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Resumo
A história do Jornalismo está diretamente ligada ao desenvolvimento de novas tecnologias e
do uso delas no cotidiano. Desde a substituição das linotipos por máquinas off-set e, depois,
das máquinas de escrever por computadores o cotidiano dos jornalistas tem mudado nas
redações, bem como as características infra-estruturais dos locais de trabalho. Este artigo
apresenta uma breve história da chegada dos computadores nas redações dos principais
jornais de Santa Catarina e das mudanças ocorridas nas redações a partir desse evento.
1
- Professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, doutorando
da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, mestre em Sociologia política pelo
programa de pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.
Embora um sem-número de jornalistas continue a afirmar que a profissão nada tem de
tecnológica e que é movida pela criatividade e expressividade do profissional, a realidade que
se apresenta é bem diversa. Desde sempre o Jornalismo esteve ligado à tecnologia. Por acaso
os aparelhos de rádio, televisão, fotografia e os equipamentos para produzir materiais para
estes suportes não estão diretamente ligados a ela? O que seriam o telefone, o fax, o velho
telex e as máquinas de linotipia e clicheria senão formas de tecnologia?
Talvez o que se possa discutir é que, muitas vezes, um muro (literalmente) separou os
jornalistas desses inventos maravilhosos. Carlos Sepetiba, revisor do extinto jornal A Gazeta,
de Florianópolis, conta que na sede da Rua Conselheiro Mafra a redação ficava na frente e as
Mergenthaler2 atrás – separadas por meia parede de tijolos. Nessa meia parede havia uma
passagem estreita por onde o aprendiz levava o material escrito a máquina ou a mão para a
composição. E mais, “era na parte da frente que trabalhava a intelectualidade, atrás ficavam
gráficos que contavam histórias engraçadas e que, diferentemente dos jornalistas, eram
organizados, ideológicos e tinham os salários pagos sempre em dia”.
propiciado pelos 140 terminais e suas 138 teclas (...) e a limpeza, nada de montanhas de papel”. 3
2
- Máquina de linotipia inventada pelo alemão Ottmar Mergenthaler em 1879. O princípio da Linotype consiste
em juntar, com a ajuda de um teclado, não letras mas matrizes de letras que formam um molde/bloco em linha.
Por isso estas máquinas se chamam "linhas bloco" em oposição às máquinas que compõem linhas letra por letra
(ex: Monotype). É esta particularidade de fundir num só bloco de chumbo uma linha de matrizes (type em
inglês), ou seja "line of type" (linha de matrizes), que está na origem do seu nome.
3
- Artigo publicado na revista Imprensa em setembro de 1987, assinado por Astrid Fontenelle
e Débora Chaves. Neste artigo são descritas as condições da redação do jornal O Globo antes e
depois da informatização.
As mudanças são percebidas não só no ambiente e na estrutura física, mas também numa nova
relação com o texto. O fazer texto através do computador, com suas possibilidades de
processamento e arquivo de texto, ganha mobilidade e rapidez: “ (...) mas é no terminal que se
escondem as mais saborosas novidades para qualquer jornalista (...) para começar o usuário
fica dispensado da preocupação com o fim de cada linha, o computador hifeniza (...) a tela
pode ser dividida em duas, de um lado a matéria do repórter e do outro a do redator (...) o
computador também permite a inserção de qualquer informação, em qualquer ponto.” 4
No espaço físico das redações a tecnologia introduziu limpeza – desapareceram as centenas de
laudas amassadas no chão, sumiram as caixas de papel carbono para as cópias necessárias
para a linha de produção. Até mesmo o cafezinho e o cigarro se renderam à tecnologia, uma
vez que os terminais ficam prejudicados com farelos e ambientes poluídos. Mudou também a
iluminação e a temperatura do ar. Se antes do computador era inimaginável uma redação com
ar condicionado e persiana nas janelas, hoje isso é rotina e já está incorporado ao dia-a-dia.
