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A MULHER NEGRA E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: A VIOLÊNCIA CANTADA E A

PERPETUAÇÃO DA INJUSTIÇA

Kêmelly Agostini Duarte1


Frank Antonio Mezzomo2

Resumo: A pesquisa busca compreender as representações construídas sobre a mulher


negra a partir das canções da Música Popular Brasileira (MPB), produzidas no período da
Era Vargas (1930-1945). A discussão parte da contextualização sobre a escravidão negra
no Brasil, os processos de inserção cultural e econômica, a resistência da mulher e a
construção discursiva de fatores históricos formadores do sexismo e do racismo brasileiro
(re)construídos e expressos na MPB. Entre os resultados pode-se destacar a construção
das representações da mulher negra brasileira associada à sensualidade, à submissão de
gênero e à inferioridade racial. Por fim, entende-se que a análise histórica parece
fundamental para compreender a formação das identidades nacional.
Palavras-chave: Gênero. Música. Era Vargas.

Introdução
O objetivo do artigo é pesquisar a representação da mulher negra brasileira
construída na Música Popular Brasileira (MPB) no período de 1930-1945 e sua possível
instrumentalização política durante o período varguista. A presente investigação tem como
pano de fundo a Lei Federal nº 11645/08 que estabelece a obrigatoriedade da inserção de
conteúdos sobre a História da África e a cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de
ensino da Educação Básica no Brasil. A referida lei justifica o desenvolvimento do presente
trabalho que no contexto de uma educação para as relações étnico-raciais realiza também
discussões de gênero.
Apesar de nas últimas décadas os movimentos sociais ligados ao feminismo terem
obtido consideráveis conquistas, percebe-se que ainda hoje não estão solucionadas
questões relativas à violência e exploração sexual, abuso de poder, estigmatização da
mulher, entre outros preconceitos encravados nas relações sociais. Conhecer o que essas
questões traduzem é ponto de partida para que sejam repensadas e enfrentadas, pois,
numa sociedade como a brasileira, é preciso respeitar diferentes etnias, gêneros e culturas
que a constituem. Nesse contexto, entende-se que a escola pode trabalhar de uma forma

1
Professora de História da Escola Estadual Moreira Salles – Ensino Fundamental, Núcleo Regional
de Goioerê/PR. Integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), turma 2012.
2
Professor do Programa de Mestrado Interdisciplinar “Sociedade e Desenvolvimento” e do Curso de
História da Universidade Estadual do Paraná, Câmpus de Campo Mourão.
1
que propicie o conhecimento dessa diversidade e o respeito a ela. Conforme consta nas
Diretrizes Nacionais do Brasil,

o estudo dos temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e


africana não se restringe à população negra, ao contrário, diz respeito a
todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos
atuantes no seio de uma comunidade multicultural e pluriétnica, capazes de
construir uma nação democrática. (Diretrizes Curriculares Nacionais,
2005, p. 17).

Pesquisas apontam que, apesar de suas lutas e resistências, a mulher continua


sendo vítima das desigualdades de gênero e raça no país. Assim, a mulher negra brasileira
sofre dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista e negra numa sociedade
racista.
Uma pesquisa divulgada em 2008, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA, 2008), com dados relativos ao período de 1993 a 2007, mostra que a maior
taxa de analfabetismo está entre as mulheres negras. De acordo com o levantamento, a
taxa de analfabetismo das mulheres brancas com 15 anos ou mais caiu de 10,8% para 6,3%
no período, já entre as mulheres negras, o índice passou de 24,9%, em 1993, para 13,7%,
em 2007. Em relação ao tempo de permanência na escola, o estudo mostra que, em 2007,
homens apresentavam uma média de 7,1 anos de estudo, contra 7,4 anos para as
mulheres. Entre os brancos, a média era de 8,1 anos de estudo e entre os negros, de 6,3
anos. O estudo mostra ainda que, em 1993, o total de mulheres brancas com mais de 60
anos de idade representava 9,4% da população e o de negras, 7,3%. Esses percentuais
alcançaram, em 2007, 13,2% e 9,5%, respectivamente.
Sobre as residências que se encontravam em favelas ou semelhantes, 40,1% delas
são chefiadas por homens negros, 26% por mulheres negras, 21,3% por homens brancos e
11,7% por mulheres brancas. As mulheres negras são as que ganham menos, registram as
maiores taxas de desemprego, de emprego formal e formam o maior contingente de
domésticas, sendo este o emprego mais comum entre elas. Para cada cinco negras, uma é
doméstica, enquanto para a mulher branca, uma é doméstica em cada oito.
Dados mais atuais foram publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) realizado em 2012. No estudo indica que, no ano de 2001, 49,9% das
mulheres brancas tinham empregos formais, contra 34% de pretas ou pardas. Em 2011, o
número de brancas trabalhando subiu para 61,8% da população, enquanto as negras
aumentaram para apenas 47,3%. Em média, o trabalhador preto ou pardo recebe 56,1% do
rendimento recebido por trabalhadores da cor branca. Em se tratando de gênero, a mulher
recebe 73,3% do rendimento dos homens, ou seja, a mulher negra fica com a última posição
na obtenção de ganhos.

2
O IPEA, baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) realizada em 1999 e 2009, revela a existência de uma alta taxa de famílias
compostas apenas por mães e filhos, nas quais a mulher assume a função de provedora. As
brancas provedoras somam 14,3% do total, as negras compõem 17,7% dos arranjos desse
tipo. Entre as negras, 91% cuidam de casa. As brancas somam 88,1% nessa parcela (IPEA,
2013).
Segundo o Geledés (2013), o índice de mulheres pretas ou pardas desocupadas é
o maior entre gênero e raça, corresponde a 8,1%. As brancas vêm na sequência, com 5,7%.
Quanto à redução nas taxas de desemprego, o que significa ascensão no mercado trabalho,
entre os anos de 2003 e 2012, o maior índice foi apontado entre mulheres brancas, com
51,3%, que corresponde a 362 mil pessoas. Em contrapartida, as negras tiveram o pior
índice de ascensão, pois reduziram 41,3% no índice de desocupação, pois apenas 293 mil
pretas ou pardas saíram do desemprego.
Estas questões apresentadas acima apontam que na atualidade a mulher negra
passa por situações de subordinação socioeconômicas e sujeição à experiências de
inferioridade étnico-racial. Tal realidade, certamente, é resultado de interferências históricas
que remontam ao período da escravidão brasileira. Antenado a essa problemática, o
presente artigo busca compreender como, no período varguista, a mulher negra foi
representada nas canções da MPB. Para tanto, dividiu-se o trabalho nas seguintes etapas:
O contexto e a utilização do rádio na Era Vargas; Elementos históricos formadores de
discursos acerca da mulher negra brasileira e seu lugar na sociedade brasileira; Análise das
Representações e discursos presentes nas canções da Música Popular Brasileira na Era
Vargas; Experiências na aplicação do Caderno Pedagógico em sala de sala de aula;
Considerações Finais.

