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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA (PPGE/UFF)

DISCIPLINA: História do Pensamento Econômico 2017.1


ALUNO: Edson Mendonça da Silva
PROFESSOR: Emmanoel O. Boff

A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO ORTODOXO NA CIÊNCIA ECONÔMICA:


UMA ANÁLISE DA LEITURA DE STIGLER SOBRE O MARGINALISMO E A
FORMAÇÃO DA TEORIA NEOCLÁSSICA

O objeto do projeto inicial deste artigo consistia em avaliar criticamente a tese de


Colander sobre a “morte” da economia neoclássica, ou mais precisamente, o fim do uso
da terminologia. E como objetivo, o projeto pretendia não apenas realizar uma crítica a
proposição de Colander, mas também destacar o caráter instrumentalista da economia
neoclássica. Um dos aspectos a serem trabalhados no projeto era a caracterização desta
corrente teórica. Entretanto, o projeto inicial foi abandonado abruptamente devido aos
problemas referentes a este último aspecto, precisamente porque – como indicado pelo
professor – a questão sobre a formação do neoclassicismo envolvia uma série questões
teóricas e históricas que eu não tive tempo hábil para lidar de maneira adequada. A
apropriação ex-post de muitas proposições do marginalismo de Jevons, Menger e
Walras, mas também – em um segundo momento – de Marshall, exigia um tratamento
mais refinado da extensa bibliografia do tema, que até certo ponto não é explicita sobre
este ponto. De forma mais precisa: seria necessário confrontar teoricamente toda um
amplo conjunto de autores entre as décadas de 1870 e 1930 com os principais aspectos
da denominada teoria neoclássica do pós-guerra. Um projeto bastante ambicioso, mas
com recursos teóricos por parte do autor e tempo de conclusão limitados. O autor deste
trabalho reconhece que subestimou o desafio, conforme já alertado pelo professor.
Assim, como proposta de solução optou-se por seguir uma sugestão encontrada em
alguns trabalhos selecionados: uma análise da leitura Stigler sobre a herança
marginalista para a economia neoclássica, de tal forma que possamos observar ou não
a maneira particular que o neoclassicismo se apropriou das teses marginalistas.

Edson Mendonça da Silva, 28 de julho de 2017

1
Introdução

No início da década 2000, o presidente da History of Economics Society (HES) à época,


o economista David Colander defendeu a morte do termo “economia neoclássica”. Na
sua opinião, o uso do termo neoclássico para descrever a economia que é praticada hoje
não é útil mais, e que a moderna ciência econômica é mais eclética com preocupações
diversas da escola neoclássica, independentemente do uso que se faz desse termo
atualmente1.

Para Colander (2000), a moderna ciência econômica guarda nenhuma semelhança com a
tradição neoclássica ou ortodoxa, pois não reside nela nenhuma aceitação da alocação de
recursos em um dado período, da noção de utilitarismo e soluções através de cálculo
marginal, da racionalidade no sentido forte, da aceitação do individualismo do
metodológico e nem de uma estrutura teórica baseada em um ponto de equilíbrio geral2.
Na verdade, ela possui como marca central a modelagem matemática, ou mais
especificamente, “o que define a economia moderna é o seu método, e a economia
moderna é a economia do modelo”, como destaca Colander (2000). A ciência econômica
contemporânea estaria associada mais a uma proliferação de modelos matemáticos para
a resolução de problemas específicos – uma ciência orientada fortemente a aplicação de
modelos – do que a uma hegemonia da corrente neoclássica e de seu conteúdo teórico
construído ao longo da história. Na opinião de Colander (2000) e Colander et al (2004),
o atual mainstream acadêmico da economia, denominada por ele como a “economia do
novo milênio”, possuiria um dinamismo maior do que em geral se imagina, com a
participação de novas e diversas ideias, algumas de origem heterodoxa, e ela não
representaria uma revolução na ciência econômica, mas sim uma evolução da economia
moderna. Em acordo relativo com Colander, Davis (2007) destaca ascensão de
“imperialismo reverso” na economia, ou seja, a influência de outras ciências como a
biologia e a psicologia sobre a economia, têm produzido abordagens (economia
evolucionária, comportamental, experimental etc.) que podem iniciar uma renovação na

1
O maior problema com o termo, segundo Colander (2000), está associado ao uso da terminologia por
economistas heterodoxos, profissionais não-especialistas e historiadores do pensamento econômico ao
contrastar a economia heterodoxa com a economia mainstream, associando esta última exclusivamente a
economia neoclássica.
2
Segundo o autor, a teoria neoclássica estaria associada (1) a alocação de recursos num dado período; (2)
o uso de alguma variante do utilitarismo; (3) a noção de soluções marginais; (4) a adoção de uma
racionalidade calculista; (5) a aceitação do individualismo metodológico; e (6) e estruturada em torno do
equilíbrio geral.