Mas, sem dúvida nenhuma, é na linha de produção de um jornal ou revista que se percebem as
mudanças mais óbvias: o diagramador, que antes não vivia sem a régua de paicas, as cartelas
de letras set e a caneta nanquim, aderiu aos softwares de edição de texto e trabalha com
precisão. A mesma sorte não tiveram os revisores e copy-desks que, simplesmente, um a um,
foram desaparecendo da redação. Avaliar se o jornal ficou melhor ou pior sem esses dois
profissionais, numa linha de produção ordenada, é tarefa que cabe a nós jornalistas, como
profissionais e categoria laboral, fazer.
Jornalismo e a Internet
A cada década do último século surgiram mídias e se desenvolveram ferramentas capazes de
torná-las massivas e populares em poucos anos. Com a Internet não foi diferente. Criada
originalmente pelos militares americanos no final dos anos 60, começou interconectando dez
computadores. Hoje, trinta anos mais tarde, reúne, segundo o Instituto de Pesquisa NEC,
ligado à Universidade de Princeton, aproximadamente 300 milhões de computadores em 150
países do mundo. Em 2002 a Internet recebeu mais de 130 milhões de novos usuários e o
número global atingiu mais de 620 milhões - 9,9% da população mundial. O número de
usuários nos países em desenvolvimento aumentou 40%, três vezes mais que nos países
desenvolvidos. Na China, o número aumentou 75% em 2002, no Brasil, 78,5% e na Índia,
136%. Mesmo no Oriente Médio, uma das regiões menos conectadas do mundo, o uso da
Internet cresceu 116%, em 2002.
4
- Idem nota de rodapé acima citada.
Os EUA, segundo o American Journalism Review News 5, lideram o número de publicações
online: são 4.925 sites de notícias existentes até setembro de 1998; destes, 3.622 pertencem a
empresas de comunicação. Embora no Brasil não se tenha estatísticas sobre o número de
publicações online, o Ibope fez um levantamento sobre a audiência desses veículos. De
acordo com a pesquisa realizada em 1999, 50% dos 25 mil internautas entrevistados
afirmaram que navegam na Internet em busca de informações6.
Apesar destes números, a Internet vive a sua pré-história como meio de comunicação - ainda
sem uma linguagem definida, apropriando-se da linguagem de outros veículos para a difusão
de textos, sons e imagens. Não restam dúvidas, no entanto, que essa linguagem se
estabelecerá a partir da convergência das mídias e da união dos recursos infinitos de arquivo
com a transmissão de informação em tempo real e com as possibilidades inéditas de
interatividade e customização. No entanto, para Simone (2001), “(...) só poderemos
desenvolver o verdadeiro jornalismo online quando todos nós tivermos possibilidade de usar a
banda larga e todos os benefícios que vêm do vídeo, áudio, animação – e não esboços destas
ferramentas”.
O jornalismo na Internet ou jornalismo online vive seus primórdios. No Brasil, e em boa parte
do mundo, ainda está “agarrado” aos velhos paradigmas do jornal impresso e se aproxima do
rádio, de forma paradoxal, quando se trata de conteúdo e forma textual. Os portais de ou com
conteúdo jornalístico, mesmo os que dispõem de links para últimas notícias, continuam com
características de jornal e revista impressa.7 A maioria dos sites de notícia ainda são divididos
em editorias (índice à vista), com capa, manchetes principais e chamadas para notícias
secundárias, banners comerciais e links para negócios. Assim, não é sem propósito que todos
nós navegamos ou folheamos os sites jornalísticos com uma certa facilidade. O mesmo não
acontece com o restante do conteúdo da rede, bastando verificar a dependência que temos dos
instrumentos de busca e, muitas vezes, a incapacidade de chegar a resultados satisfatórios
quando temos que ousar em hiperlinks múltiplos.
Para Pavlick (1997) o modelo transpositivo – shovelware, “é integrante dos três estágios do
desenvolvimento de conteúdos para Web, a saber: (1) transpositivo - transposição do conteúdo
analógico para o digital – com pequenas ou nenhuma modificação; (2) adaptativo, que tem
como característica a integração das linguagens dos meios tradicionais com as novas
possibilidades da rede e (3) onde “um original conteúdo noticioso, desenhado especificamente
5
- Disponível em www.ccp.ucla.edu. Acessado em 24 de junho de 2003
6
- Disponível em www.folha.com.br/informacao. Acessado 18 de junho de 2003.