O contexto e a utilização do rádio na Era Vargas


A Era Vargas (1930-1945) compreendeu um período de profundas transformações
econômicas, políticas e culturais ocorridas no cenário brasileiro. No âmbito econômico
ocorria a transição do sistema agrícola ao urbano industrial capitalista em decorrência do
crescimento industrial que provocava o aumento da mão-de-obra, do mercado consumidor,
e o florescimento da vida urbana. No plano internacional a “Política de Boa Vizinhança”,
capitaneada pelos Estados Unidos, expandia investimentos e venda de tecnologia aos
países latino-americanos em troca do apoio as ações de expansão imperialista dos EUA.
Essa política foi praticada em diversas frentes, principalmente pelo cinema e pelo rádio,
porém, na prática, enquanto na América Latina propagavam-se as qualidades da cultura
norte-americana como o industrialismo e modernização, nos EUA caracterizava a cultura
latina pelas belezas naturais e pelo exotismo (BOULOS, 2009, p. 130-148).

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Enquanto no âmbito cultural havia a influência do Modernismo opondo-se aos
modelos culturais vigentes, no campo político, a ditadura de Vargas, que buscava uma
modernização ligada à construção de uma identidade nacional e de uma brasilidade,
utilizava o nacionalismo como objeto de ideologia política e o mito da democracia racial para
promover a imagem do Brasil e consequentemente projetar seu governo.
De acordo com Boris Fausto (1984), o Estado Novo brasileiro (1937-1945) buscava
constituir uma cultura nacional capaz de unificar o país sob a égide do Estado, de alcançar
um novo patamar de “civilização” e de incorporar a ideologia propugnada pelo Estado,
eliminando seus aspectos indesejáveis.
Vargas desenvolveu uma política voltada para o nacionalismo que utilizava diversas
formas de propaganda através dos meios de comunicação como o rádio, imagens,
discursos, jornais, com o intuito de propagar suas ideias criando uma noção de nação
igualitária, patriótica, moderna e forte. Utilizou instituições como a família e a igreja para
neutralizar as lutas de classes projetando para a sociedade imagens do retrato de uma
nação-família feliz, conformada com a situação por não haver privilégios e sim harmonia
conciliatória entre as classes sociais. Nesse certame, a imagem de Jesus Cristo crucificado,
inserido no ambiente da fábrica e invocado nos discursos patronais e políticos, contribuía na
construção de representações em que o trabalhador aceitasse pacificamente sua condição
social de submissão (LENHARO, 1986).
A militarização do corpo forjava um indivíduo despolitizado, disciplinado,
trabalhador, produtivo e submisso, utilizando-se da Educação Física para alienar o
indivíduo, prepará-lo para servir à nação, à pátria, e constituir-se em mão-de-obra forte, ágil,
robusta e disciplinada para atender ao mercado de trabalho (LENHARO, 1986).
Ainda de acordo com Lenharo (1986), o mito da democracia racial suscitada pela
defesa da harmonia entre as raças, conforme Gilberto Freire, deu-se à medida em que o
negro liberto juridicamente era excluído socioeconomicamente e enclausurado culturalmente
por meio de um aparato científico centrado sob a teoria da mestiçagem à brasileira. Em
verdade, tal mito, permitia aos setores sociais dominantes refazer a tese do “branqueamento
da raça”, já que o negro era visto como um incômodo, e, a mestiçagem funcionava como
mascaramento de uma síntese igualitária mentirosa, direcionada para garantir o
branqueamento do brasileiro em formação. O índio era pouco lembrado em virtude de sua
destruição física e o negro-problema era afastado estrategicamente para um segundo plano,
atrás do mulato, utilizado como seu anteparo e considerado via natural para o
branqueamento.
Na década de 1930, o rádio adquire um poder de mobilização muito grande, pois
desponta como a grande novidade na área da tecnologia da comunicação. Milhares de
aparelhos são vendidos e as notícias do país e do mundo passam a chegar às diversas

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regiões do Brasil. Esse poderoso meio de comunicação tornou-se cada vez mais presente
no cotidiano e importante agente formador do imaginário social (LENHARO, 1986, p. 42).
Nas décadas de 1930 e 1940, enquanto o mundo preparava-se para a 2ª Guerra
Mundial, o Brasil voltava-se para a industrialização. As massas urbanas começavam a se
constituir e a apresentar suas exigências e o Estado passa a intervir em quase todos os
setores da vida brasileira. A partir do Estado Novo, sobretudo o controle da informação
passa a ser rigidamente exercido, especialmente no rádio que era o veículo de comunicação
mais abrangente. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939, passa
a ter como objetivo principal o de mobilizar e controlar a opinião pública, agindo fortemente
sobre a imprensa escrita e toda a programação das emissoras de rádio, censurando
inclusive letras de músicas. Nesse período é criado o programa oficial do estado brasileiro
para anunciar e propagar as ações governamentais por meio da “A Hora do Brasil”.
Percebendo o poder do rádio em transmitir, influenciar e padronizar os valores
culturais brasileiros, Vargas passou a usá-lo para a afirmação da cultura nacional tentando
criar uma identidade nacional. Para tanto, passa a levar ao ar diariamente as notícias
referentes ao Estado Novo, além de definir uma grade de programação voltada para
valorização da cultura brasileira. Além de ser naquele momento o único veículo de
comunicação de massa, o rádio relacionava-se com o imaginário popular, divulgava o vivido,
o prazeroso, mexendo com as emoções, sonhos e expectativas de vida. No entendimento
de Lenharo,

Dos dispositivos utilizados em larga escala, o rádio foi o principal deles pelo
clima e pelo teor simbólico que alcançava entre emissores e receptores....
O rádio permitia uma encenação de caráter simbólico e envolvente... de
ilusão participativa e de criação de um imaginário homogêneo de
comunidade nacional... para se atingir determinadas finalidades de
participação política (LENHARO, 1986, p. 40-41).