2
ortodoxia econômica, desafiando o neoclassicismo e criando um novo mainstream, mais
plural.

Em geral, o termo economia “neoclássica” refere-se a um conjunto de enunciados teóricos


que teria origem com a assim-chamada “revolução marginalista” – com os trabalhos de
Jevons, Walras e Menger na década de 1870 e a ascensão da filosofia utilitarista – e
atingiria a hegemonia na ciência econômica no pós-II Guerra Mundial nos E.U.A. O
termo “neoclássico” foi cunhado por Veblen com objetivo de caracterizar uma escola de
pensamento centrada no marginalismo, incluído também Marshall, e que possuiria uma
continuidade filosófica com a tradição clássica de Smith e Ricardo. Desde então, o
“neoclassicismo” tornou-se hegemônico, de tal maneira que as suas proposições teóricas
sobre o funcionamento e a natureza da economia capitalista e a sua pretensão de tornar a
economia uma ciência positiva confundem-se com a própria noção de teoria e ciência
econômica3.

Assim, o trabalho tem como objeto principal a análise do conceito de economia


“neoclássica”, em especial na leitura particular do economista George J. Stigler em
Production and Distribution Theories: the formative period (1941). Como principal
arquiteto da “escola de Chicago” no pós-guerra, Stigler possui uma importante
contribuição para a formação da teoria neoclássica ao reivindicar diretamente a herança
marginalista, e assim promover uma unificação de diversa teorias em um arcabouço único
e coerente, um pioneirismo destaca por diversos estudiosos, como Aspromourgos (1986),
Colander (2000), Emmett (2010) e Groenewegen (2003).

Com o objetivo de analisar e avaliar a visão de Stigler sobre o marginalismo, além desta
introdução, o trabalho apresentará mais duas seções e uma conclusão. Na seção seguinte,
o trabalho se concentrará nas definições do termo economia neoclássica ao longo do
tempo, desde Veblen até o uso atual nos livros-textos de história do pensamento
econômico. Na terceira seção, pretende-se expor a leitura de Stigler das principais
contribuições do marginalismo para o desenvolvimento da moderna teoria da produção e
da distribuição a época, uma teoria geral da produtividade marginal, destacando a
transformação da teoria econômica de “uma arte, em muitos aspectos literatura, para um
maior rigor científico”. Nas considerações finais, o trabalho pretende problematizar a

3
Sem destacarem enfaticamente a discussão sobre a morte ou não da teoria neoclássica, mas ainda sim
problematizando o seu conteúdo e a sua metodologia, destacamos o recente debate em torno do artigo de
Tony Lawson sobre a caracterização da economia neoclássica em Morgan (2015).

3
contribuição de Stigler para o desenvolvimento posterior da teoria neoclássica e o seu
caráter científico.

2. O que é a economia neoclássica? Continuidade e ruptura

A origem do termo “neoclássico” na ciência econômica está no trabalho de Veblen, mais


precisamente na terceira parte de The Preconceptions of Economic Science (1900). Neste
trabalho, o autor defende que a ciência econômica desde os clássicos até aquele momento
deve ser interpretada como uma ciência “taxonômica”, que pressupõe a normalidade do
desenvolvimento dos eventos a serem analisados, uma ciência “hipotética”, em oposição
a uma orientação histórica e evolutiva dos mesmos a qual ele defende (Veblen, 1900; p.
225). Analisando o recente desenvolvimento da economia a época, incluindo as escolas
históricas e marxistas, Veblen sugere uma continuidade entre os clássicos e as
“concepções clássicas modernizadas”, “estranhamente próxima da fonte clássica”, e nesta
passagem busca com cautela especificar o termo “neoclássico”, não o distinguindo da
escola austríaca e incluindo Marshall:

