia de Xenos

Ligadura – Liga das Senhoras Católicas

Ânulo - Filete colocado por sob o bocel da cornija do capitel dórico

Bocel – Corruptel de boçal

Ânus – Pronúncia errada de anus (aves da família dos cuculídeos)

Ku – Lua em finlandês

Cou (Pronuncia-se cu) – Pescoço em francês

Hipocampo – Campo de hipismo

Proclamas – Alvoroço de amas

Misantropia – Entropia do Méson Mi

Democracia – Poder do demo

Paradoxo – Oxiúros em estado de repouso (parado)

República – Ré muito manjada

Bom dia, leitor! Tá contente?

Contente – Filho do ente do Heidegger (informe-se) com Cohn-Bendit (informe-se)


A ALMA DE VOLTA

Às vezes, me perguntam o porquê de eu ter optado pelo riso depois de ter escrito as minhas
ficções, meu teatro, minha poesia, com grandes e constantes pinceladas de austeridade. Optei
pela minha própria salvação. E disse-o num poema:

...porque mora na morte

Aquele que procura Deus na austeridade.

Vários articulistas têm escrito, a sério, nos mais importantes jornais, a respeito da fome
hedionda de grande parte da humanidade e da fartura resplandecente do restante. Os outros
temas são o neonazismo, a violência, a crueldade. Pois bem, meus amigos, eu, a sério, sou
bastante pessimista. Não creio que haja salvação para o homem. O “Homo maniacus”. Quando
penso que o conceito de muitos é o de “Homo sapiens”, começo a sorrir. Quando leio o que
doutores, economistas políticos, professores escrevem com alguma esperança, tenho
delicadas expansões de riso. Sim. Delicadas, porque sempre para delicatesse j’ai perdu ma vie.
Meu Deus. O homem! “O verme no cerne”, como disse um prodigioso. Claro que há notáveis
exceções. Mas alguém também notável disse: se repetires três vezes alguma coisa notável a
um tolo, corres o risco de te tornares um deles. Alguns homens geniais sugeriram que o
problema do homem é o de encontrar alguma substância química que o imunize da barbárie. E
digo simplesmente que é preciso devolver a alma ao homem. Digo-o novamente, leitores:

Que te devolvam a alma

Homem do nosso tempo.

Pede isso a Deus

Ou às coisas em que acreditas

À terra, às aguas, à noite

Desmedida.

Uiva se quiseres

Ao teu próprio ventre

Se é ele quem comanda

A tua vida, não importa.

Pede à mulher
Àquela que foi noiva

À que se fez amiga,

Abre a tua boca, ulula

Pede à chuva

Ruge

Como se tivesses no peito

Uma enorme ferida.

Escancara a tua boca

Regouga: A ALMA. A ALMA DE VOLTA.

Vocês me preferem terna, lúcida, sensível, austera, ou naquele desopilante escracho de antes,
tornando alegre o teu às vezes desesperado café-da-manhã?

(segunda-feira, 28 de dezembro de 1992)

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