É inserido nesse contexto de expansão do rádio que a Música Popular Brasileira


(MPB) passou por um período de intensa visibilidade, sendo considerada por muitos
historiadores como a Época de Ouro, fato também resultante da mudança tecnológica do
sistema de gravação, da mecânica para a elétrica. À época, o gênero musical por excelência
era o samba, embora nem sempre interpretados por negros e afro descendentes dos morros
cariocas, que na posição social desfavorecida em que viviam, tinham o samba como uma
das únicas oportunidades de ascensão social (SEVERIANO,1983, p. 108).
É recorrente no entendimento de historiadores (SEVERIANO, 1983; LENHARO,
1985), que o Estado Novo adotava a política de nacionalização do samba e de utilização
deste como recurso de propaganda política veiculada no rádio. O poder do discurso
constitui-se na capacidade de instaurar a verdade sobre o mundo. Nesse sentido, Foucault

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(2009) enfatiza a existência de um discurso autorizado, de produção e circulação
controladas, cujo conteúdo expressa poder e domínio.
Assim, mediante as adequações que lhe são impostas pelo Estado Novo, o samba,
elemento da cultura negra até então reprimido torna-se símbolo nacional e principal estilo
musical desse período, trazendo em suas letras, a figura da “mulata” como símbolo de
brasilidade. A “mulata” adquire uma representação ratificante do imaginário social e dos
discursos acerca da mulher negra advindos da época colonial em canções da época.

Elementos históricos formadores de discursos acerca da mulher negra brasileira e


seu lugar na sociedade
De acordo com Giacomini, nos três séculos de escravismo no Brasil, as escravas
negras desempenharam inúmeras tarefas e funções: foram agricultoras, lavadeiras,
arrumadeiras, costureiras, cozinheiras, amas-de-leite, benzedeiras, parteiras, e, como
escravas de ganho, realizavam o comércio dos gêneros de primeira necessidade, comidas
diversas, roupas usadas e aviamentos de costura.
Corpo e mente da mulher negra, endossados por representação social construída
historicamente, foram docilizados e instrumentalizados como objeto sexual, pois servia aos
desejos sexuais de seus senhores e na iniciação sexual dos jovens brancos, sendo
reduzidas à condição de meras mercadorias, objetos, coisas. A castidade das mulheres
brancas resguardou-se graças à prostituição forçada das negras escravas, e, das relações
sexuais entre negras (os) e brancos (as) surge o mulato (a). Os diferentes papéis que
cabiam à mulher branca e à negra na sociedade brasileira colonial eram fortemente
influenciados pelas relações de produção entre senhores e escravos e pelas incoerências
do sistema de castas (SAFFIOTTI, 2004, p. 163-165).
Como a negra era muitas vezes abusada sexualmente, ela engravidava numa
proporção maior que a branca, assim, forma-se o discurso de que a mulher negra era boa
reprodutora. Ainda no princípio do período republicano, a gravidez da negra representava
para o senhor de engenho a queda na produtividade, por isso, os abortos causados por
espancamentos das negras e o homicídio de recém-nascidos pelos senhores (abandono,
fome, doenças) eram frequentes. Desta forma, a função reprodutora da negra (gravidez e
amamentação) a penalizava, causando-lhe enorme sofrimento. Constrói-se, aos poucos, o
discurso de que a negra é a mulher para ser explorada.
Os relacionamentos conjugais entre os negros eram frágeis, pois o senhor tinha
plenos poderes para separá-los e mandá-los para onde quisesse e o casamento entre os
escravos não era interessante aos senhores porque a mobilidade de sua mercadoria ficaria
limitada e a separação de cônjuges negros, pelos interesses senhoriais, só foi proibida a
partir da Lei Rio Branco, de 1871. Em virtude de seus desejos sexuais, os senhores

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maltratavam os negros com os quais se rivalizavam, estes, revoltados, afastavam -se do
compromisso conjugal.
Os filhos das negras mamavam apenas o suficiente para que o leite da sua mãe,
ama de leite das crianças brancas, não secasse, e, o senhor continuasse a ter seu filho
branco amamentado e seu lucro por meio das locações da negra. Assim, muitas crianças
negras morriam, e a negra que já não tinha um esposo deixava de ter também seu filho.
Além disso, o preço de venda da mulher negra era sempre menor se ela fosse vendida junto
com o(s) filho(s). Observemos anúncios da época, apresentados por Giacomini:

“Vende-se uma parda que tem 34 anos de idade, perfeita cozinheira e


doceira, costureira e engomadeira, com uma filha de treze anos que faz
uma camisa homem, e marca; o preço é cômodo por ir juntas.” “Vende-se
preta vistosa, com bastante leite, de primeira barriga, sem cria que sabe
coser e tratar bem de crianças” (Jornal do Comercio, 10/07/1850, apud
GIACOMINI, 1988, p. 37).

Ainda de acordo com Giacomini (1988), as amas de leite eram acusadas de


deseducar as crianças brancas por seus costumes e sua língua e de matar crianças brancas
que amamentavam, pois muitas contraiam a sífilis pelo ato sexual e pela amamentação,
transmitindo às crianças. Por tudo isso, forma-se o discurso de que a mulher negra é mulher
sem família.
Em regra, as negras eram forçadas a deitar-se na rede com o amo e depois sofrer
com a vingança da esposa branca, que enciumada e com raiva, as tratavam de forma cruel,
com castigos físicos, separando-as de seus filhos legítimos, entre outras estratégias
adotadas. Em reação, algumas negras assassinavam mulheres brancas e fugiam. Numa
sociedade patriarcal em que a mulher era valorizada apenas pela função de ser mãe, a
mulher negra era objeto, à ela negava-se o direito à maternidade, logo, o direito de ser
mulher. Outro discurso formado: A mulher negra não é mulher. (GIACOMINI, 1988, p. 80-
83).
Na sociedade patriarcal de regime escravista, as escravas negras sofreram o peso
da legitimação do direito do homem sobre a mulher e da legitimação do direito do senhor
proprietário de seu corpo, assim, sua utilização como objeto sexual virou fato rotineiro.
Entretanto, a sensualidade e o corpo da mulher negra e da mulata eram vistos como
instrumentos de sedução do homem branco, por isso, apesar de serem muitas vezes vítimas
de estupro por parte de seus senhores, às negras era imputada a responsabilidade pelo ato
sexual com o senhor, que passava de agente à vítima, ficando a relação sexual
extraconjugal como culpa da mulher negra. Pelas condições de exposição sexual nas
senzalas, surgiram os falsos conceitos de libertinagem e promiscuidade negra. Constrói-se o
discurso da mulher negra como ícone de sensualidade e prazer sexual.