“With respect to writers the present or the more recent past the work selection,
as between variants of scientific aim and between more or less divergent points
of not yet taken place; and it would be over-hazardous attempt an anticipation of
the results of the selection lies in great part yet in the future. As regards directions
of theoretical work suggested by the Professor Marshall, Mr. Cannan, Professor
Clark, Mr. Pierson, Professor Loria, Professor Schmoller, the Austrian group, -
no off-hand decision is admissible as between these candidates for the honor, or,
better, for the work, of continuing the main current of economic speculation and
inquiry. No attempt will here be made even to pass a verdict on the relative
claims of the recognized two or three main ‘schools’ of theory, beyond the
somewhat obvious finding that, for the purpose in hand, the so-called Austrian
school is scarcely distinguishable from the neo-classical, unless it be in the
different distribution of emphasis. (…) While Professor Marshall excellently
exemplifies the best work that is being done under the guidance the classical
antecedents” (VEBLEN, 1900; p. 261).

Posteriormente, o analisar a contribuição teórica de J. B. Clark para a ciência econômica,


Veblen defende a tese de uma suposta continuidade filosófica entre os clássicos e as

4
recentes “concepções clássicas modernizadas”, e daí justificar-se o prefixo “neo”, apesar
da tentativa da “doutrina da utilidade marginal”, em especial da escola austríaca, em
contrapor-se aos clássicos:

“In this respect his work is as true to the canons of the classical school as the
best work of the theoreticians of the Austrian observance. There is the like
unhesitating appeal to the calculus of pleasure and pain as the indefeasible
ground of action and solvent of perplexities, and there is the like readiness to
reduce all phenomena to terms of a ‘normal’, or ‘natural’, scheme of life
constructed on the basis of this he donistic calculus. (…) The classical school,
including Mr. Clark and his con temporary associates in the science, is hedonistic
and utilitarian, hedonistic in its theory and utilitarian in its pragmatic ideals and
endeavors.” (VEBLEN, 1919; p. 182-191)

Segundo Aspromourgos (1986), o termo cunhado por Veblen, associado a “uma versão
marshalliana do marginalismo” e como uma continuidade da tradição clássica foi aos
poucos sendo aceita como se observa nos trabalhos de Homan, J. A. Hobson e Dobb na
década de 1920. O termo é empregado também por Hicks e Keynes na década seguinte,
mas com diferentes sentidos. Para Hicks o “método individualista” de Hayek 4 seria um
dos “maiores ativos da economia neoclássica”, ainda que o último não tenha feito
nenhuma referência ao termo, e anos mais tarde, o autor destaca que seria preferível
utilizar o termo “pós-clássicos”, pois o prefixo “neo” representaria uma reintrodução de
“alguma mensagem do passado que teria sido omitida”, o que não valeria para os
diferentes posicionamentos de Jevons e Marshall diante da tradição clássica5 (HICKS,
1932; p. 84: 1983; p. 11). Em Keynes não encontramos uma definição, mas encontramos
uma particular forma de caracterizar a tradição a qual pretende-se opor na Teoria Geral
(1939). Para ele, a economia “clássica” englobaria os “seguidores de Ricardo, ou seja, os
que adotaram e aperfeiçoaram sua teoria, compreendendo (por exemplo) J. S. Mill,
Marshall e o Prof. Pigou”, de tal forma que haveria alguma justaposição entre a tradição
ricardiana de Mill e os desenvolvimentos do pós-marginalismo, com Marshall e Pigou.
Ainda na Teoria Geral, Keynes vincula a economia neoclássica a discussão sobre a

4
A referência a Hayek é na obra Price and Production (1931).
5
Em Valor e Capital de 1939, o autor associa o seu trabalho a tradição da escola de Lausanne (Walras e
Pareto) e também Wicksell

5
igualdade entre a poupança e o investimento, o que incluiria Hayek, Hawtrey, Robertson
e Ohlin, como destaca Aspromourgos (1986):

“Ao contrário da escola neoclássica, que julga possível a desigualdade entre a


poupança e o investimento, a escola clássica propriamente dita admitiu o
princípio de sua igualdade. Marshall, por exemplo, acreditava, com certeza,
embora não o tenha dito expressamente, que a poupança agregada e o
investimento agregado são necessariamente iguais” (KEYNES, 1985; p. x)

