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Thinking, Fast and Slow (2011) devia ser o livro utilizado nas escolas para fazer a
introdução à Psicologia, com isto quero dizer que o livro é de tal forma fundamental na
compreensão da cognição humana que se torna obrigatório. O livro vai ao fundo daquilo
que somos, e porque vemos o mundo desta forma. O livro não pode transformar-nos, mas
pode deixar-nos muito mais conscientes daquilo que nos comanda. O livro é de tal forma
fundamental que vários livros, bestsellers sobre o comportamento humano, se têm baseado
nos estudos aqui apresentados - Fooled by Randomness: The Hidden Role of Chance in Life
and in the Markets (2001), Freakonomics: A Rogue Economist Explores the Hidden Side of
Everything (2005), Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions
(2008), The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives (2009).
Por outro lado o Sistema 2 é acionado de modo consciente para realizar uma decisão, para
ponderar os prós e contras, exige esforço da nossa parte, realiza cálculos de hipóteses e age
segundo lógicas aprendidas, não se baseia na intuição. O sistema 2 entra em acção com
esforço, quando somos obrigados a realizar decisões complexas que exigem ponderação
complicada, como cálculo matemático mental. As nossas pupilas são o reflexo exterior do
Sistema 2. As pupilas dilatam e encolhem consoante o cérebro está mais profundamente
activo, ou seja são um claro indicador da quantidade electricidade activa no nosso cérebro.
"System 2 is the only one that can follow rules, compare objects on several attributes, and
make deliberate choices between options. The automatic System 1 does not have these
capabilities. System 1 detects simple relations (“they are all alike,” “the son is much taller
than the father”) and excels at integrating information about one thing, but it does not deal
with multiple distinct topics at once." Kahneman
Depois de apresentados os dois sistemas, Kahneman vai passar toda a primeira parte do
livro a detalhar situações em que o Sistema 1 se sobrepõe ao Sistema 2 e nos leva a cometer
decisões erradas: esforço e atenção; controlador preguiçoso; máquina associativa;
facilitador cognitivo; normas, surpresas e causas. Algumas destas situações são
verdadeiramente preocupantes, e deveriam ser mais discutidas entre nós, assumidas como
uma realidade, para que pudéssemos compreender melhor como funcionamos no nosso dia-
a-dia, e como tomamos decisões. Resumo aqui apenas algumas destas:
Por outro lado os correctores da bolsa ou os cientistas políticos que fazem previsões de
longo-prazo trabalham num ambiente de validade zero. No fundo os seus falhanços são
apenas um reflexo da total imprevisibilidade dos eventos que eles estão a tentar prever.
Leonard Mlodinow escreveu todo um livro sobre as questões da aleatoriedade da vida a
propósito destes estudos, The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives (2009).
Mas um dos exemplos mais interessantes que Kahneman nos dá é da análise da história do
século XX.
"The idea that large historical events are determined by luck is profoundly shocking,
although it is demonstrably true. It is hard to think of the history of the twentieth century,
including its large social movements, without bringing in the role of Hitler, Stalin, and Mao
Zedong. But there was a moment in time, just before an egg was fertilized, when there was
a fifty-fifty chance that the embryo that became Hitler could have been a female.
Compounding the three events, there was a probability of one-eighth of a twentieth century
without any of the three great villains and it is impossible to argue that history would have
been roughly the same in their absence. The fertilization of these three eggs had
momentous consequences, and it makes a joke of the idea that long-term developments are
predictable." Kahneman
PARTE IV - "Prospect Theory"
Na quarta parte do livro Kahneman dedica-se a apresentar o seu trabalho no campo das
Escolhas, e é aqui que apresenta a sua grande teoria, responsável pelo Nobel recebido em
2002 - Prospect Theory. Amos e Kahneman descobriram uma falha nas teorias económicas,
que previam os comportamentos das pessoas com base em lógicas racionais quantificáveis.
Os economistas acreditavam que as pessoas procuravam sempre maximizar os seus ganhos
- “maximize utility" - mas isso verificou-se não ser verdade, por causa de falhas ao nível
cognitivo, como por exemplo a Aversão à Perda. Quantos de nós são capazes de agir
racionalmente e optar por vender a nossa casa por menos dinheiro do que nos custou? A
teoria fica demonstrada no exemplo abaixo:
- Se forçados a escolher entre receber garantidamente 500€ ou ter 50% de chance de
ganhar 1.000€, a maioria de nós irá optar pela coisa certa. Mas se a escolha for entre
perder garantidamente 500€, ou ter 50% de chance de perder 1.000€, a maioria de nós
preferirá jogar -
PARTE V
A quinta e última parte é dedicada aos seus mais recentes trabalhos no campo da análise da
felicidade e bem estar. Deste capítulo o que mais me interessou foram as suas análises e
comparações entre o processo de storytelling e o modo como criamos e guardamos
memórias das nossas experiências. Neste processo o autor definiu um novo patamar
cognitivo, a que chamou os Dois Eus ("Two Selves"), que não estão relacionados com os
Sistemas 1 e 2, mas antes com o Eu que Experiencia, e o Eu que Recorda. Nos seus estudos
demonstrou que a nossa memória segue uma lógica de "Peak-end rule", em que apenas
preserva o pico da experiência e o modo como acaba, negligenciando a duração da
experiência. Já falei disto num artigo na Eurogamer - A Memória da Experiência. Deixo um
excerto desse artigo,
"Aprendemos assim que existe um conflito entre o Eu que experimenta, e o Eu que
relembra. Somos seres feitos de histórias, e a nossa mente constrói continuamente histórias
sobre as nossas experiências. Estas descobertas vêm de algum modo lançar mais alguma
luz sobre as razões pelas quais estruturamos as narrativas em modelos que possuem um
início, um meio, e um fim. O que interessa de cada história que nos contam, é o modo
como começa pelo seu contexto, depois o seu momento alto, o clímax, e finalmente o modo
como acaba. Assim não só explicamos a necessidade de linearidade, seguir estes três
momentos, mas explicamos ainda melhor a obsessão que temos pelos finais felizes nas
histórias." Zagalo, in Eurogamer.pt
O livro é grande por isso a quantidade de dados, estudos, experimentos e casos é enorme. A
quantidade de teorização apresentada para suportar cada um destes é ainda maior. Como
dizia no início isto deveria ser um livro obrigatório em qualquer introdução ao mundo da
Psicologia. É um dos livros maiores da área para leigos, capaz de nos ajudar a ir além do
mero senso comum, do expectável, das crenças. É já um clássico, e um dos grandes livros
obrigatórios.