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Outro discurso trata da figura da “mulata”, esta, que não tem a mesma formação
étnica da negra e nem a da branca. Como mestiça, teria a sensualidade herdada da negra e
uma maior atração sexual. É concebida como mulher que não serve para o casamento, pois
é cheia de manhas, ambiciosa, dengosa e preguiçosa. É o símbolo da identidade e da
sensualidade feminina nacional. (FREYRE, 2006).
Com a “abolição”, os negros foram jogados às margens da sociedade e o homem
negro não encontrou trabalho para garantir o sustento da família. Assim, em grande medida,
a mulher negra passa a trabalhar de babá e doméstica arcando com o sustento familiar,
servindo agora à patroa em lugar da sinhá e sendo perseguida pelo patrão em lugar do
antigo senhor. Assim, a mulher negra contribuiu também para a emancipação da mulher
branca que com a industrialização passou a ocupar o mercado de trabalho, mas continuou
sujeitando-se e sofrendo o preconceito racial e de gênero herdados do período da
escravidão em que era criada dos sobrados e mulher do eito. (HAHNER, 1978, p. 125-126).

Representações e discursos presentes nas canções da Música Popular Brasileira na


Era Vargas
Historicamente a atitude do homem em relação à mulher traz as marcas da
contradição e da ambiguidade, ora a mulher é pura e imaculada, ora é considerada vil e
demoníaca. Verifica-se a construção de discursos entendidos enquanto objetos históricos
ideológicos que atribuem à mulher a responsabilidade pelo sofrimento humano, pelo pecado
original de Eva. Tratando-se da mulher negra brasileira, formaram-se discursos desde o
período da escravidão que construíram sentidos de mulher negra ligados a objeto sexual, a
inferioridade racial, a submissão de gênero, a sensualidade, entre outros.
No contexto da Era Vargas, o mito da democracia racial considerava que os
relacionamentos entre negras e brancos geravam a miscigenação e a convivência pacífica
entre as raças no país, mas, ao que parece, o que houve foi uma forçada tolerância racial.
Com a revolução de 1930, o discurso impregnado de valores europeizantes que atribuía as
mazelas nacionais à inferioridade da raça, foi substituído por outro que objetivava articular a
comunicação e sintonia entre as elites e a massa da população. Este discurso passa a gerar
o entendimento de uma convivência harmônica entre europeus, negros e índios.
Os discursos acerca da mulher negra brasileira acima apresentados, estão em
diversas canções da época, construindo sentidos e representações persistentes na
discriminação racial. Musicalmente, expuseram a miscigenação de forma preconceituosa e
discriminadora, utilizando a mulher negra como veículo eternizador de desnivelamento
étnico, além de justificar o discurso da desvalorização do negro, já que as negras eram
privadas de direitos civis e reduzidas à condição de coisa.

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Para efeitos metodológicos, a pesquisa desenvolvida optou em escolher algumas
canções de marchas carnavalescas produzidas e/ou veiculadas no período varguista,
delimitando-se àquelas que tratam da mulher negra, conforme temática definida como foco
central para o trabalho.
No Estado Novo, os compositores eram geralmente negros que às margens da
sociedade, sem oportunidade e qualificação para o trabalho, lançavam-se à vida boêmia e à
composição musical, especialmente do samba, que nem sempre era interpretado por negros
e sim por brancos que se apropriavam das composições, pois, para estes, as oportunidades
existiam em maior número que para aqueles. Assim, como forma de protesto dos negros,
surge o samba adepto à malandragem, ou seja, que não enaltecia o trabalho e os novos
aspectos da vida capitalista que Vargas tanto se empenhava em efetivar. (CATELLI, 2009)
Entretanto, rapidamente a censura passou a excluir esse tipo de samba e a incentivar a
composição de sambas que exaltasse os interesses estatais, forçando assim o surgimento
de sambistas adeptos a essa exigência e consequentemente o surgimento do samba
exaltação, caracterizado pelo seu caráter grandioso, composto por letras ufanistas e de
grande arranjo orquestral. De acordo com Paranhos (2004), esse tipo de samba que teve
em Ary Barroso seu maior representante e em “Aquarela do Brasil” sua máxima, passa a ser
tido como “samba positivo” às vistas do Estado e da censura, enquanto que os sambas
caracterizados por letras que explicitasse a temática da malandragem, passam a ser tidos
como “samba negativo”. Lopes (2003) afirma que no auge do Estado Novo, os sambas eram
geralmente feitos sob inspiração do órgão de propaganda do governo e lançados no teatro
de revista para exaltar as virtudes da terra e do povo brasileiro.
A música se constitui numa força coletiva, num veículo de união que alegra o
coração das pessoas, quando ouvida e ou cantada por grandes grupos, estimula a
solidariedade e a coesão grupal, podendo alavancar a alma nacional e o sentido do
universal da vida, pois, as pessoas ouvem e cantam juntas, a mesma letra, a mesma
melodia, o mesmo ritmo e o mesmo tom. Como diz a sabedoria popular: quem canta, seus
males espanta. Para Adorno e Horkeimer (1985) a música e a indústria cultural de forma
geral, sempre duplica, reforça e consolida uma mentalidade, dá aos homens um critério de
orientação num mundo fragmentado e caótico, inculcando conceitos de dever e ordem. Ela
apaga as diferenças de classe e cria a falsa impressão que existe uma coesão social e uma
harmonia entre os homens. Assim, pode produzir o engano das massas e impedir a
formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir
conscientemente.
Na letra da canção “Eu fui no mato crioula” a mulher negra é igualada ao nada, é
anulada enquanto ser, e considerada reduzida sexualmente, pois é ela que se aproxima do
homem, sendo considerada “muito assanhada”.

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Canção: Eu fui no mato crioula Trechos da letra
Gênero Musical: Marcha carnavalesca Eu fui no mato...
Compositor: Gomes Júnior Eu vi um bicho...
Ano: 1928 ...Era uma velha
Intérprete: Francisco Alves Crioula
Muito assanhada
Disponível em: http://www.vagalume.com.br/eu-fui-no-mato-crioula.html. Acesso em: 23 ago. 2013

Em “Nega do cabelo duro” os sentidos parafraseados descrevem esteticamente de


forma preconceituosa a mulher negra. Sentidos atrelados à humilhação da raça negra são
cantados pela população nacional da época como algo óbvio e evidente.