Antes do trabalho de Stigler, um importante livro-texto analisava o corpo teórico da


ciência econômica na virada para o século XX, recente a época, e problematizava as
semelhanças e as diferenças entre os clássicos e a nova abordagem. Sem utilizar o termo
consagrado posteriormente, Roll (1992)6 destaca que a economia moderna era um
resultado de uma revolução completa na economia, pois se de um lado a teoria clássica
ricardiana destacava a produção, a oferta e o custo, a “escola da utilidade marginal” ou
“pós-clássicos”, por outro lado, dava ênfase ao consumo, a demanda e a utilidade. Para o
autor, a mudança representou um aperfeiçoamento e uma sistematização do subjetivismo
encontrado nos sucessores de Ricardo, e que Jevons e os austríacos deram continuidade.
Na sua opinião, a “escola da utilidade marginal” teria tido uma primeira geração, com
Jevons, Menger e Walras – Grossen, como percursor – e uma segunda geração que refinou
a abordagem dividida em três grupos, os ingleses (Marshall), austríacos (Wieser e Böhm-
Bawerk) e laussanianos (Pareto), mas também uma “versão marginalista” nos E.U.A. com
Clark. Apesar das semelhanças com os clássicos, especialmente na busca por uma teoria
universalmente válida, Roll (1992) destaca diferenças, como a análise da troca, onde os
clássicos focaram na produção e nas relações sociais enquanto a nova teoria destacava o
processo psicológico e na conduta individual do consumo no mercado; e, a análise da
teoria do valor subjetiva independentemente da ordem social especifica, uma sociedade
como um aglomeração de indivíduos, em oposição a sociedade estratificada dos clássicos.
Além disso, o autor apresentara uma crítica a posição de Veblen frente a economia
“ortodoxa”, o que revela já à época o uso corriqueiro do termo “neoclássico”:

“Gran parte de la economia de Veblen, si no toda, consiste em la critica de lo


que es usual llamar em los Estados Unidos com el nombre um tanto improprio
de neoclassicismo. Realmente, no seria violentar mucho la verdard el decir que

6
Originalmente publicado em 1939.

6
las aportaciones de Veblen a la economia propriamente dícha consiste
unicamente en una critica del contenido y el método del marginalismo,
combinada com lo que pretendia ser uma condena de las supuestas premisas
falsas de la economia clássica (...)” (ROLL, 1985; p. 433)

Após o trabalho de Stigler de 1941, outras definições de economia neoclássica surgiram


e procuraram destacar os seus principais aspectos e a questão da continuidade ou ruptura
com a tradição clássica. Em Myint (1948; p. 120), a economia neoclássica é usada em um
sentido pré-keynesiano, “um novo composto de pensamento que emergiu da mistura entre
as ideias econômicas clássicas e as da escola de utilidade marginal”, e assim, diferente
tanto do classicismo puro de Mill quanto da abordagem de Jevons, Menger, Walras e J.
B. Clark, e que tem como principais referências Marshall e Pigou. Na opinião de
Schumpeter (1954), o marginalismo ou da “nova” teoria do valor promoveu uma
mudança profunda na análise econômica, com a emergência de uma “teoria pura” e a
utilização de um princípio unificador de aplicação geral para os fenômenos econômicos,
a utilidade marginal. Entretanto, segundo o autor, a “nova teoria das trocas” não
representou uma “revolução”, mas sim uma reconstrução essencialmente simplificadora
e unificadora do sistema clássico. E sobre o termo neoclássico, Schumpeter afirma:

“Mas do ponto de vista da teoria pura, há tanto sentido em chamar a teoria de


Jevons-Menger-Walras de neoclássica, como haveria de chamar a teoria de
Einstein de neo-newtoniana: como sabemos, o termo eclético, tal como aplicado
a Marshall e aos seus seguidores, é ainda mais enganador” (SCHUMPETER,
1954; p. 198)

De todo modo, a aceitação do prefixo “neo” ao termo e implícita relação do marginalismo


ou de alguma variante deste com qualquer traço marcante da tradição clássica foi mantida
na ciência econômica, apesar da observação de Joan Robinson na década de 1950 para
qual “’contra-clássico’ fosse talvez o termo mais de acordo com a nossa interpretação”
(DOBB, 1977; p. 311). Atualmente, o termo é mantido, ainda que com algum grau maior
de refinamento e explicações mais detalhadas, também nos livros-textos de história do
pensamento econômico.