7
- As empresas brasileiras de mídia se utilizam, em alguma medida, do que os americanos conceituam como
“shovelware”, ou seja, a transposição do conteúdo analógico para o digital – com pequenas ou nenhuma
modificação.
para a Web como um novo meio de comunicação”, vai fluir. Esse terceiro estágio seria
caracterizado também pela “aceitação de repensar a natureza de uma comunidade online,
mais, aceitação de experimentar novas formas de contar uma história”.
Pioneirismo por conta da implantação do Diário Catarinense, do grupo RBS, o primeiro jornal
a “nascer” informatizado na América Latina. A criação do DC, em maio de 1986, mostrou
aos jornalistas catarinenses uma nova realidade, que mesclava necessidade de reciclagem
8
- Ver, Baldessar, Maria José. Estudo sobre a Associação Nacional dos Jornais. Programa de
Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC. Mimeo, 1997.
profissional e adaptação a novas ferramentas de trabalho. No ano de sua implantação, o DC
atingia 166 municípios, com uma circulação média de 26 mil exemplares, considerando-se
assinaturas e venda avulsa. Sua redação era composta por 126 jornalistas, entre repórteres,
redatores, editores, fotógrafos e diagramadores.
Contradição gerada por relações de trabalho truculentas, marcadas pelo desrespeito a jornada
profissional de cinco horas, demissões arbitrárias e até o enquadramento dos profissionais em
outras categorias, como forma de burlar as leis trabalhistas e do piso salarial vigente. No final
da década de 80 e início de 90 uma série de greves, paralisações e protestos mostraram a
organização dos jornalistas catarinense e o resultado desse processo foi o fortalecimento do
Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e da categoria profissional.
9
- Horas de sobreaviso: “As empresas que exigirem a utilização de aparelhos eletrônicos de
localização, do tipo bip ou telefone portátil, celular ou qualquer forma de plantão permanente, pagarão
adicional de 30% sobre o salário mensal”.
Adoção de novas tecnologias: “Na hipótese de adoção de novas tecnologias que possam
implicar redução do quadro funcional, as empresas ficam obrigadas a desenvolver, junto com o
Sindicato, estudos de reaproveitamento em outras atividades dos jornalistas atingidos. Os não
aproveitados farão jus a um aviso prévio de, no mínimo, 90 dias. Para os que tenham mais de 35
anos de idade, o aviso será de 180 dias.”
Além da deterioração das condições de saúde, a evidência de precarização no trabalho é
observada nos chamados procedimentos flexibilizados. Em 1995, o Sindicato dos Jornalistas
de Santa Catarina deflagrou uma campanha contra o exercício irregular da profissão. Os
laudos da Delegacia Regional do Trabalho, responsável pela fiscalização, não só mostram o
desrespeito à legislação profissional como evidenciam a precarização do trabalho. Das trinta
empresas fiscalizadas – entre elas os jornais Diário Catarinense, A Notícia, O Estado e Jornal
de Santa Catarina - em seis é constatada a existência de contratos temporários de trabalho, em
quinze a abolição do controle de ponto através de livro ou máquina, em vinte e duas o não
depósito de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e em catorze o não pagamento do
salário normativo.
Assim, apesar das mudanças físicas nas redações e algumas alterações nos procedimentos
cotidianos de coleta da informação, no uso da Internet como fonte de dados e do computador
como banco de informações, pode-se afirmar que a introdução dos computadores nas redações
catarinenses, assim como em todo o país, não alterou a condição social do jornalista.
A tecnologia não mudou a relação do jornalista com seu fazer profissional ou com as
ferramentas de trabalho necessárias a ele. Da mesma forma, não mudou a relação entre o
empresariado de comunicação e os profissionais, essa continua sendo mediada pelo capital e
pela apropriação do trabalho.
Referências bibliográficas
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Publicado no Website Observatório da Imprensa.
www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos. Acessado em 23 de junho de 2003.
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----------------------- The future of Online Journalismo. Journalism: a guide to who’s doing
what. Columbia Rewiew, jun/ago, 1997.