Canção: Nega do cabelo duro Trechos da letra


Gênero Musical: Batucada/Carnaval Nega do cabelo duro
Compositor: Rubens Soares e David Nusser Qual é o pente que te penteia?
Ano: 1942 Quanto tu entras na roda
Intérprete: Anjos do Inferno O teu corpo serpenteia
Teu cabelo permanente,
Qual é o pente que te penteia?
Disponível em: http://letras.mus.br/zizi-possi/1718462/. Acesso em: 23 ago.2013.

Nas canções “Da Cor do Pecado”, “Morena Boca de Ouro” e “Teu Cabelo Não
Nega” encontra-se uma formação discursiva que contraditoriamente expressam a admiração
e o preconceito em torno da figura da mulata. A cor é tida como algo negativo, mas não
“pega”. A sensualidade negra e em especial, da mulata, que é considerada a mulher
tipicamente brasileira, a mulher da noite, da orgia é contrária à típica mulher “Amélia”:
perfeita, conformada, submissa. ”Tens um sabor bem do Brasil/Mulata, mulatinha...”
À mulata atribui-se um lugar social de erotismo e pecado. “Esse beijo molhado,
escandalizado, que você me deu”; “Morena é uma brasa viva pronta pra
queimar/Queimando a gente sem clemência”. Reitera-se aqui o estigma social atrelado aos
discursos dos senhores de engenho que abusavam e exploravam sexualmente das
escravas, utilizando a sensualidade destas, como justificativa às suas ações.

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Canção: Da cor do pecado Trechos da letra
Gênero Musical: Samba Este corpo moreno
Compositor: Bororó Cheiroso, gostoso que você tem
Ano: 1939 É um corpo delgado
Intérprete: Silvio Caldas, Fagner e outros. Da cor do pecado que faz tão bem

Disponível em: http://www.vagalume.com.br/ney-matogrosso/da-cor-do-pecado.html. Acesso em:


23 ago.2013.

Canção: Morena boca de ouro Trechos da letra


Gênero Musical: Samba Morena boca de ouro
Compositor: Ary Barroso Samba, morena, e me desacata
Ano: 1941 Morena, uma brasa viva
Intérprete: Silvio Caldas, Roberta Sá e
outros.

Disponível em: http://www.vagalume.com.br/roberta-sa/morena-boca-de-ouro.html. Acesso em: 23


ago. 2013.

Canção: Teu cabelo não nega Trechos da letra


Gênero Musical: Marcha Carnavalesca O teu cabelo não nega
Compositor: Lamartine Babo e Irmãos Mulata...
Valença ... Mas como a cor não pega, mulata,
Ano: 1932 Mulata quero o teu amor
Intérprete: Bando da Lua

Disponível em: http://letras.mus.br/marchinhas-de-carnaval/473883/. Acesso em: 23 ago.2013.

Em “Aquarela do Brasil” vemos o ufanismo típico do período associado à figura da


mulata como exótica, sedutora, faceira, manhosa. Segundo Garcia (2004), o culto e a
integração do povo às belezas naturais do Brasil aparecem como forma de marcar a
diferença do brasileiro frente ao estrangeiro e definir a identidade nacional. “Ah! Ouve essas
fontes murmurantes/Onde eu amarro a minha rede/ E onde a lua vem brincar”.

Canção: Aquarela do Brasil Trechos da letra


Gênero Musical: Samba Brasil,...
Compositor: Ary Barroso ... Terra boa e gostosa
Ano: 1939 Da morena sestrosa
Intérprete: Francisco Alves, Elis Regina, De olhar indiscreto

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Frank Sinatra e outros.
Disponível em: http://letras.mus.br/gal-costa/46099/. Acesso em: 23 ago. 2013.

“Mulata Brasileira” explicita como a mulata, produto da miscigenação, entra em


cena como a protagonista do “Novo Mundo” e é considerada como o único produto positivo
da mistura das raças: negros, portugueses e índios: “Negro deu a nostalgia/Português a
valentia/E o índio deu a cor”. Entretanto, ambígua e contraditoriamente, a letra da canção
traz consigo discursos ligados à desvalorização da mulher negra à medida que a imagem da
mulata continua presa à ideia de objeto, coisa, de algo pronto para ser usado sexualmente,
com sua faceirice e vaidade devido ao vestuário caracterizado por roupas mais leves que
realçavam as formas corpóreas e despertavam o desejo sexual dos brancos. “Ela é feita de
saudade/Sofrimento e falsidade/Como é o próprio amor”.

Canção: Mulata Brasileira Trechos da letra


Gênero Musical: Samba Eram três os continentes
Compositor: Custódio Mesquita e Joraci E três raças diferentes
Camargo A mulata brasileira
Ano: 1944 Produziram essa mistura
Intérprete: Linda Batista Esta estranha criatura que nem Deus soube criar.
Disponível em: http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/custodio-mesquita/mulata-
brasileira/2123250. Acesso em: 23 ago.2013.

A questão racial no Brasil e as relações de gênero refletem as desigualdades


sociais, políticas e econômicas no cotidiano da mulher negra. Discursos presentes na
Música Popular Brasileira desse período (1930-1945) destacam sempre a aparência física
em detrimento da personalidade, do caráter, da inteligência da mulher negra, tornando-a
apenas um objeto sexual, reafirmando contra a mesma, a prática da violência cantada e a
perpetuação da injustiça.