A partir de uma história da análise econômica, Backhouse (1985) destaca que a


“revolução marginalista” não resultou em um único corpo de análise com as suas
variantes, mas sim em sistemas econômicos distintos baseados na utilidade marginal que
incluem Jevons, Menger, Walras, mas também Marshall, apesar deste estar mais próximo
7
de Pareto, Fisher e Wicksell. O desenvolvimento destes sistemas e o avanço nas
discussões sobre utilidade, distribuição e equilíbrio couberam a uma segunda geração de
marginalistas, como Pareto, Böhm-Bawerk, Wicksell, Fischer e Clark, no denominado
período neoclássico (1890-1939). O ponto crítico de ruptura na história das ideias
econômicas foi, na opinião do autor, a partir do final da década de 1930 ou do pós-guerra
com os trabalhos de Hicks, Samuelson e Keynes e a formação da economia moderna, com
o desenvolvimento da econometria e dos modelos formais que geraram forte influencias
na forma de compreender os fenômenos econômicos. E, como destaca o próprio autor, é
difícil identificar uma ruptura, de tal maneira que a economia moderna do pós-guerra, até
os anos 1980, é um desenvolvimento não apenas do período neoclássico como do
marginalismo de 1870.

Para Screpanti & Zamagni (2005), a revolução marginalista tem início não com Jevons,
Menger e Walras, mas sim com os trabalhos da segunda geração de marginalistas, entre
a década de 1880 e a primeira metade dos 1890, e ao longo de dez anos já havia se
completado, de tal maneira que nos trinta anos posteriores observou-se o aperfeiçoamento
e generalizações das abordagens de Marshall, Edgeworth, Clark, Fisher e Wicksell, por
exemplo. O sistema neoclássico surge, na sua opinião, principalmente com a obra de
Marshall que se estende rapidamente para “toda a teoria ortodoxa moderna” e, somada as
contribuições do início da década de 1920, permitiram a formação de um sistema teórico
único, da ortodoxia neoclássica, apesar das distintas escolas nacionais7. Um elemento que
marca as diferenças entre as duas abordagens é a própria denominação de ciência
econômica: de “economia política” para “economics”, um rótulo que teria um caráter
mais científico, menos envolvido com “conflitos de interesses”, como teria sugerido
Marshall, e principalmente, sem qualquer referência ao caráter político de suas
elaborações teóricas, como a denominação anterior. Desde então, a teoria neoclássica é
hegemônica na ciência econômica, mas o autor destaca que este “sistema teórico
modernista” tem sofrido críticas implacáveis nos últimos trinta ou quarenta anos,
precisamente pela visão baseada homo economicus.

Os dois exemplos acima citados se somam a outros trabalhos que também apresentam o
desenvolvimento das ideais econômicas ao longo da história e destacam a origem
marginalista da economia neoclássica e a sua forte influência sobre a economia moderna,

7
Apesar da pretensão de Marshall em evidenciar a continuidade com os clássicos, ao contrário de
Jevons e Walras, como destaca os autores.

8
como observamos em Landreth & Colander (2006), Brue (2006), Ekelund Jr. & Hébert
(2005) e Faccarello & Kurz (2016). Mas uma questão emerge deste levantamento
bibliográfico das noções sobre o que é a economia neoclássica. Dado a força de sua
presença na ciência econômica, ao menos desde o pós-guerra no mundo anglo-saxônico,
é legitimo questionar-se como ela se apropriou das teses marginalistas? Como autores
com distintas formações intelectuais e contextos como Jevons, Menger, Walras e
Marshall foram agrupados dentro de um determinado sistema teórico único? Quais
aspectos destas contribuições foram secundarizados ou negligenciados na análise ex-post
do neoclassicismo? Dado a larga extensão das questões colocadas e o espaço limitado
deste trabalho, aqui toma-se a leitura proposta por Stigler como uma primeira
aproximação do objeto.

9
3. A economia neoclássica como marginalismo estendido e a teoria da produtividade
marginal segundo Stigler

Segundo Aspromourgos (1986), o termo neoclássico adquiriu o sentido contemporâneo


generalizado com George J. Stigler na década de 1940 que possibilitou a extensão da
definição do termo a todos os fundadores marginalistas8. Como principal arquiteto da
“Escola de Chicago do pós-guerra”, Stigler tem contribuições nas áreas de organização
industrial, economia da informação, regulação econômica, além de ter publicado um
importante livro-texto sobre teoria dos preços em 1952, com o apoio de Friedman, e que
contribuiu para a formação e a divulgação das ideias desta escola9.

O estudo de Stigler (1941) tem como objetivo preencher uma importante lacuna na
literatura econômica a época: o desenvolvimento da moderna teoria da produção e da
distribuição, a partir de um estudo crítico das teorias da distribuição que surgiram da
teoria do valor subjetivo e que foram finalmente sistematizadas na teoria geral da
produtividade marginal, entre 1870 e 1895. Para o autor, neste período, a teoria
econômica transformou-se de arte, em muitos aspectos literatura, para um maior rigor
cientifico, e coincidiu com o declínio da teoria econômica inglesa de Mill e o início da
teoria de Marshall.

Na opinião do autor, apesar da teoria econômica ter avançado rapidamente a partir da


década de 1870, infelizmente o desenvolvimento foi restrito a um ramo da teoria dos
preços. As conquistas dos primeiros marginalistas teriam se concentrado na teoria
subjetiva do valor, e os sucessores desta escola seguiram o mesmo caminho. Segundo
Stigler, os trabalhos de Jevons, Walras e Menger era essencialmente hedonista e as suas
elaborações sobre a teoria do valor os conduziram a “aplicações pseudocientíficas da ética
hedonista à política econômica”, e somente posteriormente, teve início “um movimento
real para abandonar o ponto de vista utilitarista em substituição a uma teoria incolor, mas
menos vulnerável” (STIGLER, 1941; p. 2).

A avaliação de Stigler sobre o desenvolvimento da ciência econômica é explicitada ao


afirmar que era necessária uma reformulação precisamente na teoria da distribuição, que
segundo o autor, era inexistente em 1870. Isto porque, a análise da distribuição elaborada
pela tradição clássica teria um defeito fundamental: o fracasso em desenvolver uma teoria

8
O autor inclui também Hicks neste projeto.
9
Para uma análise da “Escola de Chicago do pós-guerra” e as contribuições de Stigler, inclusive a
reivindicação do legado de Smith pela escola ver Emmett (2010).

10
dos preços dos serviços ou fatores produtivos. Para o autor, este hiato poderia ter sido
facilmente pela teoria subjetiva do valor desenvolvida posteriormente, pois:

“Under perfect competition, the sum of the values of productive services clearly
equals the value of the product, and distributive share going to each service is
easily ascertainable by use of the type of incremental analysis so prominent in
the marginal utility theory” (STIGLER, 1941; p. 3)

Entretanto, os primeiros marginalistas não se deram conta dessa implicação “bastante


óbvia”, segundo Stigler, o que somente foi explicitado na década de 1890. Assim, a teoria
da produtividade marginal apenas emergiu com os trabalhos independentes, apesar de não
ter sido claramente exposta em relação a teoria subjetiva do valor e nem fazer parte de
um corpo geral da doutrina marginalista. Os percursores seriam, segundo o autor:

“(...) the marginal productivity theory seems to have been ‘in the air’, for it
emerged independently in several countries. Walras at Lausanne, Marshall and
Wicksteed and others in England, Wicksell in Sweden, Clark in United States,
and Barone in Italy – all appeared in the nineties with theories which
incorporated the substance of the marginal productivity approach to the problem
of distribution.” (STIGLER, 1941; p. 4)

Para o estudo das teorias marginalistas, o autor destaca que o que se pretende é avaliar as
contribuições passadas a luz da teoria economia “pura”, como um campo da lógica. Uma
teoria econômica “correta” não poderia rejeitar o teste da consistência dos pressupostos e
do raciocínio falacioso, nem se estes não correspondem aos “fatos”. Assim, na
interpretação de Stigler da tradição herdada, o autor busca uma formalização e unidade
teórica que, na verdade, é contemporânea não do marginalismo – ainda que o primeiro
tenha sido sugerido – mas sim de sua época, no pós-guerra nos E.U.A. E é neste momento
que o autor estende a abordagem neoclássica a toda variante do marginalismo predecessor
a sua época, ao afirmar que:

“The basis of evaluation in this work is that body of contemporary theory which
is given the nebulous description, neo-classical economics. This theoretical
corpus stems directly from Marshall, but it has gained much in rigor at the hands
of Walras, Wicksteed, and Edgeworth, and more recently the theory has been
advanced by a host of economists too numerous even to mention. There is no
unanimity regarding ‘neo-classical’ theory, but on the other hand, the

11
divergences of opinion between competent students are certainly less than at any
time since Mill” (STIGLER, 1941; p. 8)

Antes de iniciar sua análise sobre a tradição herdada, Stigler destaca a dificuldade em
aplicar um padrão científico aos economistas, ou mais precisamente, a formação de um
“sistema teórico geral dos economistas”, devido as discrepâncias entre as teorias
econômicas e as inconsistências lógicas dos argumentos numa teoria economia “pura”.
Para o autor, a situação alterou-se a partir das décadas anteriores ao seu trabalho, pois
observou-se uma “profissionalização dos economistas e na consequente sistematização
de suas teorias”, o que permitiu a construção daquele sistema teórico geral, ausente na
tradição herdada.

Com o objetivo de sistematizar o desenvolvimento das teorias da produção e da


distribuição na teoria econômica, Stigler opta por investigar este tópico em dez autores:
Jevons, Wicksteed, Marshall, Edgeworth, Menger, Wieser, Böhm-Bawerk, Walras,
Wicksell e J. B. Clark. Não sendo possível uma análise pormenorizada e exaustiva de
cada autor, basta algumas considerações centrais de Stigler sobre os marginalistas
“revolucionários” (Jevons, Walras e Menger) e os seus sucessores que desenvolveram
uma teoria da produtividade marginal em consonância com a teoria subjetiva do valor,
um aspecto que merecia uma sistematização a época, segundo Stigler.

Os marginalistas “revolucionários” e a teoria da distribuição

Para Stigler (1941), Jevons é o percursor da economia neoclássica, embora ele não tenha
se afastado tanto da teoria clássica e tenha em diversos momentos buscado se diferenciar
desta tradição, como por exemplo, o seu “modo de exposição matemático”, numa
aparente oposição aos clássicos. Embora, Jevons tenha um papel de destaque na formação
do neoclassicismo, Stigler registra que a sua “teoria da produção e da distribuição é
fundamentalmente clássica” e teria reservado pouco espaço a esta discussão em sua
principal obra.

Apesar disso, com o trabalho do economista inglês teoria da distribuição pôde avançar,
segundo o autor, pois ele destaca que o agente não-produtivo é uma causa do valor; que
todos os fatores produtivos têm a mesma relação de valor, ou seja, a escassez; e destaca
que o caso especial de Mill – a saber, apenas a renda da terra utilizada pelos industriais
entra no custo de produção – na verdade, é o caso típico, pois a relação entre os salários

12
e o valor é idêntica a renda da terra e o valor. Para Stigler (1941), a determinação da taxa
de juros sobre o capital livre é a única contribuição da teoria da distribuição de Jevons
para o desenvolvimento da teoria da produtividade marginal. Mas apesar de entender que
a taxa de juros estivesse em função somente do tempo ou do período de produção do
produto, a sua contribuição pouco teria avançado, isto porque:

“Although Jevons has a marginal productivity theory of interest, it is a very


incomplete theory. It is developed only for the special case of a commodity
which increases in value through time without any additional expenditures.
Accordingly, Jevon’s interest rate bears no relationship to wages or rent, nor, for
that matter, does he consider its relationship to the market rate of interest.”
(STIGLER, 1941; p. 29)

Segundo Stigler (1941), como a preocupação central de Walras era com a teoria do
equilíbrio geral, ele negligenciou a “maioria dos problemas econômicos”. Na opinião do
autor, a contribuição mais valiosa – e menos apreciada – da teoria de Walras é a sua
discussão sobre os serviços ou fatores de produção, exatamente por ter sido o primeiro a
construir uma dicotomia fundamental entre recursos e os seus serviços. A distinção pode
ser encontrada na “Lição XV” do XXX, onde os recursos ou a origem do capital seria:

“(...) capital fixo, ou de capital em geral, qualquer bem durável, qualquer espécie
de riqueza social que não é consumida ou apenas é consumida a longo prazo,
qualquer utilidade limitada em quantidade que sobrevive à primeira utilização
que se faz dela, em uma palavra, que serve mais de uma vez: uma casa, um
imóvel” (WALRAS, 1985; p. 158)