Experiências na aplicação do Caderno Pedagógico em sala de sala de aula


Conforme apontado acima, a experiência pedagógica tratando da compreensão da
representação da mulher negra na MPB durante o período Varguista, foi aplicada em trinta e
duas aulas, aos alunos do 9º ano C da Escola Estadual Moreira Sales - EF II, localizada no
município de Moreira Sales. A referida turma do período matutino, compunha-se por trinta e
três alunos.
A escolha do trabalho com a representação da mulher negra na Música Popular
Brasileira deu-se por ser a música uma fonte histórica capaz de demonstrar o imaginário
social existente, além de um instrumento pedagógico capaz de suscitar o interesse dos
12
adolescentes na produção do conhecimento.
Assim, no intuito de trazer para o âmbito escolar as discussões desenvolvidas pelos
professores vinculados ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE 3) e de
compreender os discursos acerca da mulher negra brasileira no contexto histórico da Era
Vargas, realizamos pesquisa bibliográfica em livros e artigos produzidos sobre o tema. A
pesquisa fundamentou e instrumentalizou a elaboração do projeto de pesquisa e do material
didático de intervenção pedagógica, que teve a forma de um Caderno Pedagógico4.
Com o objetivo de propiciar aos alunos a aquisição de conhecimentos científicos
sobre a cultura e história dos povos africanos e afro brasileiros, a prática de conceituações
para a melhor compreensão do objeto de estudo foi constante no material didático
trabalhado que relacionou teoria e prática, refletiu a realidade escolar e contou com diversas
estratégias metodológicas, tais como: avaliação diagnóstica; aulas expositivas e dialogadas;
trailers de filmes e documentários; estudos de artigos e fragmentos de textos
historiográficos; apresentação de seminários; interpretação de poesias e canções;
confecção de mapas. A temática foi desenvolvida de forma contextualizada, com atividades
de estudos a fim de levar à uma compreensão dos processos históricos de permanências e
rupturas, das relações de poder, trabalho e cultura.
No intuito de trabalhar de forma a propiciar o conhecimento da diversidade e o
respeito a ela, buscamos investigar se os jovens constroem conhecimentos históricos por
meio do uso das canções, bem como verificar se após a intervenção houve melhoria na
capacidade de compreensão histórica. Nesse sentido, Moreira entende que:

a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação entre o novo


conhecimento e o conhecimento prévio. (...) o novo conhecimento adquire
significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais
diferenciado, mais elaborado em termos de significados e adquire mais
estabilidade (MOREIRA, 2003, p. 3).

3
O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) que visa contribuir para a melhoria da
qualidade da educação básica do estado do Paraná, desenvolvido por professores da rede pública
estadual de educação, no período de dois anos, composto por aulas teóricas presenciais, elaboração
de projeto de pesquisa, elaboração e implementação do material didático junto aos alunos, aplicação
do GTR (Grupo de Trabalho em Rede formado por professores da SEED, sob a plataforma Moodle
para a troca de experiências e discussões acerca da pertinência e da aplicabilidade do tema e do
material didático produzido pelo professor PDE nas escolas da rede pública estadual de educação.),
produção do artigo científico.
4
O Caderno Pedagógico foi composto por seis unidades sequenciais: Unidade I: Continente Africano;
Unidade II: Escravidão no Brasil e no Paraná; Unidade III: A Cultura Afro-brasileira e a Mulher Negra;
Unidade IV: Elementos Históricos Formadores dos Discursos Acerca da Mulher Negra Brasileira;
Unidade V: O Rádio e a Música Popular Brasileira na Era Vargas (1930-1945); Unidade VI: A Mulher
Negra na Música Popular Brasileira (1930-1945).
13
Ainda durante a implementação do Caderno Pedagógico com os alunos, a temática
foi socializada junto aos professores participantes do GTR 5. A experiência foi exitosa, já que
muitos cursistas expressaram-se positivamente acerca da temática e metodologia utilizada,
conforme observamos nos apontamentos extraídos do excerto 6, que sintetiza as
participações dos professores cursistas. Para chegarmos ao foco do presente trabalho foi
necessária uma breve contextualização de um pouco da História da África, da escravidão
negra paranaense e dos elementos constitutivos da cultura afro-brasileira.
Observando os resultados dos questionários de avaliação diagnóstica aplicado aos
alunos no início de cada Unidade, constatamos que a maioria possuía uma ideia da África
enquanto um continente exótico e miserável; não tinham conhecimento da prática escravista
no estado do Paraná; reconheciam apenas a capoeira enquanto elemento da cultura afro-
brasileira; sabiam pouco sobre a história e o papel desempenhado pela mulher negra na
sociedade brasileira; desconheciam a figura de Getúlio Vargas e a Era Vargas, bem como a
metodologia para a interpretação de uma canção.
Analisando as atividades e questionários realizados após a implementação de cada
unidade trabalhada, percebemos que os alunos passaram a reconhecer a África como um
continente com história e características próprias, portador de culturas que contribuíram na
formação do povo brasileiro; compreenderam a existência e o processo de escravidão
paranaense, bem como os diversos elementos constitutivos da cultura afro-brasileira;
dimensionaram quem e o que foi Getúlio e a Era Vargas, indicando-o inclusive como um
personagem que, em virtude do apoio popular, apesar de exercer poder centralizador,
tornou-se figura política central nas décadas de 1930 e 1940.
O trabalho com a música compreendeu a exposição da pesquisa das letras das
canções feita pelos grupos de alunos. Estes distribuíram as letras e tocaram as músicas,
apresentaram a canção em forma de vídeos, em versões originais, regravadas, etc. Na
sequência, cada grupo passou a realizar o trabalho de análise e interpretação das canções,
seguindo as indicações de Roberto Catteli Júnior (2009): A que gênero ou estilo musical
pertence a canção? Em que época e por quem foi composta? Que relação a canção tem
com o contexto cultural, político e econômico de uma determinada época? O que sua letra

5
Grupo de Trabalho em Rede (GTR) formado por professores da SEED, sob a plataforma Moodle
para a troca de experiências e discussões acerca da pertinência e da aplicabilidade do tema e do
material didático produzido pelo professor PDE nas escolas da rede pública estadual de educação).
6
A Produção Didático-Pedagógica está relacionada ao cumprimento da Lei nº 11645/08, promove
estudos sobre a história e cultura afro-brasileira como pano de fundo, aborda o racismo e o
preconceito [...] A utilização de estereótipos sobre a mulher negra e a estrutura racista e machista
dessa sociedade que penaliza essas mulheres e as excluem dentro de um processo já excludente [...]
A contribuição da mulher negra na construção da cultura e da sociedade brasileira [...] Enfim, a
abordagem e a metodologia são ricas, excelentes e tudo que foi explanado é válido e importante para
nossa prática pedagógica.” (Apontamentos escritos por Léa Leonardo da Silva em 7 de abril de 2013,
durante o fórum de discussão do Projeto de Intervenção Pedagógica. Cf.
http://www.diaadiaeducacao.pr,gov.br/portalfrm_login.php?acesso=2&origem=moodle).
14
expressa em relação à época de sua composição e interpretação? A que grupo social
pertence o autor? Ele pertence a algum movimento específico de ordem política, musical ou
de qualquer outra ordem? Qual a linguagem da canção? Que visão de mundo a canção
incorpora, traduz? Qual o significado das palavras desconhecidas? Há ambiguidade ou
ironia em sua letra?
A princípio, encontramos um pouco de resistência ao estilo musical e dificuldades
na realização das atividades de interpretação, de pensar contextualizadamente e de
compreender a história enquanto um processo, mas, a realização de pesquisas, trocas de
ideias, audição das músicas, intervenções e apontamentos acabaram dirimindo dúvidas e
integrando os estudantes nas atividades propostas. Cada grupo fez a exposição da
interpretação da canção à turma e realizou uma nova pesquisa para verificar se ainda há
esses discursos em canções atuais.
Com a implementação do Caderno Pedagógico produzido, os alunos identificaram
em muitas canções da Música Popular Brasileira do período de 1930-1945, discursos
construídos no período da escravidão negra, que atribuíam representações, (re)forçavam o
imaginário social depreciativo da mulher negra, expressando a violência e a perpetuação da
injustiça sofrida pelas mulheres. Dentre essas representações destacam-se a da mulata
ligada à ideia de sensualidade, de liberdade e prazer sexual, de boa reprodutora, de mulher
para ser explorada e sem família, enfim de mulher negra como não mulher. Representações
portanto, que reforçam a violência simbólica e física, o sexismo, o erotismo, o racismo, o
preconceito.
Durante as discussões nas aulas, os alunos sugeriram como forma de superação
do racismo e do sexismo, o desenvolvimento de trabalhos e atividades escolares como
maior apoio social ao movimento negro feminino; realização de campanhas envolvendo
participação das afrodescendentes da escola e do município, tais como aquelas voltadas
para negação da violência e incentivo à denúncia às instâncias e órgãos públicos
competentes; a valorização das características e contribuições afro brasileiras para a
sociedade; a criação de um disque denúncia para as ações de racismo e sexismo.

Considerações finais
A inegável importância da desconstrução do sexismo e do racismo ainda hoje
sofridos pelas mulheres negras brasileiras, a crença na possibilidade da mudança pelo
conhecimento, bem como o reconhecimento da necessidade de promover ações que
contribuam para a extirpação das representações sociais negativas em relação à população
negra, motivou a realização desse trabalho que propôs ações de compreensão,
reconhecimento e respeito à etnia negra, de forma especial, ao gênero feminino.
Os conhecimentos científicos produzidos por meio de pesquisa científica, aulas

15
presenciais, trocas de experiências com os participantes do GTR, propiciou uma prática
pedagógica que resultou numa melhor aprendizagem dos alunos. A implementação desta
metodologia diferenciada mostrou que é possível compreender que a história pode estar
presente em práticas de seu cotidiano, como por exemplo, ao ouvir uma canção. O uso da
canção como fonte histórica no estudo da história, motivou os alunos, tornando o processo
de ensino aprendizagem mais significativo, propiciando a construção de conhecimentos e
uma melhora significativa na capacidade de compreensão histórica.
Assim, o trabalho apontou sugestões metodológicas para a construção do
conhecimento histórico e suscitou reflexões e mudanças de atitudes preconceituosas,
contribuindo assim, para a melhoria da qualidade da educação básica.

Fontes

Aquarela do Brasil. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/ary-barroso/aquarela-do-


brasil.html>. Acesso em: 23 ago. 2013.
BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais
e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, p. 17, 2005.
Da Cor do Pecado. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/luciana-mello/da-cor-do-
pecado.html>. Acesso em: 23 ago. 2013.
Eu fui no mato, crioula. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/eu-fui-no-mato-
crioula.html >. Acesso em: 23 ago. 2013.
FIGUEIREDO, Nayara. Mulheres negras ainda são prejudicadas no desenvolvimento
profissional. Disponível em : http://www.dci.com.br/politica-economica/mulheres-negras-
ainda-sao-prejudicadas-no-desenvolvimento-profissional-id335566.html. Acesso em 17 ago.
2013.
Ipea lança 3ª edição do “Retrato das Desigualdades”. Disponível em:
http://www.afrobras.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=101:ipea-lanca-
3o-edicao-do-retrato-das-desigualdades&catid=38:pesquisas&Itemid=73. Acesso em: 09
ago. 2013.
Morena boca de ouro. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/cauby-
peixoto/morena-boca-de-ouro.html>. Acesso em: 23 ago. 2013.
Mulata brasileira. Disponível em: <http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/custodio-
mesquita/mulata-brasileira/2123250>. Acesso em: 23 ago. 2013.
Nega do cabelo duro. Disponível em: <http://letras.mus.br/zizi-possi/1718462/>. Acesso
em: 23 ago. 2013.
O teu cabelo não nega. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/marchinhas-de-
carnaval/o-teu-cabelo-nao-nega.html>. Acesso em: 23 ago. 2013.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação do. Diretrizes Curriculares de História para
o Ensino Fundamental. Curitiba: 2008.
SAVARESE, Maurício. PORTAL UOL: Participação das mulheres na renda familiar é
maior que um terço, diz Ipea. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=8400&catid=1
59&Itemid=75. Acesso em: 17 ago. 2013.

16
Referências

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Jorge Zarhar, 1985.
BOULOS, Alfredo Junior. História: sociedade e cidadania. São Paulo: FTD, 2009.
CATELLI JÚNIOR, Roberto. Temas e linguagens da história: ferramentas para sala de
aula no ensino médio. São Paulo: Scipione, 2009.
FAUSTO, Boris (org.) História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1984.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 19 ed. São Paulo: Loyola, 2009.
FREYRE, Gilberto. [1933]. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. 49 ed. São Paulo: Global, 2004.
GARCIA, Tania da Costa. O “it verde amarelo” de Carmem Miranda (1930-1946). São
Paulo: Anablume, 2004.
GIACOMINI, Sonia Maria. Mulher e escrava: uma introdução histórica ao estudo da mulher
negra no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988.
HAHNER, June E. A mulher no Brasil. São Paulo: Civilização Brasileira, 1978.
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, Papirus, 1986.
LOPES, Nei. Sambeabá: O samba que não e aprende na escola. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra/Folha Seca, 2003.
MOREIRA, Marco Antonio. Aprendizagem significativa crítica. Atas do Terceiro Encontro
Internacional sobre Aprendizagem Significativa. Lisboa, 2000.
PARANHOS, Adalberto. Os desafinados do samba na cadência do Estado Novo. Nossa
História. Rio de Janeiro, vol. 4, 2004.
SAFFIOTI, Heleieth I.B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2004.
SEVERIANO, Jairo. Getúlio Vargas e a música popular. Rio de Janeiro: FGV, 1983.