E os serviços ou as rendas seriam:

“(...) capital circulante ou de rendimento qualquer bem fungível, qualquer


espécie de riqueza social que é consumida imediatamente, qualquer coisa rara
que não mais subsiste depois do primeiro serviço que presta, em suma, que serve
apenas uma vez” (WALRAS, 1985; p. 158)

De tal forma que, segundo Stigler, um dado recurso pode ser capital ou renda, dependendo
do uso que se faz dele, e há uma relação fundamental entre eles: “faz parte da essência
dos capitais dar nascimento aos rendimentos; e faz parte da essência dos rendimentos
nascer, direta ou indiretamente, dos capitais” (WALRAS, 1985; p. 159). Apesar desta
distinção importante, na opinião de Stigler, Walras a faz considerando o número de usos

13
econômicos de um dado bem, sendo que o necessário seria considerar que “os serviços
(ou a renda) são sempre o conceito fundamental; capital e valor são derivados”
(STIGLER, 1941; p. 233). De qualquer forma, para o autor, a distinção feita por Walras
é a sua principal vantagem frente aos demais economistas de sua época, precisamente por
não ter problemas com uma definição de capital. Além disso, uma importante
contribuição da teoria walrasiana foi a distinção entre dois tipos de mercado numa
economia empresarial, o mercado de serviços e o mercado de produtos, onde em ambos
se observa que os preços de equilíbrio serão igualados a oferta e demanda de serviços e
de produtos. A interação entre ambos mercados e a sua compatibilidade com o pleno
emprego seria, segundo Stigler, uma importante realização de sua teoria.

“A demanda dos serviços e a oferta dos produtos consumíveis e dos capitais


novos são determinadas, para os empresários, levando em consideração o lucro
a ser obtido ou a perda a ser evitada. A oferta dos serviços e a demanda dos
produtos consumíveis e dos capitais novos são determinados, para os
proprietários fundiários, trabalhadores e capitalistas, levando em consideração a
satisfação máxima das necessidades” (WALRAS, 1985; p. 318)

Em relação a Menger, Stigler (1941) observa que este foi melhor sucedido do que os
demais autores, pois conseguiu generalizar, ainda que de forma embrionária, a teoria do
valor para uma sólida teoria da distribuição. Para o autor, a teoria subjetiva do valor de
Menger

- segundo Stigler, uma coisa assegura qualidade (a qualidade do ser da coisa) a partir do
cumprimento simultâneo de 4 condições: deve haver necessidade humana, ela deve
possuir tais propriedades para satisfazer esta vontade, o homem deve reconhecer esse
pode de satisfação da coisa e o homem deve ter tal disposição sobre o que pode ser usado
para satisfazer a vontade.

- as que cumprem as duas primeiras são coisas uteis

- as que cumprem os 4 são bens

- Menger pergunta: os recursos produtivos, nos quais não podem ser consumidos
diretamente, carecem de qualidade do ser da coisa?

14
- os recursos produtivos são de fato bens; eles podem se distinguir entre os diretamente
consumidos, “primeira ordem”, e apelativo, “alta ordem”.

- esta diferencianção dos recursos produtivos dos bens de consumo exclusivamente sobre
a base da aproximação do consumo conduzido resulta uma importante teoria.

- A classificação de Menger é ela mesma de duvidoso valor.

- a segunda particularidade dos bens de segunda ordem é É a dependência de seu próprio


poder de satisfação de desejos no poder desejável de sua final, os bens de primeira ordem.
Este é o germe da teoria da distribuição através da “imputação”, isto é, a derivação do
valor dos agentes produtivos do valor de seus produtos.

- citação

- a insatisfação das necessidades humanas é a base ultima da “qualidade da coisa”, (...)

- Menger estabelece as bases para uma correta teoria da organização produtiva, isto é, da
determinação da alocação de recursos.

- a teoria da imputação

- falha na teoria da distribuição: a virtual ausência de qualquer teoria do capital

WICKSTEED

MARSHALL

WICKSELL

JB CLARK

15
(p.14).

A teoria da produtividade marginal neoclássica: Marshall, Wicksteed, Wicksell e Clark

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