17
Anexo I – Letra das Músicas

Eu Fui No Mato, Crioula


Composição: Gomes Júnior

Eu fui no mato, crioula Eu fui num auto, crioula


Cortar cipó, crioula De lotação, crioula
Eu vi um bicho, crioula Tinha boi dentro, crioula
De um olho só De jaquetão

Não era bicho, crioula Fui ao teatro, crioula


Não era nada, crioula Ai, não se zangue, crioula
Era uma velha, crioula Não pude entrar, crioula
Muito assanhada Cai no Mangue

Não quero teima, olé Não quero teima, olé


Não vá teimar, sinhá Não vá teimar, olá
Quero brincar, olá Quero brincar
No Carnaval No Carnaval

O Teu Cabelo Não Nega


Composição: Lamartine Babo, Irmãos Valença

O teu cabelo não nega, mulata, Quem te inventou, meu pancadão


Porque és mulata na cor, Teve uma consagração.
Mas como a cor não pega, mulata, A lua te invejando faz careta,
Mulata eu quero o teu amor. Porque, mulata tu não és deste planeta.

Tens um sabor bem do Brasil; Quando, meu bem, vieste à Terra,


Tens a alma cor de anil; Portugal declarou guerra.
Mulata, mulatinha, meu amor, A concorrência então foi colossal:
Fui nomeado teu tenente interventor. Vasco da Gama contra o batalhão naval

1
Aquarela do Brasil
Composição: Ari Barroso

Brasil Brasil
Meu Brasil brasileiro Terra boa e gostosa
Meu mulato inzoneiro Da morena sestrosa
Vou cantar-te nos meus versos De olhar indiscreto
Ô Brasil, samba que dá Ô Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar Bamboleio, que faz gingar
Ô Brasil, do meu amor Ô Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor Terra de Nosso Senhor
Brasil, Brasil Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim Pra mim, pra mim
Oh, esse coqueiro que dá coco
Ah, abre a cortina do passado Onde eu amarro a minha rede
Tira a Mãe Preta,do serrado Nas noites claras de luar
Bota o Rei Congo, no congado Brasil, Brasil
Brasil, Brasil Pra mim, pra mim
Pra mim, pra mim Ah, ouve essas fontes murmurantes
Deixa, cantar de novo o trovador Aonde eu mato a minha sede
A merencória luz da lua E onde a lua vem brincar
Toda canção do meu amor Ah, este Brasil lindo e trigueiro
Quero ver a Sa Dona, caminhando É o meu Brasil, brasileiro
Pelos salões arrastando Terra de samba e pandeiro
O seu vestido rendado Brasil, Brasil
Brasil, Brasil Pra mim, pra mim
Pra mim, pra mim

2
Da Cor Do Pecado
Composição: Bororó

Esse corpo moreno Teu corpo moreno


Cheiroso e gostoso Moreno enlouquece
Que você tem Eu nem sei bem porque
É um corpo delgado Só sinto na vida o que vem...
Da cor do pecado De você
Que faz tão bem
Esse beijo molhado Esse corpo moreno
Escandalizado que você me deu, Cheiroso e gostoso
Tem sabor diferente Que você tem
Que a boca da gente É um corpo delgado
Jamais esqueceu. Da cor do pecado
Que a boca da gente Que faz tão bem
Jamais esqueceu. Esse beijo molhado
Escandalizado que você me deu
Quando você me responde Tem sabor diferente
Umas coisas com graça Que a boca da gente
A vergonha se esconde Jamais esqueceu
Porque se revela Tem sabor diferente
A maldade da raça Que a boca da gente
Esse cheiro de mato Jamais esqueceu
Tem cheiro de fato Tem sabor diferente
Saudade, tristeza Que a boca da gente
Essa simples beleza Jamais esqueceu

Morena Boca de Ouro


Composição: Ary Barroso

Olha a Ginga da morena lá E só vai entrar na roda quem tiver moral


Vai não vai? pra sambar
Cai não cai? Morena boca de ouro que me faz sofrer, o
seu jeitinho é que me mata.
Abre a roda pra morena, bota pra Roda morena vai não vai, ginga morena
queimar. cai na cai.
Samba morena, e me desacata.

3
Samba que meche com a gente, samba
Morena é uma brasa viva pronta pra que zomba da gente, o amor é um samba
queimar tão diferente.
Queimando a gente sem clemência Morena samba no terreiro, visando,
Roda morena vai não vai, ginga morena vaidosas, sestrosas, meu coração.
cai não cai. Morena têm pena de mais um sofredor
Samba morena com benevolência que se queimou na brasa viva do teu amor
Meu coração é um pandeiro, gingando ao (2x)
compasso do samba feiticeiro.

Nega do Cabelo Duro


Composição: David Nasser e Rubens Soares

Nega do cabelo duro Qual é o pente que te penteia?


Qual é o pente que te penteia? Qual é o pente que te penteia?
Qual é o pente que te penteia?
Qual é o pente que te penteia? Ondulado e permanente
teu cabelo é de sereia
Quando tu entras na roda Misampli a ferro e fogo
O teu corpo serpenteia Não desmancha nem na areia
Quando tu entra na roda
Tem um "q" que me tonteia Nega do cabelo duro
Qual é o pente que te penteia?
Nega do cabelo duro Qual é o pente que te penteia?
Qual é o pente que te penteia? Qual é o pente que te penteia?

Mulata Brasileira
Composição: Custódio Mesquita e Joraci Camargo

Eram três os continentes Índios nus escravizados


E três raças diferentes Negros fortes a penar...
A sonhar a noite inteira. Produziram essa mistura
O silêncio era profundo Essa estranha criatura
Quando veio ao Novo Mundo Que nem Deus soube criar...
A mulata brasileira
Negro deu a nostalgia
Portugueses degredados Português a valentia

4
E o índio deu a cor. Quando gosta não maltrata
Ela é feita de saudade Porque sofre que faz dó...
Sofrimento e falsidade Mas senão é uma desgraça
Como é o próprio amor. Porque junta em sua raça
É por isso que a mulata Três mulheres numa só!

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